Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
| Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA PRÉDIO CONFINANTE UNIDADE MÍNIMA DE CULTURA NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA USO PARA FIM DIVERSO ÓNUS DA PROVA | ||
| Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1. O obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas contratuais do negócio, ali se incluindo todos os elementos que se mostrem relevantes para a formação da vontade de exercer o direito de preferir. 2. O conteúdo do direito de preferir não é coincidente com um convite para contratar, pois o direito de preferência exerce-se em relação a um negócio feito e com conhecimento dos seus exactos termos. 3. A excepção prevista na parte final do artigo 1381.º, alínea a), do Código Civil – destinação do prédio a fim que não seja a cultura – exige que se demonstre não apenas qual o novo destino a dar pelo adquirente ao imóvel, mas ainda que essa intenção de alteração seja contemporânea da venda e que a alteração pretendida seja legalmente permitida. 4. Não está demonstrado que a alteração de fim é legalmente permitida, se o adquirente não apresentou qualquer projecto de construção para o local nem solicitou um pedido de informação prévia (PIP), emitido nos termos do artigo 14.º do RJUE, que seria vinculativo para a administração pública em caso de parecer favorável, e se apenas requereu uma informação genérica sobre condicionantes urbanísticas do local. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 591/23.8T8ORM Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Local Cível de Ourém, AA e BB demandaram: - CC e DD (1.ºs RR.); e, - EE (2.º R.); pedindo o reconhecimento do seu direito a preferir na venda de prédio rústico que os 1.ºs RR. fizeram ao 2.º R., nos mesmos termos e condições da escritura celebrada entre estes, com cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 2.º R. e entrega do imóvel aos AA., no estado em que se encontrava na data da aquisição. Alegam que os 1.º RR. eram proprietários de um prédio rústico com área inferior à unidade de cultura, que confinava com outro que era seu, e que não lhes foi concedida preferência na venda que fizeram ao 2.º R.. Depositaram com a petição inicial o preço declarado, de € 16.000,00. Na contestação, os RR. alegaram que o prédio foi adquirido para a construção de uma habitação pelo 2.º R., motivo pelo qual não tem lugar a preferência invocada na acção. Responderam os AA., argumentando que não tem lugar a excepção pretendida pelos RR. Já após o encerramento da fase dos articulados, os RR. juntaram informação por si requerida junto da Câmara Municipal de Ourém, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea a), do RJUE (DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro), sobre os instrumentos de gestão territorial em vigor e as condições gerais para operações urbanísticas a realizar na parcela de terreno. Realizado julgamento, a sentença julgou a acção totalmente improcedente. Interpõem assim os AA. recurso e nas suas conclusões – que se alongam por 96 parágrafos, que aqui não reproduziremos, pois disso não existe qualquer obrigação legal – colocam as seguintes questões: - Impugnação da decisão quanto aos pontos n.ºs 10, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 21 e 24 dos factos provados, e quanto às alíneas A), B), D) e E) dos não provados; - Não comunicação pelos 1.ºs RR. do projecto de venda e cláusulas do contrato, tal como acabou por ser efectivamente celebrado; - Não renúncia pelos AA. do direito a preferir na venda; - Se ocorre a excepção prevista no artigo 1381.º, alínea a), do Código Civil, por destinação do prédio a fim que não seja a cultura; A resposta sustenta a manutenção do julgado. Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir. Impugnação da matéria de facto Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – artigo 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1]. Por outro lado, o artigo 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Trata-se de uma evolução em relação ao artigo 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância. Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.[2] Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no artigo 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[3], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto. Previamente, consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada e à análise da documentação junta aos autos. * Ponto 10 do elenco de factos provados e alínea A) dos não provados:A sentença declarou provado o seguinte: “10. O R. EE adquiriu o imóvel referido em 3) para construir no mesmo uma casa destinada à sua habitação, onde pretende fixar a sua residência”. E deu como não provado o seguinte: “A) O R. EE adquiriu o imóvel referido em 3) para destinar o mesmo à cultura, quer florestal, quer de outra natureza agrícola”. A sentença entendeu dar o ponto 10 como provado com base nas declarações de parte do 2.º e nos depoimentos de duas testemunhas (GG e HH). Os Recorrentes alegam que ao tempo da contestação, nenhum acto havia sido praticado pelo 2.º R. que comprovasse essa intenção – não requereu qualquer licenciamento ou informação prévia acerca de alguma operação urbanística a realizar no local. Também não foi contactado qualquer arquitecto ou técnico para iniciar a projectada construção, nada mais existindo que meras conversas do 2.º R. com amigos acerca das suas intenções. Apreciando, o 2.º R. declarou em audiência que a sua intenção era construir uma habitação no local, e tal foi confirmado pelas duas testemunhas supra referidas, bem como por FF, o filho dos AA., declarando que aquele foi a sua casa e manifestou essa intenção. Consideramos que nada obsta a que se dê como provada essa intenção de construir, tanto mais que o preço acordado está muito acima do que é praticado no local para terrenos para mera utilização agrícola. Mas há um pormenor importante que é revelado no depoimento das testemunhas GG e HH: a intenção de construir existe, mas não é imediata, é um projecto para futuro, desconhecendo as testemunhas quando tal sucederá (desconhecem até se está a ser preparado algum projecto de construção para o local), como também desconhecem se a habitação a construir será para fixação da residência do 2.º R.. Não se pode, pois, considerar como provado que este R. pretende fixar a sua residência no local, como também deve ser considerado provado que a intenção de construir é um projecto para futuro. Sobre se a mera manifestação de intenção de construir é bastante para aplicar a excepção do artigo 1381.º, alínea a), do Código Civil, é questão de direito, a que mais adiante nos dedicaremos. Por estes motivos, defere-se parcialmente esta parte da impugnação fáctica, alterando-se o ponto 10 dos factos provados, que ficará com a seguinte redacção: “10. O R. EE adquiriu o imóvel referido em 3) para no futuro ali construir uma casa destinada a habitação”. Quanto à alínea A) dos factos não provados, a impugnação vai indeferida, por inexistência de prova acerca da sua materialidade. * Ponto 12 do elenco de factos provados e alínea B) dos não provados:A sentença declarou provado o seguinte: “12. O prédio referido em 3) está situado em zona de Aglomerado rural tipo I, nos termos do PDM do concelho de Ourém, em zona em que é possível realizar construções de edificações”. E deu como não provado o seguinte: “B) O prédio referido em 3) situa-se fora do limite urbano e tem 18 metros de largura”. A sentença entendeu dar o ponto 12 como provado com base no documento junto em 12.02.2024 – portanto, após estar finda a fase de articulados – que consiste em informação prestada em 05.12.2023 ao 2.º R. pela Câmara Municipal de Ourém, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea a), do RJUE, sobre os instrumentos de gestão territorial em vigor e as condições gerais para operações urbanísticas a realizar na parcela de terreno. Os Recorrentes argumentam que o mencionado documento não é a resposta a um pedido de informação prévia (PIP) emitido nos termos do artigo 14.º do RJUE, sobre a viabilidade de realização de determinada operação urbanística, e que a citada informação foi requerida após a interposição da acção. Apreciando, o mencionado documento informa que o terreno se situa em área classificada pelo PDM de Ourém – Aviso n.º 10844/2020, publicado no DR, 2.ª Série, de 23.07.2020 – como “aglomerado rural tipo I, com a condicionando via de acesso local existente”. De acordo com o artigo 79.º do PDM de Ourém, “os aglomerados rurais são pequenos núcleos populacionais consolidados com funções residenciais e de apoio a actividades processadas em solo rústico e que, pela sua dimensão, características morfológicas ou nível de infra-estruturação, não reúnem condições para integrarem o solo urbano”, sendo que o de categoria I é “caracterizado por maior concentração da edificação e maior diversidade funcional”. Segundo o artigo 80.º, n.º 1, daquele PDM, “nos aglomerados rurais do tipo I, admitem-se novos edifícios e a ampliação dos existentes, nas seguintes situações: a) Cumprimento da moda da altura da fachada na frente edificada ou, na ausência de frente edificada, da dominante na envolvente próxima até um máximo de 8,0 metros; b) Respeito pela relação morfológica do edificado com o espaço público confrontante; c) Na ausência de frente edificada, o índice de utilização não pode ser superior a 0,50, sendo de 1,0 quando se trate de equipamentos de utilização colectiva; d) Percentagem de impermeabilização do solo não superior a 60%”. Ainda de acordo com o mesmo PDM, os aglomerados rurais integram as categorias de solos rústicos – artigo 16.º, alínea h). Do que se pode depreender destes elementos, a possibilidade de construção na parcela existe, mas está sujeita a condições que devem ser avaliadas perante um concreto projecto de construção. Daí que a Câmara Municipal de Ourém esclareça, na mencionada informação genérica de 05.12.2023, que a edificabilidade no local está sujeita ao cumprimento do disposto no PDM – citando 11 artigos desse diploma – bem como noutros diplomas, como “RMUE, RJUE, RGEU, DL 163/2006, de 8.8, na sua redacção actual, Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndios em Edifícios, DL 110D/2020 de 7.12, na sua redacção actual, Portaria 138-I/2021, de 1.7 e demais legislação aplicável”, esclarecendo mais adiante que “os parâmetros urbanísticos devem ser aferidos com base nas definições que constam do DR 5/2019, de 27.9” e que, “para obter uma informação mais detalhada sobre a viabilidade de realização de uma determinada operação urbanística, deverá instruir o pedido de informação prévia, nos termos do artigo 14.º do RJUE”. Daí que a redacção do ponto 12 deva ser alterada, nos seguintes termos: “12. O prédio referido em 3) está situado em zona de Aglomerado rural tipo I, nos termos do PDM do concelho de Ourém, em zona onde se admitem novas edificações, sujeitas a condições que devem ser avaliadas perante um concreto projecto de construção”. Quanto à alínea B) dos factos não provados, a impugnação vai indeferida, por inexistência de prova acerca da sua materialidade – no ponto 12 já está demonstrado que integra um aglomerado rural e não foi realizada prova da largura do terreno. * Pontos 15, 16, 17, 18, 19 e 21 do elenco de factos provados e alíneas D) e E) dos não provados:A sentença declarou provado o seguinte: “15. Posteriormente à ocasião referida em 14), o R. EE contactou o R. DD, declarando estar interessado na aquisição do prédio referido em 3), oferecendo o preço de 10.000 euros para a compra do mesmo, declarando ainda que poderia chegar aos 13.000 euros. 16. Posteriormente à ocasião referida em 15), o A. AA contactou o R. DD declarando que mantinha o interesse na aquisição do imóvel referido em 3). 17. Em resposta, o R. DD comunicou ao A. AA que havia uma outra pessoa interessada na aquisição do imóvel e que dava um valor superior ao proposto pelo A., designadamente a quantia de 13.000 euros. 18. Em resposta, o A. AA declarou ao R. DD que propunha o valor máximo de 12.000 euros para a aquisição do imóvel, não aumentando a proposta para além desse limite. 19. Posteriormente à ocasião referida em 16), 17) e 18), o filho do A. AA, a testemunha FF contactou o R. DD, informando-o que pretendia acrescentar o valor de 1.000 euros ao preço de aquisição do imóvel referido em 3), fixando assim a proposta no montante de 13.000 euros, não aumentando a proposta para além desse limite. (…) 21. Em resposta, o R. DD informou o R. EE que o A. AA tinha proposto um preço para a aquisição do imóvel referido em 3), com o limite máximo de 13.000 euros.” E deu como não provado o seguinte: “D) Na ocasião referida em 17), após o A. AA realizar a proposta aí mencionada, o R. DD comunicou ao A. que: “de qualquer das formas, e com 99,90% de certeza, que os AA. ficariam com o terreno”. E) Após o R. DD ter enviado uma mensagem à testemunha FF que lhe comunicava que o outro interessado lhe pagaria sempre a mais do A. AA, os AA. ainda demonstraram manter interesse na aquisição do imóvel referido em 3)”. Quanto ao ponto 15, os Recorrentes afirmam que não se pode dar como provada a parte final, acerca da declaração inicial do 2.º R. de ainda poder chegar aos 13.000 euros. E tem razão, pois as declarações das partes – do A. AA, do R. DD e do R. EE – são coincidentes: este ofereceu inicialmente € 10.000,00, e não manifestou logo a intenção de subir aos € 13.000,00, nem tal é normal na condução de negociações. Como declarou o 2.º R. (entre 3m 20s e 4m 15s), primeiro ofereceu € 10.000,00, depois quando o 1.º R. lhe disse que o A. AA subia até aos € 12.000,00, ofereceu € 13.000,00, e como também esse valor era atingido (com o filho dos AA., a testemunha FF, a cobrir diferença de € 1.000,00), fechou nos € 16.000,00, valor este que já não foi comunicado aos AA. (entre 4m 15s e 6m 35s), em versão que também foi confirmada pelo R. DD e pelo A. AA. Logo, a parte final do ponto 15 – “declarando ainda que poderia chegar aos 13.000 euros” – será eliminada. Quanto aos pontos 16 e 17, é o próprio R. DD quem reconhece que contactou o A., após a proposta inicial do 2.º R., informando-o da proposta deste (de € 10.000,00), motivo pelo qual estes pontos serão alterados para a seguinte redacção: “16. O R. DD contactou então o A. AA, indicando que teria um interessado na aquisição do imóvel referido em 3)”, e “17. Nessa ocasião, o R. DD informou que o outro interessado oferecia o valor de € 10.000,00”. Quanto ao ponto 18 dos factos provados e à alínea D) dos factos não provados, o que resulta dos depoimentos do A. AA e do R. DD, complementado pela testemunha FF, é que os AA. apresentaram uma proposta de € 12.000,00, mas nunca declararam que jamais iriam além desse limite. Quanto ao R. DD, a sua resposta foi que iria obter a confirmação da sua esposa, a Ré CC, voltando a contactar mais tarde, informando que não aceitava um valor abaixo dos € 13.000,00, motivo pelo qual este ponto será alterado para a seguinte redacção: “18. Em resposta, o A. AA apresentou uma proposta de aquisição pelo valor de € 12.000,00, respondendo o R. DD que iria obter a confirmação da sua esposa, a Ré CC, voltando a contactar mais tarde, informando que não aceitava um valor abaixo dos € 13.000,00”. Quanto ao ponto 19, o que resulta do depoimento da testemunha FF e da análise das mensagens trocadas, é que este, face à recusa de venda abaixo dos € 13.000,00, é que este se ofereceu para cobrir a diferença, sem prejuízo do seu pai “igualar a oferta”, motivo pelo qual este ponto será alterado para a seguinte redacção: “19. Posteriormente à ocasião referida em 18), o filho do A. AA, a testemunha FF, contactou o R. DD, informando-o que pretendia acrescentar o valor de 1.000 euros ao preço de aquisição do imóvel referido em 3), fixando assim a proposta no montante de 13.000 euros”. Quanto ao ponto 21, existia a proposta de € 12.000,00, acrescentada em € 1.000,00 pela testemunha FF, e foi isso que o R. DD informou ao R. EE, motivo pelo qual este ponto 21 será alterado para a seguinte redacção: “21. O R. DD informou o R. EE que o A. AA tinha apresentado uma proposta de € 12.000,00, complementada em mais € 1.000,00 pelo seu filho, num total de € 13.000,00”. Finalmente, quanto à alínea E) dos factos não provados, resulta das mensagens trocadas entre o R. DD e a testemunha FF, que foi comunicado a este que o outro interessado pagaria sempre mais – a transcrição está junta aos autos e não está impugnada – como também está admitido por acordo das partes que os 1.ºs RR. não deram conhecimento aos AA. do projecto de venda ao 2.º R. pelo preço de € 16.000,00. Serão, pois, aditados os seguintes pontos ao elenco de factos provados: “23-A – O R. DD enviou uma mensagem à testemunha FF, filho dos AA., comunicando que o outro interessado lhe pagaria sempre mais”. 23-B – Os 1.ºs RR. não deram conhecimento aos AA. do projecto de venda ao 2.º R. pelo preço de € 16.000,00”. Em resumo, procede esta parte da impugnação, alterando-se a redacção dos pontos 15, 16, 17, 18, 19 e 21 dos factos provados, aditando-se aqui os pontos 23-A e 23-B, tudo nos termos supra expostos, mais se determinando a eliminação das alíneas D) e E) dos factos não provados. * Ponto 24 do elenco de factos provados:A sentença deu aqui como provado que: “24. O prédio referido em 3) encontra-se enquadrado por infra-estruturas urbanísticas, nomeadamente para o fornecimento de electricidade e de água canalizada”. Consideramos que, face à prova produzida, não se impõe a alteração da resposta, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil: não apenas existem habitações nas redondezas, como a parcela confronta directamente com uma estrada, que dispõe de abastecimento de água e electricidade, o que foi pelos RR. e pelo próprio filho dos AA., a testemunha FF, que reside nas imediações. Consequentemente, esta parte da impugnação não procede. A matéria de facto provada fixa-se assim nos seguintes termos: 1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …, da freguesia de …, um prédio rústico, sito em …, freguesia de …, concelho de Ourém, composto por terra de semeadura e pinhal, confrontando a norte com (…) e outros, sul com estrada, nascente com (…) e do poente com (…), com a área de 5.450 m2, inscrito na matriz predial rústica da (…) sob o artigo (…), sobre a qual existe uma inscrição de aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio a favor dos AA., através de compra a (…) e a (…), realizada através da apresentação n.º …, de 8-8-2023. 2. Por escritura de compra e venda lavrada em 1 de Junho de 1999, a fls. …, do livro …, do 1º Cartório Notarial de Tomar, (…), (…), (…) e (…) venderam ao A. o prédio referido em 1). 3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º …, da freguesia de …, um prédio rústico, sito em …, freguesia de …, concelho de Ourém, composto por vinha, confrontando a norte, sul e poente com AA e do nascente com estrada, com a área de 950 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o artigo …, sobre a qual existe uma inscrição de aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio a favor do R. EE, por compra aos RR. CC e DD, registada através da apresentação n.º …, de 26-4-2023. 4. Por contrato de compra e venda, celebrado em 27 de Fevereiro de 2023, os RR. CC e DD venderam ao R. EE o prédio referido em 3) pelo preço de 16.000 euros. 5. O prédio referido em 1) confina directamente, do lado sul, com o prédio mencionado em 3), numa extensão de 65 metros. 6. No prédio referido em 3) estiveram plantados pinheiros. 7. Antes da data referida em 4), por incumbência dos RR. CC e DD, pessoas ao seu serviço procederam ao corte dos pinheiros referidos em 6), tendo levado os mesmos do local. 8. Actualmente no prédio referido em 3) existem os seguintes elementos: erva, cotos dos pinheiros mencionados em 6) e outros pinheiros em crescimento. 9. Os AA. tomaram conhecimento dos termos do contrato referido em 4), em 4 de Agosto de 2023, quando solicitaram ao solicitador que autenticou o contrato referido em 4), uma cópia de tal contrato. 10. O R. EE adquiriu o imóvel referido em 3) para no futuro ali construir uma casa destinada a habitação. 11. Os AA. e os RR. CC e DD tomaram conhecimento do facto referido em 10). 12. O prédio referido em 3) está situado em zona de Aglomerado rural tipo I, nos termos do PDM do concelho de Ourém, em zona onde se admitem novas edificações, sujeitas a condições que devem ser avaliadas perante um concreto projecto de construção. 13. Em data não concretamente apurada, anterior à referida em 4), o A. AA contactou o R. DD, demonstrando interesse na aquisição do imóvel referido em 3), oferecendo como preço de aquisição a quantia de 5.000 euros. 14. Em resposta o R. DD declarou que não aceitava a oferta do A. AA, na medida em que apenas venderia o imóvel, pelo menos, pelo preço de 10.000 euros. 15. Posteriormente à ocasião referida em 14), o R. EE contactou o R. DD, declarando estar interessado na aquisição do prédio referido em 3), oferecendo o preço de 10.000 euros para a compra do mesmo. 16. O R. DD contactou então o A. AA indicando que teria um interessado na aquisição do imóvel referido em 3). 17. Nessa ocasião, o R. DD informou que o outro interessado oferecia o valor de € 10.000,00. 18. Em resposta, o A. AA apresentou uma proposta de aquisição pelo valor de € 12.000,00, respondendo o R. DD que iria obter a confirmação da sua esposa, a Ré CC, voltando a contactar mais tarde, informando que não aceitava um valor abaixo dos € 13.000,00. 19. Posteriormente à ocasião referida em 18), o filho do A. AA, a testemunha FF, contactou o R. DD, informando-o que pretendia acrescentar o valor de 1.000 euros ao preço de aquisição do imóvel referido em 3), fixando assim a proposta no montante de 13.000 euros. 20. Posteriormente à ocasião referida em 19), o R. EE contactou o R. DD informando-o que mantinha interesse na aquisição do imóvel referido em 3). 21. O R. DD informou o R. EE que o A. AA tinha apresentado uma proposta de € 12.000,00, complementada em mais € 1.000,00 pelo seu filho, no total de € 13.000,00. 22. Em resposta, o R. EE propôs ao R. DD a aquisição do imóvel referido em 3) pelo preço de 16.000 euros, tendo este último aceite essa proposta. 23. Na sequência, os RR. celebraram o contrato mencionado em 4). 23-A. O R. DD enviou uma mensagem à testemunha FF, filho dos AA., comunicando que o outro interessado lhe pagaria sempre mais. 23-B. Os 1.ºs RR. não deram conhecimento aos AA. do projecto de venda ao 2.º R. pelo preço de € 16.000,00. 24. O prédio referido em 3) encontra-se enquadrado por infra-estruturas urbanísticas, nomeadamente para o fornecimento de electricidade e de água canalizada. 25. Existem nas proximidades do prédio referido em 3), imóveis com casas construídas, destinadas a habitação. 26. O R. EE frequentou uma formação para a condução e a operação de tractores agrícolas. Aplicando o Direito. Da preferência na alienação de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura A sentença entendeu julgar a causa improcedente sob dois argumentos essenciais: os AA. renunciaram ao exercício do direito, e verifica-se a excepção prevista no artigo 1381.º, alínea a), parte final, do Código Civil. Quanto ao primeiro argumento, face ao disposto no artigo 416.º, nº 1, do Código Civil, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas contratuais do negócio, ali se incluindo todos os elementos que se mostrem relevantes para a formação da vontade de exercer ou não o direito de preferir. Antunes Varela, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 121.º, pág. 360, escreve o seguinte: “o dono da coisa não pode, por exemplo, limitar-se a informar o preferente de que está a pensar em vendê-la, ou que está disposto a vendê-la por um preço entre 30 a 50 mil contos, mas não quer fazê-lo sem previamente saber se o destinatário está ou não interessado em adquiri-la e que preço está disposto a dar por ela. A falta de resposta a uma interpelação feita em semelhantes termos é líquido que não acarreta a caducidade do direito do preferente”. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.03.2021[4] afirma-se que “a comunicação, daquele que quer vender, ao preferente, deve conter: - Que existe um projecto de venda; - Quem é o terceiro interessado (Ac. STJ de 11-01-2011, proc. 4363/07.9TVLSB.L1.S1); - Quais as cláusulas do contrato projectado, com a identificação concreta, e sem dúvidas, do bem a alienar; - Que tipo de alienação pretende levar a cabo (venda ou dação em cumprimento); - Qual o preço e as condições de pagamento; - Qual o prazo, segundo a lei civil, para o preferente exercer o direito; - Pedido ao preferente para declarar, dentro desse prazo, se quer preferir; É, pois, necessária a comunicação (sem vícios) dos elementos que permitam ao preferente uma declaração de vontade livremente formada e uma decisão consciente de exercer, ou não, o seu direito ou, até, deixá-lo caducar sem nada dizer. Sendo que a falta de elementos essenciais ou a comunicação de elementos erróneos faz com que a comunicação não produza os efeitos de comunicação para preferência”. Sucede que aos AA. não foi dado a conhecer o concreto negócio acertado entre os 1.ºs RR. e o 2.º R., ou seja, a venda do terreno pelo preço de € 16.000,00, com a devida identificação de quem oferecia esse preço e das condições de pagamento. Certo que aos AA. foi pedido que apresentassem propostas de compra, mas esse não é o conteúdo do direito de preferir. Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2021[5], “o direito de preferir há-de incidir sobre uma situação concreta e objectiva e com conhecimento dos termos. Prefere-se sobre um negócio feito e não sobre um negócio a fazer (eventualmente), o direito de preferência, tal como resulta do artigo 416.º do CC, não é um direito de primazia em contratar. E um convite a contratar não encerra em si um projecto de venda, não contém as cláusulas de um contrato (…)”. Deste modo, não tendo sido comunicado aos AA. o concreto projecto de venda acordado entre os RR., com todos os elementos exigíveis, não se pode afirmar, como faz a sentença recorrida, que ocorreu renúncia ao direito de preferir. A sentença argumenta, ainda, que ocorre a excepção prevista no artigo 1381.º, alínea a), parte final, do Código Civil, face à intenção do 2.º R. destinar o terreno a construção de uma habitação. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019[6], escreveu-se o seguinte: “O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado a fórmula quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura da alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil como significando quando o adquirente e, em especial, o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura. Em consequência, “[o] fim que releva […] não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, antes o que o adquirente pretenda dar-lhe”. Interpretando a fórmula da alínea a) do artigo 1381.º como significando quando o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura, o Supremo Tribunal de Justiça exige que dos factos provados decorram duas coisas: em primeiro lugar, a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura […] e, em segundo lugar, a possibilidade física […] e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador […]. Os dois requisitos explicam-se pelo perigo de fraude: “Caso contrário – caso não se exigisse a prova de que a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura é legal e regulamentarmente possível – estar-se-ia a dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante”. O que releva, pois, é o destino a dar pelo adquirente ao imóvel adquirido, devendo a intenção de alteração do destino ser contemporânea da escritura e a alteração pretendida ser legalmente permitida.[7] Isto porque “o terreno urbano ou terreno para construção é uma coisa que se define não só pela sua identidade física, mas principalmente pela sua aptidão juridicamente reconhecida, i.e., objecto de um direito de construir, nunca originário, mas sempre adquirido, por força da iniciativa da Administração Pública ou por licença desta perante a pretensão formulada pelo respectivo proprietário, nos limites topográficos e normativos dum plano de urbanização ou dum loteamento.”[8] Está demonstrado que o 2.º R. tem a intenção de construir no local uma habitação, no futuro. Porém, essa intenção de alteração do fim do imóvel não é contemporânea do acto em relação ao qual os AA. exercem o direito de preferência, e também não está demonstrado que, em concreto, seja legalmente possível a alteração de fim pretendida pelo 2.º R.. É paradigmático que o 2.º R. só após a citação e o oferecimento da sua contestação – acto que ocorreu em 28.09.2023 – se tenha dirigido à Câmara Municipal de Ourém, e mesmo assim não foi para apresentar um projecto de construção concreto, ou um pedido de informação prévia (PIP), nos termos do artigo 14.º do RJUE, sobre a viabilidade de determinada operação urbanística, que teria a virtualidade de vincular a administração pública em caso de parecer favorável – “a informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia” (respectivo artigo 17.º, n.º 1). O que fez foi solicitar apenas uma informação genérica, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea a), do RJUE, sobre os instrumentos de gestão territorial em vigor e as condições gerais para operações urbanísticas a realizar na parcela de terreno, o que em si não demonstra qual a concreta operação urbanística pretendida, nem que no local seja efectivamente possível a construção pretendida pelo 2.º R.. Concluímos, pois, que os RR. não lograram provar a referida excepção, devendo assim a acção proceder – tanto mais que os AA. depositaram o preço declarado e os dois terrenos confinantes têm área inferior à unidade de cultura prevista para o local (8 hectares – Portaria n.º 19/2019, de 15 de Janeiro). Decisão. Destarte, concedendo provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e julga-se a acção procedente, reconhecendo-se aos AA. o direito a preferir na venda do prédio rústico que os 1.ºs RR. fizeram ao 2.º R., nos mesmos termos e condições da escritura celebrada entre estes, com cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 2.º R. e entrega do imóvel aos AA., no estado em que se encontrava na data da aquisição, e entrega ao 2.º R. do preço de € 16.000,00 depositado à ordem dos autos. Custas pelos RR.. Évora, 7 de Novembro de 2024 Mário Branco Coelho (relator) Isabel de Matos Peixoto Imaginário Cristina Dá Mesquita __________________________________________________ [1] Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. n.º 283/08.8TBCHV-A.G1) e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. [2] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015 (Proc. n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1) e de 28.09.2022 (Proc. 314/20.3T8CMN.G1.S1), ambos publicados na mesma base de dados. [3] Citação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. n.º 1184/10.5TTMTS.P1.S1), também publicado na dita base de dados. [4] Proferido no Proc. n.º 2997/18.5T8PDL.L1.S1 e publicado em www.dgsi.pt. [5] Proferido no Proc. n.º 609/19.9T8FND.C1.S1 e publicado em www.dgsi.pt. [6] Proferido no Proc. n.º 8496/17.5T8STB.E1.S2 e publicado em www.dgsi.pt. [7] Neste sentido, para além do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019, vide ainda o Acórdão do mesmo Tribunal de 17.10.2019 (Proc. n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2), da Relação do Porto de 09.03.2023 (Proc. n.º 9959/19.3T8VNG.P1), da mesma Relação do Porto de 15.06.2023 (Proc. n.º 3682/19.6T8AVR.P1) e da Relação de Coimbra de 13.06.2023 (Proc. n.º 642/21.0T8LRA.C1), todos publicados em www.dgsi.pt. [8] Ferreira de Almeida, in Direito Económico, 1979, pág. 431. |