Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MACHADO E MOURA | ||
Descritores: | LOCAÇÃO DENÚNCIA DO CONTRATO DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE | ||
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Data do Acordão: | 09/29/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - O facto da A., como locadora, adquirir os bens locados escolhidos pela locatária, ora insolvente, e esta se obrigar a pagar os alugueres previstos no contrato que amortizem integralmente o preço de aquisição, as despesas de execução do contrato e a margem de lucro estimada, podendo ser renovado por sucessivos períodos de seis meses, não constitui qualquer obstáculo à qualificação do contrato como típico contrato de locação ou aluguer de bens móveis, nos termos do estipulado no artigo 1022.º do Código Civil. - Sendo qualificados os contratos celebrados entre as partes como contratos de locação, nos termos do referido artigo 1022.º, o preceito legal a aplicar, no caso em apreço, é o previsto no artigo 108.º do CIRE, o que significa que, tendo o administrador de insolvência procedido à comunicação de denúncia dos contratos, será a massa insolvente a responsável, não apenas pelo pagamento dos alugueres vencidos como pela restituição dos bens locados. - Tendo optado o administrador de insolvência pela denúncia dos referidos contratos de locação celebrados com a insolvente – que integram a previsão do artigo 1022.º do Código Civil – as quantias vencidas, após a declaração de insolvência até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia, constituem, indubitavelmente, dívidas da massa insolvente, a pagar nos termos do artigo 172.º do CIRE, com preferência sobre as dívidas da insolvência. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | P. 300/21.6T8STR-D.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…), S.A. intentou a presente acção de processo comum, ao abrigo do artigo 89.º do CIRE, contra Massa Insolvente da (…), Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes quantias: a) € 413,64, correspondente aos alugueres de abril a setembro de 2021, referente ao contrato de locação n.º (…); b) €2.220,73, correspondente aos alugueres de abril a setembro de 2021, referente ao contrato de locação n.º (…); c) € 8,76, a título de juros de mora vencidos desde a data de vencimento das faturas e respetivos alugueres mensais até 28/07/2021, à taxa legal para operações comerciais acrescida de 8%, a que corresponde a taxa de 16%, relativamente ao contrato n.º (…); d) € 33,37, a título de juros de mora vencidos desde a data de vencimento das faturas e respetivos alugueres mensais até 28/07/2021, à taxa legal para operações comerciais acrescida de 8%, a que corresponde a taxa de 16%, relativamente ao contrato n.º (…); e) € 2.174,25, a título de indemnização pela mora na restituição, liquidada até 28/07/2021, relativamente ao contrato n.º (…); f) € 522,81, a título de indemnização pela mora na restituição, liquidada até 28/07/2021, relativamente ao contrato n.º (…); g) € 5.645,17, a título de indemnização pela mora na restituição, liquidada até 28/07/2021, relativamente ao contrato n.º (...); h) juros de mora vincendos, desde 29/07/2021 até integral pagamento, sobre as quantias dos pedidos a) e b) à taxa legal para operações comerciais acrescida de 8%, a que corresponde a taxa de 16%; i) do valor correspondente à indemnização pela mora na restituição, desde 29/07/2021 até efetiva restituição, aos montantes diários de € 17,39, € 1,57 e € 45,16, respetivamente para os contratos (…), (…) e (…); e ainda j) Ser condenada na restituição dos bens locados, à sua legítima proprietária, para a morada da sede da (…), S.A.; k) Ser condenada no pagamento da indemnização devida pela mora na restituição, caso os bens locados dos contratos (…) e (…) não sejam restituídos à (…), S.A. até 05/09/2021, no montante de € 112,10 e € 592,78 até efetiva restituição. l) Mais peticionou que caso se entenda seja aplicável o artigo 146.º, n.º 3, do CIRE, deverá oficiosamente ser lavrado termo de protesto no processo principal de insolvência, no qual será identificada a presente ação apensa, a Credora da Massa Insolvente e reproduzidos os pedidos de condenação no pagamento da Massa Insolvente. Alegou, para tanto e em síntese, que cedeu à insolvente a utilização de diversos equipamentos (que adquiriu para o efeito), mediante a entrega por esta de determinadas prestações mensais. Alguns destes acordos ainda se encontravam a decorrer quando a (…), Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente e, por isso, continuaram em vigor, tendo o administrador de insolvência procedido à sua denúncia. Relativamente aos demais contratos, os respectivos equipamentos não foram restituídos à Autora. Devidamente citada para o efeito veio a R. contestar, alegando que não procedeu à apreensão dos equipamentos por desconhecer o seu paradeiro, não tendo o administrador da insolvente informado onde se encontravam os bens, apesar de instado para o efeito. Concluiu pela improcedência da acção. Foi realizada a audiência prévia, no decurso da qual as partes foram notificadas de que o estado da causa habilitava a conhecer do mérito da acção, facultando-lhes a discussão de facto e de direito, o que A. e R. fizeram. De seguida, pela M.ma Juiz a quo foi proferido saneador-sentença, sendo a presente acção julgada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, foi a R. absolvida dos pedidos formulados pela Autora. Inconformada com tal decisão dela apelou a A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: I. A Recorrente instaurou por apenso ao processo de insolvência ação para cobrança da dívida da massa insolvente, ao abrigo do artigo 89.º do CIRE, e para efeitos do artigo 172.º do CIRE. II. Para tal, e em sentido oposto de toda prova produzida nos autos, foi proferida sentença, que afastou a aplicação do regime típico da locação, previsto no artigo 1022.º do Código Civil. III. A sentença recorrida fez, salvo melhor opinião em contrário, uma incorrecta qualificação jurídica dos contratos de locação, ao qualificá-los como contratos de locação financeira atípica ou contrato de crédito com características específicas em que o locador financia o uso da coisa locada. IV. O Código Civil não prevê quais os critérios que devem ser considerados na determinação do valor da renda ou aluguer, limitando-se na definição de locação, do artigo 1022.º, a considerar o aluguer como retribuição pela qual uma das partes se obriga a proporcionar o gozo da coisa. V. O facto de a Locadora adquirir os bens locados escolhidos pela Locatária e esta se obrigar a pagar os alugueres previstos no contrato que amortizem integralmente o preço de aquisição, as despesas de execução do contrato e a margem de lucro estimada, podendo ser renovados por sucessivos períodos de seis meses, não constitui qualquer obstáculo à qualificação do contrato como típico contrato de locação. A lei civil não determina qualquer critério para a determinação do valor do aluguer. VI. A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição. São três os elementos específicos, condições necessárias da existência do próprio pacto locativo, como tal: a) uma “obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa”; b) um prazo, e c) uma retribuição. VII. A posição do locador consiste, essencialmente, num direito de gozo sobre uma coisa alheia, acompanhada da obrigação de pagar uma renda. Gozar da coisa significa tirar dela a utilidade que, segundo a sua destinação económica, seja apta a produzir. VIII. Na locação, as rendas são prestações periódicas, correspondentes a períodos sucessivos dependentes da duração do contrato. IX. A aqui Recorrente juntou com a petição inicial os cinco contratos de locação celebrados com a (…), Unipessoal, Lda., cuja veracidade não foi posta em causa e nos termos do quais, deu de aluguer, pelo período convencionado, os equipamentos escolhidos pela Locatária, mediante o pagamento mensal/trimestral do montante convencionado nos contratos, acrescido do IVA à taxa legal e vigor. X. Do conteúdo do clausulado dos mencionados contratos, retira-se que, as partes celebraram contratos de aluguer ou locação, mediante os quais a ora Recorrente, Locadora, proporcionou à Insolvente, Locatária, durante um determinado período (inicialmente fixado nos contratos), o gozo temporário de vários equipamentos, mediante o pagamento de um determinado montante a título de aluguer. XI. A ora Recorrente é uma sociedade comercial não financeira, que tem como objecto social (em suma), compra, venda e aluguer de bens móveis, pelo que lhe está vedada a possibilidade de celebrar contratos de locação financeira ou mesmo “contratos de locação financeira atípica”. Por outro lado, os contratos de locação denominam-se por “Contratos de Locação Individual”. XII. Das Condições Gerais de Locação resulta que, não há lugar à transmissão do direito de propriedade dos bens locados, que continuam a pertencer, única e exclusivamente, à Locadora, estando o Locatário obrigado, findo o contrato de locação, a devolver os bens locados, sob pena de ser devida a indemnização pela mora na restituição dos bens locados, tal como previsto no contrato e na lei (cfr. cláusula 16.ª das Condições Gerais de Locação e n.º 2 do artigo 1045.º do CC). XIII. A figura da atipicidade é de afastar, considerando que as cláusulas contratuais se subsumem ao contrato de locação, previsto no artigo 1022.º do Código Civil. XIV. O Tribunal a quo entendeu que à situação sub judice tinha aplicação o disposto no artigo 102.º do CIRE e não o disposto no artigo 108.º do CIRE. XV. Ora, existindo uma norma específica aplicável ao caso concreto, com um regime distinto do regime supletivo do artigo 102.º do CIRE, aos contratos de locação terá que ser aplicável o artigo 108.º do CIRE. A regra da suspensão dos contratos até ser proferida deliberação pelo Administrador da Insolvência não se aplica a contratos de locação em que o insolvente seja o locatário, pois o que o artigo 108.º, n.º 1, do CIRE expressamente determina é que a declaração de insolvente não suspende o contrato, podendo o Administrador da Insolvência denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias. XVI. Decretada a insolvência da sociedade Locatária e optando o respetivo administrador da insolvência pela denúncia dos contratos de locação, os alugueres vencidos e não pagos, entre a data da declaração de insolvência e o momento em que a denúncia operou efeitos, devem ser reclamados como créditos sobre a massa insolvente e não como créditos sobre a insolvência. XVII. As hipóteses que contemplas as alíneas e) e f) do artigo 51.º do CIRE, aplicam-se, igualmente, à situação em que o Administrador procedeu à denúncia dos contratos de locação, considerando que a declaração de insolvência não suspendeu os efeitos jurídicos do contrato de locação, os quais perduram até à data em a denúncia operou. XVIII. A sentença ora recorrida ao absolver a Ré Massa Insolvente da (…), Unipessoal, Lda. violou o princípio da livre apreciação da prova, em claro erro de julgamento, uma vez que o decidido não corresponde à realidade factual, nem à correta aplicação do Direito. XIX. Assim, além do supra exposto, a sentença violou os artigos 51.º, n.º 1, alínea f), 108.º e 172.º do CIRE, os artigos 1022.º, 1038.º e 1045.º do CC, devendo ser alterada por acórdão que julgue a ação procedente e condene a Massa Insolvente nos pedidos. XX. Nestes termos e com o douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao recurso, e consequentemente revogada a sentença na sua totalidade, e substituída por acórdão que condene a Massa Insolvente Recorrida integralmente nos pedidos, fazendo a esperada Justiça. Pela R. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida. Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela A., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se os contratos celebrados entre a A. e a sociedade insolvente são típicos contratos de locação e, por via disso, será aqui aplicável o regime previsto no artigo 108.º do CIRE. Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida haverá que ter presente a factualidade que foi dada como provada no tribunal a quo, a qual, de imediato, passamos a transcrever: A) A autora tem como objecto social o “aluguer de equipamento de escritório, de máquinas e de equipamento informático, incluindo software e hardware, actividades relacionadas e revenda de equipamentos usados. Aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens para aluguer e aluguer dos mesmos, prestação de consultoria de serviços relativos a manutenção e reparação de equipamentos informáticos, software e outros bens, tanto novos como usados. Aquisição e venda de imóveis”, cfr. certidão de registo comercial junta como doc. 1 com a petição inicial. B) A insolvente, na qualidade de locatária, celebrou com a autora, na qualidade de locadora, os seguintes contratos de Locação, o primeiro do qual fazem parte integrante as Condições Gerais de Locação e os Termos e Condições Gerais Relativas ao Seguro de Propriedade da (…) e os restantes ao abrigo de um contrato quadro designado de Master Lease Agreement, juntos aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido: C) Em 30/11/2015, o contrato n.º (…), relativo a 1 fotocopiadora / impressora C/2Band/ Dadf Digital Xerox WC, identificada na Factura FT 1/583, datada de 30/11/2015, emitida à autora pela fornecedora (…) – Equipamentos de Escritório, Lda., no valor de € 5.514,08, mediante a entrega da contrapartida monetária trimestral de € 260,91, acrescida de IVA. D) O acordo referido na alínea antecedente tinha a duração de 20 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, com início na data da receção do bem, que ocorreu em 30/11/2015, mas com início da contagem do prazo no 1.º dia trimestre seguinte, em 01/01/2016, e termo em 31/12/2020, caso não se renovasse. E) Em 24/06/2015, o contrato n.º (…), relativo a equipamento constituído por 2 cadeiras Shell 4pés, cromada polipropileno preto, 8 armários alto c/1950x800x440 e 2 armários baixo c/ 1200x810x420, identificados na Factura n.º 126/2015, datada de 05/06/2015, emitida à autora pela fornecedora (…) – Mobiliário Equipamento (…), Lda., no valor de € 3.464,66, mediante a entrega da contrapartida monetária mensal de € 56,05, acrescida de IVA. F) O acordo referido na alínea antecedente tinha a duração de 60 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, com início na data da receção dos bens, que ocorreu em 24/06/2015, mas com início da contagem do prazo no 1.ª dia do mês seguinte, em 01/07/2015, tendo-se renovado em 01/07/2020 e 01/01/2021, pelo período de 6 meses. G) Em 19/04/2016, o contrato n.º (…), relativo a 3 armários alto c/1950x800x440, portas batente melamina, 1 secretária 800x650x740 e 2 cadeiras Shell 4 pés, cromada polipropleno preto, com o valor comercial global de € 1.455,34, identificados na Fatura FT 1/79, datada de 18/04/2016, mediante a entrega da contrapartida monetária mensal de € 23,55, acrescida de IVA. H) Tal acordo tinha a duração de 60 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, com início na data da receção dos bens, que ocorreu em 19/04/2016, mas com início da contagem do prazo no 1.º dia mês seguinte, em 01/05/2016, e termo em 30/04/2021, caso não se renovasse. I) Em 29/08/2016, o contrato n.º (…), relativo a equipamentos informáticos de hardware e software, entre os quais: servidos Fujitsu; UPS APS 550 VA; 3 conjuntos de teclado e rato; 3 monitores LED 22; conjunto de acessórios; Régua de tomadas 19; switch rede 16x10; 1 patch panel de rede 24xRJ24; 1 suporte e montagem mural; 1 router de acesso internet, 1 prateleira de pavimento; 1 bastidor de pavimento; 1 leitor de código de barras, com diversos acessórios, identificados na Fatura n.º FA 2016/293, datada de 01/09/2016, emitida à autora pela fornecedora (…) – Soluções Tecnológicas de (…) e (…), Unipessoal Lda., no valor de € 11.647,30, mediante a entrega da contrapartida monetária mensal de € 296,39, acrescida de IVA. J) Tal acordo tinha a duração de 36 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, com início na data da receção dos bens, que ocorreu em 29/08/2016, mas com início da contagem do prazo no 1.ª dia do mês seguinte, em 01/09/2016, tendo-se renovado em 01/09/2019, 01/03/2020, 01/09/2020 e 01/03/2021 pelo período de 6 meses. K) Em 20/04/2018, o contrato n.º (…), relativo a 8 computadores portáteis, de marca Asus Pro, 1 monitor LED de 55’’, 1 suporte de monitor; 1 computador Slim Box Systems e 1 UPS, com o valor comercial global de € 18.272,62, identificados na Fatura FA 2018A/357, datada de 13/04/2018, emitida à autora pela fornecedora (…), Lda., mediante a entrega da contrapartida monetária mensal de € 677,42, acrescida de IVA. L) Tal acordo tinha a duração de 24 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, com início na data da receção dos bens, que ocorreu em 20/04/2018, mas com início da contagem do prazo no 1.º dia do mês seguinte, em 01/05/2018, e termo em 30/04/2020, caso não se renovasse. M) Após a entrega dos bens à insolvente e das respetivas assinaturas dos documentos de “Confirmação de Aceitação”, a autora procedeu ao pagamento dos respectivos bens. N) Os bens entregues à insolvente foram adquiridos e pagos pela autora com a finalidade exclusiva de serem alugados à insolvente. O) A insolvente obrigou-se a amortizar integralmente o custo de aquisição dos bens que escolheu, bem como a suportar as despesas de execução dos acordos, através do pagamento mínimo dos alugueres fixados em cada acordo e a restituir os bens findos tais acordos. P) A (…), Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 24/03/2021, já transitada em julgado. Q) À data da declaração de insolvência as instalações da insolvente já não se encontravam a laborar, encontrando-se encerradas desde junho de 2020. R) Em 16/04/2021, a autora apresentou junto do Sr. Administrador da Insolvência reclamação de créditos nos seguintes montantes: • € 39.133,37, como crédito comum vencido; • € 104,11, como crédito comum sujeito à condição suspensiva de denúncia do contrato de locação e restituição dos bens locados e à condição resolutiva, do pagamento como dívida da massa, quanto ao contrato de locação n.º (…); • € 1.822,80, como crédito comum sujeito à condição suspensiva de denúncia do contrato de locação e restituição dos bens locados e à condição resolutiva, do pagamento como dívida da massa, quanto ao contrato de locação n.º (…); • Caso os equipamentos locados dos contratos n.ºs (…), (…) e (…) não sejam restituídos, será devida, como dívida da massa insolvente, a indemnização pela mora na restituição, prevista no n.º 2, do artigo 1045.º, do CC por cada dia decorrido desde 25/03/2021 por cada dia decorrido até efetiva restituição aos montantes diário de: € 17,39, € 1,57 e € 47,16 a liquidar no ato da efetiva restituição. S) Na Relação de Créditos Reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, o Sr. Administrador da Insolvência reconheceu à autora o crédito no montante de € 41.162,99, como crédito comum. T) Por email de 17/06/2021, a autora solicitou ao Sr. Administrador da Insolvência o pagamento da dívida da massa correspondente aos alugueres vencidos após a declaração de insolvência, quanto ao contratos de locação n.ºs (…) e (…) e quanto aos contratos n.ºs (…), (…) e (…) a devolução dos equipamentos, sob pena de ser devida a indemnização pela mora na restituição. U) O Sr. Administrador da Insolvência não respondeu ao referido email. V) Por carta registada datada de 05/07/2021, o Sr. Administrador da Insolvência comunicou à autora a intenção de não cumprir os contratos de locação informando que, por esse motivo, não apreendeu para a Massa Insolvente nenhum dos equipamentos locados e que o gerente da insolvente já havia encetado contactos com vista à entrega dos bens locados ou eventual negociação. W) Até à presente data nenhum dos bens foi restituído à autora, sendo desconhecido o seu paradeiro pelo Sr. AI. X) Em 09/07/2021, a autora, através de comunicação enviada pelo citius, solicitou ao Sr. Administrador da Insolvência o pagamento da dívida vencida da massa insolvente no montante de € 9.731,31, nos termos que constam do doc. n.º 17 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. Y) A referida comunicação foi, ainda, enviada por e-mail ao Sr. Administrador da Insolvência, na mesma data na qual se informou que o gerente da insolvente não havia encetado qualquer contacto com a Autora com vista à entrega bens locados ou eventual negociações, cfr. doc. n.º 18 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. Z) O Sr. Administrador da Insolvência não respondeu à referida comunicação. AA) A Autora não recebeu qualquer contacto por parte do gerente da insolvente ou do Sr. Administrador da Insolvência com vista à entrega dos bens locados. BB) Nessa sequência, em 26/07/2021, a autora solicitou ao Sr. Administrador da Insolvência a entrega dos bens locados ou os contactos do ex-gerente da sociedade locatária. CC) Contudo, até à presente data, a Autora não foi contactada. Apreciando, de imediato, a questão que foi suscitada pela A., ora apelante – saber se os contratos celebrados entre ela e a sociedade insolvente são típicos contratos de locação e, por via disso, será aqui aplicável o regime previsto no artigo 108.º do CIRE – importa dizer a tal respeito que os contratos aqui em discussão (cfr. alíneas C), E), G), I) e K) dos factos provados) são contratos típicos de locação de bens móveis ou aluguer, estando o respectivo regime jurídico previsto nos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil. Na verdade, a locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcional à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição. Da definição legal, indefere-se que, a locação é um acto jurídico de natureza negocial, bilateral, com três elementos específicos, condições necessárias da existência do próprio pacto locativo como tal: a) uma obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa; b) um prazo; e c) uma retribuição. Ora, tal regime jurídico não prevê quais os critérios que devem ser considerados na determinação do valor da renda ou aluguer, limitando-se na definição de locação, do citado artigo 1022.º, a considerar o aluguer como a retribuição pela qual uma das partes se obriga a proporcionar o gozo da coisa. Por isso, as partes poderão livremente estipular que o pagamento do aluguer “corresponde à amortização total dos custos de aquisição do bem locado e com a execução do contrato, bem como do lucro estimado”, sem que isso determine a sua qualificação como atípico. Com efeito, o facto da A., como locadora, adquirir os bens locados escolhidos pela locatária, ora insolvente, e esta se obrigar a pagar os alugueres previstos no contrato que amortizem integralmente o preço de aquisição, as despesas de execução do contrato e a margem de lucro estimada, podendo ser renovado por sucessivos períodos de seis meses, não constitui qualquer obstáculo à qualificação do contrato como típico contrato de locação ou aluguer de bens móveis. Por outro lado, no caso em apreço, em parte alguma das condições gerais de locação é prevista a possibilidade de aquisição dos equipamentos locados pela locatária, findo o período de locação ou menos ainda uma qualquer promessa de compra ou opção de venda, prevendo-se, isso sim, o dever e a obrigação de devolver os bens locados. Além disso, resulta, igualmente, da cláusula 16ª das condições gerais de locação constante dos referidos contratos que não há lugar à transmissão do direito de propriedade dos bens locados, que continuam a pertencer única e exclusivamente à A., como locadora, estando a locatária obrigada, cessando os contratos de locação, a devolver os bens locados, sob pena de ser devida, tal como consta dos aludidos contratos, o valor correspondente à indemnização pela mora na restituição – cfr. artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil. Deste modo, forçoso é concluir que, face ao conteúdo dos ditos contratos, não existindo o direito de adquirir a propriedade dos equipamentos e não sendo a A., como locadora, uma instituição financeira, afastada está a sua qualificação, seja como aluguer de longa duração, seja como locação financeira, pelo que verificam, indubitavelmente, os requisitos do contrato de locação ordinária, tal como se encontra previsto no já citado artigo 1022.º do Código Civil. Aqui chegados, e sendo qualificados os contratos celebrados entre as partes como contratos de locação, nos termos do referido artigo 1022.º, o preceito legal a aplicar, no caso em apreço, é o previsto no artigo 108.º do CIRE, o que significa que, tendo o administrador de insolvência procedido à comunicação de denúncia dos contratos, será a massa insolvente a responsável, não apenas pelo pagamento dos alugueres vencidos como pela restituição dos bens locados. A este respeito, o n.º 1 do citado artigo 108.º expressamente estatui que a declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, mas o administrador da insolvência pode sempre denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior. Por sua vez, o n.º 4 deste artigo 108.º impede a locadora de resolver o contrato de locação após a declaração de insolvência do locatário, com fundamento na falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência, precisamente para reforçar a intenção do legislador de manter o contrato de locação em vigor até ser denunciado pelo administrador de insolvência, com o pré-aviso legal de 60 dias. Com efeito, se o legislador pretendesse manter em vigor um contrato, mas suspender o cumprimento da obrigação de pagamento dos alugueres, teria expressamente referido tal suspensão na lei, e particularmente no citado artigo 108.º do CIRE, o que, de todo, não veio a fazer. Assim sendo, por não ser intenção do legislador a suspensão da obrigação do pagamento dos alugueres por parte da locatária, ora insolvente, o contrato de locação deverá ser cumprido pelo administrador de insolvência até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia e a restituição dos bens locados. Na verdade, a regra da suspensão dos contratos até ser proferida deliberação pelo administrador de insolvência não se aplica a contratos de locação em que o insolvente seja o locatário, uma vez que aquilo que o n.º 1 do artigo 108.º do CIRE estipula é que a declaração de insolvência não suspende tais contratos, sendo que o administrador de insolvência tem a faculdade de denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior. Assim, tendo sido decretada, in casu, a insolvência da sociedade, optando o respectivo administrador de insolvência pela denúncia dos contratos de locação, não tendo intenção de os cumprir (cfr. alínea V) dos factos provados), sempre os alugueres vencidos e não pagos, entre a data de declaração de insolvência e o momento em que a denúncia operou efeitos, deverão ser reclamados como créditos sobre a massa insolvente e não como créditos sobre a insolvência. Ora, como vimos, tendo o administrador de insolvência optado pela denúncia dos contratos, a obrigação de proceder ao pagamento dos alugueres vencidos até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia mantém-se, considerando que o que está em causa é o período de tempo já decorrido após a declaração de insolvência – cfr. artigo 172.º do CIRE. Isto porque, a lei não veda a possibilidade de incluir o período de tempo que intercedeu entre a declaração de insolvência e a produção dos efeitos jurídicos da denúncia, sendo certo que os contratos de locação em análise não suspenderam os seus efeitos com a declaração de insolvência, mas sim até ser proferida deliberação por parte do administrador de insolvência a denunciar os mesmos. Deste modo, resulta claro que, tendo optado o administrador de insolvência pela denúncia dos referidos contratos de locação celebrados com a insolvente – que integram a previsão do artigo 1022.º do Código Civil – as quantias vencidas, após a declaração de insolvência até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia, indubitavelmente constituem dívidas da massa insolvente. Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o Ac. da R.P de 28/3/2012, disponível in www.dgsi.pt, no qual foi afirmado o seguinte: - (…) todas as rendas vencidas após a sentença que declarou o estado de insolvência de C…, Lda., devidas pelo contrato de locação em referência, são dívidas da massa insolvente, a pagar nos termos do artigo 172.º do CIRE, com preferência sobre as dívidas da insolvência. Ora, atenta a matéria fáctica apurada e os documentos juntos aos autos, constata-se que a insolvente não procedeu à restituição dos equipamentos por si recebidos no âmbito dos contratos de locação celebrados com a A., sendo que aquela, como locatária, ficou vinculada a: 1) pagar à A. os alugueres e demais encargos contratuais (prémios de seguro e outros) vencidos e não pagos antes de ser operada a denúncia do contrato de locação; 2) devolver imediatamente à A. os bens locados, em bom estado de conservação e de funcionamento, ressalvado o seu desgaste pelo decurso do tempo e uma normal e prudente utilização do mesmo e a suportar os custos de tal restituição; 3) pagar à A. o custo das despesas administrativas causadas pelo incumprimento (cartas, avisos, custos de retorno de entrada do débito directo); 4) pagar à A. a indemnização devida a título de cláusula penal, nos termos previstos no n.º 1 da cláusula 16.ª do contrato de locação; 5) pagar à A. a quantia fixada no n.º 4 da cláusula 16.ª do contrato de locação (repete-se: 1/30 do dobro do valor do aluguer mensal por cada dia adicional de retenção até efetiva restituição). As obrigações decorrentes do contrato de locação, nomeadamente, o dever de pagamento das rendas, restituição dos bens locados e a obrigação de pagamento da indemnização pela mora na restituição, que impendiam sobre a locatária/insolvente (cfr. artigo 1038.º do Código Civil), foram transferidas para a massa insolvente, por força do estatuído no artigo 108.º do CIRE. Assim sendo, forçoso é concluir que a sentença recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, condena-se: 1) a R. a pagar à A. as quantias constantes das alíneas a) a i) e k) da petição inicial, no valor global de € 10.985,36, as quais constituem dívidas da massa insolvente, montante este ao qual acrescem: a) os juros de mora vincendos, desde 29/07/2021 até integral pagamento, à taxa legal para operações comerciais acrescida de 8%, a que corresponde a taxa de 16%; b) a indemnização pela mora na restituição, desde 29/07/2021 até efetiva restituição, aos montantes diário de € 17,39, € 1,57 e € 45,16, respetivamente para os contratos (…), (…) e (…). 2) a R. a restituir os bens locados à A., como legítima proprietária dos mesmos. *** Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: (…) Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados. Custas pela R., em ambas as instâncias (sem prejuízo do apoio judiciário de que é beneficiária). Évora, 29 de Setembro de 2022 Rui Machado e Moura Eduarda Branquinho Anabela Luna de Carvalho __________________________________________________ [1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, págs. 286 e 299). |