Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1851/22.0T8SLV-B.E1
Relator: FILIPE CÉSAR OSÓRIO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

I. Apenas ocorre nulidade de sentença por absoluta falta de fundamentação de facto ou de direito e esta fundamentação da decisão judicial não tem de ser exaustiva.


II. Um ano depois de terem sido apresentados embargos de executado, já definitivamente julgados, em execução pendente, na fase da venda executiva, na sequência da decisão do agente de execução relativa à venda, é manifestamente improcedente, inviável e dilatório apresentar embargos de executado, independentemente dos seus fundamentos (no caso concreto, com fundamento na discordância desta decisão e ainda com fundamento em factos atinentes ao título executivo incluindo a prescrição).


III. A apresentação de embargos de executado nos referidos termos não só são manifestamente improcedentes como ainda a Embargante, ora Recorrente, não agiu com a prudência ou diligência devidas, colocando em causa a economia processual e a celeridade da justiça, justificando-se perfeitamente a aplicação de taxa sancionatória excepcional de 9 UCs, ao abrigo do disposto no art. 531.º, do CPC.

Decisão Texto Integral: *

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Apelação n.º 1851/22.0T8SLV-B.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Elisabete Valente

2.º Adjunto: Manuel Bargado

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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


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I. RELATÓRIO


Acção Executiva, Embargos de Executado, Oposição à Execução


1. As partes:


Embargante – Executada – Recorrente – HORAS ALHEIAS, LDA.


Embargada – Exequente – Recorrida – YOUR SATISFACTION, UNIPESSOAL, LDA.


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2. Objecto do litígio:


A Executada HORAS ALHEIAS, LDA. veio, por apenso à Execução que contra ela foi intentada pela Exequente YOUR SATISFACTION, UNIPESSOAL, LDA. deduzir oposição à Execução através de embargos de executado, pedindo a «extinção da instância executiva, com reconhecimento da preterição de formalidades essenciais, da não exigibilidade e liquidação da obrigação exequenda, do reconhecimento da prescrição da divida subjacente e em consequência pela inexistência de qualquer divida do executado perante o exequente», alegando factos que em seu entender fundamento a sua pretensão, tais como a decisão do Agente de Execução relativo à venda executiva e factos atinentes ao título executivo, incluindo a prescrição.


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3. Decisão proferida em Primeira Instância:


Foi proferido despacho liminar em primeira instância com o seguinte dispositivo:


«Assim, por extemporânea e legalmente inadmissível, rejeita-se o requerimento de embargos de executado agora apresentado.» e ainda «Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 531.º do novo Código de Processo Civil e artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais, condena-se a Executada, ora Embargante, no pagamento de taxa sancionatória excepcional que se fixa em 9 (nove) UCs.».


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4. Recurso de apelação da Executada/Embargante/Recorrente:


A Recorrente interpôs recurso de apelação da decisão, com as seguintes conclusões:


«A) Aplicando o Direito à situação de facto descrita por parte do Apelante, conclui-se que estão preenchidos os requisitos necessários à decretação do procedimento solicitado.


B) Com efeito, a oposição mediante embargos de executado intentada, é legal, tempestiva e deve ser juridicamente avaliada, ponderada e objecto de decisão judicial.


C) O comportamento do Apelante não pode ser enquadrado como censurável ou reprovável, na medida em que, fez uso de uma faculdade permitida pela Lei e desse modo, não deve ser aplicada a taxa sancionatória especial, prevista no artigo 531.º do CPC e artigo 10.º do Regulamento das Custas Judiciais.


D) A sentença padece dos vícios previstos nos artigos 615.º, n. 1, alínea b) do Código de Processo Civil.


E) A sentença recorrida enferma de diversas ilegalidades, vícios e nulidade processual.


F) Por todo o exposto e nestes termos, é imperativo concluir que a sentença proferida não deve produzir quaisquer efeitos jurídicos, solicitando-se a aceitação da oposição mediante embargos de executado intentada e consequentemente a não aplicação de qualquer unidade de conta no âmbito do regime jurídico da taxa sancionatória excepcional, devendo desse modo, proceder o pedido formulado pelo Apelante, seguindo-se os demais termos processuais até final.».


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5. Admissão do recurso


O recurso foi admitido.


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6. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


Considerando que o objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (arts. 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC) – são as seguintes as questões cuja apreciação aquelas convocam:


- Nulidade da sentença;


- Reapreciação jurídica da causa.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

7. Com relevo para decidir resulta dos autos que:


- A Executada foi citada para, querendo, deduzir oposição à execução e à penhora, por carta de 02.02.2023;


- Em 21.02.2023 apresentou embargos de executado que constitui o Apenso A, onde foi proferida sentença em 31.05.2024, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga-se a totalmente improcedentes os presentes embargos, determinando, em consequência, a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso para a satisfação da quantia exequenda.».


- A executada foi notificada em 17.06.2024 de um despacho do Senhor Agente de Execução com a referência interna PE/68/2022, comunicando a intenção de venda de um imóvel na modalidade de proposta em carta fechada, depois de ouvidas as partes processuais


- Em 08/07/2024 a Executada veio apresentar a presente oposição mediante embargos de executado que deram origem ao presente apenso B, alegando essencialmente que “O executado foi notificado na data de 17.06.2024 de um despacho do Senhor Agente de Execução com a referência interna PE/68/2022, comunicando a intenção de venda de um imóvel na modalidade de proposta em carta fechada, depois de ouvidas as partes processuais.”; “o executado não pode concordar com a modalidade de venda por proposta de carta fechada.”; “ocorreu uma nulidade processual” (artigos 1.º a 23.º dos seus Embargos) e alega ainda um conjunto de factos subjacentes à dívida exequenda, incluindo a prescrição (artigos 24.º a 35.º dos seus Embargos), invocou ainda como fundamento jurídico para oposição à execução a al. c) do art. 729.º, do CPC.


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FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA


8. Da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC):


A sentença é nula, entre outros casos, quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.


«Para além da falta de assinatura do juiz (suprível oficiosamente em qualquer altura), é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação ininteligível ou impercetível, cf. RP 8-9-20, 15756/17), previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11).»1.


Como decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/20212 (Oliveira Abreu, proc. n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt) “Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil.”.


No caso concreto na sentença em crise foram especificados os fundamentos de facto com relevo para proferir decisão e os fundamentos de direito, de modo bastante claro, sintético e perfeitamente perceptível, como segue:


«Horas Alheias Lda, Executada nos autos, veio apresentar Oposição, por requerimento de 08.07.2024.


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Compulsados os autos de execução, verifica-se que:


- a ora Executada foi citada para, querendo, deduzir oposição à execução e à penhora, por carta de 02.02.2023;


- em 21.02.2023 apresentou embargos de executado que constitui o Apenso A, onde foi proferida sentença em 31.05.2024, notificada à ora Executada em 04.06.2024.


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De harmonia com o disposto no artigo 856º, nº 1, do Código de Processo Civil, o executado pode deduzir embargos de executado e/ou opor-se à penhora no prazo de 20 dias.


Considerando a data em que a Executada foi citada, a oposição agora apresentada em 08.07.2024 é manifestamente extemporânea.


Ainda que assim não fosse e considerando que já pendem embargos de executado pela Executada, os presentes embargos propostos novamente em nome da mesma não são admissíveis.


Assim, por extemporânea e legalmente inadmissível, rejeita-se o requerimento de embargos de executado agora apresentado.».


Deste modo, não ocorreu absoluta falta de fundamentação.


Além disso, o dever de fundamentação não tem de ser exaustivo pois cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial permite ao destinatário a perceção do iter cognoscitivo e valorativo de facto e de direito revelando o que a justifica, como se decidiu a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/20243 (Isoleta de Almeida Costa, proc. n.º 1804/03.7TBPVZ-B.P1, www.dgsi.pt):


I - A nulidade da sentença prevista no 615º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil (aplicável aos despachos por força do artigo 613º, nº 3,) prende-se com o disposto no artigo 154º, do mesmo diploma, que fixa o dever do juiz fundamentar a decisão e concretiza o comando constitucional contido no n.º 1 do artigo 205.º da CRP ao estabelecer que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».


II - Acolhe-se em razões de ordem substancial, demonstração do raciocínio lógico do juiz na interpretação da norma geral e abstrata aplicada ao caso concreto e de ordem prática, dar a conhecer às partes os motivos da decisão, em particular à parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respetivo fundamento.


III - Este dever de fundamentação da decisão judicial, no entanto não tem de ser exaustivo e cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, permite ao destinatário a perceção do iter cognoscitivo e valorativo de facto e de direito, revelando o que a justifica.


IV - Só se pode falar em sentença nula por falta de fundamentação, se, se verifica a ausência absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, não bastando a fundamentação deficiente e incompleta [sublinhado nosso].


Acresce ainda que foram cumpridos os direitos que impõem o dever de fundamentação da decisões, constitucionalmente protegidos, para efeitos do disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º, da Constituição da República Portuguesa.


Deste modo, porque foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não ocorreu a invocada nulidade da sentença, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.


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9. Reapreciação jurídica da causa:


9.1. Viabilidade da oposição à execução:


A primeira instância fundamentou a decisão recorrida do seguinte modo:


«…De harmonia com o disposto no artigo 856º, nº 1, do Código de Processo Civil, o executado pode deduzir embargos de executado e/ou opor-se à penhora no prazo de 20 dias.


Considerando a data em que a Executada foi citada, a oposição agora apresentada em 08.07.2024 é manifestamente extemporânea.


Ainda que assim não fosse e considerando que já pendem embargos de executado pela Executada, os presentes embargos propostos novamente em nome da mesma não são admissíveis.


Assim, por extemporânea e legalmente inadmissível, rejeita-se o requerimento de embargos de executado agora apresentado.».


A Recorrente discorda da primeira instância porque entende essencialmente que a oposição mediante embargos de executado apresentada na data de 08.07.2024, é legalmente admissível, dentro do prazo e deve ser objecto de apreciação, nos termos e para os efeitos da disciplina jurídica vertida no artigo 856.º do CPC, porque ao contrário do mencionado na douta sentença proferida por parte do Tribunal ad quo, a oposição mediante embargos de executado intentada em 08.07.2024 não pretende colocar em causa a sentença proferida em 31.05.2024 e objecto de notificação na data de 04.06.2024, mas pretende exclusivamente aferir da legalidade do teor, conteúdo e sentido do despacho proferido por parte do Senhor Agente de Execução com a referência PE/68/2022 e notificado ao Apelante na data de 17.06.2024.


Apreciando:


Em primeiro lugar, cumpre destacar que na primeira parte dos fundamentos apresentados pela Embargante, ora Recorrente, nos actuais “Embargos de Executado” esta insurge-se contra a decisão do Agente de Execução relativa ao mecanismo da venda executiva por si decidido.


Ora, os actos do Agente de Execução são susceptíveis do incidente de “impugnação” dirigidos ao juiz de execução, incluindo os actos relativos à modalidade da venda, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 723.º, n.º 1, al. c) e 812.º, n.º 7, ambos do CPC, no prazo e 10 dias (cfr. art. 149.º, do CPC), ou seja, não através de “embargos de executado”.


Daqui resulta que, se a Executada pretendesse apenas impugnar a decisão proferida pelo Agente de Execução relativa à venda devia fazê-lo junto do juiz de execução através do meio processualmente adequado para o efeito.


Ora, no caso concreto em apreciação a Executada insurge-se contra a decisão do Agente de Execução relativa à venda mas fê-lo através do mecanismo de “embargos de executado”.


É manifesto que o mecanismo utilizado não é o adequado, por um lado, porque já foram instaurados e julgados definitivamente os embargos de executado oportunamente apresentados pela ora Recorrente, mas ainda porque, independentemente disso, nunca seriam fundamento para tal efeito.


Então, posto isto, a consequência de se impugnar decisão do agente de execução através de embargos de executado em vez de conduzir à sua manifesta improcedência, poderia antes considerar-se um erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte a ser oficiosamente corrigido pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados, ao abrigo do disposto no art. 193.º, n.º 3, do CPC.


Contudo, no caso concreto em apreciação não pode suceder essa correcção do meio processual utilizado, porque nunca seria tempestiva esta impugnação já que ocorreu fora do prazo de 10 dias aplicável.


Então, a Executada foi notificada em 17.06.2024 do despacho do Senhor Agente de Execução (comunicando a intenção de venda de um imóvel na modalidade de proposta em carta fechada), por isso, a impugnação dessa decisão deveria ser apresentada em juízo até ao dia 27/06/2024 ou, na melhor das hipóteses, até ao dia 02/07/2024 (3.º dia com multa) e já vimos que apenas em 08/07/2024 a Executada veio apresentar a presente oposição mediante embargos de executado, ou seja, manifestamente fora do prazo legal previsto para a aludida impugnação da decisão do Agente de Execução.


Nesta sequência, mesmo colocando a possibilidade de se tratar de um erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte a ser oficiosamente corrigido pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados, ao abrigo do disposto no art. 193.º, n.º 3, do CPC, sempre seria inviável proceder a essa correcção atendendo à primeira parte dos seus embargos de executado, em virtude da manifesta intempestividade da mesma.


Neste sentido, para melhores desenvolvimentos, pode ser consultada a anotação ao art. 193.º, do CPC, de Abrantes Geraldes4.


Aqui chegados, considerando ser inviável a hipotética correcção do erro na qualificação do meio processual utilizado pela Recorrente, no que diz respeito aos demais fundamentos invocados no seu Requerimento de Embargos de Executado, é patente que esta não se limitou a apenas impugnar a decisão do Agente de Execução mas a invocar ainda outros fundamentos para conduzir à extinção da execução, incluindo a prescrição, aliás, basta atentar no pedido formulado a final pela Executada na sua Oposição à Execução para se compreender que não se insurgiu apenas contra a decisão do Agente de Execução:


«Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente embargo de executado ser considerada procedente, por provada, e ordenar-se a extinção da instância executiva, com reconhecimento da preterição de formalidades essenciais, da não exigibilidade e liquidação da obrigação exequenda, do reconhecimento da prescrição da divida subjacente e em consequência pela inexistência de qualquer divida do executado perante o exequente.».


Nesta sequência, cumpre apenas dizer que, considerando que a Executada foi citada para, querendo, deduzir oposição à execução e à penhora, por carta de 02.02.2023, que em 21.02.2023 apresentou embargos de executado que constitui o Apenso A, onde foi proferida sentença em 31.05.2024, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga-se a totalmente improcedentes os presentes embargos, determinando, em consequência, a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso para a satisfação da quantia exequenda.»5, é por demais evidente que esta Executada não pode deduzir nova Oposição à Execução mediante embargos de executado apenas porque foi notificada pelo Agente de Execução de decisão relativa a venda executiva insurgindo-se contra esta e aproveitando para invocar fundamentos que deveria ter invocado nos embargos que já havia instaurado e sobre os quais já havia sido proferida decisão.


Deste modo, bem andou a primeira instância ao ter julgado rejeitar o requerimento de embargos de executado por extemporânea e legalmente inadmissível.


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9.2. Da viabilidade da taxa sancionatória excepcional:


Nos termos do disposto no artigo 531.º, do Código de Processo Civil que “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.


E o artigo 10.º, do Regulamento das Custas Processuais, dispõe que “A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC.”.


Na decisão recorrida consta para além do mais que «Com efeito, surge-nos evidente que os embargos apresentados são manifestamente extemporâneos e inadmissíveis, sem que se vislumbre uma possível interpretação que lhe possa dar cobertura (ainda mais quando a Opoente se encontra assessorada juridicamente), justificando e reclamando a aplicação da taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 531.º, do Código de Processo Civil. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 531.º do novo Código de Processo Civil e artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais, condena-se a Executada, ora Embargante, no pagamento de taxa sancionatória excepcional que se fixa em 9 (nove) UCs.».


A Recorrente discorda deste entendimento essencialmente porque entende que o seu comportamento não pode ser enquadrado como censurável ou reprovável, nem dilatório, na medida em que, fez uso de uma faculdade permitida pela Lei e desse modo, não deve ser aplicada a taxa sancionatória especial, prevista no artigo 531.º do CPC e artigo 10.º do Regulamento das Custas Judiciais.


A este propósito, na sequência das considerações expendidas no antecedente ponto 9.1., concordamos integralmente com a fundamentação da primeira instância relativamente à aplicação da taxa sancionatória excepcional porque é manifesta a extemporaneidade e a inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Executada, ora Recorrente, de igual modo dilatório, por atrasar a realização das finalidades na execução em curso.


Com efeito, como bem consta da decisão recorrida, à qual aderimos:


São pressupostos da aplicação desta taxa sancionatória excepcional que o requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e que a parte tenha agido com a imprudência ou falta de diligência devida, ou seja, que a actuação da parte seja censurável.


A este respeito, explica-se no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07.06.2018 (Processo nº 1267/09.4TBBNV.E1 , Relatora: MARIA DOMINGAS SIMÕES, acessível in www.dgsi.pt) que «A dita taxa sancionatória excepcional foi introduzida pelo DL n.º 34/2008, que aprovou o RCP, tendo aditado o art.º 447.º-B ao CPC então em vigor, esclarecendo, no respectivo Preâmbulo, ter-se “criado um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.


Já na Exposição de Motivos da proposta de Lei n.º 113/XII, anunciado o objectivo de “desincentivar o uso de faculdades dilatórias pelas partes” dá-se conta de tal objectivo se processar em três patamares sucessivos, “face a comportamentos de diferentes gravidades”, traduzindo-se o segundo “na aplicação à parte de uma taxa sancionatória excecional, sancionando comportamentos abusivos – ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente manifestamente improcedentes – censuráveis enquanto decorrentes de exclusiva falta de prudência ou diligência da parte que os utiliza – sem que, todavia, a gravidade do juízo de censura os permita incluir no âmbito da litigância de má-fé”. Assim foi justificada a manutenção da taxa sancionatória excepcional prevista no art.º 531.º do CPC em vigor, sendo de destacar o seu carácter de excepcionalidade, obrigando o juiz a um esforço de fundamentação tendo em vista obstar à banalização de um instrumento de agilização e disciplinação do processo e de responsabilização da parte pela sua conduta que, todavia, a lei quis, e de forma clara, que fosse usado com parcimónia.


De realçar ainda que estamos fora do círculo de abrangência da má-fé, estando em causa a introdução em juízo de pretensão, de natureza substantiva ou processual, manifestamente improcedente, sendo a parte merecedora de censura por não ter actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis; dito de outro modo, dada a absoluta ausência de interesse atendível na prática do acto, tivesse a parte usado da diligência que lhe é exigível e não teria apresentado a acção, oposição, requerimento, recurso ou reclamação que foram objecto do juízo de improcedência.


Conforme resulta da letra da lei, estão em causa comportamentos da parte – sendo o mandato forense necessariamente representativo (cf. art.º 67º, n.º 1, a), do EOA, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e art.ºs 43.º e 44.º do CPC), os actos praticados pelo advogado no exercício do mandato são imputados à parte que ele representa –, estando portanto excluída a possibilidade de penalizar pessoalmente o advogado pela taxa sancionatória excepcional.»


Esclarece-se igualmente no Acórdão do mesmo Tribunal de 02.10.2018 (Processo nº 335/11.7TBPTG-E.E1, Relator: TOMÉ RAMIÃO, disponível no mesmo sítio) que «como também realçam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 431, “Exige-se, além da manifesta imprudência, que o ato da parte seja resultado exclusivo de falta de prudência ou diligência”.


Pretende-se, segundo o Acórdão do T. Rel. Coimbra, de 4/5/2016 (Luís Ramos), in www.dgsi.pt, “sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios”.


(…) deve entender-se que a expressão “manifestamente improcedente”, significa ostensivamente, de modo evidente, que não pode restar dúvida que essa pretensão, tal como está prefigurada pelo Autor/requerente, não pode obter provimento.»


A finalidade da taxa sancionatória excepcional é, pois, a de contribuir para a economia processual e celeridade da justiça, instituindo um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, bloqueiam os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados.


De referir ainda que o pendor claramente sancionatório da norma em análise não se compadece com o benefício de apoio judiciário (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 20.11.2013, in Processo nº 79/05.9GBVNG-D.P1, Relatora: MARIA DO CARMO SILVA DIAS, acessível in www.dgsi.pt).


No caso em apreço, como acima exposto, a Executada veio apresentar os presentes embargos de executado mais de 1 ano depois de ter sido notificada para o efeito, mostrando-se largamente ultrapassado o prazo para o efeito, ao que acresce a circunstância de já ter deduzido anteriormente embargos de executado (Apenso A), onde já havia sido proferida sentença.


Com efeito, surge-nos evidente que os embargos apresentados são manifestamente extemporâneos e inadmissíveis, sem que se vislumbre uma possível interpretação que lhe possa dar cobertura (ainda mais quando a Opoente se encontra assessorada juridicamente), justificando e reclamando a aplicação da taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 531.º, do Código de Processo Civil.


Em suma, os embargos de executado são manifestamente improcedentes e a Embargante, ora Recorrente, não agiu com a prudência ou diligência devidas, justificando-se perfeitamente a aplicação da taxa sancionatória excepcional de 9 Ucs, ao abrigo do disposto no art. 531.º, do CPC.


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9.3. Em síntese, na sequência de todo o exposto, impõe-se a total improcedência do recurso de apelação e a manutenção da decisão liminar recorrida.


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10. Responsabilidade Tributária


As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade da Recorrente.


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III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,

1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e, em consequência confirmar a decisão recorrida.

2. As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade da Recorrente.

3. Registe e notifique.


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Évora, data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Elisabete Valente

2.º Adjunto: Manuel Bargado

1. - Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., pág. 793.↩︎

2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/54940067083ff01f802587a80057e6d2?OpenDocument↩︎

3. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9e31989ba631ed0580258b49004b2768?OpenDocument↩︎

4. Geraldes, António, A. et al. Código de Processo Civil Anotado Vol. I - Parte Geral e Ação Declarativa. Disponível em: Grupo Almedina, (3rd Edição). Grupo Almedina, 2022., pág. 257 e ss.↩︎

5. Aliás, aquela sentença veio a ser confirmada pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 05/12/2024.↩︎