Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RENATA WHYTTON DA TERRA | ||
Descritores: | RECURSO ÓNUS DO RECORRENTE CONCLUSÕES DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (elaborado pela relatora):
I.. A cópia ou reprodução integral do que já foi alegado na motivação de recurso não cumpre, manifestamente, o dever de apresentar conclusões. O recorrente nas conclusões de recurso deve enunciar as questões a submeter ao Tribunal Superior. II. Ao apresentar duas vezes o mesmo texto é manifesto que o recorrente não fez o esforço mínimo necessário, pelo que só se pode concluir pela inexistência das conclusões de recurso e consequentemente pela rejeição do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº2, al. b), do CPC.. | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO AA instaurou a presente acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais relativamente à filha BB contra CC, solicitando a alteração de algumas das cláusulas constantes do acordo inicial de regulação das responsabilidades parentais. Requereu quanto à cláusula segunda alínea a) do acordo, que as despesas passem a ser divididas, tendo em conta que a requerida vive longe da casa do requerente, devendo a entrega da menor aos pais ser alternada, um fim de semana levaria a mãe a menina ao encontro do pai e no outro, o pai iria buscar a mesma. Quanto à al. c) referiu que há cerca de um ano que não fala com a menor pois a mãe não atende as chamadas e bloqueou o pai no Whatsapp. No que se refere à cláusula terceira, ponto 3) do acordo, propôs a redução do valor da pensão de alimentos para 125 € mensais. Referiu que se encontra impedido de suportar a prestação mensal acordada, por circunstâncias supervenientes, pois está desempregado, auferindo um subsídio de desemprego no valor de 380 €; antes esteve durante 11 anos a trabalhar no B..., teve duas Guest Houses, e ganhava cerca de 1 000 € por mês. Relativamente à responsabilização quanto ao seguro de saúde celebrado em nome da menor e que se mantém em vigor, o requerente referiu não concordar com este ponto pois a requerida é funcionária pública e beneficia da ADSE. Citada, a requerida opôs-se às alterações e veio alegar que houve alterações de residência, fundamentalmente da parte do requerente, que o colocaram na contingência das deslocações. Alegou que as dificuldades de comunicação com a filha terão sido ultrapassadas em 2020. Opõe-se à alteração do valor da pensão de alimentos pois o progenitor da filha despediu-se por acordo com o B..., num contexto em que se veio a envolver em negócios, tendo vendido um imóvel. Referiu ainda que a criança já não beneficia do seguro de saúde, uma vez que o requerente terá “anulado” o respectivo plano. Designada conferência de pais, não foi possível o acordo, tendo os intervenientes sido notificados para apresentarem as respectivas alegações. Nas suas alegações o requerente reiterou a sua posição (cfr. fls. 40 e ss., ref. 46735794), nada tendo a requerida alegado. Procedeu-se à realização de julgamento e em seguida proferiu-se sentença em que se julgou totalmente improcedente a acção, não se determinando qualquer alteração ao regime em vigor. * Não se conformando com a mesma, o requerente dela interpôs recurso de apelação, sendo que, nas suas alegações de recurso, após expor as suas divergências relativamente ao decidido, volta a reproduzir, na íntegra, tudo quanto havia alegado anteriormente, constituíndo esta segunda parte as “conclusões” do recurso, o que nos leva a analisar a validade e eficácia das mesmas. Apenas o MºPº apresentou alegações de resposta, no sentido da improcedência do recurso. Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir da questão prévia da admissibilidade do recurso. * Admissibilidade do recurso de apelação interposto pelo requerente por inobservância do dever de formular conclusões. A interposição de um recurso em processo civil sujeita o recorrente a dois ónus: o de apresentar as suas alegações de recurso, expondo de modo circunstanciado as razões de direito e de facto da sua discordância relativamente ao decidido; e o de concluir o recurso com a formulação de conclusões, contendo a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. As especificações que a lei manda consignar nas conclusões, têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso, circunscrevendo o campo de intervenção do Tribunal Superior. Dispõem os artigos 639º e 641º, do Código de Processo Civil no que respeita às conclusões: Art. 639º 1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.(…) 3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o nº2 do artigo 639º, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afetada.” Art. 641º ( art. 685-C do CPC de 1961) 1 - Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar. 2 - O requerimento é indeferido quando: a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer; b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões. (…)” Com a reforma introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, ao regime dos recursos, a falta de conclusões passou a ser fundamento de rejeição de recurso. Assim, embora anteriormente a esta reforma se admitisse o convite ao recorrente para suprimento da falta de conclusões, a partir de então esse convite só ocorre quando as conclusões sejam deficientes, obscuras complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações previstas no nº 2 do artigo 639º do CPC. Temos, pois, face à actual legislação duas soluções distintas, uma, que admite o convite ao aperfeiçoamento quando as conclusões são deficientes, obscuras e complexas, outro, que impõe a rejeição do recurso, quando se verifica a inexistência de conclusões. Acompanhamos de perto aqui o Acórdão do STJ, de 09.07.2015, processo n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1, in www.dgsi.pt: “Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no nº 2. Apesar de a lei adjectiva impor o patrocínio judiciário, são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese. Noutros casos, como ocorreu agora, a repetição nas “conclusões” do teor da motivação correflecte uma opção facilitista que passou ao largo das dificuldades que representa a elaboração de um segmento das alegações que efectivamente seja preenchido com verdadeiras conclusões. As conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando não encontrem apoio na motivação, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes) ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito. Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama. As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação. Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões.” In casu, é manifesto que a motivação de recurso que o recorrente apresenta e se inicia a fls. 72 verso dos autos, terminando no início de fls. 73 é em tudo igual às conclusões que se iniciam a fls. 73 e terminam no verso dessa folha, sendo a única diferença que o recorrente numerou os parágrafos nas conclusões e apôs os números 1 a 11. Na motivação do recurso o requerente coloca questões ao Tribunal ad quem (que manifestamente não cabe a este tribunal responder, tais como se o tribunal não considerou a possibilidade de o recorrente ter dividas a particulares e não poder ter um documento que comprovasse o pagamento dessas dividas), não se compreendendo bem se pretende interpor recurso sobre a matéria de facto e de direito, e na parte em que escreve “nestes termos e em conclusão” o recorrente reproduz ipsis verbis, desde a primeira à ultima linha, o que escreveu no corpo das alegações, limitando-se a numerar os parágrafos. Esta segunda parte das suas alegações, que o recorrente chama de conclusão consiste num mero “copy paste” da primeira parte. Afigura-se-nos poder retirar do regime em vigor que, face à relevância das conclusões na peça processual recursória, para que se considere que foram apresentadas conclusões não é suficiente que o apelante nas suas alegações de recurso utilize a palavra “conclusões”, sendo necessário que as conclusões tenham conteúdo intrínseco e que de algum modo, ainda que de forma deficiente, obscura ou complexa, se assemelhe a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas. A cópia ou reprodução integral do que já foi alegado na motivação de recurso não cumpre, manifestamente, o dever de apresentar conclusões. O recorrente nas conclusões de recurso deve enunciar as questões a submeter ao Tribunal Superior. Ao apresentar duas vezes o mesmo texto é manifesto que não foi feito tal esforço, pelo que só se pode concluir pela inexistência das conclusões. José Alberto dos Reis em “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra Editora 1984, págs. 361 e 362, defendeu que os limites deverão ser medidos pelo fim visado pelas conclusões: deverão considerar-se como tal as conclusões que, embora longas e difusas, indiquem, em todo o caso, os pontos sobre que o tribunal é chamado a resolver e as razões por que se pretende o provimento do recurso. Neste sentido, entre outros, Ac. Relação de Lisboa de 15.02.2013, processo n.º 827/09.3PDAMD.L1-5 (processo penal), Ac. Relação de Lisboa de 8.2.2022, processo n.º 185/21.2, Ac. da Relação de Coimbra de 14.3.2017, processo n.º 6322/11.8 (in www. dgsi.pt) em que se conclui que a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada repetir o que se disse antes na motivação. Concluindo, o convite ao aperfeiçoamento existe atualmente, tão só nas situações em que a parte tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afete a sua compreensibilidade justifica o tal convite à sua correção, num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação. Reproduz-se aqui o sumário do Ac. do STJ de 21.01.2014, processo n.º 689/08.2TTFAR.E1.S1, por nos parecer ter toda a pertinência para o caso sub judice: “1. Nos termos do n.º 1 e do n.º 2, b), do art. 685.º-C, do CPC, na redação da Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, a falta de conclusões das alegações impede irreparavelmente o conhecimento do recurso. 2. Os princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.” A ausência de conclusões conduz ao não conhecimento do recurso por falta de objeto, um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito. Assim, conclui-se que nas alegações de recurso apresentadas pelo recorrente as conclusões são inexistentes, ausentes e, como tal, consequentemente, rejeita-se o recurso por si interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº2, al. b), do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em rejeitar o recurso do requerente por falta de conclusões. Custas a suportar pelo Apelante (artigo 527.º, n.os 1 e 2 do CPC). Évora, 10 de julho de 2025 Renata Whytton da Terra – relatora Beatriz Marques Borges – 1ª adjunta Rosa Barroso – 2.ª adjunta |