Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1263/25.4T8STB-A.E1
Relator: MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: DOMICÍLIO CONTRATUAL
PESSOA COLECTIVA
SEDE SOCIAL
CITAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Não configura convenção de domicílio a mera indicação, no contrato celebrado entre as partes, de um local designado como sede de um dos contraentes;
- Tratando-se de pessoa coletiva, não podendo a citação ser efetuada através de meios eletrónicos, deve ser realizada no lugar da respetiva sede, indicada no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas;
- Não são atendíveis outras moradas indicadas entre as partes, a menos que delas expressamente resulte inequivocamente, que o que se quis estabelecer foi a eleição de um domicílio para efeito de litígio, ou seja quando estivesse em causa a notificação por outras entidades que não as partes do contrato.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1263/25.4T8STB-A.E1 - Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1
Recorrente – (…) Sociedade S.R., Lda.
Recorrida – Banco (…), S.A.
*
Sumário: (…)

**
Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
*
I – RELATÓRIO
Banco (…), S.A. instaurou contra (…), Sociedade S.R., Lda. procedimento cautelar de entrega judicial de bens, ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 145/95, de 24 de junho.
Pede que
a) seja ordenada a imediata restituição do prédio do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…), freguesia do (…);
b) a providência seja decretada sem prévia audição da Requerida, sendo certo que a conduta desta, aponta para que, se assim não se fizer, não ficar assegurada a eficácia e utilidade da providência;
c) seja antecipado o juízo sobre a causa principal.

Por decisão de 01.04.2025, foi decretada a providência requerida, determinando-se “a entrega imediata à requerente do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…), da freguesia do (…), inscrito na matriz sob o artigo (…)”.

Por requerimento de 03.06.2025, veio a requerida arguir a nulidade da citação. Diz que: “A morada para onde a citação foi enviada: Av. (…), lote 1.06.2 5B Lisboa, é um mero recetáculo postal que há anos não funciona.
Por outro lado, o Requerente Banco assenta todo o seu petitório num contrato de locação financeira, celebrado entre O Banco (…), SA, e a Requerida, (…), Sociedade SR, Lda., que, de resto, juntou como Doc. 1.
Ora, nesse mesmo documento, está bem claro que a sede da Requerida é a Av. (…), n.º 88, Setúbal.
O Requerente não alegou, nem juntou, qualquer comunicação da requerida que tenha sido alterada a morada indicada no contrato de locação financeira, pelo que é esta e não outra a morada convencionada pelas partes e que deveria ter sido esta a indicada ao Tribunal, o que de todo não ocorreu.
Assim não tendo procedido, O Banco Requerente deu azo a que a citação, na prática, não se concretizasse, ficando a Requerida com o seu direito ao contraditório frustrado.
Ocorre, assim, a nulidade prevista no artigo 188.º, n.º 2, do CPC, nulidade que a Requerida argui, com todas as legais consequências”.

Por despacho de 23.06.2025, foi julgada improcedente a arguição da nulidade da citação.

A requerida, inconformada com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
1º - O inconformismo da Recorrente radica numa muito grave decisão judicial sem que a Recorrente tenha sido citada para exercer o contraditório.
2º - Com efeito, sem que a Recorrente tenha sido ouvida em contraditório, foi a casa em questão nos autos, que era há muitos anos casa de morada dos sócios, arrombada e entregue ao Banco, ora Recorrido.
3º - O Banco indicou ao Tribunal uma morada, mas não a morada que consta do contrato em que ambas as partes se vincularam.
4º - Tal morada convencionada no contrato não foi alterada, pelo que deveria ser esta, a morada do contrato a relevar, pois que em causa está um direito fundamental no nosso ordenamento jurídico, o direito ao contraditório.
5º - Acresce que a ora Recorrente suscitou ao Meritíssimo Juiz “a quo”, esta precisa questão, morada inserta no contrato de locação financeira, mas que ficou por conhecer e decidir, sendo certo que o comando do artigo 608.º, n.º 2, do CPC impõe que o Mm.º Juiz a quo se pronuncie sobre as questões que as partes lhe tenham colocado.
6º - Mostram-se violados, nomeadamente, os artigos 608.º, n.º 2, do CPC e os artigos 3.º, n.º 3, do CPC e o artigo 20.º da CRP.”
Pede a anulação da “decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a citação da Recorrente na morada do contrato de locação financeira existente nos autos, com todas as legais consequências daí decorrentes”.

A requerente apresentou resposta.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Perante as conclusões das alegações da Recorrente, a única questão que importa apreciar é a de saber se a citação da requerida é ou não nula.
*
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão, importa ter em consideração os seguintes factos:
a) Em 19.02.2025, Banco (…), S.A. instaurou contra (…), Sociedade S.R., Lda. procedimento cautelar de entrega judicial de bens, ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 145/95, de 24 de junho;
b) Pede que
- seja ordenada a imediata restituição do prédio do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…), freguesia do (…);
- a providência seja decretada sem prévia audição da Requerida, sendo certo que a conduta desta, aponta para que, se assim não se fizer, não ficar assegurada a eficácia e utilidade da providência.
- seja antecipado o juízo sobre a causa principal.
c) Por decisão de 21.02.2025, foi indeferida a dispensa de audição prévia da requerida e determinada a sua citação para deduzir oposição;
d) Para citação da requerida, com data de 21.02.2025, foi enviada carta registada com AR para a seguinte morada: “(…) Sociedade S.R., Lda., Av. D. (…), Lote 1.06.2 5B, 1990-090 Lisboa”;
e) A carta referida em d) foi devolvida em 27.02.2025, com a indicação: “Mudou-se”;
f) Efetuada consulta à certidão permanente da requerida, apurou-se que a sua sede se situa na “Av. (…), Lote 1.06.2 5B distrito: Lisboa concelho: Lisboa, freguesia: (…), 1990 095 Lisboa”;
g) Para citação da requerida, com data de 07.03.2025, foi novamente enviada carta registada para a morada indicada em f);
h) No dia 11.03.2025, a carta foi depositada no “Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada”, conforme declaração aposta pelo distribuidor postal;
i) Conforme carimbo aposto no envelope, assinado pelo funcionário do serviço postal, a carta, “Depois de devidamente entregue voltou ao correio com/sem anotação nela indicada e sem nova franquia”;
j) No rosto do envelope, surge a indicação “Mudou-se”;
k) Por decisão de 01.04.2025, foi decretada a providência requerida, determinando-se “a entrega imediata à requerente do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…), da freguesia do (…), inscrito na matriz sob o artigo (…)”.
l) Nessa decisão, o Tribunal considerou que “A requerida foi citada com observância do disposto no artigo 246.º, n.º 13, do CPC, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º 87/2024, de 7/11, nos termos do artigo 17.º do referido decreto-lei, mas não deduziu oposição (…)”;
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1.
O artigo 219.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Funções da citação e da notificação”, dispõe que “A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa”.
Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.” – artigo 191.º, n.º 1, do CPC.
Refere-se o artigo 188.º aos casos de falta de citação, que ocorre quando:
a) Quando o ato tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”.

Nos termos do artigo 223.º do CPC:
1 - Os incapazes, os incertos, as pessoas coletivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º.
2 - Quando a representação pertença a mais de uma pessoa, ainda que cumulativamente, basta que seja citada ou notificada uma delas, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 16.º.
3 - As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração”.

No que especificamente se refere à citação das pessoas coletivas, o artigo 246.º do CPC, na redação do Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26.07, estabelecia que:
1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.
2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.
4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.
6 - Quando a citação for efetuada por via eletrónica, nos termos do n.º 5 do artigo 219.º, não é aplicável a dilação a que se refere o artigo anterior”.

Atualmente, o artigo 246.º do CPC, na redação que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 87/2024, de 07/11 – diploma que visou implementar a citação e a notificação por via eletrónica das pessoas coletivas e das pessoas singulares – no que agora interessa, prescreve que:
1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.
(…)
5 - Às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória aplicam-se as regras de citação das pessoas singulares.
6 - Salvo o disposto no número anterior, a citação das pessoas coletivas efetua-se por via eletrónica, nos termos previstos nos n.os 2 a 6 do artigo 230.º-A e do artigo 230.º-B, com as especificidades previstas nos números seguintes.
7 - A citação por via eletrónica prevista no número anterior depende do registo, pela pessoa coletiva, do endereço de correio eletrónico que pretende associar à sua área digital de acesso reservado, nos termos previstos no diploma a que se refere o n.º 1 do artigo 230.º-A.
8 - Não sendo possível deixar ao destinatário o aviso a que se refere o n.º 6 do artigo 230.º-A, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal.
9 - Se não for possível efetuar o envio por via eletrónica previsto no n.º 6, devido à falta de registo, pela citanda, do endereço de correio eletrónico nos termos do número anterior, efetua-se uma segunda tentativa de citação, por via postal, através do envio à citanda da carta registada com aviso de receção a que se refere o n.º 4 do artigo 229.º, advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º e observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º e no n.º 3 do artigo 245.º, e dá lugar ao pagamento de taxa fixada no n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento das Custas Processuais.
10 - A carta a que se refere o número anterior e o aviso previsto no n.º 6 do artigo 230.º-A são endereçados para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
11 - Em caso de não consulta até ao oitavo dia posterior ao da disponibilização da citação na área reservada, o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certifica a não consulta, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, e a citação considera-se efetuada nessa data.
12 - O disposto nos números anteriores não se aplica nos casos em que a citanda tenha convencionado o local onde se tem por domiciliada para o efeito da citação em caso de litígio, nos termos do artigo 229.º.
13 - Se não for possível efetuar o envio por via eletrónica previsto no n.º 6, por motivo diferente do previsto no n.º 9, a citação das pessoas coletivas é efetuada nos termos das subsecções anteriores, com as seguintes adaptações:
a) Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência;
b) Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
(…)”.

A citação das pessoas coletivas, portanto, será em regra efetuada por via eletrónica (artigos 132.º, n.º 6 e 246.º, n.º 6, do CPC).
Todavia, a citação por via postal da pessoa coletiva, devido à falta de registo de endereço de correio eletrónico, é efetuada, atendendo ao período transitório consagrado no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 87/2024, nos seguintes termos: até 10 de maio de 2025, se não for possível efetuar o envio da citação eletrónica, devido à falta de registo, pela citanda, de endereço de correio eletrónico, a citação é efetuada por carta registada com aviso de receção a que se refere o n.º 1 do artigo 228.º endereçada para a sede da citanda.
Em caso de devolução, aplicam-se as regras previstas no n.º 13 do artigo 246.º (artigo 17.º do DL 87/2024), ou seja:
a) Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência (solução legal que constava do n.º 3 do art. 246.º antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 87/2024);
b) Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º, e a dilação do n.º 3 do artigo 245.º (solução legal que constava do n.º 4 do artigo 246.º antes das alterações introduzidas pelo DL 87/2024) – cfr. J. H. Delgado de Carvalho, Citações e notificações eletrónicas no âmbito de processos judiciais, in https://blogippc.blogspot.com/2025/03/citacoes-e-notificacoes-eletronicas-n.html?m=1, (págs. 6 e 7), citado na decisão recorrida.

Como se refere na decisão recorrida, “(…) a requerida foi citada com observância do disposto no artigo 246.º, n.º 13, do CPC, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º 87/2024, de 7/11, nos termos do artigo 17.º do referido decreto-lei.
(…) a primeira tentativa de citação da devedora, feita para a sede constante no registo comercial, veio devolvida com a menção “mudou-se”, tendo sido depois enviada nova carta de citação, a qual foi depositada no recetáculo postal em 11.03.2025.
A citação foi repetida para a morada correspondente à sede da citanda, nos termos da alínea b) acima referida, com a menção de que a dilação nunca podia exceder a duração de 10 dias, como decorre do disposto no artigo 366.º, n.º 3, do CPC.
Seguida que foi a solução legal que constava do n.º 4 do artigo 246.º antes das alterações introduzidas pelo DL n.º 87/2024, como se refere na alínea b) do texto acima citado, que dispunha que, sendo devolvido o expediente (por razão diversa da recusa da assinatura do aviso de receção ou do recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda), é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção e advertindo-se a citanda da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º (daí resultando que a carta deve ser depositada no recetáculo postal ou, não sendo isso possível, deve ser deixado um aviso, considerando-se efetuada a citação na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados), e tendo a citação sido efetuada em conformidade com as formalidades legais, só em caso de falta de citação (não de nulidade da citação) se poderia dar razão à ora requerente, designadamente, se fosse de entender que está demonstrado que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato por facto que não lhe seja imputável, nos termos do artigo 188.º, alínea e), do CPC”.
Conclui-se, portanto, que na citação da Recorrida foram observadas as formalidades legais aplicáveis (neste sentido, o Ac. da Relação de Évora de 26.09.2024, em www.dgsi.pt, onde se lê:
I. A citação das pessoas colectivas rege-se pelo disposto no artigo 246.º do CPCiv., que manda aplicar ao acto de citação, no que não estiver especialmente regulado, o regime constante da subsecção anterior, aplicável às pessoas singulares (vide n.º 1 do preceito).
II. No regime que emerge do preceito em análise resulta que a citação da pessoa colectiva faz-se para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do RNPC e, vindo a carta devolvida, é enviada nova carta com A/R, observando-se o n.º 5 do artigo 229.º, ou seja, é deixada a carta, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º e a advertência de que a citação se considera efectuada na data certificada, certificando o distribuidor a data e local exacto em que depositou o expediente.
III. Observada a prescrita tramitação, a citação tem-se como efectuada na data certificada pelo distribuidor postal, por aplicação do n.º 2 do artigo 230.º, ex vi da remissão do n.º 4 do artigo 246.º, operando portanto a presunção de que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
IV. A aludida presunção, juris tantum, pode ser ilidida mediante a prova pelo destinatário de que não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe é imputável (artigo 188.º, n.º 1, alínea e)), ou seja, há-de provar que a sua conduta em nada contribuiu, em termos de causalidade objectiva, para que as cartas enviadas para citação não tenham chegado ao seu destinatário.
V. Estando em causa uma associação sem fins lucrativos, encontra-se sujeita ao dever de inscrição no Registo Nacional das Pessoas Colectivas, conforme prevê a alínea a) do artigo 4.º do respectivo Regime Jurídico (RJRNPC) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, pelo que se encontra excluída da previsão do n.º 4 do artigo 246.º.
VI. Tendo a requerida mudado a sua sede há mais de 1 ano, sem inscrição do facto no RNPC e sem ter assegurado o reencaminhamento da correspondência ou, em alternativa, a verificação periódica da eventual chegada de correspondência à antiga morada, não pode considerar-se que o desconhecimento do acto não lhe é imputável, pelo que não beneficia do regime da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Civil”.

O inconformismo da Recorrente radica na circunstância de a morada para onde foi enviada a citação não ser “a morada que consta do contrato em que ambas as partes se vincularam” – conclusão n.º 3.
Não é, efetivamente, a mesma morada. Mas não tinha de ser uma vez as partes não se vincularam a qualquer morada, o que só aconteceria se o contrato de locação financeira evidenciasse que tinha sido expressamente convencionado o local onde a requerida se tem por domiciliada para o efeito da citação em caso de litígio, o que a não alega sequer que tenha acontecido (neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa de 23.01.2025, em www.dgsi.pt).
Portanto, a morada atendível para este efeito será apenas, a que consta do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, e que a Recorrente não alega que seja outra que não aquela para onde foi enviada a citação.
*
A Recorrente, ainda que não invocando o disposto no artigo 615.º do CPC, parece invocar a nulidade da decisão recorrida (conclusão n.º 5). Diz que suscitou a “questão da morada inserta no contrato de locação financeira, mas que ficou por conhecer e decidir, sendo certo que o comando do artigo 608.º, n.º 2, do CPC impõe que o M.º Juiz “a quo” se pronuncie sobre as questões que as partes lhe tenham colocado”.
Antes de mais, importa esclarecer que a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º l, alínea d), do CPC, sancionando a violação do estatuído no n.º 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais, ou seja, atinentes ao thema decidendum.

No caso concreto, o Tribunal tomou posição sobre a questão invocada – a nulidade / falta da citação. Do despacho recorrido resulta que o Tribunal não considerou relevante, para efeito de citação, outra morada que não a morada da sede da requerida indicada no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
É, de resto, o que resulta da decisão recorrida, onde se lê “Em conformidade com o exposto, é irrelevante que o requerente (…) tenha referido que a requerida, ora apelante, laborava noutros locais que não o indicado por si na petição inicial. O que conta é a sede constante do FCPC”.
O despacho recorrido não padece, por isso, do vício de omissão de pronúncia.
*
Finalmente, o Recorrente invoca a violação do disposto no artigo 20.º da CRP. Fá-lo, contudo, de forma absolutamente genérica, sem apontar a norma que diz ser contrária à Constituição, o que impossibilita ou, pelo menos, dificulta qualquer tomada de posição do Tribunal a esse respeito. Sempre diremos, contudo, que à garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva reclamada pela requerida corresponde idêntica garantia a reconhecer à requerente, lógica na qual se enquadra o ónus imposto às pessoas coletivas de manterem atualizada a sua sede no RNPC.
De resto, sobre questão semelhante se pronunciou já o Tribunal Constitucional (cfr. o Ac. de 01.10.2020, em https://www. tribunalconstitucional.pt, que decidiu “Não julgar inconstitucional a norma extraída dos n.os 2 e 4 do artigo 246.º e do n.º 5 do artigo 229.º, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de que é válida a citação efetuada por depósito do respetivo expediente na morada da sociedade comercial citanda, constante do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, apesar de a carta de citação prévia, expedida para a mesma morada, ter sido devolvida com a indicação “Mudou-se).
Improcede, por isso, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Notifique.
*
Évora, 02.10.2025
Miguel Jorge Vieira Teixeira
Maria Emília Melo e Castro
Ana Margarida Leite