Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | PENHORA COMPROPRIEDADE | ||
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Data do Acordão: | 11/22/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - Se constar do auto de penhora que «foi penhorada metade da fracção» e não a quota do executado na fracção. Tal expressão deve ser interpretada e entendida com o sentido com que o fez o Sr. Conservador do registo predial ao registar a penhora «do direito do executado na dita fracção». Ou seja a sua quota-parte ideal, correspondente a metade da dita fracção, pertencente em compropriedade, com igualdade de quotas ao executado e à embargante. II - Sendo assim, como não pode deixar de ser, é óbvio que nem a penhora nem o seu registo ofenderam a posse da embargante. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 5316/11.8TBSTB-A.E1 Apelação 1ª Secção Recorrente: Idália ……………….. Recorrido: Banco Santander Consumer Portugal, SA * Relatório[1] Por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada contra O…………… por Banco Santander Consumer Portugal, SA, veio Idália ………….. deduzir embargos de terceiro. Além do mais, alegou que é comproprietária da fracção penhorada na execução, ofendendo a penhora a sua posse e propriedade na medida em que ela incidiu sobre o bem imóvel e não sobre a quota-parte que o executado tem nesse imóvel, citando a esse propósito a doutrina autorizada e referindo que a penhora devia ter sido efectuada nos termos do art. 862º do CPC. Face à forma como o registo foi efectuado, foi proferido despacho indagando se a embargante mantinha interesse nos embargos, tendo a mesma reiterado a posição inicialmente assumida. De seguida foi proferido despacho indeferindo liminarmente os embargos. Inconformada veio a embargante, interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1 – Dispõe o n.º2 do art.º 653.º do C.P.C.: “A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.” 2 – De acordo com a doutrina maioritária (v.g., Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 348; F. Ferreira Pinto, Lições de Direito Processual Civil, 1997, página 440; Miguel Côrte-Real, O Dever de Fundamentação da Decisão Judicial Dada sobre Matéria de Facto, em Vida Judiciária, n.º24, Abril de 99, págs.22 e ss.; contra, Rui Rangel, A Prova e a Gravação da Audiência no Direito Processual Civil, 1998, pág. 59), o n.º2 do art.º 653.º não se contenta com a fundamentação dos factos positivos, mas exige, de igual modo, que os factos não provados sejam devida e criteriosamente fundamentados, através da apreciação crítica das provas propostas pelas partes, de molde a evidenciar a razão ou razões que levam o Tribunal a concluir não serem as mesmas suficientes para infirmarem conclusão diversa da de considerar tais factos como não provados, fundamentação esta que a generosidade dos Juízes omite, nos factos negativos, por aplicação das regras do ónus da prova. 3 – A decisão sobre a matéria de facto não pode confinar-se nem à mera declaração de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, nem a essa declaração acompanhada da fundamentação genérica dos meios de prova que conduziram a um ou a outro daqueles resultados. 4 – O n.º 2 do art.º 653.º, exige, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos no processo e, por outro, manda especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, expressa na resposta, positiva ou negativa, dada à matéria de facto controvertida. 5 – A deficiência, obscuridade, contradição ou falta de fundamentação das respostas, além de poderem ser arguidas mediante reclamação, art.º 653.º, n.º4, podem sê-lo no recurso a interpor da sentença, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 712.º do CPC. 6 – Veio a douta Sentença decidir: “A razão de ser da dedução dos embargos é a de que foi penhorada uma parte determinada do bem imóvel, e não uma quota-parte que o executado tem na propriedade desse imóvel. Ora, embora se concorde com o essencial da fundamentação jurídica aduzida pela embargante, certo é que do registo predial resulta que a penhora foi registada sobre a quota-parte que o executado tem na propriedade do imóvel, e não uma parte determinada do mesmo. Há compropriedade, ou propriedade em comum, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, sendo que os direitos dos consortes, embora qualitativamente iguais, não têm que ser quantitativamente iguais; embora na falta de indicação em contrário do título constitutivo eles se presumam quantitativamente iguais (art. 1403º do CC). Por isso se afirma que a compropriedade é concebida no nosso direito como “um caso de contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum” (P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., 344). A quota do comproprietário não pode ser alienada nem onerada sem o consentimento dos consortes; e o comproprietário goza do direito de preferência no caso de venda a estranhos da quota de qualquer dos consortes (arts. 1408º, n.º 1, e 1409º, n.º 1 do CC). No caso dos autos, estando registada a penhora da quota do executado, quota essa que se presume quantitativamente igual face à falta de indicação em contrário na escritura de compra e venda, o direito da embargante será assegurado por via do exercício do direito de preferência, nos termos do art. 895º do CPC. Ou seja, não se pode afirmar que a penhora efectuada e registada ofendeu o direito da embargante, já que ela não incidiu sobre a quota-parte de que é titular enquanto comproprietária do imóvel. Aliás, um dos efeitos da penhora é a transferência dos poderes de gozo que integram o direito do executado, e nessa transferência de poderes não foi afectada a quota da embargante (Lebre de Freitas, A Acção Executiva - Depois da Reforma, 4ª edição, págs. 263-264). E é sabido que, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, embora esse uso não constitua posse exclusiva ou posse de quota superior à do comproprietário. Deste modo, não estando em causa qualquer acto susceptível de ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da penhora, vai-se proferir decisão de indeferimento liminar dos embargos (arts. 351º e 354º do CPC).” 7 – A execução, de que constituem apenso os presentes embargos de terceiro, tem por base um débito do executado à exequente. 8 – A embargante, ora recorrente não é executada na execução de que constituem apenso os presentes embargos de terceiro. 9 – Não subsistindo quaisquer dúvidas de que a embargante ora recorrente é terceiro na execução, não tendo intervindo, por qualquer forma, no processo ou no acto jurídico de que emanou o mesmo. 10 – Em 5 de Janeiro de 2012, nos presentes autos e a requerimento da exequente, foi indevidamente penhorado metade da fracção autónoma designada pela letra L, titularidade do executado O………………., correspondente ao quinto andar letra B, do prédio urbano destinado a habitação, sito na Rua Henrique Constantino, Urbanização do Bairro Afonso Costa (Lote 67), freguesia de Setúbal (S.Sebastião), concelho de Setúbal, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número 2342/19910926-L, e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 15847. 11 – A ora embargante teve conhecimento das referidas penhoras em 1/03/2012 quando recebeu a citação do apenso A dos presentes autos, conforme aviso de recepção de fls.76. 12 – A ora embargante é comproprietária da fracção penhorada identificada no antecedente art.º4, conforme certidão do registo predial on-line com a chave de acesso GP-0568-90648-151205-002343, válida até 16/12/2012, correspondendo o seu direito a metade indivisa do referido imóvel. 13 – Assim, a penhora efectuada nos autos de execução ofendeu a propriedade e posse da embargante, não havendo fundamento legal que a legitime. 14 – A lei admite, de forma latitudinária, a penhora de bens do executado na posse de terceiros (artº 831 nº 1 do CPC). Esse terceiro pode, porém, ser possuidor exclusivo do bem penhorado ou co-possuidor dele, seja em compropriedade se, seja, no caso dos cônjuges, em comunhão de bens, pelo que se coloca o problema de ser se a esse terceiro possuidor, desapossado dos bens por qualquer acto executivo, é lícita a dedução de embargos de terceiro (artº 351 nº 1 do Código Civil). 15 – Existem várias soluções no que tange à natureza jurídica da compropriedade, cuja destrinça reputamos de fulcral para a solução do problema em análise. 16 – Defende a doutrina tradicionalista, seguida, nomeadamente, por Manuel Rodrigues, que a compropriedade deriva da coexistência dos direitos de cada um dos consortes sobre uma quota ideal ou intelectual do objecto sobre que ela incide - cada um dos comproprietários tem direito a uma quota ideal não especificada do objecto, ao contrário do que sucede na propriedade singular, que é exercida directamente sobre a coisa. 17 – Diversamente se entende noutra corrente, perfilhada por Luís Pinto Coelho, para a qual a compropriedade se trataria da coexistência de vários direitos de propriedade sobre todo o objecto, limitando-se, reciprocamente. Em suma:- existiriam várias propriedades sobre o mesmo objecto, limitadas por outras propriedades com igual objecto. 18 – Numa terceira posição sustenta-se (V. Henrique Mesquita, Direitos Reais, 246) que a compropriedade se trata de um único direito com vários titulares. 19 – A segunda das posições referidas parece esquecer que a propriedade é um direito absoluto que opõe o seu titular a todos os outros, pelo que é ilógica, como salienta Mota Pinto, Direitos Reais, 257, «a ideia da possibilidade de vários direitos de propriedade plena sobre o mesmo objecto na sua totalidade». 20 – A última posição, por seu turno, confunde em boa medida e no plano de regimes a compropriedade e a comunhão de mão comum ou património colectivo em que existe um só direito com vários titulares, visto que não é possível pedir a divisão pois há uma afectação especial do património a um fim específico; na compropriedade, cada um dos consócios tem uma boa liberdade para agir isoladamente no que respeita à SUA FRACÇÃO OBJECTO JÁ QUE ESTAMOS EM PRESENÇA DE VÁRIOS DIREITOS INCIDENTES SOBRE TODA A COISA E NÃO SOBRE PARTE ESPECIFICADA DELA, SOBRE UMA QUOTA IDEAL. 21 – Resta-nos, assim, aderir à doutrina tradicional segundo a qual cada um dos comproprietários tem direito a uma quota ideal ou intelectual do objecto da compropriedade, que é a única capaz de se harmonizar com a possibilidade que tem cada consorte de requerer a divisão da coisa comum ou de alienar a sua quota ideal quando muito bem entenda. 22 – Semelhante doutrina não é prejudicada pelo facto de os consócios terem determinados poderes de uso e de administração sobre toda a coisa pois, voltamos a dizê-lo, o que existe é um direito de propriedade que não versa sobre parte especificada mas sobre uma quota ideal, salvaguardando-se assim um razoável grau de determinação e eliminando o risco da existência de um hipotético direito de propriedade sobre coisas genéricas, que seriam incompatíveis com as exigências de determinação do objecto dos direitos reais. 23 – Entendida assim a figura da compropriedade, importa agora saber a que regime jurídico ela fica sujeita, especialmente no que diz respeito às possibilidades de ser praticado um acto (ou actos) sobre a coisa isoladamente, por um consorte. 24 – Nos termos do disposto no artº 1405º, nº 1, do Cód. Civil, todos os consortes exercem, em conjunto, os poderes que correspondem aos do proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes. Logo no artº 1406º se dispõe, quanto aos actos que podem ser praticados isoladamente por um dos consortes, que cada consorte pode usar a coisa comum na falta de acordo sobre o seu uso «...Contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prove os outros consortes do uso a que igualmente têm direito». 25 – Da conjugação destas disposições legais pode retirar-se que: a)- Se não há acordo entre os consortes quanto ao uso da coisa, cada um deles a poderá usar dentro dos limites legais; b)- Se, porém, houver acordo, cede o disposto na lei perante a convenção das partes. 26 – Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao artº 1406º do Cód. Civil, «relativamente ao uso esse preceito admite o princípio da solidariedade a cada um dos comproprietários, seja qual for a sua quota, é lícito servir-se dela, utilizá-la na totalidade e não apenas em parte. A possibilidade de uso integral da coisa, continuam mais adiante os ilustres autores, como se o contitular da propriedade fosse titular único da coisa, vale apenas como princípio supletivo da coisa. Daí que a maioria não poderá privar qualquer dos consortes sem o seu consentimento; daí que a qualquer dos comproprietários seja lícito opor que o uso pretendido ou exercido pelos outros o priva do direito que ele tem a usar igualmente da coisa. Quando falte o acordo, o único recurso a adoptar será o do gozo indirecto que consistirá na maior parte dos casos na locação da coisa com a consequente repartição dos proventos dela entre os consortes». 27 – Estamos de acordo, pois, com Pires de Lima e A. Varela, ob. e lugar citados, quando relevam que quanto à fruição, no que concretamente se refere à possibilidade de utilização da coisa como fonte de vantagens, o artº 1405º, nº 1, do Cód. Civil consagra a regra da proporcionalidade (em relação à quota de cada comproprietários). Mas o nº 1 do artº 1405º também é expresso ao sujeitar esse princípio o regime estatuído nos artigos seguintes, na sua parte final. Portanto, esse princípio pode ser afastado por acordo. 28 – Ora a compropriedade ou propriedade comum existe quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito e propriedade sobre a mesma coisa (1403.º Código Civil), o que é o caso dos autos. 29 – Cada comproprietário tem apenas a administração ordinária do prédio, estando os demais actos dependentes da autorização dos outros. 30 – Conforme refere Amâncio Ferreira, ob. Cit., p.171, “se, em execução movida contra um determinado prédio, fossem penhorados os próprios bens ou uma parte determinada deles, a penhora incidiria sobre bens de terceiro (os outros comproprietários). O que pode é penhorar-se o direito ideal do executado aos bens indivisos, nunca uma parte materialmente fixada”. 31 – Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios (artº 601º do CC). 32 – A penhora consubstancia-se na apreensão jurídica de bens do devedor ou de terceiro, em termos de desapossamento em relação àqueles e de empossamento quanto ao tribunal, com vista á realização dos fins da acção executiva [Castro Mendes, “Acção Executiva”, págs. 73 e 74]. 33 – Enquanto que a lei civil distingue entre coisas móveis e imóveis (artºs 204º e 205º do CC), a lei processual regula separadamente a penhora de imóveis, a de móveis e a de direitos – artºs 838º a 847º, 848 a 855º e 856º a 863º, respectivamente. 34 – Segundo Lebre de Freitas [“A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2ª ed., pág. 172, nota 4], não obstante a tripartição legal do objecto da penhora (penhora de bens imóveis, penhora de bens móveis, penhora de direitos), ela não se deixa, rigorosamente, classificar em penhora de coisas e penhora de direitos (…) nem, quando estão em causa créditos ou bens imateriais, deixa de ser uma penhora para passar a ser uma mera substituição subjectiva numa relação jurídica e, portanto, nas consequências, prováveis ou possíveis, dessa relação (…). A penhora actua, em qualquer caso, sobre um bem (o que explica a constituição do direito real de garantia, nem sempre acompanhada de uma transferência de posse), enquanto objecto da afectação própria do direito subjectivo (de onde deriva a ineficácia relativa dos actos de disposição ou oneração subsequentes à penhora, bem como dos actos extintivos do direito de crédito). 35 – A aquisição por compra e venda do imóvel penhorado nos presentes autos está inscrita no registo predial a favor do executado e da embargante, ora recorrente. 36 – Na falta de indicação em contrário no título constitutivo, as quotas dos comproprietários presumem-se quantitativamente iguais (nº 2 do mesmo normativo). 37 – Se um dos comproprietários de um imóvel for executado num processo de execução, não pode ser penhorada a totalidade do prédio, porque tal viola o disposto naquele normativo. Naquele caso, apenas pode ser penhorado o direito do executado ao bem indiviso. 38 – O auto de penhora, elaborado identifica penhora de metade da fracção autónoma designada pela letra L, titularidade do executado Osavair Rodrigues de Sousa, correspondente ao quinto andar letra B, do prédio urbano destinado a habitação, sito na Rua Henrique Constantino, Urbanização do Bairro Afonso Costa (Lote 67), freguesia de Setúbal (S.Sebastião), concelho de Setúbal, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número 2342/19910926-L, e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 15847. 39 – Tal penhora foi objecto de registo predial, quanto à quota-parte que o executado tem no bem imóvel, em divergências quanto ao auto de penhora. 40 – Assim, temos por um lado que, em face da não rectificação do auto de penhora, esta não deixou de lesar ou ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, da titularidade da embargante; 41 – Assim sendo, havia fundamento para a dedução dos presentes Embargos de Terceiro. 42 – Estando o referido imóvel em situação de compropriedade a penhora jamais poderia incidir sobre o bem imóvel, mas apenas sobre a quota-parte que o executado tem na propriedade desse imóvel. 42 – Sendo que a penhora sobre a quota-parte do imóvel sempre teria de ser efectivada nos termos do art.º 862.º, n.º1 do CPC, ou seja, mediante a notificação aos contitulares, neste caso à embargante (que o exequente deve indentificar) de que essa quota-parte se encontra penhorada. 43 – Tanto assim que são, para o efeito, requisitos essenciais da atendibilidade dos embargos de terceiro que o embargante: 1.º não haja intervido no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo ou quem no acto se obrigue; 2.° — tenha a posse sobre a coisa ou seja titular de qualquer direito sobre ela incompatível com a realização ou o âmbito da diligência. Nesta conformidade, os embargos de terceiro devem fundar-se numa posse anterior à diligência judicial respectiva. Consequentemente, o momento para aferir dessa posse é o da realização do acto judicial e não o da sua notificação ao executado ou do seu registo(Ac. RP, de 16.11.2004:JTRP00037378.dgsi.Net). 44 – E é o auto de penhora, sendo este o acto jurisdicionalmente ordenado pelo tribunal, e não contra o registo, que a embargante impugna a legalidade da penhora e pretende obter o seu levantamento. 45 – Ademais sempre o registo efectuado o deveria ser provisório por dúvidas por divergente do acto jurisdicional que o ordena. 46 – Termos em que a penhora nos moldes em que foi feita (foi penhorada uma parte especifica de um bem indiviso) incide sobre bem alheio sendo a forma de reação os embargos de terceiro (art.ºs 351.º e 352.º do CPC) 47 – Pelo que tal penhora efectuada nos moldes em que foi é ilegal, devendo os presentes embargos ser admitidos liminarmente e julgados procedentes por provados. 48 – Ao decidir como decidiu a douta Sentença violou o disposto nos art.ºs 653.º CPC, 351.º, 838.º, 835.º, 846.º, 863.º, 856.º, 857.º e 351.º CPC. Nestes termos e nos demais de Direito deve ser a douta sentença revogada nos termos supra expostos». * Não houve contra-alegações. * Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 684º, n.º 3, 685-A do Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil). Antes de entrarmos na apreciação do “objecto “ do recurso importa salientar que poderia não se conhecer do mesmo! Nos termos do art. 685-A nº 1 do C.P.Civil (diploma de que serão as disposição a referir) “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Refere ainda o nº 3 da disposição que “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o nº 2, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada …”. Quer isto dizer e para o que aqui importa, o recorrente deve terminar as suas alegações com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). Quando as conclusões não sejam resumidas, deve o relator instar o recorrente a sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada. Nas conclusões deve o recorrente intrometer as questões ou assuntos que quer ver apreciados e decididos pelo tribunal superior. É nas conclusões que se sintetiza a exposição crítica do corpo das alegações. É através das conclusões que o recorrente delimita objectivamente o recurso, como decorre do art. 684º nº 3. As conclusões terão de ser, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso, tendo como finalidade que elas se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal. Ora vistas as alegações verifica-se que as denominadas “conclusões” são uma cópia fiel e integral das alegações (foi copiar e colar…). Não se pode sequer falar em conclusões prolixas ou complexas porque de facto não houve o mínimo esforço de sintetizar as alegações, por forma a fazer-se uso do convite referido no art.º 685-A nº 3 e como tal poderia rejeitar-se o recurso por falta de conclusões (n.º 2 al. b) do art.º 685-C do CPC), pois efectivamente é isso que acontece. Porém deixando de lado os formalismos, sendo que a motivação do recurso decorre dum entendimento excessivamente formal da requerente quanto ao acto de penhora e porque se percebe o alcance do recurso, iremos apreciar a questão consistente em saber se a penhora, nos termos em que se encontra realizada ofende ou não o direito de propriedade da recorrente. O despacho recorrido é do seguinte teor: « Garantem-me os autos: 1. O auto de penhora refere a penhora de metade da fracção autónoma “L” do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º 2343 da freguesia de S. Sebastião, inscrito na matriz sob o artigo 15847. 2. Relativamente à fracção autónoma referida em 1., acha-se inscrita desde 30.01.01 a aquisição da mesma, por compra, a favor do executado e do embargante, o primeiro solteiro e maior de idade, a segunda com o estado civil de divorciada. 3. A inscrição referida em 2. foi efectuada com base em escritura de compra e venda na qual o executado e a embargante declararam aceitar a venda que lhes foi feita por Ercamar – Sociedade de Construções, Lda., adquirindo o imóvel para sua habitação própria permanente. 4. A penhora realizada na execução está inscrita no registo predial com a menção de que está registada relativamente à quota-parte de ½, reportando-se ao executado. * A razão de ser da dedução dos embargos é a de que foi penhorada uma parte determinada do bem imóvel, e não uma quota-parte que o executado tem na propriedade desse imóvel. Ora, embora se concorde com o essencial da fundamentação jurídica aduzida pela embargante, certo é que do registo predial resulta que a penhora foi registada sobre a quota-parte que o executado tem na propriedade do imóvel, e não uma parte determinada do mesmo. Há compropriedade, ou propriedade em comum, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, sendo que os direitos dos consortes, embora qualitativamente iguais, não têm que ser quantitativamente iguais; embora na falta de indicação em contrário do título constitutivo eles se presumam quantitativamente iguais (art. 1403º do CC). Por isso se afirma que a compropriedade é concebida no nosso direito como “um caso de contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum” (P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., p. 344). A quota do comproprietário não pode ser alienada nem onerada sem o consentimento dos consortes; e o comproprietário goza do direito de preferência no caso de venda a estranhos da quota de qualquer dos consortes (arts. 1408º, n.º 1, e 1409º, n.º 1 do CC). No caso dos autos, estando registada a penhora da quota do executado, quota essa que se presume quantitativamente igual face à falta de indicação em contrário na escritura de compra e venda, o direito da embargante será assegurado por via do exercício do direito de preferência, nos termos do art. 895º do CPC. Ou seja, não se pode afirmar que a penhora efectuada e registada ofendeu o direito da embargante, já que ela não incidiu sobre a quota-parte de que é titular enquanto comproprietária do imóvel. Aliás, um dos efeitos da penhora é a transferência dos poderes de gozo que integram o direito do executado, e nessa transferência de poderes não foi afectada a quota da embargante (Lebre de Freitas, A Acção Executiva - Depois da Reforma, 4ª edição, págs. 263-264). E é sabido que, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, embora esse uso não constitua posse exclusiva ou posse de quota superior à do comproprietário. Deste modo, não estando em causa qualquer acto susceptível de ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da penhora, vai-se proferir decisão de indeferimento liminar dos embargos (arts. 351º e 354º do CPC)». A decisão acabada de transcrever não merece a mínima censura e está perfeitamente correcta. Este tribunal não dispõe do auto de penhora para poder aferir se o que diz a recorrente é ou não verdade, já que o recurso vem instruído apenas com uma parte do auto –fls. 33. Mas mesmo que se verifique o que alega a recorrente que «foi penhorada metade da fracção» e não a quota do executado na fracção, nem assim tem razão. Na verdade tal expressão tem de ser interpretada e entendida com o sentido com que o fez o Sr. Conservador do registo predial e o tribunal “ a quo”, ou seja que o que foi penhorado foi o direito do executado na dita fracção ou seja a sua quota-parte ideal, correspondente a metade da dita fracção, pertencente em compropriedade, com igualdade de quotas ao executado e à embargante. Sendo assim, como não pode deixar de ser, é óbvio que nem a penhora nem o seu registo ofenderam a posse da embargante. Concluindo Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a decisão recorrida. Custas pela apelante. Notifique. Évora, em 22 de Novembro de 2012. -------------------------------------------------- (Bernardo Domingos – Relator) -------------------------------------------------- (Silva Rato – 1º Adjunto) --------------------------------------------------- (Mata Ribeiro – 2º Adjunto) Sumário: I - Se constar do auto de penhora que «foi penhorada metade da fracção» e não a quota do executado na fracção. Tal expressão deve ser interpretada e entendida com o sentido com que o fez o Sr. Conservador do registo predial ao registar a penhora «do direito do executado na dita fracção». Ou seja a sua quota-parte ideal, correspondente a metade da dita fracção, pertencente em compropriedade, com igualdade de quotas ao executado e à embargante. II - Sendo assim, como não pode deixar de ser, é óbvio que nem a penhora nem o seu registo ofenderam a posse da embargante. __________________________________________________ [1] Transcrito da sentença [2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. [3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. |