Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10/18.1GATVR.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: BUSCA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – É legítima a actuação dos órgãos de polícia criminal quando existam indícios de que, na pessoa visada, ou no local onde ela se encontra, se ocultam objectos relacionados com um crime, cometido ou a cometer, seja a título de autoria ou mera participação.
II – Mas essa suspeita que legitima a actuação dos órgãos de polícia criminal tem que ser fundada, isto é, sustentada por um fundamento razoável, constituindo, pois, pressupostos - de natureza material – da realização de busca em tais circunstâncias: (a) que (a busca) se não enquadre no âmbito das buscas domiciliárias; (b) que recaia sobre suspeito em caso de fuga iminente ou sobre detido (c) que exista fundada razão de que naquele local se ocultam objectos relacionados com o crime; (d) que esses objectos sejam susceptíveis de servirem de prova e (e) que se a busca se não efectivasse esses objectos se poderiam perder e, dessa forma, desaparecesses a utilidade da diligência.
III - É ainda necessário- enquanto pressuposto de natureza formal – que a busca seja imediatamente comunicada ao juiz, nos termos do art.º 174.º, n.º 6, do Cód. Proc. Pen., aplicável por força do disposto no art.º 251.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
IV – A lei não impõe a constituição como arguido das pessoas visadas pelas diligências de busca, sendo que o facto de se ser alvo de uma tal diligência não significa necessariamente que se seja sequer suspeito da prática de um crime.
V – Por isso, tendo sido efectuada busca ao veículo automóvel conduzido por BB, só após se ter procedido à apreensão do produto estupefaciente se poderia proceder, como se procedeu, à constituição de BB como arguido.
VI – As afirmações produzidas por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela, suspeito ou potencial testemunha do crime, não traduzem declarações para efeitos processuais, já que não existe, ainda, verdadeiramente um processo penal a correr os seus termos.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 10/18.1GATVR.

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos autos de Inquérito, com o n.º 10/18.1GATVR, a correrem temos pela Comarca de Faro – Juízo de Instrução Criminal de Faro – J2, veio o arguido BB arguir a nulidade do acto de autorização de busca ao veículo por si conduzido e do acto de busca ao veículo e do acto de apreensão, com o fundamento de que sendo de nacionalidade Espanhola e, consequentemente, desconhecedor da Língua Portuguesa, deveria ter sido em todos os ditos actos assistido por Defensor, nos termos do disposto no art. 62.º, n.º 1, al. d), do Cód. Proc. Pen., e que, não tendo sido observada tal formalidade, estamos perante a nulidade dos preditos actos processuais, nos termos do artigo 119.º, al.ª c), do mesmo diploma adjectivo.

Por despacho da M.ma Juiz de Instrução Criminal, datado de 30 de Julho de 2018, veio entender-se que concluir-se pela inexistência das invocadas nulidades, já que foram respeitadas todas as garantias e direitos do visado pela busca e apreensão de bens, razão pela qual será de manter a apreensão dos bens bem como o estatuto coactivo do arguido.

Inconformado com o assim decidido traz o arguido Rúben Perez López o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
A. Este despacho é ilegal, porque viola as obrigações expressamente consagradas como tal, no disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea a) e d) e 64.º n.º 1 alínea d), 119.º n.º 1 alínea c) e 120.º n.º 1 do Código de Processo Penal, e viola-o, quando assume que o órgão de policia criminal que suspeitava que o ora recorrente transportava haxixe e considerava suficientemente indiciada a prática de crime de trafico de estupefacientes antes da solicitação da autorização para busca à viatura referenciada nos autos (como o auto de noticia bem elucida, identifica e concretiza fundamentando-se em observação directa e em conversas informais para concretizar essa suspeita de prática de crime pelo recorrente imediatamente antes da solicitação da autorização de busca), estando o ora Arguido desconhecedor da língua portuguesa detido/retido sob custódia do órgão de policia criminal, e já existindo procedimento criminal numerado;
B. Tendo sido solicitado ao detido/retido que prestasse declarações e informações, e tendo este prestado (sem acesso à prestação de informação prévio do direito ao silêncio) confirmando supostamente as suspeitas que já sobre si incidiam, nem assim foi constituído arguido para que fosse assistido por defensor, na prestação de autorização de buscas, nas ditas buscas, nem na formalização dos autos de busca e de apreensão decorrentes, e se Julgou que não tendo sido constituído arguido e não tendo sido assistido por defensor nestas circunstâncias em que a Lei reputa como obrigatórias, se considera que as garantias e direitos do Arguido foram respeitados.
C. Porque no mesmo despacho se julgou que o ora Arguido não tinha direito à presença obrigatória de defensor na prestação de autorização de buscas, nas ditas buscas, nem na formalização dos autos de busca e de apreensão decorrentes, sendo realizados actos previstos exclusivamente na lei processual penal, e fundados em suspeitas mais que fundadas e identificadas contra si, que terão advindo da mera observação dos agentes policiais e de declarações prestadas sem advertência para o direito ao silêncio que não lhe foi comunicado, precisamente porque ainda não tinha sido constituído arguido.
D. O despacho recorrido viola as obrigações expressamente consagradas como tal no disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea a) e d) e 64.º n.º 1 alínea d) 119.º n.º 1 alínea c) e 120.º n.º 1 do Código de Processo Penal, quando entende que a violação da obrigação legal da constituição de arguido que serviu para o Arguido desconhecedor da língua portuguesa, não conhecesse do seu direito ao silêncio, serve para justificar que não fosse assistido nos actos processuais de tomada de declarações, de prestação e formalização de autorização de busca, de realização de busca, de realização de apreensão e de formalização de auto de apreensão, é motivo para se considerar legal que, como o ora Arguido era desconhecedor da língua portuguesa não tendo sido constituído como tal, não precisa nem lhe assiste direito legal de ser assistido por defensor antes da realização dos actos processuais de tomada de declarações, de prestação e formalização de autorização de busca, de realização de busca, de realização de apreensão e de formalização de auto de apreensão.
E. O despacho recorrido viola as obrigações expressamente consagradas como tal no disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea a) e d) e 64.º n.º 1 alínea d) 119.º n.º 1 alínea c) e 120.º n.º 1 do Código de Processo Penal, quando aceita e julga respeitador de todas as garantias e direitos do visado nas buscas e apreensão de bens realizadas à ordem dos presentes autos, aceitando e inclusive utilizando esta subtileza. A subtileza de não constituir e atrasar o mais possível a constituição como Arguido, de cidadão estrangeiro desconhecedor da língua portuguesa contra quem impendiam suspeitas muito concretas de transportar substancia ilícita concreta e imediatamente identificada como haxixe, fazendo com que não tenha de ser acompanhado por defensor na tomada de declarações, na prestação e formalização de autorização de busca, na realização de busca, na realização de apreensão e na formalização de auto de apreensão, tudo actos previstos exclusivamente na lei processual penal, julgando-se esta subtileza, sinonimo de respeito de todas as garantias e direitos do visado pelas buscas e apreensão de bens.
F. Aceitando-se a subtileza do atraso na constituição de Arguido de suspeito débil pelo desconhecimento da língua portuguesa, como meio legalmente aceite para se permitir e validar a prática de actos processuais penais sem a presença de defensor, nos casos em que a Lei o obriga em função de debilidade e fragilidade do Arguido, tudo a pretexto de como não se constituiu arguido pode-se realizar actos processuais sem a presença de defensor quando a isso a Lei o obriga.
G. O órgão de polícia criminal considerava suficientemente indiciada a prática de crime de tráfico de estupefacientes antes da solicitação da autorização para busca à viatura referenciada nos autos (como o auto de noticia bem elucida, identifica e concretiza fundamentando-se em observação directa e em conversas informais para concretizar essa suspeita de prática de crime pelo recorrente, imediatamente antes da solicitação da autorização de busca), estando o ora Arguido desconhecedor da língua portuguesa detido/retido sob custódia do órgão de polícia criminal, e já existindo procedimento criminal numerado;
H. No auto de notícia assume-se a detenção do ora recorrente e as suspeitas sobre o mesmo, e ainda assim não se constituiu como arguido, e assim não foi o mesmo assistido por defensor no acto de autorização de busca e no acto de realização da mesma, como decorre dos próprios autos, por isso, não se venha dizer que os actos de autorização de busca ao interior de veículo automóvel referenciado nos presentes autos, de realização de busca no interior do mesmo, e de apreensão de itens do interior do mesmo veículo, são válidos ainda que o ora recorrente fosse desconhecedor da língua portuguesa e não estivesse assistido por defensor nos mesmos actos.
I. A justificação do despacho ora recorrido para validar a autorização de busca, as buscas e as apreensões realizadas nos presentes autos, decorre de uma falácia. A falácia de como o ora recorrente ainda não era arguido, apesar de estar detido/retido sob custódia do órgão de policia criminal e de sobre ele impenderem fundadas suspeitas sobre ele, que levam a que seja denominado suspeito antes da realização de buscas, e destas terem sido determinadas pelos indícios da prática de crime de tráfico de haxixe (cheiro) sobre o ora recorrente (declarações do mesmo) resultantes da observação directa do órgão de policia criminal, e das declarações prestadas pelo recorrente antes do consentimento e antes da realização das bascas,
J. Então o recorrente não sendo arguido, ainda que desconhecesse a língua portuguesa, não lhe assistia o direito e o dever do órgão de policia criminal de providenciar pela assistência e comparência de defensor nestes actos processuais exclusivamente previstos no Código de Processo Penal, assim constata-se que a questão sub judice do despacho recorrido e do presente recurso é similar à questão analisada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Janeiro de 2016 no Processo 360/15.9PBLRS - A.L1-9 tendo como relatora a Mert. Juiz Maria Guilhermina Freitas, e não com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora citado no despacho recorrido.
K. O sentido desta norma visa a protecção dos arguidos particularmente débeis, em razão da sua condição física, mental, da idade ou de simplesmente ser um estrangeiro que não conhece a língua portuguesa, posto que a exigência de assistência de defensor à prática de certos actos processuais (artigo 64.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal, é uma garantia de defesa do suspeito/arguido, uma vez que desse acto processual, incluindo as buscas domiciliárias, pode resultar a sua responsabilização criminal.
L. A constituição como arguido do ora recorrente, quando já era suspeito da prática de crime de trafico de estupefacientes, quando se encontrava retido/detido e quando já existia procedimento criminal identificado, não podia ser atrasada por forma desprotegê-lo do direito ao silêncio, e do direito de estar assistido e esclarecido sobre o direito de não autorizar as buscas que vieram a ser realizadas nos presentes autos, não podia ser atrasada para obtenção e recolha de mais indícios e meios de prova, quando já era suspeito da prática de crime, só para não ser assistido por defensor.
N. Da conjugação destes preceituados legais, decorre do instituto jurídico de flagrante delito a obrigação de constituição de arguido do suspeito imediata no flagrante delito (art.º 58.º n.º 1 al) c) do Código de Processo Penal), e daí decorre necessariamente in casu, a presença de defensor nos actos processuais de buscas e apreensões a serem realizadas após a constituição de arguido (art. 64.º n.º 1 al) d) do Código de Processo Penal), no âmbito do flagrante delito, pelo que, mesmo que considerássemos que estaríamos perante a aplicação do instituto do flagrante delito, facto é que a não constituição de arguido do ora recorrente previamente à realização das buscas e apreensões, e a ausência de defensor nestes actos de buscas e apreensões, sendo o ora recorrente desconhecedor da língua portuguesa, implicaria sempre perante ambas as hipóteses a nulidade insanável destas buscas e apreensões por violação da obrigação prevista no artigo 64.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal.
O. Ou seja, tanto na ausência de flagrante delito mas com as fundadas suspeitas demonstradas existirem contra o ora recorrente imediatamente antes do consentimento para a realização buscas e imediatamente antes destas e das consequentes apreensões, como na presença e preenchimento do conceito de flagrante delito e da decorrente detenção por flagrante delito, exige-se a constituição de arguido do suspeito previa aos demais actos praticados à luz da fundada suspeita ou praticados à luz do preenchimento do conceito de flagrante delito e dele decorrentes, nem a detenção por flagrante delito, concede a dispensa de constituição de arguido do suspeito para a realização de buscas sem autorização judiciária.
P. Por isso, a retenção/detenção sob custódia do ora recorrente por suspeitas de transporte de haxixe, que levam até a que se lhe chame suspeito, não pode levar à solicitação de autorização para a realização de buscas ao interior de veículo, e levar à realização destas mesmas buscas ao interior do veículo, com as consequentes apreensões, sem a constituição de arguido.
Q. Então, in casu, o ora recorrente devia ter sido sempre assistido por defensor ao prestar consentimento/autorização para a realização de buscas ao interior da viatura, e durante a realização efectiva das ditas buscas ao interior da viatura, por suspeitas fundadas contra si, súbdito da coroa espanhola que desconhece a língua portuguesa, e as supostas declarações do ora recorrente auto-incriminando-se prestadas após recolha de suspeita e de indícios da prática de crime de trafico/transporte de haxixe por observação e por olfacto, a prestação de autorização para a realização de busca ao interior da viatura automóvel, as decorrentes buscas e as decorrentes apreensões, são manifestamente ilegais e nulas insanavelmente por preterição das obrigações decorrentes do disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea a) e d) e 64.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal, por terem sido realizadas sem constituição de arguido e sem presença de defensor, sendo o ora recorrente súbdito da coroa espanhola desconhecedor da língua portuguesa.
R. Por isso, o despacho ora recorrido é ilegal, porque viola as obrigações expressamente consagradas como tal, no disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea a) e d) e 64.º n.º 1 alínea d), 119.º n.º 1 alínea c) e 120.º n.º 1 do Código de Processo Penal, ao não ter decretado a nulidade insanável das supostas declarações do ora recorrente auto-incriminando-se prestadas após recolha de suspeita e de indícios da prática de crime de trafico/transporte de haxixe por observação e por olfacto, a prestação de autorização para a realização de busca ao interior da viatura automóvel, as decorrentes buscas e as decorrentes apreensões realizadas nos presentes autos, por terem sido realizadas sem constituição de arguido e sem presença de defensor, sendo o ora recorrente súbdito da coroa espanhola desconhecedor da língua portuguesa.
S. A pesquisa de álcool no ar expirado ao abrigo do artigo 158.º n.º 1 do Código de Estrada, está neste Código, no Título VII, Capitulo I, este capitulo tem como epigrafe " Procedimento para a fiscalização da condução sob a influência de álcool ou de substancias psicotrópicas"
T. O artigo 152.º do Código de Estrada que inicia esta Capitulo delimita os sujeitos passivos do dever de se submeterem às provas estabelecidas para a detenção dos estados de influenciado pelo álcool, a saber condutores, peões intervenientes em sinistros estradais e as pessoas que se propuserem iniciar condução, ou seja, os sujeitos passivos deste dever estão limitados a uma relação jurídica emergente da intervenção na via pública como condutores ou peões. já o caso sub judice reconduz-se à posição de suspeito definida no Código de processo Penal, na alínea e) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, como " toda a pessoa relativamente à qual existia indicio de que cometeu ou se prepara para cometer um crime".
U. Daqui resulta que os sujeitos passivos da obrigação ínsita naquele Código de Estrada que se sujeitam à obrigação de fiscalização não são suspeitos de crime, podem vir a sê-lo depois do teste, mas até lá não o são, já quem se sujeita a busca ao interior de uma viatura ou a uma busca ao interior de um domicilio, já terá a recair sobre o si uma suspeita que fundamenta a realização intrusiva de uma busca como "dominus" desse espaço interior que se vê vasculhado. Sendo certo que a busca ao interior do veículo automóvel não está prevista no Código de Estrada por isso não é um mero acto policial de fiscalização de trânsito como se quer fazer crer.
V. Os intervenientes em sinistro rodoviário são obrigados a permitir o exame à presença de álcool no ar expirado, por ter sucedido um sinistro rodoviário para efeitos de apuramento de responsabilidade civil e não necessariamente criminal, sem necessidade de consentimento do próprio e sem necessidade de autorização judicial. Donde resulta que as fontes legais são diferentes, e a natureza dos actos também é diferente.
W. É entendimento do ora recorrente que in casu, perante o odor de haxixe, perante a ausência de fiscalização de exame de presença de substâncias psicotrópicas no seu corpo, é patente que o alcance do que se pretendeu com a busca ao interior da viatura era fundar a suspeita da prática de crime de tráfico de haxixe e não a condução sob o efeito de haxixe. Por isso, in casu não estamos perante um mero acto policial de fiscalização de trânsito, como tratado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Maio de 2018, estamos perante a existência prévia de indícios e de suspeitas sobre o ora recorrente que era suspeito da prática de crime de tráfico de haxixe, desconhecedor da língua portuguesa e súbdito da coroa espanhola, suspeitas das quais não foi retirada a consequência lógica e obrigatória legalmente de o constituir como arguido, cerceando-o do direito de ter presente defensor nos actos decorrentes da constituição como tal.
X. Se antes da realização do exame de presença de álcool no sangue em interveniente em sinistro estradal tratado no Acórdão citado no despacho recorrido não existiam suspeitas sobre o mesmo, já na questão dos presentes autos antes da realização da busca, já existiam fundadas suspeitas da prática de crime de tráfico de estupefaciente concretamente sobre o ora recorrente e plasmadas sobejamente no auto de noticia ainda antes de realizada a prestação de autorização para a realização da busca ao interior da viatura, como resulta das linhas 50 a 61 do auto de noticia.
Y. Por isso, se considerar ser falaz, o juízo plasmado no despacho ora recorrido de que como não existiam suspeitas suficientes contra o ora recorrente, aquando da prestação do consentimento para a realização das mencionadas buscas e aquando da realização das mesmas, como o ora recorrente não era arguido não se lhe assistia direito obrigatório de ter presente defensor no acto de busca, porque o acto de prestação de consentimento de autorização de busca e de realização de busca não é um mero acto policial de fiscalização de trânsito.
Z. Sendo o despacho recorrido ilegal recorrido viola as obrigações expressamente consagradas como tal no disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea a) e d) e 64.º n.º 1 alínea d) 119.º n.º 1 alínea c) e 120.º n.º 1 do Código de Processo Penal, quando na posição de garante dos Direitos Liberdades e Garantias em Processo Penal, se procura justificar a manifesta ilegalidade desta subtileza, relacionando o caso dos presentes autos, em que estamos perante actos processuais legalmente previstos exclusivamente em lei processual penal, com um acto legalmente previsto no Código de Estrada para a ocorrência de sinistros e para a fiscalização de vulgares condutores de veículos que nem de perto nem de longe são sujeitos nesta fonte legal estradal a buscas e a apreensões, através de fontes e de enquadramentos sistemáticos, teleológicos e finalísticos dispares, procurando-se equiparar o que de modo algum pode ser equiparado, para se sanear o que não pode ser saneado.

Termos que em deve ser decidido dar procedência ao presente recurso, revogando-se o despacho ora recorrido e transcrito no presente recurso e proferido nos presentes autos por conclusão aberta em 27 de Julho de 2018;
Em consequência se declare a nulidade insanável de parte do auto de noticia que transcreve conversas informais, do acto de autorização de busca ao veiculo acima identificado, do acto de busca ao veiculo acima identificado, do acto de apreensão dos itens identificados no respectivo auto, e a consequente revogação do despacho que ditou a apreensão dos bens de veiculo automóvel e de telemóvel e que ditou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao ora requerente, ou o reexame da medida de coação e da medida cautelar de apreensão, e em consequência decretando-se a devolução ao ora requerente do veiculo automóvel e do telemóvel identificados no auto de apreensão e mais se decretando a libertação do ora requerente, ficando o mesmo sujeito à termo de identidade e residência até ao despacho de encerramento do presente processo de inquérito.

Respondeu ao recurso o Magistrado do Ministério Público, entendendo não sofrer o despacho recorrido qualquer gravame, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente.

Nesta Instância, o Sr. Procurador Geral-Adjunto é de entendimento de que o despacho recorrido deve ser mantido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É do seguinte teor o despacho recorrido:
Por requerimento dirigido aos autos, veio o arguido, BB requerer a declaração de nulidade insanável do teor do auto de notícia que transcreve conversas informais, do acto de autorização de busca de veículo, do acto de busca ao veículo, do auto de apreensão e a consequente revogação do despacho de determinou a apreensão do veículo automóvel e do telemóvel e o sujeitou a medida de coacção de prisão de preventiva, determinando-se a restituição desses bens e a sua libertação.
Notificado o Ministério Público veio a Digna Magistrada pugnar pelo indeferimento das nulidades invocadas.
Alega a mesma que questão similar à invocada pelo arguido foi analisada e decidida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no processo 99/17.0GEPTM.E1 de 8 de maio de 2018 e disponível em dgsi.pt.
Neste aresto foi apreciada a questão da obrigatoriedade de assistência por intérprete e defensor em diligência a visado desconhecedor da língua portuguesa.
Com relevo para a apreciação a encetar nestes autos, transcrevemos do aludido aresto, o seguinte trecho:
"O arguido tem nacionalidade Escocesa, fala e escreve em inglês, não dominando a língua portuguesa.
Na sequência de um acidente de viação (colisão entre dois veículos) em que um dos condutores era o recorrente, a GNR foi chamada ao local para tomar conta da ocorrência.
Não dominando a língua portuguesa todas as comunicações com o recorrente, então suspeito, foram feitas em inglês pelo militar da GNR/autuante.
No local este foi submetido a teste de despistagem de álcool no sangue que deu positivo, pelo que posteriormente foi levado para o posto da GNR onde submetido ao analisador quantitativo vindo a acusar a taxa de 2,02 g/l (depois de deduzido a EMA) de álcool no sangue.
Perante isso, o militar da GNR/autuante comunicou em inglês com o ora recorrente informando-o de que podia requerer a contraprova do que ele prescindiu.
Foi então levantado auto de notícia pela prática de crime de condução em estado de embriaguez pp. pelo art. 292.º, n.º 1 do C. Penal, tendo então o G. sido detido e constituído arguido e prestado TIR.
Instantes depois foi libertado e notificado para comparecer ainda nesse mesmo dia nos serviços do Mº Pº de Portimão, o que veio a acontecer.
O militar da GNR/autuante deu conhecimento em inglês de todo o expediente e correspondente conteúdo ao ora recorrente, que foi por si assinado.
No dia e hora que foram designados, o arguido compareceu nos serviços do Mº Pº de Portimão tendo-lhe nessa altura sido nomeado defensor e interprete (...)
Assim sendo, e como resulta do anteriormente exposto, aquando da realização do teste quantitativo de álcool no ar expirado o ora recorrente ainda não assumia a qualidade de arguido, nem havido sido iniciado qualquer processo contra si relacionado com os factos em causa, pelo que, com o devido respeito, não seria nesse momento obrigatória a nomeação de intérprete, nos termos exigidos no citado preceito legal.
Com efeito a pesquisa de álcool no ar expirado realizada aos condutores intervenientes em acidente de viação, que levou à intervenção da autoridade fiscalizadora do trânsito, como foi aqui o caso, configura um mero acto policial de fiscalização de trânsito, imposto pelo art. 158.º, n.º 1 do C. Estrada.
Assim, a não nomeação de intérprete nesse momento ao arguido, não constitui qualquer nulidade ou irregularidade insanável, nos termos do disposto nos art.ºs 118.º a 120.º e 123.º do CPP.
(...)
Prosseguindo.
Das alegadas nulidades por falta de nomeação de defensor e de intérprete aquando da detenção do ora recorrente.
Na sentença foram julgadas improcedentes as nulidades invocadas na contestação do arguido apresentada antes da audiência de julgamento em processo sumário que teve lugar, fundadas na falta de nomeação de defensor e interprete no momento da sua detenção, por ser estrangeiro e não dominar a língua portuguesa, invocando que a falta de nomeação de defensor e intérprete ao ora recorrente aquando da sua detenção acarreta relativamente ao primeiro a nulidade insanável, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 64.º, n.º 1 als. a) e d) e 119.º , al. c) do CPP e no que concerne ao seguinte a nulidade dependente de arguição, nos termos dos arts. 92.º, n.º 2 e 120.º, n.º 2 al. d) do CPP.
(...)
Vejamos.
Como já dissemos atrás, não oferece qualquer dúvida que o ora recorrente tem nacionalidade escocesa, fala e escreve em inglês, não dominando a língua portuguesa.
Dispõe o artº 64, n.º 1, d) do CPP que é obrigatória a assistência do defensor em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída (sublinhados nossos).
Resulta daqui, para o que aqui importa considerar, que em qualquer acto processual, com excepção da constituição de arguido, nos casos em que ele for desconhecedor da língua portuguesa, é obrigatória a assistência de defensor.
Como atrás dissemos, havendo fundada suspeita do ora recorrente haver cometido o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, n.º 1 do C. Penal, foi então levantado o respectivo auto de notícia, procedendo-se subsequentemente à sua detenção e constituição como arguido, sujeitando-o à prestação de termo de identidade e residência.
Assim, tendo presente aquele normativo (al. d) do n.º 1 do art. 64º do CPP) ao contrário do que preconiza o recorrente, naquele momento, não era obrigatório a nomeação de defensor, pelo que consequentemente a falta deste, no caso, não acarreta a nulidade invocada pelo recorrente prevenida na al. c) do art. 119º do CPP."
Na verdade, e na senda do decidido no citado aresto, no momento em que se realizada a busca e as apreensões o Requerente ainda não assumia a qualidade de arguido, e, ainda que se suspeitasse que pudesse transportar algo de ilícito, ainda não era conhecido da autoridade policial que o requerente incorria na prática de crime.
Ou seja, no momento em que o requerente consente a busca, ainda não existe qualquer imputação que determine a sua condição de arguido.
Assim sendo ainda não era obrigatória a presença de defensor e de intérprete, os quais, no devido momento foram nomeados e assistiram o requerente.
Pelo exposto, e porque entendemos que foram respeitados todas as garantias e direitos do visado pela busca e apreensão de bens, concluímos pela inexistência das invocadas nulidades, razão pela qual será de manter a apreensão dos bens bem como o estatuto coactivo do arguido.
Notifique. "

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.
Do tecido pelo arguido/recorrente nas respectivas conclusões por si elaboradas resulta com clareza pretender a revogação do despacho acabado de transcrever e consequentemente se declare a nulidade insanável de parte do auto de noticia que transcreve conversas informais, do acto de autorização de busca ao veiculo acima identificado, do acto de busca ao veiculo acima identificado, do acto de apreensão dos itens identificados no respectivo auto, e a consequente revogação do despacho que ditou a apreensão dos bens de veiculo automóvel e de telemóvel e que ditou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao ora requerente, ou o reexame da medida de coação e da medida cautelar de apreensão, e em consequência decretando-se a devolução ao ora requerente do veiculo automóvel e do telemóvel identificados no auto de apreensão e mais se decretando a libertação do ora requerente, ficando o mesmo sujeito à termo de identidade e residência até ao despacho de encerramento do presente processo de inquérito.
Para se entender a questão suscitada, cumpre trazer a terreiro todo o circunstancialismo que rodeou a actuação do OPC.
No dia 15 de Junho de 2018, cerca das 23.20 horas, elementos da GNR de Tavira que se encontravam em operação de controlo de entrada de veículos e pessoas junto ao Centro de Cooperação Policial e Aduaneira, do Concelho de Castro Marim - Fronteira Espanha- Portugal, viram surgir, vindo de Espanha, o veículo, da marca Renault, com a matrícula …, ao qual foi dada ordem de parar.
Após o veículo ter parado, e denotando o seu condutor algum nervosismo no momento da abordagem, levantou suspeitas de que algo de ilícito poderia estar a acontecer, uma vez que do interior do veículo provinha um odor a estupefaciente – Cannabis.
Face a tal, foi ao condutor e respectivos ocupantes dada ordem para que saíssem do veículo. Todos os ocupantes acataram a ordem, tendo o condutor tentado encetar a fuga ao volante da viatura, razão pela qual foi retirado do veículo e manietado no solo.
Ao ser confrontado com o odor a estupefaciente, o condutor BB veio autorizar a busca ao veículo, à qual assistiu, sendo o próprio a indicar aos elementos da GNR os locais onde se encontravam ocultos os produtos estupefacientes.
Referindo BB que todo o estupefaciente que se encontrava no interior do veículo era sua pertença, não tendo os demais ocupantes da viatura qualquer relação com o estupefaciente e desconhecendo o seu transporte no veículo.
Tendo sido apreendido Haxixe, com o peso de 4162,09 gramas, e bem assim Liamba, com o peso de 343, 03 gramas.
Entendida a razão que leva o OPC a actuar, vejamos da legalidade da sua actuação.
Aqui teremos de fazer apelo ao disposto no art.º 251.º, do Cód. Proc. Pen., integrado no Capítulo III, do Título I, do Livro VI, sobre a epígrafe das medidas cautelares de polícia.
Onde se estatui no seu n.º 1 - na parte que ora importa - que para além dos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:
a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se.
Pura medida de polícia destinada a acautelar a perda ou alteração de objectos susceptíveis de constituir prova da prática de um crime.
Trata-se de medidas necessárias e inadiáveis, a adoptar pelos órgãos de polícia criminal em determinadas situações, sob pena de se perderem provas relevantes para o sucesso da investigação criminal e consequente apuramento da verdade material, supostamente escondidas na pessoa visada pela revista ou no local da busca.
Sendo, assim, legítima a actuação dos órgãos de polícia criminal quando existam indícios de que, na pessoa visada, ou no local onde ela se encontra, se ocultam objectos relacionados com um crime, cometido ou a cometer, seja a título de autoria ou mera participação. A suspeita que legitima a actuação dos órgãos de polícia criminal tem que ser fundada, isto é, sustentada por um fundamento razoável.
Podendo considerar-se suspeita uma pessoa, quando, através de certos factos ou informações, “um observador objectivo, valorando-os, possa ajuizar no sentido de se convencer” de que ela poderia ter praticado um crime.[1]
Sendo, assim, seus pressupostos - de natureza material:
a) Que a busca se não enquadre no âmbito das buscas domiciliárias;
b) Que recaia sobre suspeito em caso de fuga iminente ou sobre detido;
c) Que exista fundada razão de que naquele local se ocultam objectos relacionados com o crime,
d) Que esses objectos sejam susceptíveis de servirem de prova;
e) Que se a busca se não efectivasse esses objectos se poderiam perder e, dessa forma, desaparecesses a utilidade da diligência.[2]
Sendo ainda necessário- enquanto pressuposto de natureza formal – que a busca seja imediatamente comunicada ao juiz, nos termos do art.º 174.º, n.º 6, do Cód. Proc. Pen., aplicável por força do disposto no art.º 251.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Tendo em linha de conta tudo o que se deixou mencionado, impõe-se se conclua pela verificação no caso vertente de todos os pressupostos enunciados, não deixando, por tal, de fazer intervir o estatuído naquele preceito legal.

Depois importa definir qual o estatuto a atribuir ao condutor do veículo BB ao longo da actuação da GNR, e como vem de se narrar, se o de arguido se, antes, o de suspeito.
Para tanto importa fazer apelo ao disposto no art.º 1.º, al.ª e), do Cód. Proc. Pen., onde se diz que para efeitos do Cód. Proc. Pen., entende-se por suspeito toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar.
Suspeito será a pessoa sobre a qual recai um juízo de probabilidade menos forte da prática de um crime do que aquele que impende sobre o arguido.
Será como que uma entidade intermédia sobre quem recaiem indícios de alguma ligação a comportamento criminoso[3].
Assume, porém, a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal, no dizer do n.º 1, do art.º 57.º, do mesmo diploma adjectivo.
Sendo que é obrigatória a constituição de arguido – art.º 58.º, do Cód. Proc. Pen., e na parte que aos autos importa - logo que:
a) Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal;
c) Um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254.º a 261.º; ou
d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada.
Ora, até à consolidação da prova resultante da busca levada a cabo nos autos não havia que constituir arguido o condutor do veículo e dono assumido do produto estupefaciente, a fazer fé no teor do auto de notícia.
Pois, a prioridade primeira é a consolidação da prova, sob pena de a mesma se vir a perder, e uma vez esta consolidada, só depois se enveredará para outra situação, que poderá passar pela constituição - do até então suspeito - como arguido.
Importa reter que a lei não impõe a constituição como arguido das pessoas visadas pelas diligências de busca. De resto, o facto de se ser alvo de uma tal diligência não significa necessariamente que se seja sequer suspeito da prática de um crime.[4]
Pois, como advertem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a articulação das garantias de defesa com a constituição de arguido não significa a obrigatoriedade da constituição de arguido sempre que seja levantado um auto de notícia que dá uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, como parece sugerir a interpretação literal do art.º 58.º. Esta interpretação literal está desconforme com a Constituição e afectará mesmo a constitucionalidade da norma processual em causasse ela for entendida como obrigatoriedade de constituição do arguido “sem indiciação suficiente” com base apenas em denúncia ou participação ´independentemente de qualquer actividade judicial de averiguação prévia da verosimilhança, atendibilidade e fundamento destas denúncias ou participações.[5]
Porém, se a situação jurídico-processual se aproximar da de fundada suspeita de autoria, o suspeito independentemente do momento ou fase em que o processo de inquérito se encontre, tem de ganhar o estatuto de arguido, como referem Simas Santos e Leal Henriques, citando Gil Moreira dos Santos, in Ob. Cit., págs 308.
Sendo que o juízo de se vir constituir alguém como arguido compete à autoridade que dirige o inquérito, devendo ser consequentemente entendido numa perspectiva processual concreta.[6]
Veja-se que apreendido o produto estupefaciente foi dada voz de detenção ao suspeito BB, tendo-lhe sido, de imediato, lidos e explicados os seus direito e deveres na qualidade de arguido, dos quais ficou cientes – teor do auto de notícia, linhas 86 a 88.
Não se podendo afirmar, pelo que vem de se dizer, que já anteriormente, se deveria ter constituído o até aí suspeito como arguido, nomeadamente para obter autorização para proceder à busca, como sugere o aqui recorrente.
Como não se pode considerar suficiente para que ocorra tal constituição como arguido o singelo facto de os militares da GNR perante o cheiro a haxixe e sem nada mais averiguar - vg com a apreensão noa acto do produto estupefaciente.
Pelo que, só após se ter procedido à apreensão do produto estupefaciente se poderia proceder, como se procedeu, à constituição de BB como arguido.
Arredando-se qualquer ideia de atraso no desenrolar das diligências probatórias, de forma a retardar a sua constituição como arguido, como o refere o aqui recorrente. O teor do auto de notícia fala por si.
E constituído arguido é a partir desse momento - e não antes - que lhe é assegurado o exercício de direitos e de deveres processuais, como resulta do art.º 60.º, do Cód. Proc. Pen.
Direitos esses compaginados no art.º 61.º, do mesmo compêndio adjectivo, de onde se destaca o de constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor, n.º 1, al.ª e) e 62.º.
E não sendo o suspeito sujeito da relação jurídica processual penal não lhe assistem nem os direitos nem os deveres previstos nos art.ºs 60.º e 61.º, do Cód. Proc. Pen.
Ou como referem Simas Santos e Leal Henriques, in Ob. Cit., págs. 60, sendo o suspeito figura processual penal que fica aquém da figura do arguido não beneficia de qualquer direito dos que àquele cabe (cfr art.ºs 58.º a 62.º).
Razão pela qual não havia que nomear ao aqui recorrente e antes de ser constituído arguido qualquer defensor, não se descortinando a violação dos preceitos legais que invoca, nomeadamente o art.º 64.º, n.º 1, al.ª d), do Cód. Proc. Pen., e, consequentemente o cometimento da invocada nulidade insanável contemplada no art.º 119.º n.º 1, al.ª c), do mesmo diploma adjectivo.

Por fim, quanto a se declare a nulidade insanável de parte do auto de noticia que transcreve conversas informais, do acto de autorização de busca ao veiculo acima identificado.
Só pode estar a reportar-se ao teor do auto de notícia quando refere (…) sendo o próprio a indicar-nos os locais onde se encontravam ocultos os estupefacientes, ver linhas 52 e 53.
E mais adiante onde se dá nota de que o suspeito BB afirmou, ainda, que todo o estupefaciente que se encontrava no interior do veículo era da sua propriedade e que os ocupantes dois ocupantes da viatura não tinham qualquer relação com a situação e desconheciam o facto do mesmo transportar droga no automóvel (…), ver linhas 55 a 58.
Sobre tal temática permitimo-nos transcrever o que sobre tal temática se deu nota no Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.06.2017, no Processo n.º 320/14.7GCMTJ.L1-9, onde se pode ler no seu sumário:
III- Face ao ordenamento português, o simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válido. Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agiam dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de polícia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má-fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida.
IV-Por isso a proibição de conversas informais só deve abranger afirmações posteriores à constituição de arguido e nunca antes da sua constituição pois ai nem existem propriamente conversas informais, mas sim afirmações de um cidadão, que pode ser suspeito ou nem isso. E este é, no ordenamento processual penal português, uma testemunha.
VII- As afirmações produzidas nesta fase preliminar por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela, suspeito ou potencial testemunha do crime, não traduzem declarações strictu sensu para efeitos processuais, já que não existe, ainda, verdadeiramente um processo penal a correr os seus termos. São diligências de aquisição e conservação de prova, lícitas, dada a sua conformidade com o comando legal prescrito no art. 249º do CPP, não sendo, por isso, proibido o seu relato em audiência.
No mesmo sentido, ver Paulo Soares, in Ob. Cit., págs 142 a 144 e nota 269 e a jurisprudência aí citada.
O que leva impõe se conclua, embora com outra fundamentação, pelo bem fundado do despacho revidendo, o qual se confirma, indeferindo-se as invocadas nulidades e respectivas consequências, como pretendido pelo aqui impetrante.

Termos são em que Acordam em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça devida.

(texto elaborado e revisto pelo relator).


Évora, 22 de Novembro de 2018
José Proença da Costa (relator)
Alberto Borges
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[1] Ver, Paulo Soares, in Meios de Obtenção de Prova no Âmbito das Medidas Cautelares e de Polícia, págs. 207.

[2] Ver, Manuel Monteiro Guedes Valente, in “Revistas e Buscas”, págs. 67.
[3] Ver, Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, Vol. I, págs 60 e Código de Processo Penal, Comentários e Notas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, págs.21.
[4] Ver, Acórdão da Relação de Lisboa, de 15.04.2010, no Processo n.º 56/06.2TELSB-B.L1-9.
[5] Ver, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, págs. 517.
[6] Ver, Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 77/96, de 1.07.2010, apud Vinícius Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, págs. 120-121.