Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ DE CARVALHO | ||
Descritores: | DELIBERAÇÃO SOCIAL NULIDADE ANULABILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – Uma deliberação é anulável quando ofende a lei em razão do seu processo formativo. 2 – A solução da nulidade da deliberação social justifica-se quando a mesma, pelo seu conteúdo, atenta contra normas imperativas. 3 – A convocatória e forma de realização da assembleia geral de uma sociedade anónima é disciplinada no artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais, a qual deve ser publicada nos termos do artigo 167.º do mesmo diploma. 4 – É certo que o contrato de sociedade pode exigir outras formas de comunicação aos accionistas e, quando sejam nominativas todas as acções da sociedade, pode substituir as publicações por cartas registadas ou, em relação aos accionistas que comuniquem previamente o seu consentimento, por correio electrónico com recibo de leitura. 5 – Como forma constitutiva do seu direito, o Autor teria de invocar que não foi publicada a convocatória online no sítio do Ministério da Justiça e que o contrato de sociedade previa qualquer outra forma de comunicação aos accionistas. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 65/22.4T8LGA.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J1 * (Não) Admissão de documentação: As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º[1] ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância. Da articulação lógica entre os artigos 651.º, n.º 1[2], 423.º[3] e 425.º do Código de Processo Civil resulta que a junção excepcional de documentos na fase de recurso depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. Existe um entendimento generalizado no sentido de recusar a junção de documentos para prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova[4], não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado[5]. Não estamos perante um conjunto de documentos objectivamente supervenientes. E na superveniência subjectiva só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento[6]. Quanto ao elemento surpresa Abrantes Geraldes sustenta que podem ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[7]. Aquilo que se pretendia era contornar os efeitos preclusivos associados à falta de contestação e assim garantir uma segunda oportunidade para alterar a matéria de facto e aduzir argumentação jurídica que foi preterida quando a parte optou por uma situação de revelia. Neste enquadramento, tendo presente as datas apostas nos documentos apresentados em sede de recurso, não estão presentes na presente situação os elementos que permitam enquadrar a situação na esfera de previsão do n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil, posto que não é admissível a junção da documentação em causa. Notifique. * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção de condenação proposta por (…) contra “(…) – Empreendimentos Turístico e Imobiliários, SA”, a sociedade Ré veio interpor recurso da sentença proferida. * O Autor pediu que fosse declarada a invalidade das deliberações tomadas no dia 26/07/2019 e, consequentemente, ordenada a extinção do inerente registo comercial que determinou as citadas alterações do pacto social. * Para o efeito, o Autor alegou que é sócio da Requerida, por deter acções representativas de 50% do seu capital social e que tomou conhecimento, a 18/01/2022, através do registo comercial da Requerida, de que foi levada a registo uma deliberação que procedeu à alteração do contrato de sociedade, mudança da sede, aumento de capital e designação de membros de órgãos sociais. Afirma que não foi convocado para tal assembleia, não esteve presente, nem votou a referida deliberação. Mais afirma que existem rumores que a requerida se prepara para vender a (…), situação que será facilitada por tal deliberação considerando que a sociedade passou a vincular-se com a assinatura de um único administrador, sendo que essa situação causa sério dano ao requerente. * A sociedade Ré foi regularmente citada para contestar, mas não apresentou peça de defesa.* Em função disso, foram considerados confessados os factos alegados pelo Autor, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 567.º do Código de Processo Civil. * O Tribunal a quo declarou nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré “(…) – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, SA” de 26 de Julho de 2019, registada pela Ap. (...) e (…)/20191120 e convertida pela Ap. (…)/20200427. * A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações continham as seguintes conclusões: «A) O A. ora Apelado, instaurou um procedimento cautelar de suspensão de deliberações socias contra a R., ora Recorrente, que correu termos sob o Processo 114/22.6TOLH o qual foi indeferido liminarmente por pedido manifestamente improcedente. B) O A., alegando a mesma factualidade do procedimento cautelar, instaurou a acção declarativa da qual ora se recorre. C) A R. não logrou contestar o peticionado pelo A. uma vez que o seu administrador único, idoso de 80 anos, se encontrava doente e não se pode deslocar à sede social durante vários meses a fim de recepcionar a citação. D) Face à revelia da R., o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes da sentença e que se dão aqui por reproduzidos. E) Com base nos factos provados foi proferida a decisão ora recorrida; F) Em face da revelia da R. não foi possível demonstrar em tempo que as respectivas convocações das várias assembleias gerais da R. – nas quais se inclui a assembleia a que o A. requer a anulação das deliberações – foram, sem excepção, regularmente convocadas nos termos do artigo 167.º, artigo 375.º, n.º 4, artigo 377.º, n.ºs 1, 2, 4, 5, 6, alínea a) e n.º 8, todos do Código das Sociedades Comerciais, por publicação online no sítio do Ministério da Justiça “Publicações de Atos Societários e de outras entidades” acessíveis em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx. G) Todas as convocatórias, para além das menções obrigatórias previstas no artigo 171.º e artigo 377.º, n.º 5, ambos do CSC, preveem uma nova data para uma segunda reunião nos termos do artigo 383.º, n.º 4, do CSC, cfr. documentos n.ºs 1, 2 e 3, que se juntam e os quais foram extraídos do referido sítio do Ministério da Justiça. H) Ora, necessariamente considerando o ante exposto, o Tribunal a quo ao decidir pela nulidade das deliberações tomadas em assembleia geral da R. com base na não convocação do A. através de carta registada, violou, pelo menos, o disposto no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, uma vez não respeitou e não aplicou as normas jurídicas correspondentes, cometendo, em consequência, erros na interpretação, determinação e aplicação das disposições legais efectivamente aplicáveis ao caso concreto. I) Sendo a Ré uma sociedade anónima e não uma sociedade por quotas, as convocatórias são efectuadas nos termos dos artigos 167.º e 377.º, n.º 2, do C.S.C.. J) E, consequentemente, as convocatórias são obrigatoriamente feitas por publicação e não por carta registada. K) As sociedades por quotas é que são convocadas nos termos do artigo 248.º do CSC, o que não é o caso da Ré. L) Ademais, os estatutos da R. não preveem a convocatória por carta registada, cfr. o contrato de sociedade antigo e actualizado que se juntam como docs. n.º 05 e 06. M) De resto, o próprio recorrido conhecia perfeitamente o contrato de sociedade. N) O A. recorrido compareceu inclusivamente na assembleia geral de accionistas de 06 de março de 2020 e, portanto, não compareceu nas outras assembleias porque não quis, faltando à verdade nos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 15.º e 29.º da sua petição, quando alega que não foi convocado e desconhece a existência das assembleias gerais. O) As partes devem no processo judicial agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação entre si para a descoberta da verdade, concorrendo para se obter a justa composição do litígio (artigos 7.º, 8.º, e 417.º do CPC), contrariamente à actuação do A.. P) A anulação ou anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 26 de julho de 2019 conduzirá invariavelmente à dissolução da R. porquanto aquelas deliberações decorrem da exigência da própria Lei, ou seja: - Redenominação do capital social de escudos para euros nos termos do artigo 14.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 343/98, de 6 de Novembro e artigo 1.º do Regulamento CE n.º 2866/98, do Conselho de 31 de Dezembro e artigo 4.º do Decreto-lei n.º 339-A/2001, de 28 de Dezembro; - Aumento do capital social para o mínimo legal de € 50.000,00 nos termos do n.º 3 do artigo 276.º com a dissolução prevista como sanção pelo Decreto-lei n.º 235/2001, de 31 de Agosto; - Conversão obrigatória das acções ao portador em nominativas nos termos da Lei n.º 15/2017, de 03 de Maio e do Decreto-lei n.º 123/2017, de 25 de Setembro; - Nomeação de membros dos órgãos sociais porquanto a R. se encontrava paralisada por não haverem administradores nomeados; - Deslocação da sede por exigência fundamentada por parte do proprietário do edifício onde aquela estava instalada, sob pena de instauração de acção judicial, cfr. doc. n.º 8 que junta. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com as legais consequências, sendo esta substituída por outra que conclua pela manutenção das deliberações tomadas em assembleia geral da Ré em 26 de julho de 2019, por assim ser de inteira Justiça!». * Não foi apresentada resposta ao recurso. * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão de existência de erro na aplicação do direito. * III – Dos factos apurados: Com interesse para o conhecimento de mérito, resulta provada a seguinte factualidade[8]: 1 – O Autor é accionista da sociedade Ré, detentor e titular de metade das acções correspondentes a 50% do capital social da sociedade comercial. 2 – O Autor tomou agora conhecimento que, na sequência de uma Assembleia-Geral havida em 26/07/2019, foi alterado o objecto da sociedade, o aumento do capital, a forma de obrigar, a mudança de sede e a designação de membros de órgãos sociais. 3 – O Autor não foi notificado para a mesma por intermédio de carta registada com aviso de recepção nem recebeu qualquer convocatória. 4 – O Autor não esteve presente na referida Assembleia-Geral. 5 – O Autor tomou conhecimento destes factos através da consulta à certidão permanente comercial da sociedade solicitada em 18/01/2022. 6 – O Autor é holandês e distribui o seu tempo entre Portugal, nomeadamente no Algarve onde reside em Albufeira, Holanda e Dubai. 7 – O Autor tem um fraco domínio da língua portuguesa, compreendendo algumas palavras e expressões e inclusive fala o português de uma forma muito rudimentar, necessitando de tradução e apoio quando se trata de compreender na sua plenitude a língua portuguesa. 8 – A sociedade Ré tem o capital social repartido igualmente entre dois sócios. 9 – Correm rumores em que a (…) está a ser transacionada sem que o Autor tenha disso conhecimento e tal poderá implicar um prejuízo para o Autor, pois todo o projeto foi idealizado e custeado pelo seu pai. 10 – O Autor ficou surpreendido quando tomou conhecimento das alterações societárias aprovadas na referida Assembleia-Geral. * IV – Fundamentação: O recorrente reputa de falsa diversa matéria alegada. No entanto, face à situação de revelia, por força da aplicabilidade do disposto no artigo 567.º[9] do Código Civil, têm de se considerar confessados os factos articulados pelo Autor, mostrando-se assim consolidada a matéria de facto. Impõe-se assim somente apurar se existiu qualquer vício na convocatória e nas deliberações ocorridas e se as mesmas são violadoras de disposições imperativas ou se situam fora do quadro de auto-regulação societária. * O Código das Sociedades Comerciais, nos artigos 56.º a 59.º, refere-se às duas qualificações de deliberações inválidas em sentido lato, regulando no artigo 58.º as deliberações nulas e no artigo 59.º as deliberações sociais anuláveis. Ao contrário do regime previsto no Código Civil, em que a regra tendencial é a de considerar a nulidade dos actos que violem a lei – artigo 280.º –, no Código das Sociedades Comerciais o regime-regra é o da mera anulabilidade. Segundo Menezes Cordeiro, tal regime deve-se à intenção de «dinamizar a vida das sociedades comerciais, que ficaria embaraçada com uma multiplicação de situações de nulidade»[10]. No vício de procedimento o que está em causa é como se chegou a certa deliberação, seja qual for. No vício de conteúdo, aquilo que se sanciona é o que se deliberou, independentemente do modo por que se chegou a essa deliberação[11]. A acção de anulação visa actuar o direito potestativo de impugnar a deliberação anulável. Ao contrário do que sucede com as anulabilidades civis, a anulação da deliberação não opera extrajudicialmente: há que defender a segurança do Direito e os direitos dos envolvidos[12]. A dicotomia normas imperativas e dispositivas só tem relevância quando o vício ataca o conteúdo da deliberação; se ele ataca o processo de formação de deliberação, a consequência é a sua anulabilidade[13]. Contudo, não se pode ignorar que existem igualmente deliberações absolutamente nulas[14] e a solução das questões suscitadas depende em primeira linha da classificação do vício deliberativo na categoria da inexistência, da nulidade[15] ou da anulabilidade[16]. O conceito de deliberação inexistente não figura no catálogo dos vícios deliberativos societários, mas tem sido considerada na doutrina como aquela em que falte absolutamente algum dos seus «elementos essenciais específicos»[17] ou, noutra formulação, quando «o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria» de uma deliberação[18] [19]. Sobre as possibilidades discutidas de deliberações sociais inexistentes pode ser consultado Vasco da Gama Lobo Xavier[20]. A solução da nulidade justifica-se quando a deliberação, pelo seu conteúdo, atenta contra normas imperativas, sob pena de – pelo decurso do prazo de impugnação, pela renúncia dos legitimados à acção de anulação ao exercício desta ou ainda pela confirmação da deliberação viciada – se admitir a intolerável subsistência de uma disciplina divergente da que é imposta por lei[21]. Por contraste, uma deliberação é anulável quando ofende a lei em razão do seu processo formativo[22] [23] e aqui emerge a possibilidade de ser accionado o convocado n.º 2 do artigo 59.º do Código das Sociedades Comerciais. Segundo o artigo 58.º, são anuláveis as deliberações ilegais que não sejam nulas (n.º 1, alínea a)), as deliberações anti-estatutárias (n.º 1, alínea a), in fine) e as deliberações que vêm sendo designadas abusivas (n.º 1, alínea b)). As deliberações, igualmente anuláveis, não precedidas de elementos mínimos de informação (n.º 1, alínea c) e n.º 4)] reconduzem-se fundamentalmente às ilegais – mais precisamente, às que ofendem pelo procedimento disposições da lei[24]. * O Meritíssimo Juiz de Direito entendeu que a Ré não logrou «demonstrar, como lhe competia, que procedeu à convocação do Autor para a Assembleia de 26 de julho de 2019, através de carta registada remetida para a sua morada, com a antecedência legal e com menção da ordem de trabalhos, pelo que inexistiu uma total omissão da convocatória, o que determina a nulidade das deliberações tomadas, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Ademais, não se verifica qualquer das circunstâncias previstas no n.º 3 do aludido normativo, nomeadamente que o Autor tenha posteriormente votado por escrito ou dado o seu assentimento à deliberação, nem se está perante uma situação de assembleia universal, conforme previsto no artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais, situação que determinaria a validade das deliberações». Em função disto, concluiu que as deliberações tomadas nas Assembleia de 26/07/2019 eram nulas. * O Tribunal a quo aplicou à situação concreta a disciplina prevista no artigo 248.º[25] do Código das Sociedades Comerciais, a qual se reporta às assembleias gerais das sociedades por quotas. Porém, no presente caso, estamos perante uma assembleia geral de uma sociedade anónima que tem a sua convocatória e a forma de realização da assembleia disciplinada no artigo 377.º[26] do Código das Sociedades Comerciais, a qual deve ser publicada nos termos do artigo 167.º[27] do mesmo diploma, com referência ao disposto no artigo 375.º[28]. Isto é, no caso das sociedades anónimas, a lei vigente basta-se com a publicação da convocatória online no sítio do Ministério da Justiça “Publicações de Atos Societários e de outras entidades”, que são acessíveis em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx. E o Autor não demonstrou que tivesse sido preterida essa formalidade essencial. É certo que o contrato de sociedade pode exigir outras formas de comunicação aos accionistas e, quando sejam nominativas todas as acções da sociedade, pode substituir as publicações por cartas registadas ou, em relação aos accionistas que comuniquem previamente o seu consentimento, por correio electrónico com recibo de leitura. Porém, in casu, como forma constitutiva do seu direito, o Autor teria de invocar que os Estatutos do ente social previam essa modalidade e não o disse nem tal ficou demonstrado. E, como tal, é absolutamente indiferente que esteja consagrado nos factos apurados que não foi notificado para a mesma por intermédio de carta registada com aviso de recepção e que não esteve presente. Por outras palavras, tratando-se de um facto constitutivo do direito a anular uma determinada deliberação social, ao abrigo da norma precipitada no artigo 342.º[29] do Código Civil, o Autor não conseguiu demonstrar que houve qualquer vício ou irregularidade na convocatória, no funcionamento da assembleia e na própria formação das deliberações. E tudo isto sem necessidade de fazer uso da documentação tardiamente apresentada em sede de recurso (a qual, aliás, daria conforto à tese da inexistência de qualquer vício na convocatória). Mais, parte destas deliberações são essenciais à subsistência da sociedade e estas limitam-se a promover a adaptação da sociedade às exigências legais ao nível da redenominação do capital social de escudos para euros (artigos 14.º, n.º 3, do Decreto-lei 343/98, de 06/11, 1.º do Regulamento CE n.º 2866/98, do Conselho de 31/12 e 4.º do Decreto-lei n.º 339-A/2001, de 28/12), aumento do capital social para o mínimo legal de € 50.000,00 (n.º 3 do artigo 276.º do Decreto-lei n.º 235/2001, de 31/12) e conversão obrigatória das acções ao portador em nominativas (Lei n.º 15/2017, de 03/05 Maio e do Decreto-Lei n.º 123/2017, de 25/09). Na verdade, o incumprimento de tais injunções legais poderia conduzir à dissolução da sociedade. É certo que a deliberação ainda incide ainda sobre a questão da nomeação de membros dos órgãos sociais e da deslocação da sede. Contudo, neste particular, no plano substantivo, não são invocados argumentos que permitam considerar que existem vícios de conteúdo susceptíveis de conduzir à invalidação da deliberação. Por último, a concretizar-se a venda da (…), caso a deliberação que a suporte esteja enfermada de qualquer vício, o Autor deve reagir autonomamente contra esse acto societário, dado que o simples rumor de venda e de possíveis prejuízos não permite que, por antecipação, ao jeito de um procedimento cautelar, se sancione essa putativa intenção. Por tudo isto, face ao erro manifesto na aplicação do direito e não existindo qualquer sinal da sociedade recorrida não ter procedido em conformidade com o disposto nos artigos 167.º, 375.º, n.º 4 e 377.º, n.ºs 1, 2, 4, 5, 6, alínea a), e 8, do Código das Sociedades Comerciais, importa revogar a decisão recorrida, julgando-se procedente o recurso interposto. * V – Sumário: (…) * VI – Decisão: Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida quando declarou nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré “(…) – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, SA” de 26 de Julho de 2019 e ordenou a respectiva inscrição no registo comercial. Custas do recurso a cargo do Autor, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. Notifique. * Processei e revi. * Évora, 15/12/2022 José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Alves Simões _________________________________________________ [1] Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (artigo 425.º do Código de Processo Civil). [2] Artigo 651.º (Junção de documentos e de pareceres): 1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão. [3] Por seu turno, o artigo 423.º do Código de Processo Civil tem a seguinte redacção: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. [4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/06/2000, CJ II-131 e Acórdão do Tribunal de Coimbra de 11/01/19994, CJ I-16. [5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/1989, in BMJ 385-545 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/02/2014, in www.dgsi.pt. [6] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/11/2014, in www.dgsi.pt. [7] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 204. [8] A restante matéria alegada e confessada não assume relevo para a apreciação do objecto da causa. [9] Artigo 567.º (Efeitos da revelia): 1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. 2 - É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito. 3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado. [10] Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, vol. II, Coimbra, 2001, pág. 244. [11] Pedro Maia, “Deliberações dos Sócios”, in “Estudos de Direito das Sociedades”, pág. 186 e seguintes. [12] Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação: António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 230. [13] Esta é a jurisprudência estabilizada do Supremo Tribunal de Justiça, que, pelo mesmo, pode ser encontrada a partir da prolação do acórdão datado de 24/11/1998, in www.dgsi.pt. [14] Raul Ventura e Brito Correia, Responsabilidade, pág. 409. [15] Artigo 56.º (Deliberações nulas): 1 - São nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados; b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto; c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios. 2 - Não se consideram convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência, aquelas de cujo aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião e as que reúnam em dia, hora ou local diversos dos constantes do aviso. 3 - A nulidade de uma deliberação nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação. [16] Artigo 58.º (Deliberações anuláveis) 1 - São anuláveis as deliberações que: a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade; b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos; c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação. 2 - Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados directamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º. 3 - Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados. 4 - Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação: a) As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8; b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato. [17] Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, vol. II, pág. 247. [18] José Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 114. [19] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1983, vol. II, pág. 414, afirma que se dá «a inexistência quando nem sequer aparentemente se verifica o corpus de certo negócio jurídico. Quando nem sequer na aparência existe uma qualquer materialidade que corresponda à própria noção de tal negócio. Temos ainda inexistência quando, embora exista essa aparência, a realidade não corresponde todavia àquele conceito». [20] Vasco da Gama Lobo Xavier, Anulação de deliberação social e deliberações conexas, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 118 e ss, 197 e ss, 201 e ss e 588 e ss. [21] Manuel Carneiro da Frada, Deliberações Sociais Inválidas no Novo Código das Sociedades, in Novas Perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, págs. 319-320. [22] Vasco da Gama Lobo Xavier, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 118. [23] Luís Brito Correia, Direito Comercial, vol. III, pág. 272. [24] Coutinho de Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, 2ª edição, Almedina, 2017, pág. 706. [25] Artigo 248.º (Assembleias gerais): 1 - Às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas. 2 - Os direitos atribuídos nas sociedades anónimas a uma minoria de accionistas quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia podem ser sempre exercidos por qualquer sócio de sociedades por quotas. 3 - A convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo. 4 - Salvo disposição diversa do contrato de sociedade, a presidência de cada assembleia geral pertence ao sócio nela presente que possuir ou representar maior fracção de capital, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, o mais velho. 5 - Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto. 6 - As actas das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios que nelas tenham participado. [26] Artigo 377.º (Convocação e forma de realização da assembleia): 1 - As assembleias gerais são convocadas pelo presidente da mesa ou, nos casos especiais previstos na lei, pela comissão de auditoria, pelo conselho geral e de supervisão, pelo conselho fiscal ou pelo tribunal. 2 - A convocatória deve ser publicada. 3 - O contrato de sociedade pode exigir outras formas de comunicação aos accionistas e, quando sejam nominativas todas as acções da sociedade, pode substituir as publicações por cartas registadas ou, em relação aos accionistas que comuniquem previamente o seu consentimento, por correio electrónico com recibo de leitura. 4 - Entre a última divulgação e a data da reunião da assembleia deve mediar, pelo menos, um mês, devendo mediar, entre a expedição das cartas registadas ou mensagens de correio electrónico referidas no n.º 3 e a data da reunião, pelo menos, 21 dias. 5 - A convocatória, quer publicada, quer enviada por carta ou por correio electrónico, deve conter, pelo menos: a) As menções exigidas pelo artigo 171.º; b) O lugar, o dia e a hora da reunião; c) A indicação da espécie, geral ou especial, da assembleia; d) Os requisitos a que porventura estejam subordinados a participação e o exercício do direito de voto; e) A ordem do dia; f) Se o voto por correspondência não for proibido pelos estatutos, descrição do modo como o mesmo se processa, incluindo o endereço, físico ou electrónico, as condições de segurança, o prazo para a recepção das declarações de voto e a data do cômputo das mesmas. 6 - As assembleias são efectuadas: a) Na sede da sociedade ou noutro local, escolhido pelo presidente da mesa dentro do território nacional, desde que as instalações desta não permitam a reunião em condições satisfatórias; ou b) Salvo disposição em contrário no contrato de sociedade, através de meios telemáticos, devendo a sociedade assegurar a autenticidade das declarações e a segurança das comunicações, procedendo ao registo do seu conteúdo e dos respectivos intervenientes. 7 - O conselho fiscal, a comissão de auditoria ou o conselho geral e de supervisão só podem convocar a assembleia geral dos accionistas depois de ter, sem resultado, requerido a convocação ao presidente da mesa da assembleia geral, cabendo a esses órgãos, nesse caso, fixar a ordem do dia, bem como, se ocorrerem motivos que o justifiquem, escolher um local ou meio de reunião diverso da reunião física na sede, nos termos do número anterior. 8 - O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso. [27] Artigo 167.º (Publicações obrigatórias): 1 - As publicações obrigatórias devem ser feitas, a expensas da sociedade, em sítio na Internet de acesso público, regulado por portaria do Ministro da Justiça, no qual a informação objecto de publicidade possa ser acedida, designadamente por ordem cronológica. 2 - (Revogado.) [28] Artigo 375.º (Assembleias gerais de accionistas): 1 - As assembleias gerais de accionistas devem ser convocadas sempre que a lei o determine ou o conselho de administração, a comissão de auditoria, o conselho de administração executivo, o conselho fiscal ou o conselho geral e de supervisão entenda conveniente. 2 - A assembleia geral deve ser convocada quando o requererem um ou mais accionistas que possuam acções correspondentes a, pelo menos, 5% do capital social. 3 - O requerimento referido no número anterior deve ser feito por escrito e dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral, indicando com precisão os assuntos a incluir na ordem do dia e justificando a necessidade da reunião da assembleia. 4 - O presidente da mesa da assembleia geral deve promover a publicação da convocatória nos 15 dias seguintes à recepção do requerimento; a assembleia deve reunir antes de decorridos 45 dias a contar da publicação da convocatória. 5 - O presidente da mesa da assembleia geral, quando não defira o requerimento dos accionistas ou não convoque a assembleia nos termos do n.º 4, deve justificar por escrito a sua decisão, dentro do referido prazo de 15 dias. 6 - Os accionistas cujos requerimentos não forem deferidos podem requerer a convocação judicial da assembleia. 7 - Constituem encargo da sociedade as despesas ocasionadas pela convocação e reunião da assembleia, bem como as custas judiciais, nos casos previstos no número anterior, se o tribunal julgar procedente o requerimento. [29] Artigo 342.º (Ónus da prova): 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito. |