Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4496/16.0T8ENT-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CRÉDITO BANCÁRIO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- Prescrevem no prazo de cinco anos as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, acrescidas dos juros vencidos e vincendos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do CC.
II.- Se o não pagamento de uma prestação confere ao credor a faculdade de exigir a totalidade do crédito e dos juros vencidos e vincendos (artigo 781.º do CC), isso não faz apagar a natureza materialmente fragmentada da obrigação, até porque a prescrição incide sobre cada uma das prestações não pagas, e, para além disso, a fragmentação sempre existirá material e formalmente porque na obrigação se incluem agora duas parcelas – o capital e os juros.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 4496/16.0T8ENT-A.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…), Europe, Limited


Recorridos: (…) e (…)

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No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 3, (…) e (…) opuseram-se à execução proposta por (…), Europe, Limited, tendo, a final, sido proferido a seguinte decisão:
Pelo exposto: Decide-se julgar procedente a exceção perentória de prescrição invocada e, em consequência, determinar a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do CPC).

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Não se conformando com o decidido, a embargada recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, do CPC:

i. Foi celebrado o contrato de mútuo n.º (…) entre ambas as partes, tendo o mesmo sido incumprido pela falta de pagamento de uma das parcelas implicando assim nos termos do contrato e do disposto no artigo 781.º do Código Civil o vencimento da totalidade do capital mutuado e respetivos juros.

ii. Extrajudicialmente resolvido que se encontrava o contrato de mútuo com base no incumprimento definitivo, a ora Recorrente reclamou o pagamento do montante total, tendo deixado de existir entre as partes um plano de pagamento do montante mutuado em prestações mensais e sucessivas, motivo pelo qual, considera a ora Recorrente que não se aplica o disposto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil com o regime prescricional de 5 anos, porquanto o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global), aplicando-se assim o regime geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo n.º 309.º do Código Civil.

iii. Às situações de incumprimento de uma das prestações de uma obrigação global de valor predeterminado é aplicável o regime de prescrição de vinte anos.

iv. A Doutrina é unânime em considerar que situações como a presente se figuram como uma única obrigação, de valor predeterminado e não uma prestação periodicamente renovável, encontrando-se apenas repartida ou fracionada em várias prestações parcelares. O campo típico da aplicação do artigo n.º 310.º do Código Civil diz essencialmente respeito aos frutos civis ou os rendimentos de uma coisa, ou ainda os créditos emergentes de contratos de prestação de serviços. Tanto que “as prestações periódicas resolvem-se em atos sucessivos, com intervalos regulares ou irregulares, como a obrigação do inquilino de pagar as rendas ou a do fornecedor de fazer entregas à medida que forem solicitadas ".

v. Também a jurisprudência se tem vindo a pronunciar neste sentido, entendendo que aquando do vencimento e incumprimento de uma das prestações “ não estamos perante prestações periodicamente renováveis, mas antes perante um valor unitário global”, não podendo ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º do Código Civil ao invés do prazo geral de 20 anos do artigo 309.º do mesmo Código.

vi. A exceção perentória de prescrição invocada deverá ser julgada improcedente por não provada.

vii. A decisão recorrida prejudica voluntariamente o direito da ora recorrente.

viii. Por todo o exposto deve ser dado provimento ao recurso interposto.


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Foram dispensados os vistos.

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A questão que importa decidir é a de saber qual o prazo prescricional aplicável às prestações em dívida, englobadas na liquidação de um contrato de mútuo hipotecário por incumprimento, e se o crédito peticionado pela exequente está prescrito.
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
Factos provados
Com interesse para a boa decisão da causa, estão provados os seguintes factos, com base na prova documental não impugnada:
1. Nos autos principais, serve de título executivo a injunção, datada de 07 de setembro de 2016, ao qual foi aposta fórmula executória a 27 de outubro de 2016, junta com o requerimento executivo.
2. No requerimento de injunção foi indicada como morada dos executados / embargantes «Rua (…), 307, 2070-139 Alpiarça», aí se mencionando que existia domicílio convencionado.
3. Foi enviada e depositada uma notificação por carta simples com prova de depósito na morada indicada no ponto anterior.
4. Subjacente à injunção está o contrato de mútuo n.º (…), correspondendo-lhe atualmente o n.º (…), datado de 10 de novembro de 2006, tendo sido concedido aos embargantes um crédito no valor de € 12.500,00, do qual os embargantes se confessaram desde logo devedores.
5. O valor a restituir pelos embargantes era por prestações mensais, que incluíam o capital e juros.
6. Os embargantes deixaram de pagar as prestações a partir de 10 de outubro de 2007.
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Conhecendo.
A prescrição é uma das formas por que se pode extinguir uma obrigação.
Se na caducidade é o próprio direito que contém em si algo que o extingue, na prescrição é o decurso do tempo e a inércia do credor que produzem o mesmo efeito.
É uma forma de punir o credor pela falta de diligência na procura do ressarcimento do seu crédito.
Mas ao devedor não basta esperar pela inércia do credor, sobre si impende o ónus de alegar a prescrição a seu favor, como impõe o artigo 303.º do CC, não podendo ser suprida oficiosamente pelo tribunal.
Constituindo uma exceção perentória – porque extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor e implica a absolvição do pedido (artigo 577.º CPC) – deve ser deduzida na contestação (onde deve concentrar-se toda a defesa) ou, em caso de oposição à execução, como no caso dos autos, deve ser arguida na petição de embargos (artigo 3.º/4, do CPC).
No caso presente os embargantes alegaram a prescrição na petição de embargos, pelo que tal matéria foi apreciada pelo tribunal a quo, vindo a decidir pela prescrição do crédito porque decorridos mais de 5 anos sobre a sua constituição (artigo 310.º, alínea e), do CC), decisão que mereceu agora oposição do exequente por entender que a prescrição é a do prazo geral de 20 anos (artigo 309.º do CC).
Quid juris?
O prazo ordinário da prescrição presuntiva de 20 anos, para os tempos modernos, é um prazo demasiado extenso, porque a vida se acelerou nas últimas décadas e este prazo figura na ordem jurídica desde o Código de Seabra de 1867 (artigo 535.º).
Como exemplo vivo desta celeridade, veja-se o apelo à realização de mútuos para consumo através de simples telefonema, como é amplamente difundido pelos meios de comunicação social, quase em publicidade agressiva.
A sociedade permite que os mútuos para consumo se realizem num instante, mas a prescrição das eventuais dívidas daí resultantes teria que suportar a longa espera de 20 anos.
Ora, o prazo ordinário só se aplica na ausência de prazo especial, como é o caso das situações previstas nos artigos 310.º, 316.º e 317.º do CC.
A lógica da previsão mais curta é a prevalência do interesse do devedor em não acumular múltiplos encargos, perante a inércia do credor, o que seria inviabilizado pelo prazo ordinário.
No caso dos autos estamos em presença de uma obrigação de valor predeterminado, cujo cumprimento, por acordo das partes, foi parcelado num número pré-fixado de prestações mensais.
O pagamento do capital mutuado foi fracionado, pelo que também foi fracionada a obrigação em várias prestações periódicas e sucessivas, que derivam do mesmo vínculo fundamental.
O que significa tratar-se de uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como acontece quando uma prestação é periodicamente renovável.
Ora, da natureza fracionada da obrigação devemos retirar consequências jurídicas, ou seja, se o não pagamento de uma prestação confere ao credor a faculdade de exigir a totalidade do crédito e dos juros vencidos e vincendos (artigo 781.º do CC), isso não faz apagar a natureza fragmentada da obrigação, até porque a fragmentação sempre existirá porque na obrigação se incluem agora duas parcelas – o capital e os juros.
Por isso, o incumprimento desta obrigação para efeitos de prescrição foi equiparado pela ordem jurídica ao regime previsto no artigo 310.º, e), do CC, que manda aplicar o prazo curto de 5 anos aos casos em que as quotas de amortização são pagáveis com os juros.
Como se escreveu no Ac. STJ de 29-09-2016, o legislador entendeu que, “neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º”.
É o caso dos autos.
O contrato de mútuo foi celebrado em 10-11-2006, tendo os embargantes deixado de pagar as prestações mensais a partir de 10-10-2007, mas a injunção que serve de título executivo foi registada em 07-09-2016, ou seja, mais de 5 anos após os embargantes terem deixado de pagar.
Logo, a dívida está prescrita por aplicação do prazo especial de prescrição a que alude o artigo 310.º, alínea e), do CC.
Por outro lado, e aprofundando agora esta questão, sendo certo nada ter sido convencionado em contrário, o não cumprimento de uma prestação importou o vencimento da totalidade da dívida, como estipula a norma supletiva do artigo 781.º do CC.
Como se escreveu no Ac. TRE de 21.01.2016, Conceição Ferreira, Procº 1583/14.3TBSTB-A.E1, com o que concordamos e, por isso, transcrevemos: “O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil (cfr. Ac. do STJ de 04/05/1993 in CJ tomo 2, 82
O mesmo entendimento é afirmado no Ac. do STJ de 27/03/2014, Procº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, “o débito concretizado numa quota de amortização mensal, em prestações mensais e sucessivas referente a um montante de capital mutuado enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil, conforme se retira das considerações explicitadas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, onde expressamente se refere “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração.
O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (…) constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra” (sublinhados nossos).
Em sentido algo divergente, mas sem grade firmeza porque termina o raciocínio com reticências, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, 3ª. Ed., 2017, Tomo V, pág.- 214.

No sentido do decidido, o acima citado Acórdão do STJ de 29-09-2016, Lopes do Rego, Processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1:
I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
II. Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
O também citado Acórdão do TRE de 21.01.2016, Conceição Ferreira, Processo n.º 1583/14.3TBSTB-A.E1:
“Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, nos termos do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil)”.
E Acórdão do TRL de 15-02-2018, Ana Paula Albarran Carvalho, Processo n.º 828/16.0T8SXL.L1-6
I– Apesar da obrigação incumprida incidir sobre quotas vencidas e vincendas – de amortização do capital pagáveis com juros – nos termos do artigo 781º do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição de cinco anos a que se alude nas alíneas e) e/ou g) do artigo 310º do C.C., pois a prescrição respeita a cada uma das prestações e não ao todo em dívida.
Bem como todos os acórdãos citados nestes arestos e com eles concordantes.
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Concluindo, a apelação é improcedente e a douta sentença deve ser confirmada.
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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pela recorrente – Artigo 527.º CPC
Notifique.

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Évora, 17-12-2020

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa