Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | ANA PESSOA | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Sumário: | Sumário1:
É possível a invocação, como fundamento de embargos de executado à execução, da existência de contra crédito sobre o exequente, com vista a obter-se a compensação de créditos, mesmo que esse contra crédito não tenha suporte em título com força executiva. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 978/25.1T8ENT-A.E1
* Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe é movida por Sociedade de Agricultura de Grupo do Valongo Ld.ª. veio a Executada AA deduzir oposição à execução por embargos de executado, alegando, resumidamente, a execução a que se responde baseia-se na escritura de aquisição de cinco prédios rústicos que em conjunto são denominadas por J...”, outorgada pela Sociedade Exequente na qualidade de vendedora e pela Executada na qualidade de compradora, escritura de que constam as condições de pagamento do valor de aquisição das propriedades, a que foi atribuído o valor global de € 200.000,00, prevendo-se o deferimento do pagamento da quantia de € 50.000,00 num prazo de 5 anos a contar da escritura de aquisição, celebrada em março de 2019, que execução incide sobre o valor de € 50.000,00 alegadamente em dívida por se ter vencido em março de 2025, data em que se completaram cinco anos sobre a outorga da escritura, mas que, como resultará da exposição infra, a dívida exequenda já foi extinta por compensação créditos detidos pela Executada sobre a Sociedade Exequente, de que é sócia, sendo ainda comproprietária dos prédios rústicos que a mesma explora. Termina, pedindo que sejam: «(…) os embargos de executado julgados totalmente procedentes, por provados, procedendo-se, consequentemente, à extinção da presente execução.» * Conclusos os autos para despacho liminar, foi proferido o seguinte despacho: “*Despacho de indeferimento liminar da oposição à execução mediante embargos * (artigo 732.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) A embargante, em sua defesa, veio invocar a compensação de créditos, por ser credora da exequente de valores devidos pela exploração das terras pertencentes à executada - Rendas. Quanto à compensação, a mesma é uma forma de extinção das obrigações, regulada no artigo 847.º e seguintes do Código Civil, em que o devedor opõe o crédito que tem sobre o seu credor, realizando o seu crédito, por uma espécie de acção indirecta, ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida. A compensação representa, nas palavras de ALMEIDA COSTA, «um acerto de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos. Além disso, afigura-se equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o seu crédito inteiramente satisfeito, caso se desse, entretanto, a insolvência da contraparte» (in Direito das Obrigações, Almedina, 12.ª edição, página 1099). Para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao notificado, torna-se necessária a verificação dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 847.º do Código Civil, a saber, a reciprocidade dos créditos, que o crédito do notificante seja exigível judicialmente, e não esteja sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material (alínea a) do n.º 1 do artigo 847.º) e, por fim, a fungibilidade do objecto das obrigações (alínea b) do n.º 1 do artigo 847.º). Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente (n.º 2 do artigo 847.º do Código Civil). A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, não operando assim ipso iure (cf. artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil), sendo contudo esta declaração de vontade, que tanto pode ser feita judicial ou extrajudicialmente, eficaz logo que recebida, independentemente de qualquer acto de aceitação (declaração unilateral receptícia). Efectuada a compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis (artigo 854.º do Código Civil), retroagindo os efeitos da compensação à data da compensabilidade dos créditos. Não obstante, no âmbito dos embargos de executado, só pode ser invocada a compensação, quando o crédito a compensar já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-crédito (neste sentido, cf. o ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 14 de Março de 2013 e de 04 de Julho de 2019, ambos in www.dgsi.pt). No caso, não há indícios (nem tal foi alegado) que o eventual crédito da embargante tenha força executiva. Preceitua o artigo 732.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil que os embargos de executado são liminarmente indeferidos quando forem manifestamente improcedentes. Na situação em apreço, julga-se, e salvo superior e diverso entendimento, que o crédito a compensar não pode ser invocado nesta sede, por não ter ainda força executiva. Tal implica o indeferimento liminar da oposição à execução mediante embargos de executado. * Face ao exposto, decide-se indeferir liminarmente a oposição à execução mediante embargos deduzida, nos termos do artigo 732.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ficando com isso prejudicado o pedido de suspensão. *** Valor: o da execução (artigos 296.º, 299.º, 304.º e 306.º do Código de Processo Civil). * Custas pela embargante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * Notifique.” * Inconformada, a Embargante/Executada apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: « I. Nesta instância executiva, a Recorrente deduziu oposição à execução mediante embargos. II. Nos embargos foi clara, circunstanciada e documentalmente invocado e demonstrado que a obrigação exequenda se encontra extinta, por via de compensação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 847.º e seguintes do Código Civil, sendo assim inexigível. III. A Recorrente é titular de créditos sobre a Sociedade Exequente, que igualam ou até superam o montante peticionado na Execução, e que correspondem a rendas acumuladas e não pagas pela Sociedade sobre prédios rústicos de que a Executada é comproprietária e cuja exploração tem sido realizada exclusivamente pela Exequente. IV. Os registos contabilísticos da Exequente mostram que a Embargante é credora da Exequente da quantia global de € 49.500,00 (quarenta e nove mil e quinhentos euros), relativa a rendas vencidas entre os anos de 2013 e 2023, faltando ainda apurar o valor da renda do ano de 2024. V. O crédito emergente das rendas devidas pela exploração dos prédios rústicos de que a Executada é comproprietária é um crédito de natureza comum, vencido, exigível e, sobretudo, expressamente reconhecido pela própria Sociedade Exequente. VI. A Recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 848.º do Código Civil e invocou expressamente à Sociedade Exequente, por meio de carta datada de 5 de maio de 2025, junta como documento n.º 1 dos embargos, a compensação em causa, comunicando, assim, de forma clara e inequívoca, a compensação e a consequente inexistência da dívida exequenda. VII. Com os embargos, a Recorrente requereu a suspensão da instância executiva com dispensa de prestação de caução, ao abrigo da alínea c), do n.º 1 do artigo 733.º do CPC, atenta a inexigibilidade da dívida exequenda, face à operada compensação de créditos. VIII. A penhora feita aos bens da Executada, antes de recair qualquer despacho sobre os embargos é inconsequente, precipitada, desprovida de qualquer ponderação e causa prejuízo manifesto à aqui Recorrente que viu o seu património e rendimentos apreendidos, a que acrescem os custos desmedidos que o Agente de Execução pretende cobrar, aproveitando ao máximo todo o abuso inerente a este processo. IX. O processo executivo, à semelhança do processo declarativo, continua a ser um processo de partes, não se tratando, como por vezes parece resultar da atuação dos autos, de um instrumento exclusivo do Exequente ou do Agente de Execução por esta indicado para utilização abusiva. X. A regulação do processo executivo existe para garantir que o poder intrusivo no património da Executada se exerce com ponderação, proporcionalidade e respeito pelos direitos fundamentais do executado, em especial o direito à propriedade privada. XI. A instrumentalização do processo executivo como forma de abuso de direito representa uma grave distorção da função jurisdicional do Estado e atenta contra os pilares do Estado de Direito. XII. Em resposta aos reiterados pedidos da Recorrente para que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a ilegalidade e desproporcionalidade das penhoras realizadas pelo Agente de Execução a pedido da Exequente, mesmo antes de os embargos serem recebidos, entendeu o Tribunal a quo proferir sentença de indeferimento liminar dos mesmos, por manifesta improcedência, decorrente da inexistência de título executivo para o contracrédito objeto de compensação. XIII. A fundamentação da sentença recorrida mostra-se manifestamente desacertada face ao conteúdo e natureza dos embargos apresentados, bem como relativamente à legislação em vigor, doutrina e jurisprudência dominante. XIV. Nos termos do disposto nos artigos 729.º, al. h) e 731.º do CPC, fundando-se a oposição em outro título executivo, in casu, escritura pública, a oposição pode ter por fundamento um contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos. XV. Pese embora a doutrina e jurisprudência nem sempre terem mantido posições uniformes sobre a matéria em apreço, é seguro afirmar que a posição atualmente dominante e que se adequa ao regime legal vigente não condiciona o contracrédito a compensar à sua documentação em título com força executiva. XVI. O Código de Processo Civil de 2013 resolveu legislativamente a questão ao introduzir expressamente que, entre as defesas possíveis em sede de embargos, a de opor a uma execução de sentença um contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos” (alínea h) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil), sem que tenha condicionado o contracrédito a compensar à sua documentação em título com força executiva. XVII. A compensação em sede de embargos de executado não pressupõe que o crédito do compensante se encontre previamente reconhecido por título executivo. XVIII. O que verdadeiramente importa aferir é se o crédito invocado pelo compensante existe na sua esfera jurídica, preenchendo os requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil, sendo exigível e bem assim se não é objeto de qualquer exceção, perentória ou dilatória, de direito material que obste à sua eficácia extintiva. XIX. Em sentido contrário à fundamentação adotada na sentença recorrida, a mais recente jurisprudência e doutrina têm vindo a acolher, de forma expressa e consolidada, a admissibilidade de o executado, em sede de embargos de executado, invocar a existência de um contracrédito ainda não reconhecido judicialmente, com vista à sua compensação com o crédito exequendo. XX. Além do contracrédito da Executada se mostrar reconhecido na contabilidade da Exequente, a aqui Recorrida invocou expressamente a compensação de créditos pela carta dirigida à Sociedade Exequente no dia 5 de maio de 2025, razão pela qual não deveriam ter sido liminarmente indeferidos os embargos. XXI. Não se mostrando exigível, para efeitos de compensação, que o crédito invocado pelo executado esteja previamente munido de força executiva, revela-se manifestamente inadmissível o indeferimento liminar proferido. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a Sentença recorrida que indeferiu liminarmente os embargos de executado, e substituindo-a por decisão que admita os embargos, determinando o prosseguimento regular dos autos para apreciação do mérito da oposição deduzida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” * A Exequente contra-alegou, apresentando, por seu turno, a seguinte síntese conclusiva: “A. O processo executivo destina-se à realização coativa de direitos já consolidados em título executivo, dispensando discussão declarativa prévia e assegurando celeridade e eficácia na tutela do credor. B. A oposição à execução mediante embargos constitui mero incidente declarativo e não pode assumir a função de ação declarativa autónoma, nem comportar o reconhecimento de créditos litigiosos. C. Admitir a compensação com base em contra-crédito não sustentado por título executivo equivaleria a transformar os embargos em uma “ação declarativa encapotada”, subvertendo a natureza da execução e comprometendo os direitos do exequente. D. Tal interpretação abriria espaço a expedientes meramente dilatórios, permitindo ao executado neutralizar um título autêntico com alegações suportadas em documentos destituídos de força executiva, como um balancete interno ou uma carta de interpelação. E. Nos termos do art.º 847.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, apenas pode ser compensado o crédito judicialmente exigível, exigência que, em sede de embargos, se traduz na necessidade de título executivo próprio. F. Nos termos do art.º 847.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, apenas são compensáveis créditos judicialmente exigíveis, requisito que em sede de embargos se traduz na necessidade de título executivo próprio. G. Admitir o contrário representaria: – uma violação do princípio da igualdade de armas, dado que o exequente é obrigado a apresentar título executivo autêntico enquanto o executado poderia neutralizá-lo com documentos particulares sem força executiva; – uma grave subversão do regime do art.º 732.º, n.º 5, CPC, porquanto se formaria caso julgado sobre crédito nunca sujeito ao processo declarativo próprio; – um entrave à celeridade e economia processual que caracterizam a execução, abrindo caminho a expedientes dilatórios. H. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, por estar em plena conformidade com a lei processual (arts. 731.º, n.º 1, e 732.º, n.º 1, al. c), do CPC), com o regime substantivo da compensação (art.º 847.º CC) e com a jurisprudência dominante.” * Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir: * II. Objeto do recurso. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber se se justifica o indeferimento liminar da oposição à execução por embargos de executado por ser fundada em compensação sem que esteja demonstrada a força executiva do contra-crédito. III. FUNDAMENTAÇÃO. III.1. De facto. Os factos e as ocorrências processuais relevantes para o julgamento do recurso são os descritos no relatório supra, havendo ainda a considerar o seguinte2: – No requerimento executivo, a Exequente alegou o seguinte: 1. Por escritura de Compra e Venda de 18 de março de 2019, realizada no Cartório Notarial de BB, sito em Lisboa, a Exequente declarou vender à Executada, livres de ónus e encargos, quatro prédios rústicos, pelo preço global de € 200.000,00 (duzentos mil euros). - cfr. Doc. 1, correspondente a certidão de Escritura de Compra e Venda (com código de acesso n.º CN-8D7D5CC3-5220-42D4-ABBA-5BEAF168B7E3) que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 2. Nos termos acordados na referida escritura, as partes acordaram que o pagamento do preço seria feito em três prestações, a saber: • A primeira no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) foi paga no dia 30.11.2018. • A segunda no valor de € 130.000,00 (centro e trinta mil euros) foi paga no dia 18.03.2019, na data da outorga da escritura de compra e venda. • A terceira e última prestação, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros), deveria ser paga pela Executada no prazo de cinco anos a contar da data da escritura, ou seja, até 18 de março de 2024. 3. Acontece que até à presente data, a Executada não procedeu ao pagamento da terceira e última prestação. 4. A obrigação em causa tem prazo certo, pelo que não carece de interpelação, para efeitos de constituição do devedor em mora. 5. Não obstante, no dia 22-01-2025, a Executada foi interpelada por correio registado simples para liquidação do valor em dívida. - cfr. Doc. 2 correspondente a carta de interpelação e registo, que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 6. Sobre o valor do capital em dívida acrescem juros de mora à taxa anual legal de 4%, os quais deverão ser contados a partir da data de vencimento da obrigação (18.03.2024) até efectivo e integral pagamento, e que em 12.03.2025 perfazem a quantia de € 1.967,12 (mil novecentos e sessenta e sete euros e doze cêntimos). 7. A Executada é ainda devedora de uma indemnização no valor de € 40,00 (quarenta euros) pelos custos de cobrança de dívida, sem necessidade de interpelação. 8. E ainda da quantia de € 51,00 (cinquenta e um euros) correspondente à taxa de justiça paga pela Exequente. 9. Em face do exposto, requer-se a citação da Executada para pagamento da quantia global de € 52 058,12 (cinquenta e dois mil e cinquenta e oito euros e doze cêntimos), dos quais, • € 50.000,00 (cinquenta mil euros) correspondem ao valor de capital em dívida referente à falta de pagamento da terceira prestação; • € 1.967,12 (mil novecentos e sessenta e sete euros e doze cêntimos) correspondem a juros de mora, vencidos desde 18.03.2024; • € 40,00 (quarenta euros) correspondente a indemnização pelos custos de cobrança de dívida, sem necessidade de interpelação; • € 51,00 (cinquenta e um euros), correspondem à taxa de justiça paga pela Exequente.” * III.2 O DIREITO A oposição por embargos de executado corresponde a um meio de oposição à execução, sendo certo que, baseando-se a execução noutro título que não sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, podem fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração (cfr. art.º 731º do Cód. Proc. Civil). Relativamente aos fundamentos da oposição à execução, a lei distingue, em função da natureza do título executivo, aqueles que o executado pode invocar, sendo que, tratando-se de título extrajudicial, como é o caso, podem ser esgrimidos, para além dos fundamentos de oposição especificados no art.º 729.º do CPC, na parte em que sejam aplicáveis, quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração. Com efeito, na ação executiva o direito de defesa não se reduz à simples contestação, pois que se corporiza num pedido do executado de extinção da execução (cf. art.º 732º, n.º 4 do CPC) e, estando em causa títulos diversos de sentença, em geral o fundamento da extinção da execução configura o teor próprio da contestação. O efeito extintivo da execução enquanto fim pretendido pelo autor da oposição tem como fundamento da decisão o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo, ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da ação executiva. Assim, a extinção da execução pode ser por procedência de fundamento processual ou por procedência de fundamento substantivo, conforme decorre do estatuído nos art.ºs 729º a 731º do CPC. No que concerne à dedução da compensação, seja convocando a compensação extrajudicial, seja pretendendo fazê-la valer judicialmente, a sua admissibilidade restringe-se às situações previstas nas alíneas g) e h) do art.º 729º do CPC. Atento o disposto no art.º 847º, n.º 1 do Código Civil, identificam-se como pressupostos para o funcionamento da compensação: a) a reciprocidade de créditos; b) a validade e exigibilidade do contra crédito; c) a existência e validade do crédito principal. A exigibilidade e exequibilidade do crédito depende de o compensante poder prevalecer-se da acção de cumprimento e da execução do património do devedor (o que não sucede, por exemplo, nas obrigações naturais nem nas obrigações sob condição ou a termo, enquanto a condição se não verificar ou o prazo se não vencer). O art.º 848.º, n.º 1 do mesmo diploma legal acrescenta que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra. Assim, a compensação, enquanto facto extintivo (total ou parcial) da obrigação pode ser invocada como fundamento de oposição a execução, quer se fundamente em sentença, quer em qualquer outro título – cf. art.ºs 729º, h) e 731º do CPC. É sabido que a questão da admissibilidade da compensação na execução gerou dissonâncias na doutrina e na jurisprudência, designadamente à luz do Código de Processo Civil de 1961, em que parte desta última defendia que sendo um dos requisitos legais da compensação o da exigibilidade do crédito do autor da compensação, tal significava que, em sede de execução, se tornava necessário que o contracrédito já estivesse reconhecido judicialmente para poder ser oposto ao exequente. Atualmente, porém, entendemos que a questão se mostra estabilizada, como se entendeu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, proferido no âmbito do processo n.º 1624/20.5T8LLE-A.E1.S1, tirado no âmbito de revista excepcional: “Efetivamente no Código de Processo Civil de 1961 esta questão dividiu as opiniões e a jurisprudência [1]. Na linha do que foi decidido nestes embargos, registava-se uma forte corrente jurisprudencial [2], com alguns apoios na doutrina [3], que sustentava, em nome de uma suposta igualdade de tratamento do Exequente e do Executado e da celeridade processual executiva, que a compensação, como forma de extinção do crédito exequendo só podia ser realizada através de embargos de executado, se o contracrédito invocado estivesse documentado em título com força executiva. Contudo, o Código de Processo Civil de 2013 resolveu legislativamente esta questão (o que não significa que não se continuem a ouvir vozes que não relevam a alteração legislativa ocorrida, quer na doutrina [4], quer na jurisprudência [5]) ao introduzir expressamente entre as defesas que é possível deduzir a uma execução de sentença “contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos” (alínea h) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil), sem que tenha condicionado o contracrédito a compensar à sua documentação em título com força executiva, sendo essa defesa, sem quaisquer condicionantes, por identidade de razão, também possível quando a execução é baseada noutro título (artigo 731.º do Código de Processo Civil) [6]. A necessidade de uma referência expressa à possibilidade de invocar em embargos de executado este meio de defesa extintivo do crédito exequendo deveu-se, à nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação na ação declarativa, no artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Como explicam Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, é que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos, a caraterização adjetiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da ação executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo [7]. E esta nova norma, aditada já na parte terminal do processo legislativo que levou à aprovação de um novo Código, não só teve a virtude de esclarecer que a compensação não deixava de poder ser invocada nos embargos de executado como meio de defesa da pretensão executiva, como, ao fazê-lo, sem quaisquer restrições ou condicionantes, tomou posição na anterior problemática suscitada sobre a necessidade do contracrédito se encontrar suportado por título com força executiva. Na verdade, não só a exigibilidade judicial do contracrédito, referida no artigo 847.º, n.º 1, a), do Código Civil, não se confunde com o seu reconhecimento judicial, como a sua invocação como meio de defesa apenas tem como finalidade fazer vingar um facto extintivo do crédito exequendo e não executar esse contracrédito, pelo que não valem aqui argumentos de igualdade de armas das partes. E razões de celeridade não se podem sobrepor à admissão de direitos de defesa. Esta opção encontra-se agora bem expressa na lei, não tendo justificação, no domínio do direito constituído, prolongar a polémica que ocorria no âmbito do Código de Processo Civil de 1961. Sendo possível a invocação, como fundamento de embargos de executado à execução, da existência de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter-se a compensação de créditos, mesmo que esse contracrédito não tenha suporte em título com força executiva, o único motivo invocado pelo acórdão recorrido para julgar improcedente este fundamento dos embargos deduzidos pela Executada deixa de subsistir, tendo ficado prejudicada uma apreciação de mérito sobre a existência do contracrédito invocado e a sua compensabilidade.” Subscrevendo-se tal entendimento, importa concluir que a decisão recorrida não pode subsistir. O recurso merece, pois, provimento. IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos, salvo se a tanto, qualquer outra circunstância obstar Custas pela Apelada. * Évora, Ana Pessoa Ricardo Manuel Miranda Peixoto António Fernando Marques da Silva
________________________________ 1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎ 2. Após consulta dos autos principais no Citius.↩︎ |