Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | RICARDO MIRANDA PEIXOTO | ||
| Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO LIVRANÇA FOTOCÓPIA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | SUMÁRIO (art.º 663º, n.º 7, do CPC):
I. Já na vigência da versão do CPC aprovada pelo DL n.º 329-A/95, era jurisprudência pacífica que quando fosse constituído por título cambiário, só o documento original poderia servir de título executivo, com a única excepção de se permitir a apresentação de cópia autenticada quando o original estivesse a servir de título noutro processo de execução conhecido e, por esse motivo, não pudesse ser junto. II. Este entendimento decorre do perigo de, a admitir-se o pagamento perante quem exiba a cópia certificada, poder o aceitante ter de pagar segunda vez a quem lhe apresente o original. III. Esta exigência mantém-se no CPC actualmente vigente, estando consagrada no n.º 5 do artigo 724º do CPC. IV. Se até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados praticado no processo, o exequente notificado para o efeito, não juntar o original das livranças dadas à execução, pode o juiz oficiosamente declarar a execução extinta, ao abrigo do disposto no artigo 734º do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Apelação 22/10.3TBRMR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 3 * *** * Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo Relator: Ricardo Miranda Peixoto; 1º Adjunto: José António Moita; e 2ª Adjunta: Sónia Moura. * *** I. RELATÓRIO * A. A “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” propôs a presente acção executiva contra “M... – Sistemas de Segurança, Ld.ª”, AA, BB, CC e DD para pagamento da quantia exequenda de € 181.389,02, correspondente ao capital de € 130.277,70, juros vencidos de € 50.607,41 e € 503,91 de comissões e despesas convencionadas, acrescido de juros vincendos. Alegou para o efeito que por documento particular com as assinaturas notarialmente reconhecidas foram celebrados contratos de concessão de crédito à Executada “M...”, nos quais os co-Executados se constituíram fiadores e principais pagadores, respondendo solidariamente por toda a dívida. A Executada “M...” deixou de pagar as prestações dos empréstimos concedidos, tendo os demais Executados sido interpelados a honrar as obrigações assumidas, o que não fizeram até à corrente data. Para garantia dos contratos foram subscritas, aquando da sua celebração, duas livranças em branco pela sociedade Executada, de que juntou cópias nos documentos 7 e 9 do requerimento executivo, avalizadas pelos demais Executados, entretanto preenchidas pela Exequente: a primeira, no valor de € 69.892,45 (sessenta e nove mil, oitocentos e noventa e dois euros e quarenta e cinco cêntimos); e a segunda no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros). B. Por despacho proferido a 12.09.2024, foi a Exequente notificada para juntar aos autos o original do título executivo. C. A Exequente não logrou, nos prazos das sucessivas prorrogações que lhe foram concedidas pelo tribunal, encontrar e juntar os documentos originais dos títulos de crédito dados à execução, vindo, a 10.12.2024, argumentar que ao longo da tramitação processual não foram deduzidos pelos Executados, embargos ou oposição à penhora, tendo decorrido catorze anos de processado, sendo que a tramitação do processo executivo não previa, à data da instauração da acção, a obrigação de junção aos autos do original do título executivo/crédito, no caso livrança, pelo que não se mostra equitativo e proporcional, aplicar uma exigência consagrada apenas em 2013. Sustentou que a obrigação da junção aos autos pela Exequente, dos originais das livranças, coloca em causa os princípios da igualdade das partes e da estabilidade da instância, previstos nos artigos 4º e 260º do CPC. D. Com data de 09.01.2025 foi proferida decisão com o seguinte teor: “(…) Apesar do requerimento que antecede, crê-se aplicável o artigo 724.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, pelo que, na falta de junção dos originais, declara-se extinta a execução. (…) Valor: o da execução. (…) Custas pela exequente. (…) Determina-se o oportuno levantamento das penhoras que eventualmente tenham sido realizadas nos presentes autos. (…) D.N. (…)” E. Inconformada com o assim decidido, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição, sem negrito e sublinhado da origem): “(…) (I) O Tribunal a quo julgou extinta a presente execução, com fundamento na falta de junção do original dos títulos executivos, e, em consequência, determinou o levantamento das penhoras que eventualmente tenham sido realizadas nos presente autos. (II) Entendeu o Tribunal a quo que os originais deviam ter sido juntos aos autos, nos termos do disposto no nº 5, do artigo 724º do Novo Código Processo Civil. (III) A Recorrente não se conforma com a decisão ora sob recurso. (IV) Com efeito, no seguimento das diligencias realizadas com vista ao apuramento de bens suscetíveis de penhora, o Executado, ora Recorrido, apresentou requerimento onde invoca a prescrição da divida. (V) Em resposta ao requerimento apresentado, veio a Exequente, aqui Recorrente, pronunciar-se quanto ao mesmo, tendo esclarecido que em virtude da data de vencimento da livrança, bem como da citação dos Executados, a qual, saliente-se, ocorreu em janeiro de 2010, há muito que se encontra ultrapassado o prazo para oposição, pelo que o requerimento agora apresentado é manifestamente extemporâneo. (VI) Neste seguimento, ao invés de decidir sobre a pretensão dos aqui Recorridos, veio o douto Tribunal a quo ordenar a junção aos autos dos originais dos títulos de crédito dados à execução, note-se, passados catorze anos depois da entrada da ação em juízo. (VII) Em cumprimento do douto despacho veio a Exequente, em dezembro de 2024, invocar que a não junção do original dos títulos executivos não poderia originar a extinção dos autos, e, consequente levantamento das penhoras registadas. (VIII) Em causa temos uma Ação Executiva intentada em 2010, data esta em que a sua tramitação se encontrava consagrada no Código Processo Civil de 1961, nomeadamente, no art. 45.º e seguintes, sendo que, o mesmo não previa a obrigação de junção aos autos do original do título de crédito. (IX) No decurso da Ação Executiva em causa, apesar de citados para o efeito em janeiro de 2010, os Executados decidiram não deduzir Oposição à Execução. (X) Assim, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, foram penhorados dois imoveis, em 2011, tendo sido a respetiva Ação Executiva sustada, e, o imóvel penhorado sido adjudicado em sede de execução fiscal ao Banco Popular Portugal S.A., não tendo cabido qualquer valor à aqui Exequente, motivo pelo qual prosseguiram os autos os seus ulteriores termos quanto aos demais Executados. (XI) Verificada a transmissão de bens penhorados, existiu subsequentemente intervenção do Tribunal, sem que tenha sido levantada qualquer questão ou ordenado requerimento de aperfeiçoamento. (XII) Assim, o douto Tribunal a quo, ao requerer a junção dos originais das livranças, no momento em questão, não respeitou o disposto nos termos do art. 734.º do CPC. (XIII) Mais, a obrigação da junção aos autos pela Exequente, dos originais das livranças, coloca em causa, não só o princípio da igualdade das partes, mas também o da estabilidade da instância, não sendo uma decisão, equitativa, e, até mesmo proporcional. (XIV) Apesar de tudo quanto foi alegado pela Exequente, e da pronuncia requerida, o Tribunal a quo decidiu fazer tábua rasa de toda a tramitação processual já existente ao longo de 14 (catorze) anos, decidindo de forma leviana, pela extinção da execução, e, pelo levantamento das penhoras que eventualmente tenham sido realizadas autos, sustentando a sua decisão, única e exclusivamente no disposto no art. 724.º, n.º 5 do Código Processo Civil, dando assim, originem à nulidade da Sentença proferida, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 615.º do CPC. (XV) Ao proferir a douta Sentença, com base no disposto no art. 724.º, n.º 5 do Código Processo Civil o disposto, o doutro Tribunal a quo não respeitou a regra prevista no art. 12.º do Código Civil, quanto à aplicação da lei no tempo, colocando assim em causa, o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança, bem como, da igualdade das partes, e da estabilidade da instância. (XVI) Em face do exposto, concluímos que, o douto Tribunal a quo incorreu, também, num erro de julgamento. (XVII) Atento tudo quanto aqui se evidencia de modo fáctico e legal, importa concluir que mal andou o Tribunal a quo ao ter proferido a decisão de extinção dos presentes autos, com o consequente cancelamento das penhoras, pelo que se impõe a sua revogação, com imediata substituição de decisão que determine o prosseguimento da ação executiva até à integral liquidação da quantia exequenda. (…).” F. Notificados para o efeito, os Executados não contra-alegaram. * G. Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos. * H. Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos recorridos (art.ºs 635º, n.º 4, 636º e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art.º 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC). Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação. São as seguintes, as questões exclusivamente jurídicas, em apreciação no presente recurso: 1. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia; 2. Se deve ser revogada a sentença que declarou a execução extinta porque: - violou as regras de aplicação da lei no tempo, pois à data da instauração da acção executiva principal era desnecessária a junção aos autos do original do título de crédito executiva; - desrespeitou o disposto no art.º 734.º do CPC, ao ter sido proferida depois de adjudicado o imóvel penhorado ao Banco Popular Portugal S.A., em sede de execução fiscal; - violou os princípios da igualdade das partes, da estabilidade da instância, da segurança jurídica e da protecção da confiança. * *** II. FUNDAMENTAÇÃO * A. De facto * O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente. * B. De direito * Sustenta a Recorrente que a sentença de declaração de extinção da execução, objecto de recurso: - é nula, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 615.º do CPC, por se não ter pronunciado quanto à extemporaneidade da prescrição suscitada pelo Executado e quanto aos argumentos invocados pela Exequente depois de notificada para juntar o original do título de crédito; - não teve em consideração as circunstâncias de, no ano de 2010 em que foi instaurada a acção executiva, o Código Processo Civil vigente não prever a obrigação de junção aos autos do original do título de crédito executivo, nem terem os Executados deduzido Oposição à Execução, desrespeitando a regra prevista no art.º 12.º do Código Civil quanto à aplicação da lei no tempo; - ao solicitar a junção dos originais das livranças depois do imóvel penhorado sido adjudicado em sede de execução fiscal ao Banco Popular Portugal S.A., o Tribunal a quo não respeitou o disposto nos termos do art.º 734.º do CPC; - faz tábua rasa da tramitação processual durante 14 (catorze) anos, pondo em causa, não só o princípio da igualdade das partes, mas também os da estabilidade da instância, da segurança jurídica e protecção da confiança, não sendo uma decisão equitativa e, até mesmo, proporcional. * Da nulidade por omissão de pronúncia * Invoca a Recorrente a nulidade da decisão proferida, por se não ter pronunciado quanto à extemporaneidade da prescrição suscitada pelo Executado e quanto aos argumentos invocados pela Exequente depois de notificada para juntar o original do título de crédito. Prevê o n.º 1 do artigo 615º do CPC que “[é] nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)” As nulidades da sentença taxativamente previstas no art.º 615º, n.º 1, alíneas a) a e), do CPC, são vícios formais e intrínsecos, designados como error in procedendo, respeitando apenas à estrutura ou aos limites da decisão. Como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “[o]s casos das alíneas b) a e) do n.º 1 constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade. Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).” 1 São vícios a apreciar em função do texto da sentença, do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando – que são erros quanto à decisão de mérito constante da sentença), decorrentes de errada consideração da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do Direito (error juris) à matéria de facto, levando a que o decidido não corresponda à realidade ôntica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos. Quanto à nulidade prevista pela supracitada alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, a omissão de pronúncia ocorre perante a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. A norma em apreço conjuga-se com o n.º 2 do art.º 608º do CPC que impõe ao juiz o dever de “…resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)” (sublinhado nosso). A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que, por isso, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença. O que se compreende porque, por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas. Como ensina ALBERTO DOS REIS, não enferma da nulidade em apreço, a decisão “…que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito. (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer do seu ponto de vista: o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” 2 (sublinhados nossos). A este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2022, relatado pelo Juiz Conselheiro Isaías Pádua no processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 3, dá conta de que “constitui communis opinio, o conceito de “questões”, a que ali se refere o legislador, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, como já acima deixámos referido, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (…)”. No mesmo sentido, entre outros, v. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, relatado pelo Juiz Conselheiro Raúl Borges no processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1 e do Tribunal da Relação de Évora de 11.02.2021, relatado pela Juíza Desembargadora Emília Ramos Costa no processo n.º 487/20.5T8TMR.E1. 4 Sobre a questão também ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E FILIPE PIRES DE SOUSA referem ser “…pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com questões (STJ 23-1-19, 4568/13).”. 5 No caso em apreço, a questão que havia para decidir era apenas uma e consistia em saber se se impunha, ou não, a apresentação nos autos do original dos títulos de crédito executivos (livranças) por parte da Exequente, aplicando-se ao caso o disposto no n.º 5 do artigo 724º do CPC. Dúvidas não há de que a sentença recorrida conheceu da questão, considerando expressamente aplicável a suprarreferida norma e, face ao incumprimento da sua previsão pela Exequente, determinando a extinção da execução. Na economia da decisão proferida, o conhecimento da questão da extemporaneidade da prescrição suscitada pelo Executado, invocada pela Exequente, mostra-se prejudicado pela ausência de título executivo bastante para permitir o prosseguimento do processo executivo, sendo esta uma questão prévia relativamente aos argumentos esgrimidos contra a arguição da prescrição do crédito pelo Executado. No que respeita às razões de direito invocadas pela Exequente contra a possibilidade de extinção da execução ao abrigo do n.º 5 do art.º 724º do CPC, foram implicitamente afastadas pelo entendimento da decisão proferida no sentido de que a norma em apreço é aplicável ao caso, sendo certo que, a partir do momento em que este foi o seu entendimento, a Sr.ª Juiz não estava obrigada a deter-se nas razões jurídicas invocadas pela Exequente. A rejeição das razões aventadas pela Exequente não constitui, por isso, omissão de pronúncia, podendo, embora, traduzir eventual erro de julgamento. Termos em que fenecem os argumentos aventados pela Recorrente em apoio da invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia. * Do dever processual da Exequente juntar ao processo de execução o original do título de crédito executivo * Em causa está, neste ponto das conclusões do recurso, o incumprimento da obrigação de apresentar o original dos títulos de crédito – livranças - dados à execução. Resulta da alínea a) do n.º 5 do artigo 724º do CPC que “[q]uando a execução se funde em título de crédito e o requerimento executivo tiver sido entregue por via eletrónica, o exequente deve sempre enviar o original para o tribunal, dentro dos 10 dias subsequentes à distribuição; na falta de envio, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do executado, determina a notificação do exequente para, em 10 dias, proceder a esse envio, sob pena de extinção da execução.” (sublinhados nossos). Como referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e FILIPE PIRES DE SOUSA, “…se o título executivo apresentado à execução consistir num título de crédito, mesmo que apresentado como quirógrafo da relação subjacente, é necessário remeter ao tribunal o respetivo original na posse do exequente, a fim de ser integrado no suporte físico existente na secretaria judicial (nº 5). Trata-se de tutelar os interesses do devedor, evitando o risco de ser demandado noutro processo para pagamento da mesma quantia, tendo em conta as regras especiais das Leis Uniformes no que concerne à titularidade do direito de crédito cambiário (RE 4-6-20,3795/19).” (in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, 2ª edição, pág. 70, anotação 7 ao artigo 724º) (sublinhado nosso). A redacção da norma em apreço remonta à entrada em vigor da versão do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho que, no seu artigo 6.º, regia sobre a aplicação do regime do novo código à acção executiva pendente, nos seguintes termos: “1 - O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor. (…) 3 - O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor. (…)” (sublinhados nossos). Na situação vertente, a acção executiva foi instaurada no ano de 2010, ao abrigo da versão anterior do Código Processo Civil que, nos termos do artigo 6º vindo de citar, é a que rege sobre os requisitos do título executivo junto com o requerimento inicial. Todavia, na vigência do CPC de 1995, aprovado pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, era já jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores que quando o título executivo fosse constituído por título cambiário, só o documento original poderia servir de título executivo, com a única excepção de se permitir a apresentação de cópia autenticada quando o original estivesse a servir de título noutro processo de execução conhecido e, por esse motivo, não pudesse ser junto. Este entendimento decorre do perigo de, a admitir-se o pagamento perante quem exibisse a cópia certificada, poder o aceitante ter de pagar segunda vez a quem lhe apresentasse o original. Como explica o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.1999, relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Dinis no processo n.º 164/98, 6 “…admitir como título executivo uma fotocópia de documento cartular, mesmo autenticada, é escancarar a porta ao perigo, já que fica incontrolado que, no futuro, através de um simples endosso para um terceiro de boa fé, possa vir a ser apresentado a pagamento o original do documento. (…) Com uma fotocópia do original, mesmo autenticada (por notário) o requerente da execução não prova que, nessa altura, - da instauração da execução - seja o portador do documento. É que a única certeza que se tem é que ele era o portador no momento em que o notário certificou que a fotocópia está conforme com o original. Certeza que já não existe quando a execução é requerida, pois o original pode, entretanto, ter entrado em circulação. Mas este perigo já não existe se o original do título não está disponível, pelo simples facto de estar junto a outro processo e enquanto o estiver. (…) Esta é uma situação de excepção que justifica um tratamento jurídico diferente, desde que aquele perigo seja efectivamente afastado.” (sublinhados nossos). No mesmo sentido, para além do supracitado aresto, v. também os acórdãos do STJ de 23.03.1993 (in CJSTJ, 1992, Tomo II, pág. 27), de 10.11.1993 (in CJSTJ, 1993, Tomo III, pág. 127), do Tribunal da Relação do Porto de 15.06.1998 (in BMJ 478º, pág. 453) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.05.1996 e 11.12.2001 (respectivamente, in BMJ 457ª, pág. 429 e CJ 2001, Tomo V, pág. 111). A linha jurisprudencial assim definida, estriba-se no entendimento de FERRER CORREIA para quem “…o portador de uma cópia não pode reclamar o pagamento do aceitante, exibindo simplesmente a cópia; a não ser assim, poderia o aceitante ter que pagar segunda vez a quem lhe apresentasse o original” (in “Lições de Direito Comercial”, vol. 3, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra, 1975, pág. 152). Também JOSÉ LEBRE DE FREITAS (in “A Acção Executiva Depois da Reforma”, 4ª edição, Coimbra Editora, 2004, nota n.º 92, pág. 77) sustenta que “[n]o caso do título de crédito, ele não é substituível por uma cópia, ainda que dotada de força probatória do original (…) por só nele se incorporar a obrigação cambiária (…). Mas tal não deverá ir ao ponto de impor a não admissão de uma execução fundada em título de crédito (no caso, uma livrança) não disponível porque junto a outro processo e como tal certificado.” Deste modo, não se acompanha a alegação produzida pela Recorrente no sentido de que, à data da entrada da acção executiva em juízo não era exigível a junção do original das livranças dadas à execução, tanto mais que a Recorrente não alegou a utilização do original noutro processo executivo como causa impeditiva dessa junção. * Vista a insubsistência do argumento da inexigibilidade legal da junção dos originais dos títulos cambiários à data da propositura da acção, vejamos agora os restantes fundamentos invocados pela Recorrente para ver revertida a decisão da 1ª instância. * Da violação, pela decisão recorrida, do disposto no artigo 734º do CPC * Considera a Recorrente que ao solicitar a junção dos originais das livranças depois do imóvel penhorado ter sido adjudicado em sede de execução fiscal ao Banco Popular Portugal S.A., o Tribunal a quo não respeitou o disposto no art.º 734.º do CPC. O n.º 1 deste artigo do CPC prevê a possibilidade de o juiz “…conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”, cominando o n.º 2 a rejeição ou a extinção da execução se o vício não for suprido ou a falta não for corrigida. É incontroverso que o primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, mencionado no texto da norma em apreço deve ser praticado no processo onde se verificam as questões determinantes do indeferimento liminar ou do aperfeiçoamento do requerimento executivo. Isto porque é a produção dos efeitos da transmissão, nomeadamente junto dos terceiros de boa fé que suportam o pagamento do preço e têm a legítima expectativa de virem a ser investidos nas respectivas posse e propriedade que torna desaconselhável a extinção da execução. Segundo ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e FILIPE PIRES DE SOUSA, a extinção a execução “…pode ocorrer até um certo momento, mais concretamente até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes. Efetuados pagamentos na execução, fica precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art. 734º, n.º 1.” (in Op. Cit., volume II, 2ª edição, anotação 1 ao artigo 734º, pág. 100) (sublinhado nosso). Assim, não tem qualquer relevância na possibilidade legal de proferir o despacho de extinção da execução nos presentes autos, a circunstância de um dos bens penhorados ter sido vendido no âmbito de outro processo executivo (no caso, uma execução fiscal), pois o despacho recorrido não produz qualquer efeito relativamente àquela venda ou aos direitos adquiridos nesse outro processo por terceiros de boa fé. Improcede, assim, esta objecção colocada pela Recorrente ao despacho recorrido. * Da violação dos princípios da igualdade das partes, da estabilidade da instância, da segurança jurídica e da protecção da confiança * Entende a Recorrente que a decisão proferida faz tábua rasa da tramitação processual durante 14 (catorze) anos, pondo em causa, não só o princípio da igualdade das partes, mas também os da estabilidade da instância, da segurança jurídica e da protecção da confiança, não sendo uma decisão equitativa e, até mesmo, proporcional. Como vimos, desde data muito anterior à propositura da acção executiva que a jurisprudência e a doutrina vêm, em termos consensuais, considerando necessária a junção do original do título cambiário dado à execução, sob pena de indeferimento liminar / extinção do processo executivo. O ónus dessa obrigação processual impende sobre a Exequente desde o momento da propositura da acção e, por consequência, é-lhe imputável a omissão do respectivo cumprimento. A circunstância de terem decorrido 14 anos desde a propositura da acção, não tem o condão de isentar a Exequente dessa condição, nem constitui garantia de que o original do título cambiário em apreço não possa surgir, futuramente, nas mãos de um terceiro de boa fé. Por outro lado, pesem embora os 14 anos transcorridos, o processo de execução não atingiu a fase processual da venda, impeditiva da apreciação da questão em apreço como previsto pelo artigo 734º do CPC (que tinha o seu equivalente no art.º 820º do CPC anteriormente vigente). Deste modo, tem o juiz a faculdade de conhecer oficiosamente a questão da omissão do título, dela retirando as devidas consequências legais. Nem se lobriga na extinção da execução com fundamento na omissão da junção dos originais que a Exequente, devendo ser conhecedora dessa obrigação, teve a possibilidade de juntar durante 14 anos, violação dos princípios identificados nas alegações de recurso. A invocação do princípio da igualdade das partes mostra-se claramente deslocada, na medida em que o ónus de juntar o original do título é da Exequente e não dos Executados ou de outros intervenientes no processo. Trata-se para além do mais, de uma imposição que abrange todos os exequentes que deem à execução um título cambiário com a característica de ser pagável ao portador. Quanto à violação da estabilidade da instância, trata-se de um princípio referente à fixação da identidade das partes, do pedido e da causa de pedir ao longo do processo que, no caso vertente, não sofreram qualquer alteração com a decisão recorrida, na medida em que esta se limitou pôr fim à lide. No que respeita à segurança jurídica e à protecção da confiança, dissemos já que se tem mantido inalterada, ao longo de todos estes anos, a exigência de junção dos originais das livranças dadas à execução, razão pela qual tinha a Exequente todos os motivos para, agindo com a diligência processual que lhe era exigível, só propor a acção se os tivesse consigo ou conseguisse obtê-los no prazo que lhe viesse a ser fixado pelo tribunal para o efeito. Não o tendo feito, nem tendo ocorrido a venda de bens no processo em apreço, nenhuma razão válida teria para se considerar isentada dessa imposição. Por fim, as razões apresentadas afastam também as sugeridas iniquidade e desproporcionalidade da decisão recorrida que não só é conforme o direito aplicável ao caso, como se não vislumbra a possibilidade de um desfecho legal que pudesse ser mais favorável à Exequente. * Tendo soçobrado os fundamentos da discordância da Recorrente relativamente à decisão recorrida, deverá manter-se a declarada extinção da execução por omissão do dever de juntar o original das livranças que constituem o título executivo. * *** Custas * Não havendo norma que preveja isenção (art. 4º, n.º 2 do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (art.º 607º, n.º 6, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do CPC). No critério definido pelos artigos 527º, n.ºs 1 e 2 e 607º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito. No caso vertente, a Recorrente / Exequente da acção principal recorreu, tendo ficado vencida. Assim, devem as custas ser suportadas pela Recorrente. * *** III. DECISÃO * Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em: 1. Julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão que julgou extinta a execução. 2. Condenar a Recorrente no pagamento das custas do presente recurso. * Notifique. * *** Évora, d.c.s. Os Juízes Desembargadores: Relator: Ricardo Miranda Peixoto; 1º Adjunto: José António Moita; e 2ª Adjunta: Sónia Moura.
_______________________________________ 1. In “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, anotação 3 ao então artigo 668º, pág. 669.↩︎ 2. In “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, anotação 5 ao artigo 668º, pág. 143.↩︎ 3. Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/952807c78e863705802588d9004df1b1?OpenDocument↩︎ 4. Disponíveis, respectivamente, nas ligações: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/749cacb56fc5b1868025868800764267?OpenDocument↩︎ 5. In “Código de Processo Civil Anotado”, volume I, Almedina, 3ª edição, anotação 13 ao artigo 615º, pág. 794.↩︎ 6. Disponível na ligação: https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:1999:99B570.5B?search=GXur-tieh-YTWOXPyHs↩︎ |