Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ MANUEL BARATA | ||
Descritores: | ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I.- No âmbito da prestação alimentar entre ex-cônjuges, a regra geral é a de que cada um deve prover à sua subsistência (artº 2016/1 do CC).
II.- Com a reforma operada pela Lei 61/2008, 31-10, o artº 2016º foi alterado, sendo eliminada qualquer referência à culpa (tal como no então adotado regime geral do divórcio-rutura), pelo que qualquer dos cônjuges tem agora direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (nº 2). III.- As razões de equidade são ainda relevantes, mas agora para efeitos de negar os alimentos (nº 3), o que permite, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, impedir a prestação de alimentos quando a culpa do cônjuge que os pede tornar a concessão iníqua. IV.- Não havendo um prazo limite para a prestação de alimentos entre ex-cônjuges, o regime indica um caminho de subsidiariedade, de excecionalidade e transitoriedade a esta prestação, por se tratar de um dos efeitos patrimoniais do casamento que perdura para além dele. V.- Não se tendo demonstrado que a situação económica do ex-cônjuge, obrigado à prestação de alimentos, sofreu alteração desde a sua fixação e que as necessidades económicas do ex-cônjuge que deles beneficia se mantêm, não deve operar-se a cessação nem a redução da prestação alimentar (artº 2019º e 2016º-A do CC). (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Procº 178/14.6T8STB-C.E1 Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrente: (…) Recorrido: (…) * No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Família e Menores de Setúbal, Juiz 1, (…), requereu a cessação da obrigação de prestação de alimentos à ex-cônjuge, (…), ou, se assim não for entendido, a redução da pensão de alimentos fixada para a quantia de € 50,00 mensais. Alegou, em síntese, que por sentença de 4 de Novembro de 2016, foi o A. condenado a pagar à ora Ré o montante de € 250,00 mensais, a título de pensão de alimentos, mas os fundamentos que levaram a que o tribunal estipulasse o pagamento de uma pensão de alimentos à ora R. alteraram-se, nomeadamente no que se refere às condições económicas do ora A. e da R., tendo o A. diversas despesas a seu cargo, que enumerou, de valor superior ao montante base que aufere mensalmente e que é de € 617,00, a que acresce um montante variável referente a ajudas de custo nas deslocações que tem que fazer para o estrangeiro e mesmo em Portugal, sendo que a R. viu o seu património aumentar em € 34.500,00, na sequência da partilha dos bens comuns após o divórcio e, além disso, trabalha como empregada doméstica. Realizou-se a conferência a que se refere o artº 936º, nº 3, do CPC, mas não foi possível estabelecer qualquer acordo. A R. contestou impugnando parcialmente os factos alegados pelo A., dizendo que o mesmo tem um rendimento mensal líquido não inferior a € 1.600,00, não podendo ela trabalhar como empregada doméstica, pois devido à doença de que padece, não pode fazer trabalhos pesados ou que impliquem dobrar a coluna, tendo necessidade de tomar de forma contínua medicação e o recebimento de tornas não resultou num incremento significativo do seu estatuto socio-económico, pelo que a ação deve ser julgada improcedente e mantida a obrigação de alimentos por parte do A., anteriormente fixada. Realizado julgamento foi proferida a seguinte decisão: Pelo exposto, julgo a presente acção inteiramente improcedente e não provada e, em consequência, absolvo a requerida do pedido. Custas pelo requerente (artº 527º do C.P.C.). Nos termos do disposto nos arts. 298º, nº 3 e 306º, nºs 1 e 2, do C.P.C., fixa-se o valor da acção em € 15.000,00 (quinze mil euros). Registe e notifique. Setúbal, 17/05/2019 * Não se conformando com o decidido, o A. recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC: I. A questão do presente recurso é determinar se existe fundamento para cessar o pagamento da pensão de alimentos pelo ora Recorrente, à ora Recorrida, ou em alternativa, a redução do valor de tal pensão de alimentos. II. Salvo o devido respeito por opinião diversa, e ainda que em nosso modesto entender, alguns dos factos que foram dados como provados não o deveria ter sido, nomeadamente nos pontos 13 e 14 dos factos provados e os pontos 1, 3 e 4 dos factos não provados. III. Quanto ao ponto 13, ainda que a ora Recorrida padeça de algumas doenças, certo é que não foi apresentada qualquer declaração de que a mesma se encontra incapacitada para o trabalho, ainda que temporariamente. IV. Quanto às despesas com a mediação, parece-nos que o Tribunal apenas devia dar relevância à compra da medicação com prescrição média, nomeadamente a Candesartan, Atorvastatina, Verapamilo, Betahistina, Omeprazol, sendo certo que relativamente a esta medicação, não parece que a mesma seja mensal, tendo em conta as datas constantes nas facturas, bem assim como os montantes referidos são inferiores a € 20,00. V. No que se refere ao ponto 14, quanto aos recibos da renda da casa, há que ter em conta que são referentes ao ano de 2017, desconhecendo-se se a renda se mantém, se diminuiu, ou até se a mesma é paga, pelo que é nosso entender que não podia ser dado como provado. VI. No que se refere ao ponto 1 dos factos não provada, deveria o Tribunal a quo se ter socorrido das regras de experiência e da livre convicção do julgador, bem sabendo que no que se refere a empregadas domésticas, estas não emitem qualquer recibo, sendo certo que o ora Recorrente tem um acordo com a irmã, que tem a chave da sua casa, para lhe manter a mesma limpa e tratar da roupa, pagando-lhe o montante semanal de € 56,00, independentemente do número de horas prestado. VII. Quanto ao ponto 3, também não se compreende como é que o Tribunal a quo não deu como provado que o ora Recorrente despende um montante de cerca de € 200,00 mensais, quando de acordo com o depoimento da testemunha (…) colega de trabalho do ora Recorrente, fazem viagens de 9/10 dias, ficando em casa por 3 dias, voltando a viagens de 9/10 dias. VIII. Que quando se encontra em viagem, por norma os motoristas dormem nos camiões, excepto quando faz mais frio e neva, por norma no Inverno, em que têm de pernoitar num hotel, despendendo um montante entre os € 40,00 e os € 100,00. IX. E que para efeito de higiene pessoal, quando não estão no hotel, despende uma média de € 3,00 para duches, perfazendo o montante de € 72,00, tendo em conta que passam em média 6 dias em Portugal. X. Efectivamente o ora Recorrente não apresentou qualquer documento comprovativo, porquanto estas despesas não podem ser apresentadas em sede de IRS em Portugal e não tem por hábito guardar todos os comprovativos que recebe, motivo pelo qual, arrolou como testemunha o seu colega de profissão, para que o Tribunal a quo pudesse ter uma ideia do seu dia-a-dia e montantes despendidos quando estão em viagem. XI. No que concerne ao ponto 4, não se compreende o motivo pelo qual não foi dado o mesmo como provado, tanto mais, que a entidade 10297 pertence à operadora de telecomunicações Vodafone Portugal, vide (…) e tendo em conta o montante pago, chega-se à conclusão que se trata de uma assinatura. XII. Ainda assim, é nosso entender que outra decisão deveria ter sido tomada tendo em conta os factos dados como provados e não provados. XIII. Desde logo, há que ter em conta, que na acção de alimentos definitivos, já transitada em julgado, o Tribunal a quo teve em consideração que o ora Recorrente auferia de uma retribuição mensal de montante médio superior a € 1.500,00 por mês e não o rendimento mensal base no montante de € 617,00, a que acresce ajudas que custas, veja-se que esse montante é totalmente consumido no estrangeiro. XIV. Somados estes dois valores da alimentação e dos duches, chegamos facilmente aos € 900,20 só para alimentação (almoço e jantar) e alojamento no estrangeiro. XV. Tendo em conta a retribuição base do ora Recorrente que desse montante, vê mais de um terço a ser-lhe retirado, para prover à subsistência da ora Recorrida. XVI. Insistimos neste ponto, na medida em que se por algum motivo o ora Recorrente se vir com algum problema de saúde, ou outro que implique a sua não deslocação ao estrangeiro (como por exemplo quando está de férias), vê-se numa situação muito complicada para poder fazer face às suas despesas. XVII. Por outro lado, com as partilhas em sequência do divórcio, a ora Recorrida recebeu a título de tornas o montante de € 34.500,00. XVIII. Aliás, em sequência do montante recebido a título de tornas pela ora Recorrida, foi-lhe cancelada o Benefício de Proteção Jurídica concedido no Processo de Inventário, por ser entendimento da Segurança Social que a ora Recorrida adquiriu meios suficientes para poder dispensar a proteção jurídica, tendo-se deixado de verificar a situação de insuficiência económica. XIX. Ora, nos termos do disposto no art. 2016º, n.º 1, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2008, de 31.10, “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, sendo que o n.º 3 prevê a possibilidade de o direito a alimentos ser negado por manifestas razões de equidade. XX. A alteração no n.1 tem justificação na exposição de motivos do projecto de lei: “a obrigação de alimentos tem um carater subsidiário e temporário, embora possa ser renovada periodicamente”. XXI. De acordo com o espírito da lei, o que se pretendeu foi que o direito a alimentos não perdure para sempre, devendo o ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista à satisfação das suas necessidades básicas nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, permitindo-lhe desta forma o mínimo de condições para reorganizar a sua vida. XXII. Salvo o devido respeito por opinião diversa, e tendo em conta o supra referido, é nosso entendimento que a ora Recorrida nada tem feito para prover à sua subsistência, nomeadamente, e de acordo com o que alega, de requerer junto da Segurança Social, o Rendimento Social de Inserção. XXIII. Nem tão pouco, veio juntar aos presentes autos, qualquer comprovativo de que se encontra a tentar encontrar qualquer actividade profissional, nomeadamente inscrição no Centro de Emprego. XXIV. Aliás, se a ora Recorrente sofresse de algum tipo de incapacidade para o trabalho podia e já deveria ter requerido uma reforma por invalidez. XXV. Por todo o exposto, é nosso entender que a pensão de alimentos devida à ora Recorrida deverá cessar, tendo em conta as possibilidades do ora Recorrente, bem assim como as necessidades da Ré e a actual condição financeira da mesma. XXVI. Por fim, e caso o Tribunal a quo entendesse não dar provimento à cessação da obrigação de prestar alimentos, veio o ora Recorrente requerer a redução da pensão de alimentos, não se tendo prenunciado relativamente ao mesmo é nosso entendimento que estamos perante a nulidade prevista no art. 615º, n. 1, d), do CPC, encontrando-se a mesma a ser arguida nos termos do n.º 4, do supra referido artigo. XXVII. Por todo o exposto, considera o ora Recorrente que a douta sentença ora em crise, violou nomeadamente o disposto no art. 615º do CPC, e os arts 2016º e seguintes do CC. * Foram colhidos os vistos por via eletrónica. * 1.- Da procedência da impugnação da matéria de facto; 2.- Omissão de pronúncia quanto à redução da mensalidade alimentar. * É a seguinte a matéria de facto dada como provada no tribunal a quo:1. O A. e a R. casaram um com o outro em 11 de Julho de 1981, sem convenção antenupcial. 2. Deste casamento nasceu uma filha, já maior de idade. 3. Por sentença proferida em 07 de Dezembro de 2015, transitada em julgado, no âmbito do processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge (processo principal), foi decretado o divórcio entre o A. e a R. 4. Por sentença proferida em 04/11/2016, na acção declarativa de alimentos definitivos (apenso B), foi fixada uma pensão de alimentos de € 250,00 por mês, a pagar pelo ora A. à sua ex-mulher, ora Ré, por transferência bancária para a conta da mesma, até ao dia 8 de cada mês. 5. Tal pensão de alimentos tem vindo a ser paga à R., por desconto directo pela entidade patronal do A. na retribuição auferida mensalmente por este e respectivo depósito na conta bancária da R. 6. Actualmente, tal como já sucedia na altura em que foi fixada a pensão de alimentos, o A. trabalha como motorista de pesados, fazendo transportes internacionais, por conta da empresa “(…) – Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A.”. 7. Auferindo um salário base de € 617,00, a que acrescem ajudas de custo de valor variável, nas deslocações que faz para o estrangeiro e mesmo em Portugal, recebendo uma retribuição média mensal líquida de aproximadamente € 1.700,00 por mês. 8. O A. tem despesas com: - O pagamento da prestação do empréstimo contraído junto da C.G.D. no montante de € 130,13 mensais. - Consumos de água (€ 7,50/mês), electricidade (cerca de € 35,00/mês) e gás (€ 30,59 por botija). - Contrato com a NOS, pagando o montante mensal de € 43,00. - Seguro anual da casa onde reside (€ 65,12), seguro de uma motorizada que tem (o montante anual de € 45,78), seguro do carro e alimentação (valor não apurado em concreto). 9. Durante o tempo de deslocação ao estrangeiro, bem assim como em Portugal, o A. tem de se socorrer de restaurantes e áreas de serviço para tomar algumas refeições, no que despende valores diversos, em média cerca de € 12,00 por refeição. 10. Na sequência da partilha por divórcio, no dia 29/01/2018, a R. recebeu de tornas do A. o montante de € 34.500,00 (trinta e quatro mil e quinhentos euros). 11. Actualmente a R. não exerce qualquer actividade profissional. 12. A R. padece de HTA; dislipidemia; patologia da coluna; síndrome vertiginoso e AP. de histerectomia. 13. Problemas de saúde, que a impossibilitam de fazer trabalhos pesados ou que impliquem dobrar a coluna e determinam que tenha que tomar medicação regularmente, no que despende quantias cujo valor médio mensal se cifra em pelo menos € 20,00. 14. Reside em casa arrendada, pagando uma renda de € 250,00 por mês e despende nos consumos domésticos de eletricidade, água, gás e telefone, a quantia aproximada de € 50,00 mensais. 15. Com a sua alimentação a A. despende quantia que não se apurou em concreto, mas não inferior a € 40,00 por semana. 16. A A. tem recebido ajuda financeira da filha para suportar parte das suas despesas pessoais, designadamente com a alimentação, vestuário, consumos domésticos e outras. * 2.2. Factos não provados: 1. O A. tem uma pessoa que lhe limpa a casa e trata da roupa, a quem paga semanalmente o montante de € 56,00. 2. Em alimentação o A. gasta a quantia de € 500,00 por mês. 3. Quando se encontra ao serviço da entidade patronal, o A. despende um montante nunca inferior a € 200,00 (duzentos euros) em alojamento. 4. Para poder contactar com familiares e amigos, mesmo quando está no estrangeiro, despende o montante de cerca de € 65,00 (sessenta e cinco euros) mensais. 5. O A. despende montante nunca inferior a € 50,00 mensais em vestuário para si. 6. E valor nunca inferior a € 150,00 em combustível para o veículo automóvel e a motorizada do A. 7. A Ré trabalha como empregada doméstica. *** A impugnação da matéria de facto.O facto provado sob o número 13: 13. Problemas de saúde, que a impossibilitam de fazer trabalhos pesados ou que impliquem dobrar a coluna e determinam que tenha que tomar medicação regularmente, no que despende quantias cujo valor médio mensal se cifra em pelo menos € 20,00. O recorrente argumenta que, quanto ao ponto 13, ainda que a ora Recorrida padeça de algumas doenças, certo é que não foi apresentada qualquer declaração de que a mesma se encontra incapacitada para o trabalho, ainda que temporariamente. Quanto às despesas com a mediação defende que o Tribunal apenas devia dar relevância à compra da medicação com prescrição média, nomeadamente a Candesartan, Atorvastatina, Verapamilo, Betahistina, Omeprazol, sendo certo que relativamente a esta medicação, não parece que a mesma seja mensal, tendo em conta as datas constantes nas faturas, bem assim como os montantes referidos são inferiores a € 20,00. Compulsados os autos foi junto pela R. o documento nº 2 com a contestação onde um relatório médico emitido pela Unidade de Saúde de Setúbal (Dra. …) onde se consignou que a R. sofre das seguinte patologias: - HTA; - Dislipidemia; - Patologia da coluna (seguida em consulta do H de Setúbal); - Síndrome vertiginoso e – AP: de Histerectomia. Medicação crónica: Candesartan+HCT, 16 mg+12.5; Atorvastatina 40 mg; Verapamilo 40 mg; Beta histina 24 mg; Omeprazol 20 mg O teor deste relatório médico onde se consignou que a R. apresenta patologia da coluna e o depoimento da testemunha sua filha, (…), confirmam que a patologia impede a R. de trabalhar, designadamente em serviços de limpeza, o que envolve esforços e um dobrar da coluna como resulta da experiência comum. Em face desta prova produzida, o convencimento do tribunal não poderia ser outro diferente do que ficou consignado no ponto 13 da matéria de facto. A R. sofre de diversas patologias, designadamente da coluna, sendo mesmo acompanhada medicamente quanto a esta doença, pelo que, como se disse, está demonstrada a dificuldade e incapacidade para efetuar trabalhos que impliquem a utilização frequente da coluna, como é o serviço de limpeza. O gasto em medicamentos também está provado porque, dada a quantidade e variedade dos que utiliza, não é excessivo o valor mensal de € 20,00 para a sua aquisição, o que é confirmado pelos documentos de fls. 16 a 18 juntos com a contestação (recibos da farmácia) e resulta da experiência comum, pelo que bem andou o tribunal a quo. A redação deste facto deve permanecer tal como consta dos factos provados. * O facto 14 é o seguinte:14. Reside em casa arrendada, pagando uma renda de € 250,00 por mês e despende nos consumos domésticos de electricidade, água, gás e telefone, a quantia aproximada de € 50,00 mensais. Este facto encontra-se provado pelo que consta dos documentos 3 (contrato de arrendamento) e 4 a 15 (recibos do pagamento das rendas no valor mensal de € 250,00) juntos com a contestação bem como os documentos 19 (recibo da eletricidade) e 20 (recibo do gás), cujos valores em conjunto são superiores a € 50,00, a que deve acrescentar-se o valor mensal dos gastos de água e telefone, gastos habituais e quase obrigatórios para o atual viver em sociedade. Está, por isso, claramente demonstrada a matéria que consta do ponto 14, pelo que também nesta parte improcedem a conclusões do recorrente. * Os factos não provados que o recorrente entende deverem ser considerados provados são os seguintes:1. O A. tem uma pessoa que lhe limpa a casa e trata da roupa, a quem paga semanalmente o montante de € 56,00. 3. Quando se encontra ao serviço da entidade patronal, o A. despende um montante nunca inferior a € 200,00 (duzentos euros) em alojamento. 4. Para poder contactar com familiares e amigos, mesmo quando está no estrangeiro, despende o montante de cerca de € 65,00 (sessenta e cinco euros) mensais. O tribunal a quo fundamentou assim a ausência de prova quanto a estes factos: Os factos não provados foram assim considerados por relativamente a eles não se ter feito prova suficientemente convincente, sendo certo que não foi junto aos autos qualquer documento que os comprove e alguns deles até foram contrariados pelas testemunhas ouvidas, designadamente o facto de o A. ter uma despesa semanal de € 56,00 com uma empregada doméstica, que alegadamente lhe limpa a casa e trata da roupa, tendo a testemunha … (sua vizinha), afirmado que passa frequentemente em frente da casa do A., a diferentes horas do dia e nunca lá viu ninguém a fazer limpezas, já o tendo visto a ele varrer o quintal e não qualquer outra pessoa.” Ora, tal como acima referido, a prova destes factos poderia facilmente efetuar-se por prova testemunhal (a prova foi contrária ao alegado pelo A., em virtude de uma vizinha ter afirmado que nunca viu qualquer pessoa limpar a casa do A.) e a apresentação de documentos que comprovassem as despesas das dormidas em hotéis. O pagamento da mensalidade de telemóvel, junta com a p.i., comprova que o A. tem este gasto mas não é suficiente para provar que é sempre utilizado quando está no estrangeiro ou que apenas telefona para familiares e amigos – e é esta a matéria que o A. alega –, podendo fazê-los por variados motivos. O que os documentos revelam é um diferencial de nível de vida favorável ao A. e desfavorável à R., o que se mede pelos gastos mensais de eletricidade e gás: O A. gasta de eletricidade € 67,67 e de gás € 61,10. A R., por seu turno, gasta de eletricidade € 20,56 e de gás € 30,37. O nível de vida é de menos de metade entre o A. e a R., apesar de este parâmetro não ser determinante para o que interessa ao caso dos autos, mas não deixa de se apontar. Concluindo, não tendo sido trazido ao conhecimento do tribunal material probatório suficiente para dar os factos 1, 3 e 4 como provados, bem andou o tribunal a quo em incluí-los no rol dos não provados. Mantém-se, por isso, na íntegra a matéria de facto que vem fixada da primeira instância. *** Conhecendo.Alega o recorrente que o tribunal a quo não se pronunciou acerca da redução da pensão de alimentos, pelo que a decisão enferma de omissão de pronúncia, o que a fulmina com a nulidade, nos termos preconizados pelo artº 615º/1, d), do CPC. Sobre esta questão ponderou-se na sentença colocada em crise: “Assim, não ficou demonstrado que a situação económica do A., do ponto de vista dos seus rendimentos e das despesas que tem a cargo se deteriorou e dos factos provados também não se conclui que a R. tenha melhorado a sua situação económica e financeira, relativamente à altura em que foi fixada a pensão de alimentos a pagar por aquele a favor desta, por forma a justificar a cessação ou a redução do valor de tal pensão de alimentos. Considera-se, assim, que o requerente não logrou demonstrar estarem reunidos os pressupostos para a cessação ou redução da obrigação de alimentos em causa nestes autos. Justifica-se, por isso, a manutenção de pensão de alimentos a favor da requerida, tal como foi fixada inicialmente.” Não se entende como pode o recorrente alegar que não se ponderou a redução do montante da pensão de alimentos ao ser consignado expressamente, e por duas vezes, que se incluiu na conclusão do silogismo lógico-jurídico, quer a cessação quer a redução da pensão, tendo-se decidido em face da matéria de facto provada que nem a possibilidade de cessação nem a redução estavam demonstradas. Assim sendo, só pode concluir-se que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia, pelo que improcede a arguida nulidade da sentença. *** O Direito
O recorrente argumenta que a sentença violou o que se dispõe nos artigos 2016º a 2019º do CC, ou seja, a prestação de alimentos ao cônjuge após o divórcio. No âmbito da prestação alimentar entre ex-cônjuges, a regra geral é a de que cada um deve prover à sua subsistência (artº 2016/1 do CC). Contudo, já no âmbito do anterior regime previsto no CC, por razões de equidade, o tribunal podia, excecionalmente, atribuir alimentos ao cônjuge culpado no divórcio. Com a reforma operada pela Lei 61/2008, 31-10, o artº 2016º foi alterado, sendo eliminada qualquer referência à culpa (tal como no então adotado regime geral do divórcio-rutura), pelo que qualquer dos cônjuges tem agora direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (nº 2). As razões de equidade são ainda relevantes, mas agora para efeitos de negar os alimentos (nº 3), o que permite, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, impedir a prestação de alimentos quando a culpa do cônjuge que os pede tornar a concessão iníqua. Não havendo um prazo limite para a prestação de alimentos entre ex-cônjuges, o regime indica um caminho de subsidiariedade, de excecionalidade e transitoriedade a esta prestação, por se tratar de um dos efeitos patrimoniais do casamento que perdura para além dele. Também assim o considera, indo mesmo mais longe, Maria João Tomé, in “Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, pág. 445, o modelo adotado pela reforma de 2008, reconhece “ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais”. Sobre a principal razão a ponderar na concessão dos alimentos ao ex-cônjuge, escreveu Rute Teixeira Pedro, in C. Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol. II, 2017, Pág. 926, “A obrigação alimentar entre ex-cônjuges emergirá apenas nos casos em que um dos cônjuges não consiga prover, por si, à sua própria subsistência, o que lhe comunica um caráter que se pretende excecional”. A necessidade de prestar alimentos já foi anteriormente determinada no caso dos autos, havendo agora que saber apenas se ocorreu alguma alteração nas condições então verificadas, para que se possa decidir pela cessação ou redução da prestação alimentar. Sobre esta matéria dispõe o artº 2019º do CC: (…) cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral. Estas causas acrescem às previstas no artº 2013º, onde se inclui a circunstância de o obrigado à prestação não poder continuar a prestá-los e aquele que os recebe deixar de precisar deles (1/b)). Quanto ao montante dos alimentos deve ponderar-se o que dispõe o artº 2004º (Medida dos Alimentos) e 2016º-A do CC (Montante dos Alimentos), bem como não exigir a lei a manutenção do mesmo nível de bem-estar económico que o necessitado de alimentos tinha durante o casamento ou a união de facto, nem que seja proporcionado um nível de vida sumptuoso. No caso dos autos, o A. alegou factos que poderiam levar a concluir que um aumento das suas despesas o impedia de satisfazer a obrigação alimentar e, por outro lado, a beneficiária dos alimentos, sua ex-cônjuge, se encontrava a trabalhar, pelo que gerava os proventos necessários para se sustentar. Contudo, como se verifica da matéria de facto não provada de 1 a 7, nenhum destes factos logrou comprovação em julgamento, pelo que se mantém a situação de vida, quer do A. quer da R., que ocorria no momento em que a prestação alimentar de 250,00€ mensais foi fixada. Repare-se que a R. paga de renda de casa 250,00€ mensais, sendo este o exato montante que recebe de alimentos, pelo que as restantes despesas devem estar a ser pagas com a ajuda de familiares ou uma outra origem, que não foi trazida ao conhecimento do tribunal, sendo certo que era ao A. que competia provar a alteração da situação económica que alegava, o que não logrou efetuar. De onde se conclui que não pode cessar a prestação de alimentos. Por outro lado, as circunstâncias a que aludem os artigos 2004º e 2016º-A do CC, que devem ser ponderadas para fixar o montante dos alimentos, também não sofreram alteração, o que implica improceder igualmente o pedido de redução da prestação. O A. tem poder económico para continuar a prestar os alimentos e a R. mantém a necessidade de os receber, o que equivale por dizer que improcede a apelação e se mantém a sentença em crise. Também assim se decidiu no Ac. desta Relação de 232-11-2017, Rui Machado e Moura, Procº 1388/06.5TBTMR-E.E1: Resultando da matéria fáctica apurada que a A. (apesar de divorciada do R. desde 2007) nunca trabalhou, após se ter casado com o R. em 1978, e que não aufere quaisquer rendimentos – sendo que o R., seu ex-marido, tem possibilidades económicas de prestar alimentos à A. – a alteração do valor da respectiva pensão deve ser fixado de harmonia com os critérios previstos nos arts. 2003º e 2004º do Cód. Civil pelo que, em consequência, prestará o R. uma pensão de alimentos à A. no valor de 400,00 €/mês. Sobre o enquadramento geral das questões acima ponderadas, decidiu-se no Ac. STJ de 03-03-2016, Fernanda Isabel Pereira, Procº 2836/13.3TBCSC.L1.S1: I - A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – que introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio – aderiu ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária (art. 2016.º do CC). II - Neste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC, cingindo-se a obrigação de os prestar ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência condigna depois da ruptura do vínculo do casamento, sem ter, porém, por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal (arts. 2003.º, n.º 1, e 2016.º-A, n.º 3, do CC). III - Não se verificará o dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos se «razões manifestas de equidade» o levarem a negar – o que acontecerá se for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente (art. 2016.º, n.º 3, do CC). IV - Embora se tivesse procurado eliminar a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos, por se querer reduzir a questão ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa por quem tem possibilidades –, a ideia de culpa não será totalmente alheia à densificação da referida cláusula geral ou conceito indeterminado. V - Um juízo equitativo, que assenta na procura da solução mais justa para o caso concreto, não pode esquecer o passado comum dos cônjuges, na sua globalidade. *** Sumário: (…) *** DECISÃO. Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a sentença recorrida. Custas pelo recorrente – Artº 527º CPC. *** Évora, 30-01-2020 José Manuel Barata (relator) Conceição Ferreira Rui Machado e Moura |