Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
266/24.0PBFAR-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
JUSTO IMPEDIMENTO
CITIUS
Data do Acordão: 05/07/2025
Votação: RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O justo impedimento funciona como uma cláusula geral de salvaguarda contra os efeitos das omissões involuntárias. E, como tal, o instituto está centrado na ideia da não culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários. Basta assim que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário.
2 – Cabe à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo.
3 – Em sede de processo penal, o requerimento de justo impedimento é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento, tal ressalta do texto do n.º 3 do artigo 107.º do Código de Processo Penal.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 266/24.0PBFAR-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Criminal de Faro – J4
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I – Relatório:
(…) veio reclamar do despacho de não admissão do recurso por si interposto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal.
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Por acórdão datado de 19/02/2025, lido e depositado no mesmo dia, o arguido foi condenado pela prática de diversos crimes.
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O requerimento de interposição de recurso foi apresentado em 28/03/2025.
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No dia 28/03/2025, a Meritíssima Juíza de Direito rejeitou o recurso interposto, por ser manifestamente extemporâneo.
Pode ler-se no referido despacho que: «Veio o arguido (…), em 28/03/2025, interpor recurso do Acórdão proferido nos autos, depositado em 20/02/2025 (a fls. 384).
O arguido esteve presente na leitura de tal Acórdão (cfr. ata de fls. 380).
O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias contados do depósito do Acórdão (artigo 411.º, n.º 1, alínea b), do CPP), prazo que terminou em 22/03/2024 que, por ser um sábado, se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, dia 24/03/2025.
O ato poderia ainda ser praticado nos três dias úteis seguintes, mediante o pagamento da multa a que alude o artigo 107.º-A do CPP, ou seja, até 27/03/2025, sendo que praticado o ato num desses dias sem que tivesse sido efetuado o pagamento da multa, devia a secretaria dar cumprimento ao disposto no artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Penal.
Porém, tendo o ato sido praticado no dia 28/03/2025, o mesmo é extemporâneo, não havendo, assim, lugar, ao cumprimento do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Penal.
Face ao exposto, rejeito, por extemporâneo, o recurso interposto pelo arguido (…)».
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Em 18/04/2025, o arguido apresentou reclamação contra a não admissão do recurso, invocando, em síntese, que «tal extemporaneidade ocorreu por erro da plataforma electrónica Citius e da aplicação Signius e não por culpa da parte», convocando assim a figura do justo impedimento.
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Em 30/04/2025, o Tribunal a quo admitiu a reclamação sub judice, assinalando que «aquando da apresentação do recurso ou até ao momento da prolação do despacho que não admite o recurso, não foi invocado qualquer justo impedimento».
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II – Dos factos com interesse para a decisão:
Os factos com interesse para a justa decisão do litígio são os que constam do relatório inicial.
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III – Enquadramento jurídico:
Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º[1] do Código de Processo Penal.
Em matéria de recursos dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º[2] do Código de Processo Penal que o prazo para a respectiva interposição é de 30 dias e conta-se, tratando-se de sentença ou acórdão, do respectivo depósito na secretaria.
O acto não foi praticado em qualquer dos três dias úteis subsequentes e assim não foi accionado o disposto no artigo 107.º-A[3] do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 139.º[4] do Código de Processo Civil.
O próprio arguido assume que o recurso é intempestivo, mas afirma que essa apresentação extemporânea se deveu a um problema informático que não lhe pode ser imputado, convocando, nesse momento, o instituto do justo impedimento.
Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto[5].
O justo impedimento funciona como uma cláusula geral de salvaguarda contra os efeitos das omissões involuntárias[6]. E, como tal, o instituto está centrado na ideia da não culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários[7]. Basta assim que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário[8].
Cumpre ao juiz apurar se o fundamento invocado reúne os requisitos legais e se ocorreu um cenário de impossibilidade absoluta de praticar directamente o acto, mesmo usando a diligência devida.
Cabe à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo.
Só existe justo impedimento quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade "absoluta" de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligência normais não faziam prever.
Porém, em sede de processo penal, o requerimento de justo impedimento é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento, tal ressalta do texto do n.º 3 do artigo 107.º[9] do Código de Processo Penal.
Da conjugação das datas referidas no relatório inicial verifica-se que o requerimento de justo impedimento não foi apresentado no prazo de três dias contado do termo do prazo legalmente fixado e a ilustre mandatária do arguido limitou-se a convocar esse argumento tardiamente já em sede de reclamação.
Tal significa que o instituto do justo impedimento não foi accionado no tempo e de acordo com os condicionalismos exigidos por lei, não se podendo, por isso, asseverar que a omissão da prática do acto no tempo correcto resulta de um erro desculpável da parte.
Desta sorte, mantém-se o despacho reclamado de não admissão do recurso interposto, por intempestividade do mesmo.
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IV – Sumário: (…)
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, mantém-se o despacho reclamado, não se admitindo o recurso interposto.
Custas a cargo do arguido, fixando a taxa de justiça em 2 UC´s.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 07/05/2025

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
(Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, no uso de competências delegadas)


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[1] Artigo 405.º (Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso):
1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 - A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.
[2] Artigo 411.º (Interposição e notificação do recurso):
1 - O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
2 - O recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples declaração na acta.
3 - O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na ata, ser apresentada no prazo de 30 dias contados da data da interposição.
4 - (Revogado.)
5 - No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.
6 - O requerimento de interposição ou a motivação são notificados aos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso, após o despacho a que se refere o n.º 1 do artigo 414.º, devendo ser entregue o número de cópias necessário.
7 - O requerimento de interposição de recurso que afecte o arguido julgado na ausência, ou a motivação, anteriores à notificação da sentença, são notificados àquele quando esta lhe for notificada, nos termos do n.º 5 do artigo 333.º.
[3] Artigo 107.º-A (Sanção pela prática extemporânea de actos processuais):
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;
b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;
c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.
[4] Artigo 139.º (Modalidades do prazo):
1 - O prazo é dilatório ou perentório.
2 - O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo.
3 - O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.
4 - O ato pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10% da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC;
b) Se o ato for praticado no 2.º dia, a multa é fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC;
c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é fixada em 40% da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 7 UC.
6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.
7 - Se o ato for praticado diretamente pela parte, em ação que não importe a constituição de mandatário, o pagamento da multa só é devido após notificação efetuada pela secretaria, na qual se prevê um prazo de 10 dias para o referido pagamento.
8 - O juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte.
[5] Artigo 140.º do Código de Processo Civil (Justo impedimento):
1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.
[6] Paula Costa e Silva, Acto e Processo, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pág. 314.
[7] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 3.ª edição, Almedina, Coimbra,2023, pág. 184.
[8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 274.
[9] Artigo 107.º (Renúncia ao decurso e prática de acto fora do prazo):
1 - A pessoa em benefício da qual um prazo for estabelecido pode renunciar ao seu decurso, mediante requerimento endereçado à autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a qual o despacha em vinte e quatro horas.
2 - Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.
3 - O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.
4 - A autoridade que defira a prática de acto fora do prazo procede, na medida do possível, à renovação dos actos aos quais o interessado teria o direito de assistir.
5 - Independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.
6 - Quando o procedimento se revelar de excecional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, os prazos previstos no artigo 78.º, no n.º 1 do artigo 284.º, no n.º 1 do artigo 287.º, no n.º 1 do artigo 311.º-B, nos n.ºs 1 e 3 do artigo 411.º e no n.º 1 do artigo 413.º, são aumentados em 30 dias, sendo que, quando a excecional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior.