Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO DESPACHO INTERLOCUTÓRIO IRRECORRIBILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Tendo o arguido no âmbito de processo de recurso de contra-ordenação interposto recurso para a Relação de um despacho interlocutório, de natureza estritamente processual, determinando a cessação da suspensão dos autos que havia sido anteriormente decidida e a consequente prossecução dos mesmos, não tendo tal despacho apreciado e decidido de questão que envolvesse o reconhecimento ou a perda de qualquer direito do arguido, não é o mesmo admissível, à luz do disposto no artigo 73º do RGCO, não tendo aqui aplicação subsidiária o regime da recorribilidade das decisões previsto nos artigos 399º e 400º do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nos autos de contraordenação em referência, por decisão de 31/01/2017, do ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, foi o arguido (…), condenado pela prática de: uma contraordenação ambiental, muito grave, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 8º, alíneas a) e h), 17º, n.ºs 1 e 3, ambos do Regulamento do Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 181/2008, de 24 de novembro, artigo 43º, n.º 3, al. a), do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho e artigo 22º, n.ºs 1 e 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei Quadro das contraordenações ambientais), na coima de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros) e; de duas contraordenações ambientais graves, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, n.º 2, al. i) do enunciado Regulamento do Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, 43º, n.º 1, al. v) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho e artigo 22º, n.ºs 1 e 3, al. b), da Lei Quadro das contraordenações ambientais, na coima de €16.000,00 (dezasseis mil euros), por cada uma delas. Em cúmulo jurídico das referidas coimas foi o Clube arguido condenado na coima única de €50.000,00 (cinquenta mil euros). Foi ainda o Clube arguido condenado na sanção acessória de reposição da situação anterior à infração, nos termos do disposto nos artigos 47º e 48º do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade e do artigo 30º, n.º 1, al. j), da LQCA. 1.2. O Clube arguido impugnou judicialmente esta decisão administrativa. 1.3. Designada data para a audiência de julgamento, que teve inicio em 31/10/2017, no decurso da sessão realizada em 22/02/2018 – na sequência da junção aos autos de documento comprovativo da entrada, em 05/07/2017, de requerimento apresentado, junto da Direção Regional da Agricultura e Pescas, ao abrigo do disposto no artigo 1º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 de novembro[1] – foi proferido despacho determinando «a suspensão dos autos, nos termos do artigo 7º nº 4 do Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve». 1.4. Por despacho datado de 22/09/2020, o Senhor Juiz titular dos autos, com fundamento em que já tinha sido proferida, pela Direção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve, uma decisão favorável, condicionada, ao abrigo do disposto no artigo 11º, n.º 3, al. a) e de já se mostrava ultrapassado o prazo máximo legalmente previsto [de dois anos, prorrogável por seis meses, nos termos do disposto no artigo 15º, n.ºs 1 e 3, por remissão do n.º 5 do artigo 11º, ambos do DL n.º 165/2014], para a concretização das medidas determinadas em tal decisão, tendo como consequência a cessação da suspensão decretada nos autos, à cautela, antes de declarar cessada a suspensão, determinou que se notificasse a entidade administrativa recorrida, bem como a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, para que, em 10 dias, informassem se o Clube recorrente concretizou ou implementou as medidas fixadas em sede de decisão favorável condicionada. 1.5. Na sequência das informações prestadas pelo arguido/recorrente [no sentido de que o processo de regularização se encontra em curso junto das entidades competentes, nomeadamente, Câmara Municipal de Vila Real de Santo António] e pela CM de Vila Real de Santo António [no sentido de ser entendimento da CM «enquadrar a possibilidade do eventual licenciamento da atividade desenvolvida pela (…), em sede de Revisão do Plano Diretor Municipal de Vila Real de santo António …», tendo a CMVRST deliberado, em 12/05/2020, dar prosseguimento aos trabalhos de Revisão daquele PDM, no prazo de 24 meses, prorrogáveis por uma única vez, por igual período, «sendo expetável dar a devida continuidade ao procedimento de licenciamento em apreço»], o Senhor Juiz proferiu despacho, em 12/10/2020, declarado cessada a suspensão dos autos e cujo teor se transcreve: «A recorrente, notificada do despacho proferido em 22/09, veio aos autos pronunciar-se, em suma, pela continuação “tout court” da suspensão dos autos e até que haja decisão definitiva relativamente à licença administrativa a atribuir e referida nos autos. Estriba este seu entendimento na consideração daquilo que é o caso julgado que se formou sobre a decisão consubstanciada em despacho. Damos aqui como reproduzido o anterior despacho. Salvo o devido respeito, o que aqui está em causa não é propriamente uma questão de caso julgado (formal ou material), mas apenas e tão-sómente saber como interpretar o despacho que foi proferido e determinou a suspensão dos autos. Ou seja, determinar, por interpretação daquele, o alcance do mesmo e, assim, determinar igualmente o alcance do caso julgado que se formou sobre o mesmo. A interpretação meramente literal do dito despacho poderá conduzir a um resultado absurdo: basta atentar na hipótese, que se admite por mero raciocínio, do processo administrativo de concessão de licenciamento não ser objecto de qualquer decisão durante longos anos (ou mesmo nunca), ficando, por assim dizer, “esquecido” nos gabinetes da entidade decisora. Teríamos, pois, um processo em que, não correndo a prescrição, se verificaria a suspensão “ad aeternum”. Não foi, claramente, este o sentido do despacho proferido pelo Mmº. Juiz quando pretendeu declarar a “suspensão”. As sentenças (e os despachos) são verdadeiros actos jurídicos corporizados em documentos e, como tal, sujeitos também às regras de interpretação vertidas na lei substantiva. Tendo em conta tais critérios, parece-nos claro que a letra do despacho foi bem mais além do que aquilo que seria o seu espirito. Ora, assim sendo, haverá que balizar, adequar, a letra do despacho ao espirito subjacente ao mesmo, tal qual resulta do nosso anterior despacho. Isto é, a suspensão proclamada no despacho não é será a “tout court”, como advogado pela recorrente, mas sim aquela que se assinala no despacho proferido em 22/09. Está é, seguramente, a interpretação que mais sentido faz e que defende o ordenamento jurídico, designadamente a legislação aplicável “in casu”. Nesta conformidade, declara-se a cessação da suspensão dos presentes autos de recurso de contra-ordenação, por ultrapassagem do decurso do prazo enunciado na lei e tal qual deflui do despacho exarado em 22/09. Notifique. Após trânsito abra termo de conclusão para que se designe data para continuação de audiência de julgamento.» 1.6. Inconformado com o assim decidido, o Clube arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, pugnando pela revogação do despacho recorrido e manutenção da suspensão dos autos, nos termos anteriormente decididos, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões: «1. O despacho em crise violou o caso julgado ao alterar o sentido da decisão, transitada em julgado, que havia decidido determinar a suspensão dos autos nos termos do artigo7º nº 4 do Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve. 2. A interpretação que o julgador faz de tal decisão judicial, no despacho recorrido, altera radical e substancialmente o seu sentido e alcance, o que lhe está vedado em obediência aos princípios da estabilidade, da segurança jurídica e da intangibilidade do caso julgado. 3. Termos em que deve o despacho em crise ser revogado, mantendo-se, nos seus precisos termos, o despacho alterado por tal decisão.» 1.7. O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido. 1.8. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando para que lhe seja negado provimento, formulando as seguintes conclusões: «1.ª – O recorrente impugna o douto despacho datado de 26 de Outubro de 2020 [com a referência “Citius” n.º 117874669] que declarou a cessação da suspensão dos presentes autos de recurso de contra-ordenação, por ultrapassagem do decurso do prazo enunciado na lei; 2.ª – Invoca que «1. O despacho em crise violou o caso julgado ao alterar o sentido da decisão, transitada em julgado, que havia decidido determinar a suspensão dos autos nos termos do artigo 7º nº 4 do Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve; e que «2. A interpretação que o julgador faz de tal decisão judicial, nos despacho recorrido, altera radical e substancialmente o seu sentido e alcance, o que lhe está vedado em obediência aos princípios da estabilidade, da segurança jurídica e da intangibilidade do caso julgado». E, sustenta que, «o despacho em crise deve ser revogado, e mantendo-se, nos seus precisos termos, do despacho alterado por tal decisão»; 3.ª – O recorrente alega que o despacho em crise violou o caso julgado formado pelo despacho proferido na sessão de julgamento do dia 22 de Fevereiro de 2018, documentado na respectiva Acta, que determinou «a suspensão dos autos nos termos do art.º 7.º, n.º 4 do Decreto-lei n.º 165/2014, de 05 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve. 4.º - Porém, salvo melhor entendimento, não assiste razão ao recorrente; 5.º - Na verdade, o despacho que o recorrente pretende ver mantido com a revogação do despacho que colocou em crise, foi elaborado no pressuposto de que a atribuição ou não do título definitivo de exploração ou do exercício da actividade iria acontecer dentro dos prazos legais; 6.º - Mas, o recorrente pressupõe que o despacho que pretende ver mantido com a revogação do despacho que coloca em crise, desconhecia os prazos legais ou que, se os conhecia, pretendeu não os considerar no caso dos autos. Ora, nenhum segmento do despacho que se pretende ver mantido e cuja violação do caso julgado se imputa ao despacho colocado em crise, sustenta esta tese do recorrente já que, em tal despacho nunca se aludiu a qualquer prazo, no exacto pressuposto de que os prazos legais seriam cumpridos. 7.º - E, salvo melhor entendimento de V. Exas., os prazos em causa são os previstos no art.º 15.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05.11, conjugado com o art.º 7.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, aplicável «ex vi» do art.º 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra - Ordenações e Coimas; 8.º - Assim, ultrapassado que está o prazo legal pressuposto no despacho que determinou a suspensão dos presentes autos e ultrapassada que está igualmente a sua prorrogação, admitida nos termos do art.º 7.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, não ocorreu violação de caso julgado por se terem considerado os prazos legais no despacho que se pretende ver agora revogado com o presente recurso; 9.º - O douto despacho do Tribunal «a quo» não violou qualquer norma legal ou princípio de Direito, pelo que deve ser confirmado.» 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.2. Na reclamação ora em apreciação, sustenta o recorrente que, contrariamente, ao que foi entendido na decisão sumária, deve haver lugar à aplicação subsidiária do regime de recurso previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal e, consequentemente, que o recurso ser admitido. 3. DECISÃO |