Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
263/07.0TAOLH.E1
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
ESPÉCIE E MEDIDA DA PENA
ASSISTENTE
RECURSO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Sumário:
1 – Tem interesse em agir, e sequente legitimidade para recorrer da sentença, a assistente, ofendida em crime de violação da obrigação de alimentos, previsto no artigo 250.º n.º 1 do Código Penal, que manifesta divergência relativamente à pena de multa aplicada em 1.ª instância, propugnando por que o Tribunal de recurso aplique ao arguido uma pena de suspensão da execução da pena de prisão, com a suspensão condicionada ao pagamento das prestações alimentares em dívida.
2 – O «cariz do crime» não é critério para determinar a espécie da pena, menos ainda quando o próprio tipo, em alternativa, concebe a punição com pena de prisão e multa, como é o caso.
3 – Não pode erigir-se em critério de escolha da espécie da pena a eventual pressão que se pretende ver exercida sobre o condenado com vista a uma «maior garantia» do cumprimento de uma obrigação, no caso de alimentos, anteriormente fixada por um Tribunal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. No âmbito do Proc. n.º 263/07.0TAOLH do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, o Ministério Público, no que foi acompanhado pela assistente AS, acusou, para julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal singular, AFS, imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, n.º 1 do Código Penal [cf. fls. 82 a 84 e 92].

2. Requerida, pelo arguido, a instrução, finda a mesma veio a ser pronunciado pela prática, em autoria material, do sobredito crime [cf. fls. 229 a 249].

3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando o arguido pela prática como autor material de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 9,00 (nove euros), num total de € 1350,00 (mil trezentos e cinquenta euros).

4. Inconformada recorreu a assistente, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. Por decisão Judicial datada de 12 de Dezembro de 2005, proferida no âmbito dos autos de Regulação do Poder Paternal que, sob o n.º 787/05.4TMFAR, corre termos no 1.º Juízo do Tribunal de Família e de Menores de Faro, o arguido encontra-se obrigado a contribuir com a quantia mensal de Euros: 350 (trezentos e cinquenta euros), a título de alimentos, para com a sua única Filha, AS, actualmente com 6 anos de idade;
2. Não obstante dispor da capacidade financeira para cumprir aquela sua obrigação, o arguido recusa-se terminantemente a cumprir a mesma, encontrando-se por liquidar, na presente data, a quantia de Euros: 13.350 (treze mil, trezentos e cinquenta euros).
3. Em face do exíguo vencimento que aufere, a assistente é forçada a recorrer à ajuda material e monetária dos seus Pais, de molde a fazer face às necessidades básicas (v.g. saúde, alimentação, vestuário, educação) para com a sua filha menor.
4. É patente que a conduta do arguido, ao violar reiteradamente a sua obrigação alimentar à sua citada e única filha e para a qual tinha condições para fazer face, criando um perigo concreto no que respeita à satisfação das necessidades básicas essenciais da menor Ana Sofia, integra a factualidade típica do crime previsto no artigo 250.º, n.º 1, do Código Penal, como Doutamente foi exarado na sentença recorrida.
5. Com a devida vénia, a assistente não se conforma com o facto da sentença não reflectir a necessidade de proteger ou acautelar a reparação dos danos causados pela conduta ilícita do arguido, ou seja, o pagamento do valor dos alimentos respeitantes a quase 4 anos em falta, como pugnou nas suas alegações finais perante o tribunal recorrido, limitando-se a aplicar ao mesmo uma pena de multa de 150 (cento e cinquenta dias), à taxa diária de Euros: 9 (nove euros), perfazendo o total de Euros: 1350 (mil, trezentos e cinquenta euros), além das respectivas custas criminais.
6. O arguido recusa-se terminantemente a proceder ao pagamento das prestações alimentares a que se encontra judicialmente obrigado, importando trazer à colação que, já depois daquela decisão de 12 de Dezembro de 2005, que fixou equitativamente o valor da prestação mensal alimentar, o arguido requereu junto do Tribunal de Família e de Menores de Faro, a alteração do valor dessa mesma prestação alimentar, pedido esse que foi indeferido por despacho datado de 18 de Dezembro de 2007, devidamente transitado em julgado e, depois disso, manteve a sua posição de total recusa de proceder ao pagamento daquela prestação alimentar de Euros: 350 (trezentos e cinquenta euros), não obstante auferir um vencimento líquido mensal de Euros: 3.715,76 (três mil, setecentos e quinze euros e setenta e seis cêntimos) Cfr: factos dados como provados sob o n.º 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 31.
7. Esta continua e reiterada violação do Dever de Solidariedade Familiar, por parte do arguido, não pode deixar de significar a imperiosa protecção dos interesses da titular do direito a alimentos, face ao perigo de não satisfação das atinentes necessidades fundamentais, o que equivale a dizer, que qualquer decisão nesta matéria, não pode deixar de considerar as reais e concretas necessidades da menor Ana Sofia, nomeadamente, através da cominação para pagamento dos valores alimentares em divida.
8. Sob pena de remeter para as “Calendas Gregas” – passe a expressão -, a satisfação dessas mesmas necessidades, a carecer de urgente tutela, como é claro e evidente, a decisão recorrida não poderia ter deixado de sopesar, no momento da determinação do tipo e da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, a reparação do mal por si causado, ou seja, o pagamento do avultado valor dos alimentos em dívida para com a sua filha menor,
9. Em termos de determinar ao arguido uma pena de prisão, próxima do limite mínimo da respectiva moldura penal, que se aponta para 6 meses, suspensa por um certo período de tempo, que se reputa justo ser de 18 meses, na condição do mesmo proceder ao pagamento das prestações alimentares em dívida.
10. Por outro lado, a mera aplicação de uma pena de multa, a título principal, ao arguido é susceptível de desencadear, em ultimo termo, o efeito contrário à finalidade primacial que move a assistente nos presentes autos, isto é, o pagamento das prestações alimentares a que o arguido se encontra obrigado,
11. porquanto, numa leitura sinépica, a aplicação da aludida pena de multa, a reverter na totalidade para os cofres do Estado, conflitua com a necessidade obrigação de o arguido dispor da totalidade do seu rendimento/património, a fim de pagar o valor total das prestações alimentares vencidas e vincendas, cumprindo aquela sua obrigação elementar para com a sua citada filha menor.
12. Por último, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão de 6 meses, cuja execução fica suspensa por um período de 18 meses, na condição do mesmo proceder ao pagamento das prestações alimentares em divida, como se pede e se espera, mostra-se consentâneo com o cariz do crime praticado, com elevada ilicitude do comportamento do arguido e com o dolo intenso com que actuou em todo este longo período de tempo.
Uma vez que a sentença recorrida não tomou nada disso em consideração, violou o disposto nos artigos 14º, nº 1, 50º, nº 1 e nº 2, 51º, nº 1, alínea a) e 250º, do Código Penal.
Daí que deva ser substituída por outra que aplique ao arguido uma pena de prisão por período de 6 meses, suspensa na sua execução por um período de 18 meses, na condição de o arguido pagar à assistente o valor dos alimentos em dívida e aqueles que no futuro se vierem a vencer, devendo fazer a devida prova nos presentes autos, com as devidas e legais consequências.

5. Na 1.ª instância, apenas, o Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

1. São elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. no artigo 250º, n.º 1 do Código Penal que: - Que o agente esteja legalmente obrigado a prestar alimentos; - Que o agente tenha capacidade para cumprir tal obrigação e não a cumpra; - Que este incumprimento ponha em perigo, sem auxílio de terceiro, as necessidades fundamentais do alimentando; - O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal (Damião da Cunha, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, 621);
2. O artigo 40º do Código Penal indica as finalidades das penas, consagrando o princípio da congruência entre a ordem axiológica – constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Só as finalidades de prevenção geral e especial, nãos as finalidades absolutas de retribuição e expiação podem justificar intervenção do sistema penal e conferir fundamento às suas reacções específicas.
3. Dispõe o artigo 70º do Código Penal que se a pena for combinada no tipo legal, em alternativa com prisão ou multa, o tribunal dá preferência à não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nesta operação apenas se deve tomar em consideração as exigências de prevenção, maxime de prevenção especial.
4. Por sua vez, rege o artigo 71º do mesmo diploma legal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
5. Neste percurso há que ter em conta que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (cfr. artigo 40º, nº 2 do mesmo Código).
6. No caso vertente, o Tribunal a quo considerou que “as exigências de prevenção geral revelam-se altas, tendo em conta o alarme social que o não cumprimento da obrigação de alimentos impõe, devendo a respectiva reacção penal pender para uma certa severidade com vista a garantir o efeito dissuasor que esta mesma realidade exige.”
7. Contudo, como bem salientou, “tais reacções de prevenção geral não são ainda de tal modo prementes para aplicarem ao caso concreto pena não privativa da liberdade”.
8. Por outro lado, no que concerne às exigências de prevenção especial também não podemos olvidar que o arguido não possui antecedentes criminais (cfr. fls. 297) e encontra-se inserido social e profissionalmente.
9. Nesta conformidade, bem andou o Tribunal a quo ao aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade, sendo certo que a pena de multa é bastante para dissuadir o arguido na prática de nova violação da obrigação alimentar, assegurando-se, deste modo, as finalidades da punição.
10. Na fixação do número de dias de multa (150 dias), o Tribunal a quo tomou em consideração todas as considerações atinentes à culpa e à prevenção, mormente: a intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo; o elevado grau de ilicitude da conduta do arguido; as elevadas exigências de prevenção geral e a sua inserção social.
11. Na determinação do montante diário da pena de multa, cingiu-se à situação económica do arguido (cfr. pontos 28 a 31; 35; 36 a 39), fixando o montante adequado em € 9,00 diários.
12. Pelo exposto, atentas as considerações supra expendidas, forçoso é concluir que bem andou o Mmo Juiz do Tribunal a quo ao aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade e ao aplicar uma pena de multa, não assistindo qualquer razão à assistente.
Pelo que, nos termos expostos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida e, consequentemente, condenando-se o arguido AFS pela prática de um crime de violação da obrigação de alimentos, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 9,00, o que perfaz o montante global de € 1.350,00.

6. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

7. Na Relação, a Ilustre Procuradora – Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso por carecer a assistente de legitimidade para recorrer.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, apenas, respondeu a recorrente, defendendo possuir um concreto e próprio interesse em agir e, como tal, assistir-lhe legitimidade para recorrer.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no nº 1, do artigo 412º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito [Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR I – A Série, de 28.12.1995].
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o Tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403º, nº 1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões” [cf. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335].

No caso em apreço a única questão que vem colocada prende-se com a espécie da pena em que foi condenado o arguido, defendendo a recorrente que ao não aplicar uma pena de prisão suspensa na sua execução o Tribunal a quo violou os artigos 14.º, nº 1, 50.º, n.º 1 e n.º 2, 51.º, n.º 1, al. a) e 250.º, todos do Código Penal.
Delimitado, assim, o objecto do recurso, tem, contudo, este Tribunal de se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pela Digna Procuradora – Geral Adjunta na Relação, ou seja decidir se a assistente tem ou não legitimidade para recorrer.

Comecemos, como não pode deixar de ser, pela apreciação da referida questão prévia.

A suportar a ilegitimidade do recorrente, invoca a Ilustre Procuradora – Geral Adjunta junto deste Tribunal a jurisprudência fixada no Assento do Pleno do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/99, publicado no DR n.º 185/99, I Série – A, de 1999.08.10 no sentido de que “O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”
A questão não é pacífica e mesmo após a citada jurisprudência não tem obtido uma resposta unânime.
Reproduzindo as palavras de Maia Gonçalves “Cremos que a esta questão não pode ser dada resposta geral, e que deve ser apreciada caso a caso. Assim, o assistente poderá recorrer da medida da pena quando, no caso, tiver um interesse concreto e próprio em agir, por da medida da pena poder tirar um benefício, v. g., evitando a prescrição. Caso contrário, não lhe será dado recorrer.” – [cf. Código de Processo Pela, 16.ª ed., 2007, p. 850].
Com efeito, no quadro normativo vigente, cumpre atentar nos artigos 69.º, n.º 2, al. c) e 401.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPP.
Dispõe o primeiro que: “Compete em especial aos assistentes: c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito”, sendo que nos termos do segundo “Têm legitimidade para recorrer: O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas”, estando, contudo, vedado o recurso a quem não tiver interesse em agir.
O interesse em agir [cf. o n.º 2 do artigo 401.º], como utilidade prática e objectiva do recurso, constitui, pois, um pressuposto processual para os intervenientes processuais que, à luz do n.º 1 do artigo 401.º do CPP, tenham legitimidade para recorrer. E têm legitimidade para recorrer aqueles que são afectados pela decisão, aqueles cujos direitos foram ou poderão vir a ser prejudicados pela mesma.
A propósito do interesse em agir, na ausência da sua definição por parte do Código de Processo Penal, tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência que para se verificar é necessário que o recorrente vise qualquer efeito útil que não possa alcançar sem lançar mão do recurso.
Assim, no ensinamento de Germano Marques da Silva “ (…) o interesse em agir, o interesse na revogação da decisão impugnada, não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões judiciais, mas um interesse em concreto, pelo efeito que se busca sobre a decisão em benefício do recorrente, salvo no que respeita ao Ministério Público” – [cf. Curso de Processo Penal, III, Verbo, pág. 324].
Ainda sobre o pressuposto do interesse em agir, desde logo no confronto com o da legitimidade, lê-se no Acórdão do STJ de 18.10.2000 “Como flui explicitamente da lei (art. 401.º do CPP), dois dos requisitos de que depende a admissão de um recurso penal são a “legitimidade” e o “interesse em agir” de quem lança mão de tal expediente. A “legitimidade” consubstancia-se na posição de um sujeito processual face a determinada decisão proferida no processo, justificativa da possibilidade de a impugnar através de um dos recursos tipificados na lei. Ou seja: diz-se parte legitima aquele que pode, segundo o Código, recorrer de uma determinada decisão judicial. Trata-se, portanto, aqui, de uma posição subjectiva perante o processo, que é avaliada “a priori”. Outra coisa diferente é o “interesse em agir”, que consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e que só por essa via se logra obtê-la. Portanto, o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, portanto, de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada “a posteriori” – [cf. proc. n.º 2116/00 – 3.ª].
Isto é, atribuindo o artigo 69.º, n.º 2, al. c) do CPP poder ao assistente para interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, para decidir da sua legitimidade torna-se necessário apreciar, caso a caso, se a sua posição é afectada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada ao arguido – [cf. Ac. do STJ de 09.04.1997, in CJ, ASTJ, V, T. II, pág. 177].

No caso em apreço a questão da legitimidade ou não da assistente para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, da espécie da pena aplicada ao arguido, não dispensa, desde logo à luz da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça [Assento n.º 8/99], uma prévia análise sobre a sua eventual afectação pela decisão proferida e, bem assim do seu interesse em agir.

A recorrente acompanhou a acusação do Ministério Público, imputando ao arguido a prática de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, n.º 1 do Código Penal, crime, esse, de natureza semipública – [cf. n.º 3 do artigo 250.º do CP].
Ao crime em questão corresponde a moldura penal abstracta de pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Perscrutadas as conclusões do recurso resulta que a discordância da assistente [recorrente] se reconduz à decisão do Tribunal a quo na parte em que condenou o arguido numa pena de multa, a qual, como defende, não acautela os seus interesses, designadamente a reparação dos danos causados, ou seja o pagamento do valor dos alimentos em falta [devidos à menor], remetendo para as “Calendas Gregas” (sic) a satisfação das necessidades fundamentais da menor, sendo a pena de multa susceptível, até, de desencadear o efeito contrário “à finalidade primacial que move a assistente nos presentes autos, isto, é o pagamento das prestações alimentares a que o arguido se encontra obrigado, porquanto (…) a aplicação da aludida pena de multa, a reverter na totalidade para os cofres do Estado, conflitua com a necessidade obrigação do arguido dispor da totalidade do seu rendimento/património, a fim de pagar o valor total das prestações alimentares vencidas e vincendas, cumprindo aquela sua obrigação elementar para com a sua citada filha menor”.
Como tal pugna pela aplicação ao recorrente de uma pena de prisão, suspensa na respectiva execução por determinado período de tempo, mas subordinada à obrigação do pagamento das prestações alimentares em divida, com a consequente revogação, nesta parte, da decisão recorrida.
Nesta perspectiva, crê-se poder afirmar não só que a decisão afecta o interesse da recorrente como ainda que demonstra, a mesma, um concreto e próprio interesse em agir, na medida em que caso veja proceder a sua pretensão fica investida numa maior e mais forte expectativa de concretização do direito a receber a quantia referente ao valor dos alimentos em falta.
Como tal, perfilhando a posição defendida [em situação similar] no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.12.2006, no sentido de que “O assistente tem legitimidade (ou interesse em agir) quando exprima a pretensão de que a suspensão da pena suporte a condição de pagamento indemnizatório em determinado prazo ou a de um dever de reparação a cumprir em prazo fixado, pois que em tal situação visa-se o ressarcimento do lesado pelos danos sofridos (ou de reparar ao ofendido os prejuízos que o atingiram) em consequência do facto ilícito criminalmente praticado” [cf. proc. n.º 06P2040, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj], conclui-se que no caso concreto assiste legitimidade à assistente para recorrer da decisão proferida nos presentes autos.

2. A decisão recorrida

No que concerne aos factos provados ficou consignado na sentença recorrida (transcrição):
A. Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão da mesma:
1. A menor AS nasceu a 22 de Junho de 2003.
2. A menor é filha do arguido e da assistente AS.
3. Por despacho proferido a 12 de Dezembro de 2005, pelo 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, no âmbito da acção de regulação do exercício do poder paternal n.º 787/05.4TMFAR, foi estipulado regime provisório de regulação do poder paternal em relação à menor Ana Sofia, o qual, no que ao caso em apreço tange, determinou o seguinte:
a. A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, a qual exercerá o poder paternal (…)
b. O pai fica obrigado a contribuir com a quantia mensal de 350 € a título de alimentos à menor, quantia essa que deverá remeter à progenitora até ai dia 8 de cada mês (…)”
4. O despacho referido em 3 transitou em julgado.
5. Através de requerimento autuado a 6 de Novembro de 2007 no âmbito desse processo de regulação do poder paternal, o arguido solicitou que a pensão de alimentos fosse reduzida de € 350,00 mensais para o valor compreendido entre os € 150,00 e € 175,00.
6. Este pedido de alteração foi indeferido pelo referido 1.º Juízo do Tribunal de Família e de Menores de Faro, em despacho de 18 de Dezembro de 2007.
7. O despacho referido em 6 transitou em julgado.
8. No período compreendido entre 12 de Dezembro de 2005 até ao presente, o arguido não procedeu ao pagamento da referida pensão de alimentos, no valor de € 350,00.
9. A 23 de Abril de 2008 o arguido procedeu à transferência bancária para a conta da assistente do total de € 600.
10. O arguido referiu que esse valor respeitava a quatro mensalidades, de € 150,00 cada, referentes aos quatro primeiros meses de 2008, e que eram entregues a título de pensão de alimentos.
11. A partir de Abril de 2008 até à presente data, o arguido tem entregue mensalmente à mãe da menor o valor de € 150,00.
12. A assistente tem, presentemente, 42 anos de idade.
13. A assistente aufere, em média, € 480,00 líquidos mensais, como auxiliar da acção educativa no “Colégio (…) Sistema de Ensino, Lda.”, em Olhão.
14. A assistente não aufere quaisquer outros rendimentos.
15. Para além da referida menor, a assistente tem outro filho – o AG –, actualmente com 13 anos, resultante do seu primeiro casamento.
16. A título de pensão de alimentos relativa a este filho, a assistente recebe € 100,00 mensais por parte do seu primeiro marido, encontrando-se o mesmo, presentemente, desempregado.
17. A assistente não dispõe de bens em seu nome.
18. Depois de se divorciar do arguido, a assistente regressou ao apartamento em que residira antes desse casamento, o qual corresponde ao andar superior da casa dos seus pais.
19. Desde então até à presente data, nessa casa passaram também a viver os dois filhos da assistente.
20. A assistente transferiu o seu filho do “Colégio (…)” para uma escola pública.
21. Pela frequência da menor Ana Sofia no “Colégio (…) a assistente paga uma média de € 270,00 a € 280,00, dependendo este valor das saídas do Colégio em que a menor participe.
22. A assistente tem a seu cargo despesas de água, luz e gás.
23. A assistente recebe, mensalmente, apoios dos seus pais, quer em dinheiro, géneros alimentares e vestuário, quer mesmo em outro tipo de apoio.
24. Assim, em concreto, os pais da assistente, recorrentemente, dão-lhe dinheiro para pagar despesas tidas com os menores; os avós maternos asseguram refeições, o pagamento da taxa de televisão; a compra de material escolar, roupas e calçado para os seus netos; a avó, ao fazer as compras habituais de alimentos, fá-las a contar também com as necessidades da casa da assistente; o avô dos menores vai, muitas vezes e no seu carro, buscá-los às respectivas escolas.
25. A avó da menor é copeira no bar-hotel do Aeroporto de Faro, auferindo mensalmente cerca de € 500,00; o avô da menor é ex-caixeiro da “C. Santos Lda.”, recebendo uma reforma cujo valor concreto não foi possível apurar, mas que não ultrapassa os € 500,00 mensais.
26. O arguido tem, presentemente, 46 anos de idade.
27. O arguido vive e trabalha na Bélgica desde 1990.
28. O arguido exerce as funções de assistente sénior na E, com sede na Bélgica.
29. O arguido auferiu no ano de 2005 o valor bruto de € 67.672,50.
30. Do referido valor foi retida a quantia de € 23.083,32.
31. Pelo que, o valor líquido mensal disponível foi de € 3.715,765.
32. O arguido negou-se a pagar a pensão de alimentos à menor.
33. As necessidades fundamentais da menor estão postas em causa pelo arguido.
34. A E paga a totalidade dos estudos aos filhos dos seus trabalhadores, bem como assistência médica, desde que o trabalhador em causa tenha a guarda (conjunta ou individual) do respectivo filho.
35. O arguido tem duas casas, uma sita em Olhão e outra em Bruxelas.
36. Na Bélgica, o arguido dispõe de um carro da marca BMW, modelo 325, com matrícula emitida a 6 de Fevereiro de 1992.
37. Em Portugal, o arguido dispõe de um carro da marca Ford, modelo Fiesta 1.1 Ghia, o qual pertenceu à sua mãe.
38. O arguido não tem outras pessoas a seu cargo.
39. A menor AS é a única filha do arguido.
40. O arguido não tem antecedentes criminais.

Quanto aos factos não provados, consta da decisão recorrida (transcrição):

B. Factos não provados
Para além dos acima referidos, das conclusões e meras asserções jurídicas, não se provaram quaisquer outros, nomeadamente, que:
- Que o arguido exerça as funções de controlador aéreo;
- Que a assistente aufira mensalmente cerca de € 500,00;
- Que a assistente gaste cerca de € 400,00 com o seu filho André Filipe Afonso Gomes;
- Que o vencimento líquido mensal do arguido não corresponda ao rendimento disponível do mesmo;
- Que o arguido não tivesse possibilidade de pagar o montante de € 350,00 determinado pelo Tribunal de Família e de Menores de Faro;
- Que o arguido não pudesse pagar, a título de pensão de alimentos, mais do que € 150,00 mensais, sem pôr em causa os seus compromissos e a sua sobrevivência;
- Que a assistente tenha um veículo automóvel;
- Que a assistente tenha casa própria em Pechão;
- Que os filhos dos trabalhadores do “Colégio (…)", ao longo da frequência do ensino básico, não paguem a alimentação fornecida por esta escola, ou que seja o caso da menor AS;
- Que a assistente tenha deixado de ter os abonos familiares pagos pela E por ter abandonado o lar familiar em 30 de Junho de 2005;
- Que a assistente tenha lesado o Estado Português por receber a título de abono de família valores que já havia recebido por parte do E;
- Que a assistente tenha declarado ao Tribunal de Família e de Menores de Faro que recebia os abonos familiares pagos pelo E;
- Que o arguido não se tenha negado a pagar a prestação de alimentos à menor;
- Que as necessidades fundamentais da menor não estejam postas em causa pelo arguido.

Relativamente à fundamentação da matéria de facto ficou exarado na sentença recorrida (transcrição):

C. Motivação da decisão de facto
O Tribunal formou a sua convicção sobre o objecto dos presentes autos com base nos vários meios de prova produzidos e analisados em audiência de julgamento, apreciados todos à luz das regras da experiência comum.
Assim, consideraram-se as declarações do arguido que possibilitaram que o Tribunal apreendesse que o mesmo dispõe de património relevante, sendo que aplica uma parte do vencimento mensal que recebe no sentido de, precisamente, fazer frente aos custos normais e inerentes a esses mesmos bens.
Para além disso, os esclarecimentos do arguido permitiram concluir que o arguido tem despesas normais da vida corrente, aquelas que, em regra, as restantes pessoas, de padrão de vida semelhante ao do arguido, também têm de suportar. Ou seja, todos os meses, o arguido paga, nomeadamente, a prestação respeitante à sua casa de Olhão; os custos referentes aos fornecimentos de água, electricidade e gás; as chamadas que faz com o seu telemóvel; a recepção de sinal televisivo na casa onde reside na Bélgica. O arguido, todos os anos, paga, nomeadamente, seguros de vida, automóvel e de protecção jurídica; impostos.
Aliás, o arguido demonstrou ter uma atitude reveladora de um normal sentido de gestão, de rentabilizar o seu património, desde logo a começar pelos mais pequenos aspectos. A este propósito, atenda-se, por exemplo, que o mesmo declarou ao Tribunal pagar a recepção de televisão através de cabo, uma vez as autoridades de Bruxelas imporem custos adicionais à instalação de antenas exteriores de recepção de televisão.
O arguido declarou que a E paga a totalidade dos estudos aos filhos dos seus trabalhadores, bem como assistência médica, desde que o trabalhador em causa tenha a guarda (conjunta ou individual) do respectivo filho. Esta declaração do arguido mereceu credibilidade, não obstante, de toda a restante prova produzida apenas a testemunha LM corroborou esta declaração do arguido, e fê-lo, contudo, em jeito de mera referência e num registo não relevante, como se realçará infra.
Refira-se também ter o arguido realçado que desde Janeiro de 2008 que, mensalmente, entrega à assistente € 150,00, tentando convencer o Tribunal de que esta corresponde à quantia máxima de que pode dispor. Desde logo, há que referir certos aspectos, não obstante os mesmos resultarem evidentes da prova produzida e globalmente considerada, tais como: o arguido não cumpriu com o determinado pelo 1.º Juízo de Faro – não entregou mensalmente € 350,00 à mãe da menor; ao contrário do que afirma, o arguido não entregou € 150,00 a partir de Janeiro de 2008, tão-só em Abril do mesmo ano, e depois de notificado (fls. 87) da acusação do presente processo, transferiu para a conta da assistente € 600,00, valor referente à multiplicação de € 150,00 pelos quatro primeiros meses do referido ano de 2008. Acrescente-se que, entretanto, ao longo do tempo que decorreu entre 12 de Dezembro de 2005 (data da decisão do valor da pensão de alimentos a prestar pelo arguido) e Abril de 2008, e excepcionando o período em que a menor esteve na Bélgica, a filha do arguido teve de ser sustentada, em exclusivo e em tudo o que a ela dizia respeito, pela sua mãe e através do recorrente auxílio dos seus avós maternos.
Em síntese, e no que aos presentes autos respeita, as declarações do arguido permitem concluir que o mesmo tem condições para cumprir com a prestação de alimentos determinada pelo Tribunal de Família e de Menores Faro, e que nunca fez porque assim entendeu.
Quanto à prova testemunha, MA apresentou um testemunho isento, que se revelou esclarecedor quanto ao apoio que ela própria, muitas vezes em natural conjugação com o seu marido, presta aos seus netos, atenta as dificuldades financeiras da filha e ora assistente. Com efeito, a testemunha referiu que, ao fazer, periodicamente, as compras de alimentos para a sua casa, fá-las também a contar com as necessidades da casa de AI; e concretizou, ainda, que, no início do presente ano escolar, comprou para os seus netos roupa, calçado e material escolar.
AA apresentou um depoimento isento, no essencial coincidente com o depoimento da sua mulher MC e o declarado pela assistente, referiu que ajuda a sua filha. Esse auxílio consubstancia-se na frequente entrega de dinheiro à assistente, no permitir que os netos tomem diversas refeições na sua casa, comprando-lhes material escolar e roupas, bem como indo buscá-los à escola no seu próprio carro.
LM apresentou um depoimento que, no essencial, mostrou-se irrelevante para o esclarecimento do caso em apreço. Com efeito, esse depoimento tentou, no essencial, justificar a alegada falta de “desafogo” económico do arguido para pagar a pensão de alimentos à menor, tal qual como a mesma foi determinada pelo Tribunal de Faro. Assim, em síntese, a testemunha começou por focar que, em consequência da menor AS, em Junho de 2006, ter deixado a Bélgica e regressado a Portugal, o arguido perdeu todos os abonos a que tinha direito. Que, em consequência do agravamento da taxa Euribor nos anos de 2006 e 2007, o arguido passou a ter dificuldades mensais relevantes; que nos anos de 2008 e de 2009, esta taxa veio a descer, o que beneficiou a condição financeira do arguido. Referiu ainda que ele e a sua companheira EC, ao detectarem as dificuldades do arguido em 2008, passaram a ajudá-lo monetariamente. Essa ajuda, segundo a testemunha, procede-se da seguinte forma: mensalmente, o depoente e EC apuram as dificuldades do arguido, com base em documentos que este lhes apresenta, e, nesta base, apoiam-no. E é também com base nestes documentos que a testemunha conclui que o arguido não tem “desafogo económico”. Esta forma de auxílio não mereceu de per si qualquer credibilidade pois que a testemunha, confrontada com a circunstância da menor ter sido retirada ao arguido em 6 de Junho de 2006, quando o certo é a pensão de alimentos já estava fixada desde 12 de Dezembro de 2005 e que o arguido, até pelo menos 6 de Junho de 2006 recebia ainda os ditos abonos laborais e ainda assim o arguido não procedeu ao pagamento da pensão. Nestes termos conclui-se que a testemunha não tem quaisquer razões de ciência para afirmar que o arguido não poderia pagar a pensão de alimentos no montante de € 350,00, tanto que, tendo-lhe sido solicitado que expusesse os encargos obrigatórios presentes do arguido, a mesma não conseguiu precisá-los. Referiu apenas, e de forma vaga, que o arguido está a pagar duas casas, mas não soube precisar o valor que é pago pela casa situada na Bélgica. Perante a insistência para que a testemunha indicasse o valor que o arguido, alegadamente, suporta com esta casa, o arguido afirmou que, para ser sincero ao Tribunal que: (sic) “(…) chateia-me entrar em pormenores.”
Ora, desde o início que este depoimento focava ser com base na análise mensal de documentos que o arguido era auxiliado pelo depoente e pela sua companheira. No entanto, a testemunha revelou não conhecer minimamente os contornos gerais de uma das alegadas principais despesas fixas do arguido – a alegada prestação mensal da casa da Bélgica. Ou seja, quis mostrar a testemunha que ajuda economicamente o arguido com base em sólidas e documentadas dificuldades do arguido, para, de seguida e perante a mera solicitação para que revelasse detalhes em relação aos mesmos, viesse a afirmar ao Tribunal desconhecer, com precisão quais são essas despesas.
EC, companheira há mais de vinte anos da testemunha anterior e irmã do arguido, apresentou um depoimento que, à semelhança do de LM, tentou, pelo mesmo tipo de discurso, justificar a alegada falta de desafogo do arguido. Com efeito, a testemunha referiu que, mensalmente, o seu companheiro e a própria sentam-se à mesa e elaboram a contabilidade do arguido. Contudo, no decurso do seu depoimento, nomeadamente quando confrontada com o pedido para que identificasse os bancos credores dos encargos do arguido, mostrou a testemunha desconhecer a documentação que, minutos antes, afirmara, mensalmente e com intuito de rigor contabilístico, analisar.
Pelo exposto, o testemunho de RC também não se mostrou credível.
A assistente, mãe da menor prestou declarações que nos pareceram credíveis em face da demais prova. No que aos presentes autos releva, as suas declarações versaram o não pagamento da prestação de alimentos, no valor de € 350,00 mensais, ordenada, a 12 de Dezembro de 2005, pelo Tribunal de Família e de Menores de Faro; realçaram o facto de só em Abril de 2008 ter o arguido começado a pagar, mensalmente, um valor de € 150,00, quantia insuficiente para fazer frente às despesas tidas com a menor. Expôs ainda sobre a sua condição económica e as necessidades da menor. Realçou a ajuda que recebe dos seus pais em benefício dos seus filhos. A este propósito, referiu, a título de exemplo e de forma também credível, que o seu ordenado relativo ao mês de Setembro não chegou para fazer face a todas as necessidades da menor, pelo que a assistente teve de recorrer à ajuda dos seus pais.
A assistente admitiu que, depois do divórcio do arguido, acrescentou um quarto à sua casa, pois que, até este momento, a mesma dispunha apenas de dois quartos.
Considerou-se ainda a prova documental junta aos autos (…).

3. Apreciando

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento, poderia este Tribunal conhecer de facto e de direito [cf. os artigos 363º e 428º do C.P.P.], desde que viesse impugnada a matéria de facto, o que não sucede, sendo certo que não se detecta qualquer dos vícios previstos no artigo 410.º do CPP.
É, pois, à luz da factualidade vertida na decisão recorrida e definitivamente assente, que nos temos de pronunciar sobre a questão suscitada pela recorrente, limitada à espécie da pena em que o arguido foi condenado.
Defende a recorrente que o Tribunal a quo, ao condenar o arguido numa pena de multa, em detrimento da pena de prisão [considerando ajustado 6 meses de prisão], suspensa na sua execução [reputando, para tanto, adequado o período de 18 meses], na condição daquele proceder ao pagamento das prestações alimentares em divida e das que se vierem a vencer, violou o disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 50.º, n.ºs 1 e 2, 51.º, n.º 1, al. a) e 250.º, todos do Código Penal.
A sustentar a sua posição invoca “o cariz do crime praticado”, aliado à elevada ilicitude da conduta e ao dolo intenso com que o arguido actuou, entendendo que a pena de multa não satisfaz os interesses da menor porquanto não os acautela de forma a garantir que venha a receber, num prazo razoável, as prestações em divida.
Analisada a motivação apresentada podemos, com segurança, afirmar que é este último o real motivo do recurso.
Ora, nos termos do artigo 250.º do Código Penal ao crime de violação da obrigação de alimentos, pelo qual o arguido sofreu condenação, corresponde a moldura penal abstracta de pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias, não representando, assim, a pena aplicada [150 dias de multa] qualquer violação do mesmo.
Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
As “finalidades da punição” “… são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação” – [cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 331]. Na verdade, “a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (…), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é essencialmente estranha, porém, às razões históricas e politico – criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou pró força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico” – [ob. cit., 97].
A escolha das penas é, assim, determinada apenas por considerações de natureza preventiva, devendo o tribunal ponderar, somente, as necessidades de prevenção geral e especial que o caso suscite – [cf. artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal].
Podemos, pois, afirmar que cabendo ao crime, em alternativa, pena de prisão e multa, a preferência deve ser dirigida à última, mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral, de defesa da ordem jurídica, impuserem a aplicação da pena de prisão.
Afastada, assim, a intensidade da culpa como factor determinante da escolha da espécie da pena a aplicar ao condenado, constituindo, antes, circunstância a ponderar na determinação da medida da pena, não se alcança, no âmbito do recurso, o sentido da invocada violação do artigo 14.º do Código Penal.
Por outro lado, tendo o Tribunal a quo optado pela aplicação da pena de multa, prevista em alternativa à pena de prisão, não tem fundamento a alegação da violação dos artigos 50.º e 51.º do Código Penal, sem que tenha sido indicada idêntica patologia no que concerne ao artigo 70.º do mesmo diploma legal, esse, sim, o cerne da questão.
De qualquer maneira perante os factos apurados, designadamente os pontos 8., 9., 10., 11., mas também os que respeitam à inserção social e ausência de antecedentes criminais do arguido, têm cabimento as considerações levadas a efeito pelo Tribunal a quo, aliás não questionadas pela recorrente, no que respeita às exigências de prevenção geral e especial, com base nas quais foi, como não podia deixar de ser [cf. artigos 40.º e 70.º do CP], determinada de forma justificada a espécie da pena, a qual não nos merece censura.
Para terminar, apenas duas observações: a primeira para referir que o “cariz do crime” não é critério para determinar a espécie da pena, menos ainda quando o próprio tipo, em alternativa, concebe a punição com pena de prisão e multa, como é o caso; a segunda para relembrar que não pode erigir-se em critério de escolha da espécie da pena a eventual pressão que se pretende ver exercida sobre o condenado com vista a uma “maior garantia” do cumprimento de uma obrigação, no caso de alimentos, anteriormente fixada por um tribunal.
Em suma, ao ter condenado o arguido na pena de 150 [cento e cinquenta] dias de multa, a sentença recorrida não violou qualquer das normas indicadas pela recorrente, tendo feito uma correcta aplicação do direito, designadamente dos artigos 40.º, 70.º e 250.º do Código Penal.

III. Decisão
Nos termos expostos, acordam os Juízes na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Condena-se a recorrente em 3 (três) UCs de taxa de justiça.

Évora, 18 de Maio de 2010 – Maria José Nogueira (relatora) – João Manuel Amaro (adjunto)