| Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,
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I. Relatório
BANCO BPI, S.A. moveu contra AA ação executiva para pagamento de quantia certa para haver dela a quantia de € 15 941,19 €, acrescida de juros vincendos, dando à execução livrança cuja cópia juntou como documento n.º 1, com data de emissão de 27.07.2022 e data de vencimento de 08.08.2022.
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Por despacho de 19.09.2022 foi o Exequente convidado a prestar esclarecimento, nos seguintes termos:
“Antes de mais, importa esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução tendo em vista aferir se, sendo caso disso, o exequente deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
De facto, e na esteira do que tem sido pacificamente entendido ao nível jurisprudencial, sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso - artigo 573.º, n.º 2, e 578.º, do Código de Processo Civil.
Destarte, convido o exequente a alegar e demonstrar, no prazo de 10 (dez) dias, o que tiver por conveniente a propósito da questão ora suscitada, juntando cópias do contrato e das comunicações de integração e de extinção do PERSI.”
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Veio então o Exequente em 13.10.2022 esclarecer que:
“a livrança apresentada à execução cauciona contrato de crédito pessoal outorgado entre o exequente e a executada em 18.05.2020, vide cláusula 5ª do contrato, ora junto sob o documento nº 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que ao mencionado contrato de crédito pessoal foi atribuído o nº de operação bancária …, que cumpriu os procedimentos conforme determinado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tendo integrado por três vezes a executada em PERSI, primeiramente em 02.08.2021, tendo o procedimento sido extinto porque regularizados os valores em mora, conforme documentos nºs 2 e 3 juntos, em 02.11.2021 foi novamente integrada em PERSI, tendo o procedimento sido extinto porque regularizados os valores em mora, conforme documentos nºs 4 e 5 juntos e previamente à entrada da presente execução, a executada foi integrada em novo PERSI, sendo que o procedimento foi extinto no 91º dia após o início do procedimento sem que tenha sido obtido acordo entre as partes, conforme documentos nº 6 e 7 juntos.”
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Uma vez mais notificado, por despacho de 07.11.2022, para exercer o contraditório acerca de “eventual adopção do entendimento de acordo com o qual a carta de comunicação de extinção do PERSI datada de 01-04-2022 não é susceptível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões pelas quais se considerou inviável a manutenção do procedimento”, veio o Exequente, pronunciar-se, alegando que:
“1º. Na comunicação de integração no PERSI datada de 31.12.2022 além da indicação dos valores em mora, é expressamente indicado os motivos pelo quais o procedimento pode ser extinto- vide página 2 do documento nº 6 junto ao requerimento com a ref.ª citius 9082995;
2º. Assim na comunicação de integração do PERSI a mutuária (aqui executada) foi informada das consequências da falta de colaboração/ausência de resposta, concretamente a extinção do procedimento.
3º Não tendo a mutuária (aqui executada) respondido à comunicação, o exequente comunicou a extinção do procedimento decorridos 91 dias após o início daquele.
4º O exequente cumpriu os procedimentos tal como determinado no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de outubro, tendo a mutuária, ora executada sido alertada para a extinção do PERSI, resolução do contrato conforme e recurso à via judicial para ressarcimento do crédito no caso de ausência de resposta à comunicação de integração no PERSI.”
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Veio então em 13.12.2022 a ser proferida decisão que julgou “oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo exequente “Banco BPI, S.A.”, dos termos da obrigatória comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver a executada AA da instância, indeferindo liminarmente o requerimento executivo – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, e 726.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil. executiva, determinando a extinção da execução”.
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Inconformado, o Exequente interpôs o presente recurso de apelação, formulando, após alegações, as seguintes conclusões:
I – Inconformado com a decisão do tribunal a quo que indeferiu liminarmente o requerimento executivo, absolvendo a executada da instância executiva, vem interpor o presente recurso.
II – Primeiramente analisaremos o juízo de (in)exequibilidade do título de crédito em função dos procedimentos aplicáveis à relação material subjacente.
III – Posteriormente a eficácia da comunicação de extinção do PERSI enquanto dever imposto ao recorrente à luz da interpretação do regulado no Decreto-Lei nº 222/2012 de 25.10 (concretizado pelo aviso do Banco de Portugal 17/2012)
IV - Fundamenta o tribunal a quo que aplicando-se ao contrato de crédito caucionado pela livrança apresentada à execução os procedimentos regulados e impostos ao recorrente no Decreto-Lei nº 227/2012, julgando-os não cumpridos, determina a impossibilidade do recorrente instaurar a presente execução.
V– É apresentada à execução livrança, título de crédito, porque cumpre o regulado nos artigos 75º e 76º da Lei Uniforme das Letras e Livranças.
VI – As características da literalidade e abstração inerentes à livrança, incorporando em si mesma a obrigação e pedido e causa de pedir, tornam-na título bastante na previsão do artigo 703º, nº 1, alínea c) do CPC “À execução apenas podem servir de base os títulos de crédito (…).
VII – Apresentada à execução livrança (título de crédito) o exequente encontra-se dispensado de alegar a relação material subjacente da qual emana e é autónoma.
VIII – Considerando o título (de crédito) apresentado à execução, não poderia o tribunal a quo concluir pelo indeferimento liminar do requerimento executivo por alegadamente entender que o exequente não cumpriu procedimentos aplicáveis ao contrato de crédito (relação material subjacente) e aferir da (in)exequibilidade do título que a cauciona.
IX- Tal não significará que a executada (obrigada cambiária) no exercício do direito de defesa não possa arguir realidades fácticas que afetem a relação material subjacente da qual também é parte, não poderá é o tribunal a quo em sede de despacho liminar concluir pela inexequibilidade do título em função de procedimentos aplicáveis ao contrato de crédito (relação material subjacente).
X – Deste modo a decisão em crise não é conforme o disposto no artigo 703º, nº 1, alínea c) do CPC.
XI – Debruçar-nos-emos quanto ao teor das comunicações de integração e extinção do PERSI.
XII – O recorrente integrou por três vezes a executada no PERSI.
XIII – É o seguinte teor a comunicação de integração no 3º PERSI (datada de 31.12.2021):
““Extinção do PERSI
O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com declaração de insolvência do cliente bancário”
XIV – Consta da comunicação de extinção do 3º PERSI (datada de 01.04.2022) –“extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início”.
XV – O decurso de 91 dias desde o início do procedimento é um dos motivos de extinção automática do PERSI (a par do determinado nas alíneas a), b) e d) do artigo 17º – artigo 17º, nº 1, alínea c) “ 1 - O PERSI extingue-se(…) c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação;”
XVI – A comunicação de extinção do PERSI (datada de 01.04.2022) indica o facto automático que determinou a extinção do PERSI – o decurso de 91 dias desde o início do procedimento.
XVII – A comunicação de extinção do PERSI (datada de 01.04.2022) cumpre igualmente o regulado no aviso do Banco de Portugal nº 17/2012 Portugal “ artigo 9º A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos:
b) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI”. (sublinhado e negrito nossos)
XVIII – No caso em apreço estamos perante um dos factos automáticos de extinção do PERSI legalmente previstos – o decurso de 91 dias desde o início do procedimento ( a par dos factos automáticos de extinção previstos nas alíneas a) e b) do artigo 17º, nº 1 do citado diploma.
XIX – No artigo 17º, nº 1 encontram-se previstos os factos automáticos de extinção do PERSI.
XX – No artigo 17º, nº 2 encontram-se elencados factos que podem motivar a extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito “ 2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que (…) (sublinhado e negrito nossos).
XXI– O nº 1 e nº 2 distingue expressamente factos automáticos de extinção do PERSI (17º, nº 1) de factos que podem motivar a extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito (17º, nº 2).
XXII – A comunicação de extinção do PERSI de 01.04.2022 é eficaz porque menciona o facto automático extintivo do PERSI – o decurso de 91 dias desde o início do procedimento (em concordância com o determinado no artigo 8º do aviso do Banco de Portugal nº 17/2012) e já previamente informada na comunicação de integração de tal facto extintivo.
XXIII – A comunicação de extinção do PERSI é afinal eficaz porque em consonância com a previsão do artigo 17º, nº 1 do citado diploma, não se encontrando o recorrente impossibilitado de intentar a presente ação executiva de acordo com o artigo 18º , nº 1, alínea b), contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a sentença em crise ser revogada e proferido despacho de citação dos executados de acordo com o artigo 726º, nº 6 do CPC.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo certo que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações do apelante (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir:
- Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 703º, n.º 1, al. c) e 726.º, n.º 2, alínea b)do CPC em virtude de o Exequente estar dispensado de alegar e demonstrar o cumprimento do PERSI quando está em discussão a relação cambiária relativa à livrança dada à execução e não a relação subjacente à mesma; e no caso de se concluir pela improcedência de tal questão,
- Se o exequente deu cumprimento ao PERSI, condição de procedibilidade da execução, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, o que passará por apurar se o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI determina a extinção do mesmo, bastando que a instituição bancária comunique essa razão objetiva ao devedor, ou se a extinção do procedimento exige que sejam indicadas as razões que inviabilizaram a manutenção do procedimento.
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III. Fundamentação.
III.1. De facto
Com interesse para a decisão a proferir relevam os factos já contantes do relatório e ainda os seguintes os seguintes:
1. O Exequente instaurou a presente execução em 27.08.2022, dando à execução a livrança junta como documento 1 ao requerimento executivo, emitida pelo Exequente e subscrita pela Executada, constando da mesma o valor de €15.915,44, o local de emissão “Porto”, a data de emissão de “2022-07-27”, a data de vencimento de “2022-08-08” e a referência “Garantia do Contrato de Empréstimo n.º …”;
2. Por despacho de 19.09.2022 foi o Exequente convidado a prestar esclarecimento, nos seguintes termos:
“Antes de mais, importa esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução tendo em vista aferir se, sendo caso disso, o exequente deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
De facto, e na esteira do que tem sido pacificamente entendido ao nível jurisprudencial, sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso - artigo 573.º, n.º 2, e 578.º, do Código de Processo Civil.
Destarte, convido o exequente a alegar e demonstrar, no prazo de 10 (dez) dias, o que tiver por conveniente a propósito da questão ora suscitada, juntando cópias do contrato e das comunicações de integração e de extinção do PERSI.”
3. Veio então o Exequente em 13.10.2022 esclarecer que:
“a livrança apresentada à execução cauciona contrato de crédito pessoal outorgado entre o exequente e a executada em 18.05.2020, vide cláusula 5ª do contrato, ora junto sob o documento nº 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que ao mencionado contrato de crédito pessoal foi atribuído o nº de operação bancária 5264786-830-001, que cumpriu os procedimentos conforme determinado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tendo integrado por três vezes a executada em PERSI, primeiramente em 02.08.2021, tendo o procedimento sido extinto porque regularizados os valores em mora, conforme documentos nºs 2 e 3 juntos, em 02.11.2021 foi novamente integrada em PERSI, tendo o procedimento sido extinto porque regularizados os valores em mora, conforme documentos nºs 4 e 5 juntos e previamente à entrada da presente execução, a executada foi integrada em novo PERSI, sendo que o procedimento foi extinto no 91º dia após o início do procedimento sem que tenha sido obtido acordo entre as partes, conforme documentos nº 6 e 7 juntos.” (o destacado é nosso);
4. Uma vez mais notificado, por despacho de 07.11.2022, para exercer o contraditório acerca de “eventual adopção do entendimento de acordo com o qual a carta de comunicação de extinção do PERSI datada de 01-04-2022 não é susceptível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões pelas quais se considerou inviável a manutenção do procedimento”, veio o Exequente, pronunciar-se, alegando que:
“1º. Na comunicação de integração no PERSI datada de 31.12.2022 além da indicação dos valores em mora, é expressamente indicado os motivos pelo quais o procedimento pode ser extinto- vide página 2 do documento nº 6 junto ao requerimento com a ref.ª citius 9082995;
2º. Assim na comunicação de integração do PERSI a mutuária (aqui executada) foi informada das consequências da falta de colaboração/ausência de resposta, concretamente a extinção do procedimento.
3º Não tendo a mutuária (aqui executada) respondido à comunicação, o exequente comunicou a extinção do procedimento decorridos 91 dias após o início daquele.
4º O exequente cumpriu os procedimentos tal como determinado no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de outubro, tendo a mutuária, ora executada sido alertada para a extinção do PERSI, resolução do contrato conforme e recurso à via judicial para ressarcimento do crédito no caso de ausência de resposta à comunicação de integração no PERSI.”
5. Veio então em 13.12.2022 a ser proferida decisão que julgou “oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo exequente “Banco BPI, S.A.”, dos termos da obrigatória comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver a executada AA da instância, indeferindo liminarmente o requerimento executivo – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, e 726.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil. executiva, determinando a extinção da execução”.
6. A missiva de integração da executada no PERSI, datada de 31.12.2021, tem como destinatária a ora Executada e o seguinte teor:
«(…) Contrato de Crédito nº …
Exmo(a). Senhor(a),
Informamos V/Exa. que relativamente ao contrato de crédito em epígrafe, não foi possível proceder à liquidação dos seguintes valores já vencidos:
Detalhe das prestações em atraso: (…)
Nos termos previstos no Decreto-Lei nº227/2012 de 25 de Outubro, o contrato de crédito acima indicado foi integrado, na presente data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), sobre o qual pode encontrar informação detalhada no Anexo a esta carta. Para que possamos avaliar a capacidade financeira de V/Exa. e propor-lhe, quando tal seja viável, uma solução para a regularização da situação de incumprimento, solicitamos que, no prazo máximo de 10 dias a contar da recepção desta carta, contacte o seu Balcão, prestando-lhe as seguintes informações actualizadas:
- situação profissional;
- dimensão do agregado familiar;
- rendimentos líquidos mensais do agregado familiar (incluindo prestações sociais);
- e encargos mensais com operações em outras instituições de crédito.
Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar o seu Balcão. (…)».
7. No ANEXO a que se refere a carta consta a seguinte informação (sendo os destaques de origem):
«O PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, visa promover a regularização de situações de incumprimento através de soluções negociadas entre o cliente bancário e a instituição de crédito.
Negociação de soluções
Nos 30 dias após a integração do crédito em incumprimento em PERSI (data indicada na presente comunicação), a instituição de crédito deve avaliar a capacidade financeira do cliente bancário, propondo-lhe soluções para renegociar o contrato de crédito ou consolidar dívidas, quando tal seja viável.
O cliente bancário deve responder à(s) proposta(s) no prazo de 15 dias, podendo apresentar alterações ou propostas alternativas.
A instituição de crédito não está obrigada a aceitar as propostas do cliente bancário.
Garantias do cliente bancário
Durante o PERSI, as instituições de crédito não podem:
• Resolver o contrato de crédito;
• Iniciar ações judiciais contra o cliente bancário; e
• Ceder o crédito a outra entidade que não seja uma instituição de crédito, salvo para efeitos de titularização.
Deveres do cliente bancário
O cliente bancário deve colaborar com a instituição de crédito na procura de soluções para a regularização da situação de incumprimento.
Para tal deve respeitar os prazos para disponibilizar os documentos e as informações que lhe sejam solicitados (10 dias) e responder à(s) proposta(s) da instituição de crédito (15 dias).
Extinção do PERSI
O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.
A instituição de crédito pode ainda extinguir o PERSI caso:
• Verifique não ser viável a apresentação de propostas;
• Ocorra a penhora ou seja decretado arresto sobre bens do cliente bancário;
• Seja nomeado administrador judicial provisório no âmbito de processo de insolvência;
• O cliente bancário não colabore durante o PERSI;
• O cliente bancário ou a instituição de crédito recuse a(s) proposta(s) apresentada(s);
• O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa direitos ou garantias da instituição de crédito.
A instituição de crédito deve informar o cliente bancário dos fundamentos para a extinção do PERSI.
Mediador do Crédito
O cliente bancário que esteja a incumprir um contrato de crédito à habitação e seja igualmente mutuário de outros contratos de crédito pode beneficiar das garantias do PERSI por um período adicional de 30 dias caso solicite a intervenção do Mediador do Crédito nos 5 dias seguintes à extinção do PERSI.
Rede de apoio ao cliente bancário
Os clientes bancários com créditos em risco de incumprimento ou em atraso no pagamento das suas prestações podem obter informação, aconselhamento e acompanhamento junto da rede extrajudicial de apoio ao cliente bancário, a título gratuito.
A rede de apoio ao cliente bancário é constituída por entidades habilitadas e reconhecidas pela Direção-Geral do Consumidor.
Para mais informações sobre a rede de apoio, consulte o "Portal do Consumidor", em www.consumidor.pt. Para outras informações sobre os regimes relativos ao incumprimento de contratos de crédito consulte o seu Balcão BPI, o Portal do Cliente Bancário, em http://clientebancario.bportugal.pt, e o portal "Todos Contam", em www.todoscontam.pt.
8. A missiva visando a comunicação da extinção do PERSI, datada de 01.02.2022, tem como destinatário a aqui executada e, na parte que ora releva considerar, o seguinte teor:
«(…) Contrato de crédito não hipotecário nº …
Exmo(a). Senhor(a),
Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início. (…)».
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III.2. Apreciação jurídica.
III.2.1. - Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 703º, n.º 1, al. c) e 726.º, n.º 2, alínea b) do CPC em virtude de o Exequente estar dispensado de alegar e demonstrar o cumprimento do PERSI quando está em discussão a relação cambiária relativa à livrança dada à execução e não a relação subjacente à mesma.
O Exequente deu à execução a livrança referida nos factos assentes.
A letra é um título cambiário de natureza formal, que deve conter essa palavra, o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a assinatura de quem a passa e a indicação da data em que e o lugar onde é passada (artigo 1º da LULL).
Tal como a letra, também a livrança, é um título cambiário de natureza formal que deve conter essa palavra, a promessa de pagar uma quantia determinada, a época do pagamento, o lugar onde este deve ser feito, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a assinatura de quem a passa e a data em que e o lugar onde é passada (artigo 75º da LULL).
A diferença essencial entre a letra e a livrança consubstancia-se no facto de a primeira enunciar uma ordem de pagamento e a segunda uma simples e direta promessa de pagamento.
O aceite na letra é a declaração cambiária pela qual o sacado se obriga a pagar a letra ao portador (cfr. art. 28º, n.º 1 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças).
É através do aceite que o sacado se torna obrigado cambiário; só pelo aceite é que o sacado assume a obrigação de pagar a letra, prometendo executar a ordem que, na mesma, se contém.
O subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra, conforme dispõe o artigo 78º da LULL.
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O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), bem como o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
Se o cliente bancário (consumidor) estiver em situação de mora ou incumprimento de obrigações decorrente de contratos de crédito ao consumo, a entidade bancária fica sujeita a um regime procedimental imperativo, sendo obrigatório a integração de tal devedor no PERSI, sendo tal procedimento composto por três fases: inicial, de avaliação e proposta e de negociação (cfr. artigos 14.º a 17.º do diploma).
Sobre a entidade bancária incide o ónus de prova sobre a validade e eficácia da integração do devedor bancário inadimplente no âmbito do PERSI, bem como a validade e eficácia da respetiva extinção (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo as mesmas condições de admissibilidade da ação declarativa ou executiva que a instituição bancária pretender mover contra esse devedor.
Assim, se o devedor não tiver sido integrado no PERSI ou se o mesmo ainda não tiver sido extinto, está vedado à instituição bancária a instauração da execução e, tendo-a instaurado, deve a mesma ser extinta por via do funcionamento da referida exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso de falta de PERSI.
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Como resulta do teor da própria livrança dada à execução, a mesma foi entregue no âmbito do contrato de crédito referido nos factos assentes, celebrado entre o Exequente e Executada, para garantia das obrigações assumidas no aludido contrato pela mesma Executada.
Foi entregue em branco, acompanhadas do respetivo pacto de preenchimento, incorporados no contrato de crédito.
É sabido que as letras e livranças podem ser incompletamente preenchidas, sendo designadas por letras em branco, e entregues a outrem que passa a assumir a posição de portador delas (art. 10º da LULL), existindo, em regra, um acordo ou pacto de preenchimento, o qual pode ser expresso quando as partes estipularam certos termos em concreto, ou tácito, por se encontrar implícito nas cláusulas negociais. E, o título deverá, obviamente, ser preenchido de harmonia com tais estipulações negociais, sob pena de vir a ser considerado tal preenchimento como «abusivo».
Diz-se que a letra ou a livrança está no domínio das relações imediatas “quando está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado, sacador-tomador, tomador-primeiro endossado, tomador-subscritor, etc.), isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extra-cartulares.
Já se dirá que a letra estará no domínio das relações mediatas quando ela se achar na posse de uma pessoa estranha às convenções extracartulares.
Em face do regime resultante do artigo 32.º da LULL (aplicável às livranças por força do artigo 77.º, in fine do mesmo diploma) tem entendido a doutrina que o aval (note-se que em princípio, o avalista da subscritora de uma livrança posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada), não é uma fiança, desde logo porque a obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado ou seja, da obrigação do signatário em atenção ao qual foi prestado o aval, na medida que não se extingue com a nulidade da obrigação garantida, salvo se esta advier de vício de forma. Por isso há quem fale, impropriamente, de fiança objetiva, com o propósito de significar que a obrigação do avalista se caracteriza por ser independente e materialmente autónoma da obrigação do avalizado. Perante o credor cambiário, o avalista aparece com uma responsabilidade abstracta pelo pagamento do título (letra ou livrança), com o limite apontado (do vício de forma da obrigação garantida). A acessoriedade do aval, face à obrigação garantida, que alguns autores classificam de acessoriedade típica, só tem expressão quando a obrigação avalizada é nula por vício de forma e, bem assim, quando o avalista paga o título e adquire os direitos do portador contra o avalizado e obrigados para com este (artigos 77.º e 32.º, III, da LULL).
Como é sabido, a norma em apreço destina-se a proteger a circulação dos títulos e boa fé de terceiros, ou seja, os adquirentes do título não intervenientes numa anterior convenção, pondo-os a coberto da invocação de excepções e meios de defesa dos obrigados cambiários com os quais não se relacionaram. Ela consagra os princípios da literalidade, abstracção e autonomia das letras e livranças, como títulos cambiários vocacionados para a múltipla e sucessiva negociação. Por isso, a protecção dos terceiros cessa quando se evidencia que eles não adquiriram o título de boa fé, tendo esta a extensão que precisamente lhe é atribuída pela última parte do artigo.
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No caso dos autos, tendo a Executada subscrito o contrato de crédito que consubstancia o pacto de preenchimento, devem ser qualificadas de imediatas as relações entre Exequente e Executada, o que permite a discussão dos vícios da relação fundamental perante o credor emitente da livrança, diversamente do que sucederia se fosse um terceiro, eventualmente um avalista, o demandado.
E como supra referido, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, instituiu o PERSI visando, além de tudo o mais, promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, lendo-se no preâmbulo do diploma que no âmbito do mesmo «(…) as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigos 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial.
Nos termos do artigo 2.º do diploma estão abrangidos pelo PERSI o cliente bancário (consumidor) em relação a contratos de crédito abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02-06, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18-06.
No caso, consta do título executivo (livrança) a menção ao contrato de crédito cuja cópia foi junta, para garantia do qual a livrança em branco – ora preenchida e dada à execução - foi entregue.
Estando-se no domínio das relações imediatas, nada impede a aplicação do regime imperativo do PERSI quando o devedor é o consumidor com quem foi celebrado o contrato de crédito (cfr. artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 227/2012), o que também decorre da noção de «Cliente bancário» dada pela alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, ao estipular que é consumidor aquele que, na aceção da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07, e alterações posteriores), «intervenha como mutuário em contrato de crédito.»
Na verdade, conforme decorre da decisão recorrida, e não é controvertido, o contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução insere-se no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06.08), nomeadamente face ao disposto no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea c), aplicando-se-lhe por isso as obrigações decorrentes do PERSI, o que não foi sequer posto em causa pelo Exequente, que, como resulta da consulta dos autos, juntou documentos destinados a demonstrar o cumprimento daquele procedimento relativamente ao aqui executado.
Em face do disposto no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 227/2012, não sofre igualmente dúvidas o entendimento expresso em numerosos arestos dos Tribunais Superiores de que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória sempre que se mostrem verificados os seus pressupostos, e que a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito, a omissão da informação devida, ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento, constituem violação de normas de caráter imperativo. Por isso, e atento o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, vem sendo reiteradamente afirmado que o cumprimento das obrigações que impendem sobre as instituições bancárias, constitui uma verdadeira condição objetiva de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), configurando o respetivo incumprimento uma exceção dilatória atípica ou inominada, insuprível, e de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC)[1].
Como tal, a sua apreciação oficiosa, encontra-se abrangida pelo artigo 578º do Código de Processo Civil.
Estando-se no domínio das relações imediatas e sendo a exceção em causa de conhecimento oficioso, nada obstava, pois, a que o Tribunal conhecesse da questão, não existindo, consequentemente, qualquer violação do disposto no artigo 703º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil.
Conclui-se desta forma, pelo naufrágio da pretensão recursiva neste ponto.
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III.2.2. - Se o exequente deu cumprimento ao PERSI, condição de procedibilidade da execução, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, e se o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI determina a extinção do mesmo, bastando que a instituição bancária comunique essa razão objetiva ao devedor, ou se a extinção do procedimento exige que sejam indicadas as razões que inviabilizaram a manutenção do procedimento.
Cabe agora apreciar a segunda das enunciadas questões, respeitante ao conteúdo da comunicação de extinção do PERSI, importando determinar se se encontra ou não demonstrado o (in)cumprimento da obrigação de comunicação e informação expressa no 3.º do artigo 17.º do diploma legal em referência, em termos que configurem a dita exceção dilatória insuprível decorrente da violação de normas de carácter imperativo que determinem o incumprimento de condição de procedibilidade da ação executiva.
A este respeito, ponderou-se na decisão recorrida que “a questão essencial que se nos coloca é a de saber se a supra citada missiva com data de 01-04-2022 é ou não apta a considerar validamente cumprido o artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, que dispõe nos seguintes termos:
«3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 – O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3».
Em cumprimento deste n.º 5, e face às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06/08, foi publicado o Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021 (publicado no Diário da República n.º 244/2021, Série II de 2021-12-20, Parte E), de cujo artigo 9.º, sob a epígrafe «[c]omunicação de extinção do PERSI», decorre o que segue, no que aqui releva e que corresponde ao precedente artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012):
«A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal; (…)»
Na situação dos autos, e salvaguardando o devido respeito por melhor opinião, estamos em crer que a sobredita comunicação alegadamente dirigida à aqui Executada em 01-04-2022 dando-lhe conta da extinção do PERSI em que havia sido integrado não satisfaz os requisitos enunciados.
Na verdade, à Executada terá sido transmitido que aquele procedimento se extinguiu «por terem decorrido 91 dias após o seu início», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-la em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo a mesmo.
Na comunicação em causa o exequente, para além de não indicar a concreta norma habilitante (refere-se apenas aos «termos previstos no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro»), limitou-se a transcrever o que em parte resulta da alínea c) do n.º 1 do seu artigo 17.º, omitindo por completo quaisquer «factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento»”.
Louvando-se no que decorre do preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 227/2012, observou que “Num tal quadro, em que ali também são ponderadas as «assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito», o cumprimento do PERSI não pode, do nosso ponto de vista, e tal como repetidamente temos vindo a acentuar, ser olhado como mero pró-forma, o que seria o caso dos autos se porventura o tribunal aceitasse como validamente cumprida a obrigatória comunicação de extinção daquele procedimento nos sobreditos termos em que foi levada a cabo pelo exequente”, e seguidamente convocou em suporte da posição assumida, os Acórdãos deste Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2021, de 24-03-2022, e de 07-04-2022, que confirmaram o entendimento defendido na decisão ora recorrida, com a consequente extinção da instância executiva, por faltar a dita condição de admissibilidade.
Não desconhecendo a controvérsia jurisprudencial que a questão em apreço tem suscitado, afigura-se que se decidiu bem.
Como se decidiu no Acórdão desta Relação de 07.04.2022 (processo n.º 451/21.7T8ENT.E1) que aqui seguimos de perto.
“(…) As específicas vicissitudes que podem ocorrer no decurso de um concreto PERSI reflectem-se na causa de extinção do mesmo.
Assim, nos termos do artigo 17º, o PERSI extingue-se:
1º - por se ter revelado desnecessário, o que sucede quando a situação de incumprimento deixou de existir (nº1-a)), quando se alcançou um acordo de regularização da dívida (nº 1-b)) ou quando esse acordo é legalmente impossível (nº 1-d));
2º - por não se ter alcançado uma solução consensual para regularizar a dívida, o que sucede quando, pese embora a existência de propostas de regularização, as mesmas não colhem o acordo da parte contrária (nº 2-f) e g));
3º - por ser inviável qualquer plano de regularização, o que ocorre quando o devedor não dispõe de capacidade financeira, avaliada pela instituição bancária ou indiciada através de certos factos (nº 2-a), b) e c));
4º - por não se perspectivar a adesão do cliente bancário a qualquer eventual hipótese de regularização (e se considerar não ser ele merecedor da protecção legal), o que sucede quando ele omite a devida, necessária e atempada colaboração (nº 2-d)) ou quando pratica actos que evidenciam o oposto (nº 2-e).
Sendo certo que a instituição bancária pode obter vantagens com a implementação do procedimento em análise (maxime, quando consegue que o cliente cumpre a sua obrigação ou acorde num plano de regularização da dívida, até porque evita o recurso aos tribunais), não menos certo é que o PERSI representa para ela um compasso de espera no exercício dos seus direitos (vd. artigo 18º do DL 227/12). E, assim, estabeleceu a lei um período máximo para a pendência do procedimento (artigo 17º nº 1-c)).
A extinção do PERSI pelo decurso do prazo de 90 dias é aplicável a qualquer das situações previstas no nº 2 do artigo 17º do DL 227/2012, desde que a instituição bancária não tenha lançado mão da faculdade de extinção antecipada.
Mas, tendo em conta os objectivos que presidiram à criação do PERSI – e que acima enunciámos – o funcionamento da mencionada válvula de escape pressupõe que a instituição bancária desenvolveu os esforços que lhe cabiam, com diligência, celeridade e lealdade ou, dito de outro modo, pressupõe que não lhe possa ser imputado o insucesso do procedimento. Compreende-se que assim seja, bastando pensar na situação-limite em que uma instituição bancária comunicasse a um dado cliente incumpridor a sua integração no PERSI, não lhe pedisse qualquer informação ou documento nem nada mais fizesse, limitando-se a aguardar o decurso do tempo.
Mesmo atendo-nos ao caso dos autos – em que o exequente, quando comunica a integração da executada no PERSI, lhe solicita elementos – basta pensar na hipótese de tais elementos terem sido remetidos pela executada, sem que o exequente tenha desenvolvido qualquer diligência ulterior.
E é por isso que, mesmo que a extinção tenha como fundamento próximo o decurso do prazo, sempre terá de existir uma causa remota que exclua a imputação do insucesso do PERSI à instituição bancária.
D) A eficácia da extinção do PERSI depende da sua comunicação ao devedor, declaração receptícia essa que deve conter, na parte que agora nos interessa considerar, quer as razões de facto, quer a norma jurídica que fundamentam tal extinção (artigo 17º nºs 3, 4 e 5 e Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012).
Só assim, pode o cliente bancário aferir da regularidade e legalidade de todo o procedimento, em particular quando é demandado judicialmente pela instituição. E, tratando-se da extinção do PERSI, só conhecendo os concretos motivos que levaram à decisão da instituição bancária se podem, efectivamente, defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal.
Acresce que, estando em causa razões de interesse público, também se impõe que o tribunal conheça oficiosamente da questão.
Ora, comunicar que decorreram 91 dias deste a data da integração da executada no PERSI, sem qualquer outra menção fáctica e sem sequer indicar o dispositivo legal pertinente – como fez a apelante – é, como explicámos em C), praticamente o mesmo que nada dizer.
Não é, aliás, difícil para a instituição bancária comunicar ao cliente esses concretos fundamentos de extinção, uma vez que é suposto existir um processo para cada cliente, com toda a informação relevante (artigo 20º do DL 227/12).
Em consequência, temos por ineficaz a extinção do PERSI.
E tal acarreta, como se escreveu na decisão recorrida, o indeferimento liminar do requerimento executivo (artigo 726º nº 2-b) do Cód. Proc. Civ.).”
Resta concluir.
Sendo certo que a extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime, pois, a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI, e que por isso, uma carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por terem decorrido 91 dias, sem qualquer outra menção, não tem eficácia extintiva desse procedimento, a decisão recorrida, ao absolver a Executada da instância executiva, não merece qualquer censura.
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IV.- Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
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Évora, 12.07.2023
Ana Pessoa (Relatora)
José António Moita (1º Adjunto)
Maria da Graça Araújo (2º Adjunto)
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[1] Cf. Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Ac. STJ de 02.02.2023, processo n.º 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1. e os Acórdãos desta Relação de 16.12.2021, processo n.º 2612/19.0T8ENT.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt |