Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
159/17.8T8VRS.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
IRRECORRIBILIDADE
Data do Acordão: 03/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Tendo o arguido no âmbito de processo de recurso de contra-ordenação interposto recurso para a Relação de um despacho interlocutório, de natureza estritamente processual, determinando a cessação da suspensão dos autos que havia sido anteriormente decidida e a consequente prossecução dos mesmos, não tendo tal despacho apreciado e decidido de questão que envolvesse o reconhecimento ou a perda de qualquer direito do arguido, não é o mesmo admissível, à luz do disposto no artigo 73º do RGCO, não tendo aqui aplicação subsidiária o regime da recorribilidade das decisões previsto nos artigos 399º e 400º do CPP.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de contraordenação em referência, por decisão de 31/01/2017, do ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, foi o arguido (…), condenado pela prática de: uma contraordenação ambiental, muito grave, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 8º, alíneas a) e h), 17º, n.ºs 1 e 3, ambos do Regulamento do Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 181/2008, de 24 de novembro, artigo 43º, n.º 3, al. a), do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho e artigo 22º, n.ºs 1 e 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei Quadro das contraordenações ambientais), na coima de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros) e; de duas contraordenações ambientais graves, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, n.º 2, al. i) do enunciado Regulamento do Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, 43º, n.º 1, al. v) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho e artigo 22º, n.ºs 1 e 3, al. b), da Lei Quadro das contraordenações ambientais, na coima de €16.000,00 (dezasseis mil euros), por cada uma delas. Em cúmulo jurídico das referidas coimas foi o Clube arguido condenado na coima única de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
Foi ainda o Clube arguido condenado na sanção acessória de reposição da situação anterior à infração, nos termos do disposto nos artigos 47º e 48º do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade e do artigo 30º, n.º 1, al. j), da LQCA.
1.2. O Clube arguido impugnou judicialmente esta decisão administrativa.
1.3. Designada data para a audiência de julgamento, que teve inicio em 31/10/2017, no decurso da sessão realizada em 22/02/2018 – na sequência da junção aos autos de documento comprovativo da entrada, em 05/07/2017, de requerimento apresentado, junto da Direção Regional da Agricultura e Pescas, ao abrigo do disposto no artigo 1º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 de novembro[1] – foi proferido despacho determinando «a suspensão dos autos, nos termos do artigo 7º nº 4 do Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve».
1.4. Por despacho datado de 22/09/2020, o Senhor Juiz titular dos autos, com fundamento em que já tinha sido proferida, pela Direção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve, uma decisão favorável, condicionada, ao abrigo do disposto no artigo 11º, n.º 3, al. a) e de já se mostrava ultrapassado o prazo máximo legalmente previsto [de dois anos, prorrogável por seis meses, nos termos do disposto no artigo 15º, n.ºs 1 e 3, por remissão do n.º 5 do artigo 11º, ambos do DL n.º 165/2014], para a concretização das medidas determinadas em tal decisão, tendo como consequência a cessação da suspensão decretada nos autos, à cautela, antes de declarar cessada a suspensão, determinou que se notificasse a entidade administrativa recorrida, bem como a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, para que, em 10 dias, informassem se o Clube recorrente concretizou ou implementou as medidas fixadas em sede de decisão favorável condicionada.
1.5. Na sequência das informações prestadas pelo arguido/recorrente [no sentido de que o processo de regularização se encontra em curso junto das entidades competentes, nomeadamente, Câmara Municipal de Vila Real de Santo António] e pela CM de Vila Real de Santo António [no sentido de ser entendimento da CM «enquadrar a possibilidade do eventual licenciamento da atividade desenvolvida pela (…), em sede de Revisão do Plano Diretor Municipal de Vila Real de santo António …», tendo a CMVRST deliberado, em 12/05/2020, dar prosseguimento aos trabalhos de Revisão daquele PDM, no prazo de 24 meses, prorrogáveis por uma única vez, por igual período, «sendo expetável dar a devida continuidade ao procedimento de licenciamento em apreço»], o Senhor Juiz proferiu despacho, em 12/10/2020, declarado cessada a suspensão dos autos e cujo teor se transcreve:
«A recorrente, notificada do despacho proferido em 22/09, veio aos autos pronunciar-se, em suma, pela continuação “tout court” da suspensão dos autos e até que haja decisão definitiva relativamente à licença administrativa a atribuir e referida nos autos.
Estriba este seu entendimento na consideração daquilo que é o caso julgado que se formou sobre a decisão consubstanciada em despacho.
Damos aqui como reproduzido o anterior despacho.
Salvo o devido respeito, o que aqui está em causa não é propriamente uma questão de caso julgado (formal ou material), mas apenas e tão-sómente saber como interpretar o despacho que foi proferido e determinou a suspensão dos autos. Ou seja, determinar, por interpretação daquele, o alcance do mesmo e, assim, determinar igualmente o alcance do caso julgado que se formou sobre o mesmo.
A interpretação meramente literal do dito despacho poderá conduzir a um resultado absurdo: basta atentar na hipótese, que se admite por mero raciocínio, do processo administrativo de concessão de licenciamento não ser objecto de qualquer decisão durante longos anos (ou mesmo nunca), ficando, por assim dizer, “esquecido” nos gabinetes da entidade decisora. Teríamos, pois, um processo em que, não correndo a prescrição, se verificaria a suspensão “ad aeternum”.
Não foi, claramente, este o sentido do despacho proferido pelo Mmº. Juiz quando pretendeu declarar a “suspensão”. As sentenças (e os despachos) são verdadeiros actos jurídicos corporizados em documentos e, como tal, sujeitos também às regras de interpretação vertidas na lei substantiva.
Tendo em conta tais critérios, parece-nos claro que a letra do despacho foi bem mais além do que aquilo que seria o seu espirito.
Ora, assim sendo, haverá que balizar, adequar, a letra do despacho ao espirito subjacente ao mesmo, tal qual resulta do nosso anterior despacho. Isto é, a suspensão proclamada no despacho não é será a “tout court”, como advogado pela recorrente, mas sim aquela que se assinala no despacho proferido em 22/09. Está é, seguramente, a interpretação que mais sentido faz e que defende o ordenamento jurídico, designadamente a legislação aplicável “in casu”.
Nesta conformidade, declara-se a cessação da suspensão dos presentes autos de recurso de contra-ordenação, por ultrapassagem do decurso do prazo enunciado na lei e tal qual deflui do despacho exarado em 22/09.
Notifique.
Após trânsito abra termo de conclusão para que se designe data para continuação de audiência de julgamento
1.6. Inconformado com o assim decidido, o Clube arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, pugnando pela revogação do despacho recorrido e manutenção da suspensão dos autos, nos termos anteriormente decididos, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões:
«1. O despacho em crise violou o caso julgado ao alterar o sentido da decisão, transitada em julgado, que havia decidido determinar a suspensão dos autos nos termos do artigo 4 do Decreto-Lei 165/2014, de 5 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve.
2. A interpretação que o julgador faz de tal decisão judicial, no despacho recorrido, altera radical e substancialmente o seu sentido e alcance, o que lhe está vedado em obediência aos princípios da estabilidade, da segurança jurídica e da intangibilidade do caso julgado.
3. Termos em que deve o despacho em crise ser revogado, mantendo-se, nos seus precisos termos, o despacho alterado por tal decisão.»
1.7. O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido.
1.8. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando para que lhe seja negado provimento, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª – O recorrente impugna o douto despacho datado de 26 de Outubro de 2020 [com a referência “Citius” n.º 117874669] que declarou a cessação da suspensão dos presentes autos de recurso de contra-ordenação, por ultrapassagem do decurso do prazo enunciado na lei;
2.ª – Invoca que «1. O despacho em crise violou o caso julgado ao alterar o sentido da decisão, transitada em julgado, que havia decidido determinar a suspensão dos autos nos termos do artigo 7º nº 4 do Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve; e que «2. A interpretação que o julgador faz de tal decisão judicial, nos despacho recorrido, altera radical e substancialmente o seu sentido e alcance, o que lhe está vedado em obediência aos princípios da estabilidade, da segurança jurídica e da intangibilidade do caso julgado».
E, sustenta que, «o despacho em crise deve ser revogado, e mantendo-se, nos seus precisos termos, do despacho alterado por tal decisão»;
3.ª – O recorrente alega que o despacho em crise violou o caso julgado formado pelo despacho proferido na sessão de julgamento do dia 22 de Fevereiro de 2018, documentado na respectiva Acta, que determinou «a suspensão dos autos nos termos do art.º 7.º, n.º 4 do Decreto-lei n.º 165/2014, de 05 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve.
4.º - Porém, salvo melhor entendimento, não assiste razão ao recorrente;
5.º - Na verdade, o despacho que o recorrente pretende ver mantido com a revogação do despacho que colocou em crise, foi elaborado no pressuposto de que a atribuição ou não do título definitivo de exploração ou do exercício da actividade iria acontecer dentro dos prazos legais;
6.º - Mas, o recorrente pressupõe que o despacho que pretende ver mantido com a revogação do despacho que coloca em crise, desconhecia os prazos legais ou que, se os conhecia, pretendeu não os considerar no caso dos autos.
Ora, nenhum segmento do despacho que se pretende ver mantido e cuja violação do caso julgado se imputa ao despacho colocado em crise, sustenta esta tese do recorrente já que, em tal despacho nunca se aludiu a qualquer prazo, no exacto pressuposto de que os prazos legais seriam cumpridos.
7.º - E, salvo melhor entendimento de V. Exas., os prazos em causa são os previstos no art.º 15.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05.11, conjugado com o art.º 7.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, aplicável «ex vi» do art.º 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra - Ordenações e Coimas;
8.º - Assim, ultrapassado que está o prazo legal pressuposto no despacho que determinou a suspensão dos presentes autos e ultrapassada que está igualmente a sua prorrogação, admitida nos termos do art.º 7.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, não ocorreu violação de caso julgado por se terem considerado os prazos legais no despacho que se pretende ver agora revogado com o presente recurso;

9.º - O douto despacho do Tribunal «a quo» não violou qualquer norma legal ou princípio de Direito, pelo que deve ser confirmado.»
1.9. Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º PGA emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser liminarmente rejeitado, por inadmissibilidade legal ou, assim, não se entendendo, de dever ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
1.10. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo o Clube arguido exercido o direito de resposta, manifestando discordância com o parecer emitido pelo Exm.º PGA e remetendo para os fundamentos já invocados na motivação de recurso.
1.11. Efetuado o exame preliminar, a ora relatora, por entender existir motivo para a rejeição do recurso, proferiu decisão, em 10/02/2021, ao abrigo do disposto no artigo 417º, n.º 6, al. b) e 420º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 74º, n.º 4, do RGCO, decidindo rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal, em face do disposto no artigo 73º do RGCOC.
1.12. Notificado desta decisão, veio o recorrente, dela reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 417º, n.º 8, do CPP.
1.13. Colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. A decisão sumária, na parte que aqui releva, é do seguinte teor:
«(…)
O recurso interposto pela arguida tem por objeto o despacho que declarou cessada a suspensão dos autos, que havia sido determinada por anterior despacho, com fundamento em que se mostra decorrido o prazo máximo da suspensão legalmente previsto, no artigo 15º, nºs. 1 e 3, do DL n.º 165/2014, de 5 de novembro.
Sucede que, em nosso entender, o despacho de que o arguido recorre não é recorrível.
Com efeito, a decisão em causa não se integra em nenhum dos casos previstos no artigo 73º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 17 de outubro – Regime Geral das Contraordenações e Coimas –, aqui aplicável ex vi do artigo 2º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais.
O enunciado artigo 73º, tendo por epígrafe “Decisões judiciais que admitem recurso”, dispõe:
«1 − Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a € 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a € 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2 − Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 − Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificarem os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites
Perfilhamos o entendimento que vem sendo maioritariamente acolhido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores e também na doutrina, no sentido de que, no âmbito do processo contraordenacional e na fase judicial, os despachos interlocutórios proferidos, não são recorríveis para o Tribunal da Relação, não se estando, nessa matéria, perante qualquer lacuna ou caso omisso do regime das contraordenações, pois que, existem normas, que especificam os casos em que é admissível recurso e, nessa medida, não tendo lugar a aplicação subsidiária, ex vi do artigo 41º do RGCC, do regime de recursos previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal[2].
No âmbito do direito contraordenacional e contrariamente ao que sucede no regime penal (cf. artigo 399º do CPP), vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões, só sendo recorríveis as decisões cuja impugnação esteja expressamente prevista.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[3] «A regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias é compensada pela recorribilidade da sentença, que constitui uma garantia suficiente do controlo da legalidade processual e é mais compatível com a natureza célere do processo contraordenacional (…)».
O Tribunal Constitucional chamado a pronunciar-se sobre a conformidade à Constituição (nomeadamente, com o artigo 32.º, n.º 1), desta interpretação da norma extraída do artigo 73º do RGCOC, tem decidido no sentido de não a julgar inconstitucional[4].
Por último, importa fazer notar que o despacho de que o Clube arguido recorre é de natureza estritamente processual, não se estando perante um despacho que acarrete a perda de direitos pessoais, caso em que poderia ser discutível se o recurso seria admissível[5].
Assim e sem necessidade de maiores, impõe-se rejeitar o recurso interposto pelo Clube arguido do despacho que declarou cessada a suspensão dos autos, porquanto, em face do disposto no artigo 73º do RGCOC, tal despacho é irrecorrível.
Termos em que se decide rejeitar o recurso interposto pelo Clube arguido, por inadmissibilidade legal.
Condena-se o Clube recorrente em 3 (três) UCs de taxa de justiça (cf. artigo 420º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º, n.º 1, do RGCOC).»

2.2. Na reclamação ora em apreciação, sustenta o recorrente que, contrariamente, ao que foi entendido na decisão sumária, deve haver lugar à aplicação subsidiária do regime de recurso previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal e, consequentemente, que o recurso ser admitido.
Para sustentar o entendimento preconizado, o recorrente/reclamante aduz que:
«(…) nos presentes autos, e por diferentes juízes, foram proferidos despachos conflituantes.
Na verdade, o despacho sob recurso, viola o caso julgado formal que se verifica “in casu”.
No primeiro momento, tal como melhor se explica na motivação e conclusões do recurso respectivo, o Tribunal entendeu suspender os autos até à verificação, ou não, de determinada circunstância.
É verdade, incontornável, que não há nos autos qualquer facto posterior a tal decisão que leva à conclusão de que a antedita condição ou circunstância não se verificou.
Sendo certo que, a verificar-se, extinguir-se-ia o processo de impugnação judicial da decisão de contraordenação em apreço.
Da antedita decisão não foi interposto recurso pelo Ministério Público.
Ora, o despacho em crise, faz tábua rasa daquilo que havia sido decidido nos autos, sem que dos autos resultasse qualquer novo facto superveniente à decisão que entendeu revogar.
A questão em apreço (violação de caso julgado formal) não está prevista no disposto no artigo 73º do RGCC, pelo que, assim sendo, deverá aplicar-se, subsidiariamente, o disposto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal.
Terá sido esse o entendimento do juiz do Tribunal da 1ª instância que admitiu o recurso ora rejeitado.
Termos em que, por aplicação subsidiária dos aludidos ditames do CPP, deve o presente recurso ser admitido e a final julgado procedente.»
Apreciando:
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos não existir fundamento para alterar o sentido da decisão sumária proferida.
De facto, salvo o devido respeito pela argumentação do recorrente/reclamante, o que está em causa é a recorribilidade ou não do despacho que é objeto do recurso interposto e não os fundamentos do recurso, especificamente a violação do caso julgado formal.
Ora, tal como foi referido na decisão sumária que é posta em crise, acolhemos o entendimento de que «no âmbito do processo contraordenacional e na fase judicial, os despachos interlocutórios proferidos, não são recorríveis para o Tribunal da Relação, não se estando, nessa matéria, perante qualquer lacuna ou caso omisso do regime das contraordenações, pois que, existem normas, que especificam os casos em que é admissível recurso e, nessa medida, não tendo lugar a aplicação subsidiária, ex vi do artigo 41º do RGCC, do regime de recursos previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal[6]
Assim, e por que o despacho de que o Clube arguido interpôs recurso para esta Relação é um despacho interlocutório, de natureza estritamente processual, determinando a cessação da suspensão dos autos que havia sido anteriormente decidida e a consequente prossecução dos mesmos, não tendo tal despacho apreciado e decidido de questão que envolvesse o reconhecimento ou a perda de qualquer direito do Clube arguido, ora reclamante, não é passível de recurso, à luz do disposto no artigo 73º do RGCO, não tendo aqui aplicação subsidiária o regime da recorribilidade das decisões previsto nos artigos 399º e 400º do CPP.
Nesta conformidade e, pelos fundamentos aduzidos na decisão sob reclamação e que aqui se reiteram, é de manter a decisão sumária sob reclamação, rejeitando-se o recurso interposto pelo Clube ora reclamante.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em:

a) Indeferir a reclamação, para a conferência, confirmando-se a decisão sumária proferida pela ora relatora, que rejeitou o recurso interposto pelo Clube arguido.

b) Condena-se o reclamante/recorrente em 2 (duas) UC´s de taxa de justiça (cf. n.º 9 do artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa ao mesmo diploma legal).

Notifique.
Évora, 09 de março de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
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[1] Diploma que estabelece, com caráter extraordinário, o regime de regularização e de alteração e ou ampliação de estabelecimentos e explorações de atividades industriais, pecuárias, de operações de gestão de resíduos e de explorações de pedreiras incompatíveis com instrumentos de gestão territorial e ou condicionantes ao uso do solo.
[2] Neste sentido, vide, entre outros, na jurisprudência, Ac. da RE de 29/03/2005, proc. n.º 678/05-1, Ac.s da RL de 06/04/2011, proc. 1.724/09.27FLSB -3 e de 27/03/2014, proc. 829/11.4TFLSB.L1-9, Ac. da RC de 16/12/2017, proc. n.º 88/16.2T8SEI.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt e na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República …, 2011, Universidade Católica Editora, págs. 298, 299 e 301 e Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pá. 256.
[3] In ob. cit., pág. 298.
[4] Cfr., entre outros, Acórdãos do TC n.ºs 659/2006, 95/2008, 253/2008 e 415/2014, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt
[5] Sobre a problemática, vide, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., páginas 301 e 302.
[6] Neste sentido, vide, entre outros, na jurisprudência, Ac. da RE de 29/03/2005, proc. n.º 678/05-1, Ac.s da RL de 06/04/2011, proc. 1.724/09.27FLSB -3 e de 27/03/2014, proc. 829/11.4TFLSB.L1-9, Ac. da RC de 16/12/2017, proc. n.º 88/16.2T8SEI.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt e na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República …, 2011, Universidade Católica Editora, págs. 298, 299 e 301 e Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pá. 256.