Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
Descritores: | NOTIFICAÇÃO ÀS PARTES CONTAGEM DO RESPECTIVO PRAZO | ||
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Data do Acordão: | 11/24/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Uma interpretação extensiva do artigo 248.º/1, do CPC – que regula a notificação efetuada pela secretaria, em processos pendentes, às partes que constituíram mandatário – permite aplicar o prazo de três dias previsto na sua parte final aos casos em que a notificação às partes (que constituíram mandatário), em processo pendente, é realizada por email (e não através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais previsto na Portaria n.º 230/2019, de 26 de julho) e, consequentemente, considerar a notificação efetuada no terceiro dia posterior ao do envio do email (ou recaindo aquele em dia não útil, no primeiro dia útil seguinte àquele). (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 2903/21.0T8STR-D.E1 (2.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL, credora no processo de insolvência em que são insolventes (…) e (…), interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Comércio de Santarém, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou extemporâneo o requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência apresentado pelo primeiro. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Na sentença que declarou a insolvência, não foi declarado aberto o incidente de qualificação. Nos termos do n.º 1 do artigo 188.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação. O requerimento deve ser apresentado no prazo perentório de 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o art. 155.º, do CIRE. No caso vertente, na sentença foi dispensada a realização de assembleia de apreciação do relatório e nenhum interessado veio requerer, no prazo legal, a convocação de assembleia de credores. Dado o carácter facultativo do incidente de qualificação da insolvência (é aberto quando o juiz assim o decida, nomeadamente em sede de sentença de declaração de insolvência, ou quando, no prazo previsto para o efeito, interessados ou o Administrador da Insolvência vêm apresentar alegações no sentido da qualificação da insolvência como culposa), o decurso do prazo previsto no citado artigo 188.º, n.º 1, extingue o direito de praticar o ato, ou seja, de apresentar alegações e despoletar a apreciação do juiz – artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. No caso em apreço o relatório do Sr. AI, nos termos do artigo 155.º do CIRE, foi junto ao processo principal em 29-06-2022 [8830018], motivo pelo qual o requerimento apresentado em 18-07-2022 [8883774] pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL é manifestamente extemporâneo e, consequentemente, não dará lugar à apreciação dos respetivos factos alegados para o efeito de decisão de abertura do respetivo incidente». I.2. O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «1. O prazo de 15 dias após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º do CIRE, previsto no n.º 1 do artigo 188.º do CIRE, deve contar-se, por força do disposto no artigo 248.º, n.º 1, do CPC, a partir do terceiro dia posterior ao dessa junção, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando aquele o não seja; 2. Assim, o Requerimento apresentado pela ora Recorrente foi apresentado um dia antes do termo do referido prazo de 15 dias, pelo que é tempestivo; 3. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, o dia de apresentação do Requerimento em causa no presente recurso teria acontecido no 1º dia útil seguinte ao termo do prazo; 4. Neste caso, o não pagamento imediato da multa deveria ter levado à notificação da Recorrente nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil; 5. O não pagamento imediato da multa e a não notificação da ora Recorrente para proceder ao seu pagamento, nos termos da citada disposição legal, não permite que o ato seja tido como praticado fora do prazo e, consequentemente, não pode ser considerado fundamento para a não admissão do Requerimento em causa neste recurso. Termos em que, e nos do douto suprimento de VV. Ex.ªs, deve ao presente recurso ser dado provimento, admitindo-se o Requerimento apresentado em 18/07/2022 pela ora Recorrente com a consequente apreciação dos factos nele alegados. I.3. Não houve resposta às alegações de recurso. O recurso foi recebido pelo tribunal a quo. Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). II.2. No caso a única questão que cumpre decidir é a de saber se o requerimento para a abertura do incidente de qualificação da insolvência apresentado pela apelante é extemporâneo. II.3. FACTOS Para além dos factos referidos na decisão recorrida, extrai-se ainda dos autos que: 1 – Através de email datado de 29 de junho de 2022, (…), Administrador da Insolvência, notificou o Exmo. Mandatário da ora apelante do teor do relatório previsto no artigo 155.º do CIRE, bem como da lista de credores e do auto de apreensão de bens e para que o mesmo se pronunciasse, no prazo de 10 dias, sobre a proposta de liquidação do ativo. II.4. Apreciação do mérito do recurso A única questão suscitada no presente recurso prende-se com o eventual desacerto da decisão do tribunal a quo que indeferiu, por extemporaneidade, o requerimento da apelante para abertura do incidente de qualificação da insolvência de (…) e (…). Defende o apelante que o prazo de 15 dias previsto no artigo 188.º/1, do CIRE deve contar-se a partir do terceiro dia posterior ao da junção do relatório previsto no artigo 155.º do CIRE, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando aquele não o seja, aplicando-se, portanto, o disposto no artigo 248.º/1, do Código de Processo Civil, concluindo desta forma que o requerimento por si apresentado o foi dentro do prazo legal de 15 dias, o que significa que é tempestivo. Vejamos se lhe assiste razão. O artigo 188.º/1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, doravante designado por CIRE, inserido no Título VIII epigrafado de Incidentes de qualificação da insolvência, dispõe o seguinte: «Até 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes» (negritos nossos). Nos termos do preceito legal supra transcrito o prazo para requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência é de 15 dias, prazo que se conta da data de realização da assembleia de apreciação do relatório a que alude o artigo 156.º do CIRE, quando aquela tenha lugar, ou a partir da junção aos autos do relatório previsto no artigo 155.º do CIRE, quando tiver havido dispensa da realização da referida assembleia ou quando nenhum interessado haja requerido a realização daquela assembleia. Uma vez que estamos no âmbito de um processo urgente – cfr. artigo 9.º/1, do CIRE – aquele prazo de 15 dias corre de forma contínua a partir do respetivo termo inicial (cfr. artigo 138.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º/1, do CIRE). O prazo de 15 dias em apreço é um prazo perentório, ou seja, é um prazo que fixa o momento até ao qual o ato pode ser praticado e cujo decurso tem o efeito de extinguir o direito de praticar o ato (artigo 139.º/3, do CPC). Como refere Anselmo de Castro[1], «o decurso do prazo perentório faz extinguir o direito a praticar o ato respetivo, salvo o caso de justo impedimento (…). Os prazos perentórios, igualmente conhecidos por finais, extintivos ou resolutivos, estabelecem o momento até ao qual o ato pode ser praticado. O prazo aqui representa o período de tempo dentro do qual pode ser levado efeito (terminus intra quem). A fixação (legal ou judicial) dos prazos perentórios funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os poderes-ónus de que são titulares segundo um determinado ritmo. De facto, tais prazos, na medida em que o seu transcurso implica a impossibilidade de praticar o ato, exercem sobre o sujeito, titular do poder-ónus, uma vez que este, para evitar a caducidade de tal poder, terá de adotar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o ato dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados». Note-se que o decurso do prazo perentório não fará extinguir o direito a praticar o ato respetivo no caso de justo impedimento – cfr. artigo 139.º/4, do CPC –, entendendo-se por «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários e que obste à prática atempada do ato (artigo 140.º/1, do CPC). Dispõe, ainda, o n.º 5 do artigo 139.º do CPC que independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a validade dependente do pagamento imediato de uma multa, a qual é fixada nos termos das alíneas a), b) e c) daquele normativo. A propósito, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[2] referem o seguinte: «(…) Constituindo manifestação do princípio da preclusão, a gravidade da consequência derivada do seu decurso sem que o ato seja praticado tem progressivamente levado o legislador a ser menos rígido quanto às condições em que ela se verifica, fixando um prazo suplementar para sua prática com multa (n.ºs 5 e 6), permitindo que o juiz reduza ou dispense essa multa (n.º 8), admitindo a prorrogação por acordo das partes ou, excecionalmente, a requerimento de uma delas (artigos 141.º-2, 569.º-5 e 586.º) e maleabilizando o conceito de justo impedimento (artigo 140.º)». Volvendo ao caso em apreço, resulta dos autos que: - Na sentença que declarou a insolvência foi dispensada a realização de assembleia de apreciação do relatório e nenhum interessado veio requerer, no prazo legal, a convocação de assembleia de credores; - Mediante email datado de 29 de junho de 2022, o exmo. Administrador da Insolvência notificou o exmo. Mandatário da apelante do teor do relatório previsto no artigo 155.º do CIRE, o qual foi junto aos autos no mesmo dia; e - A ora apelante apresentou requerimento para abertura do incidente de qualificação da insolvência em 18.07.2022. Como dissemos, a questão que se levanta no presente recurso é a de saber se à notificação do teor do relatório previsto no artigo 155.º do CIRE, a qual foi efetuada pelo sr. Administrador da insolvência através de email se deve, ou não, aplicar o disposto no artigo 248.º, n.º 1, última parte, do CPC, isto é, se se deve considerar que o prazo de 15 dias previsto no artigo 188.º/1, do CIRE começa a correr no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. Dispõe o n.º 1 do artigo 248.º do CPC – preceito legal que se reporta às notificações efetuadas pela secretaria, em processos pendentes, às partes que constituíram mandatário – o seguinte: «Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja» (negritos nossos). Pese embora aquela disposição legal se refira às notificações realizadas pela secretaria às partes a mesma deverá ser aplicada às notificações realizadas pelos srs. Administradores Judiciais, em processos pendentes, pois que também eles são entidades que auxiliam os tribunais no exercício da atividade jurisdicional, sendo eles, aliás, um órgão determinante para o curso do processo de insolvência. Estabelece-se no supra referido artigo 248.º/1 um prazo de três dias úteis (aqui contados desde o dia da elaboração do documento de notificação, dele próprio constante) dentro do qual se presume que a comunicação chegou ao seu destino. Ou seja, presume-se que a notificação ocorre no terceiro dia posterior ao do seu envio ou no primeiro dia útil seguinte àquele, quando este não seja dia útil. Trata-se, como é consabido, de uma presunção juris tantum, ilidível pelo mandatário notificado que poderá demonstrar que, por ato que não lhe seja imputável, a receção se fez depois daquele prazo, em termos que lhe permitissem lê-la. Resulta das disposições conjugadas do artigo 248.º/1, do CPC e do artigo 25.º/1, da Portaria n.º 230/2019, de 26 de julho, que a notificação dos mandatários se faz através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt. No caso, porém, e como já assinalámos a notificação do relatório previsto no artigo 155.º do CIRE aos credores, e designadamente ao mandatário da ora apelante, ocorreu via email, enviado na data de 29 de junho de 2022. Julgamos que uma interpretação extensiva do artigo 248.º/1, do CPC permite aplicar o prazo de três dias previsto no artigo 248.º/1, parte final, do CPC, e, consequentemente, considerar a notificação efetuada no terceiro dia posterior ao do envio do email (ou recaindo aquele em dia não útil, no primeiro dia útil seguinte àquele) aos casos em que a notificação às partes que constituíram mandatário, em processo pendente, é realizada por email. Com efeito, nas situações em que o intérprete constata que a letra do texto da lei fica aquém do espírito da mesma, ou seja, que o texto diz menos do que aquilo que pretendia dizer, deve fazer corresponder a letra da lei ao seu espírito. Como ensina Batista Machado[3]«a interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são diretamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma». Se na notificação dos mandatários através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais – o qual, note-se, assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta aos destinatários através do endereço ali referido – se presume que a notificação é feita (apenas) no terceiro dia útil posterior ao do envio, pela mesma razão se deve considerar que no caso de notificação aos mandatários da parte realizada através de email – que é uma outra forma eletrónica de realizar comunicações – se deve também presumir que a notificação é feita também no 3.º dia útil posterior ao do envio do email, começando o prazo a correr a partir desse dia, ou no primeiro dia útil seguinte àquele quando este não é dia útil. Assim sendo, como julgamos que é, a apelante deve considerar-se notificada da junção aos autos do relatório do sr. Administrador da insolvência no dia 4 de julho de 2022 (primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao envio do email). Consequentemente, quando a apelante requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência, no dia 18.07.2022, ainda não havia decorrido o prazo de 15 dias previsto no artigo 188.º/1, do CIRE. Por outras palavras, o seu requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência é tempestivo. Procede assim a apelação, o que implica a revogação do despacho recorrido. Sumário: (…) III. DECISÃO Em face do exposto, acordam julgar procedente a Apelação, revogando-se o despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos. Sem custas na presente instância recursiva porquanto a apelante já procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há lugar quer ao pagamento de custas de parte pois não houve resposta às alegações de recurso, quer ao pagamento de encargos. Notifique. DN. Évora, 24 de novembro de 2022 Cristina Dá Mesquita (Relatora) Rui Machado Moura (1.º Adjunto) Eduarda Branquinho (2.ª Adjunta) __________________________________________________ [1] Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 49. [2] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, 2014, pág. 270. [3] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 25.ª Reimpressão, págs. 185-186. |