Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7291/19.1T8STB.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
TERRENO
SUB-ARRENDAMENTO
ENFITEUSE
CÓDIGO DE SEABRA
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O DL n.º 547/97, de 16-09, aplica-se aos casos de arrendamento rural em que as terras foram dadas de arrendamento no estado de incultas ou em mato e se tornaram produtivas mediante o trabalho e investimento do rendeiro.
II – O artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16-09, estabelece uma presunção ilidível, mas apenas quando à situação de que as terras dadas de arrendamento estavam no estado de incultas ou em mato, já não relativamente à situação de que essas terras se tornaram produtivas mediante o trabalho e investimento do rendeiro, pelo que, quanto a esta situação, quem pretende beneficiar do regime do DL n.º 547/97, de 16-09, terá de efetuar tal prova.
III – A pessoa que pretende beneficiar do regime previsto no DL n.º 547/97, de 16-09, tem de possuir a qualidade de rendeiro e estar na posse dos terrenos rurais arrendados ou ter sido judicialmente despejada pelo senhorio, podendo, neste último caso, no prazo de dois anos após tal despejo, vir requerer à comissão arbitral o “regresso” às terras.
IV – O Código Civil de Seabra, no seu artigo 1618.º, apenas permitia a renovação do contrato de arrendamento dos prédios rústicos, após o termo do contrato, por um ano, e apenas se se mantivesse a fruição, sem oposição, do prédio pelo arrendatário.
V – Com a entrada em vigor do DL n.º 201/75, de 15-04, passou a ser proibido o subarrendamento, total ou parcial, aplicando-se tal proibição aos subarrendamentos anteriormente existentes, sendo tais subarrendamentos considerados inexistentes, a menos que os subarrendatários fizessem, à data, a prova exigida pelo n.º 5 do artigo 24.º.
VI – Nos termos do DL n.º 385/88, de 25-10, os contratos de arrendamento rurais, e necessariamente, os contratos de subarrendamento rurais (no caso de serem admissíveis), a partir de 01-07-1989, tinham de ter obrigatoriamente a forma escrita, mesmo no que diz respeito aos contratos já em vigor, sob pena de nulidade do contrato.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 7291/19.1T8STB.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
(…) (Autor) intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (…), (…) e (…) (Réus), solicitando, a final, que o Autor seja reconhecido enquanto sucessor de (…) na posse da parcela de terreno supra identificado, sendo mantida a posse; e que os Réus sejam intimados a abster-se de fazer agravo ao Autor, enquanto herdeiro, sob pena de multa, de € 20.000,00, e responsabilidade pelos prejuízos que causem.
Para o efeito alegou, em síntese, que o Autor e os seus ascendentes estão na posse do prédio mencionado na petição inicial há mais de cem anos, tendo os antecessores do Autor sido rendeiros nesse terreno, desbravando a terra, que haviam recebida inculta, cheia de mato maninho, tornando-a produtiva, cultivando nesse terreno a courela para pastagens, extraindo dele cortiça, cuidando dos pinheiros mansos, colhendo e vendendo as pinhas.
Mais referiu que (…) deu de arrendamento, em 1852, a (…), pelo prazo de 99 anos, a Courela dos (…), onde se situa o terreno dos autos, tendo os herdeiros de (…) transmitido tal arrendamento, em 1910, a (…), sendo que o referido arrendamento não cessou em 1951 por não ter sido despedido o rendeiro, nem ter sido tal contrato suspenso ou denunciado, pelo que tal contrato de arrendamento se renovou.
Alegou ainda que (…) e mulher, bisavós do Autor, antes e depois de 1946, pagaram a (…) e ao seu filho, o foro anual de 168$00, sendo que, quando estes deixaram de o receber, tal foro passou a ser depositado na CGD até janeiro de 1986.
Mais alegou que o Autor e seus antecessores consideraram, durante mais de cem anos, que o referido prédio lhes pertencia, por serem titulares do domínio público, sendo que o Autor, enquanto herdeiro, tem a posse da referida parcela, de forma contínua, ininterrupta e de boa-fé, porque convencidos de que não lesavam o direito de ninguém, praticando os atos de cultivo e de exploração à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
Alegou, por fim, que o DL n.º 547/74, de 22-09, conferia ao Autor, enquanto herdeiro, o direito de reversão, ou seja, o direito de propriedade da parcela, mediante um preço, simbólico, a fixar por comissão arbitral, sendo que o DL n.º 195/1976, de 16-03, ao extinguir a enfiteuse, passou a considerar o titular do domínio útil, rendeiro, o seu proprietário, e a Lei n.º 108/97, de 16-09, estabeleceu a definição do enfiteuta.
Os Réus apresentaram contestação e formularam pedido reconvencional, requerendo, a final, que seja:
a) Julgada a exceção de ilegitimidade ativa do Autor procedente, por provada, e, em consequência, absolver os Réus da instância;
ou, caso assim não se entenda,
b) Julgar a ação improcedente, por não provada; e
c) Julgar a reconvenção procedente, por provada, e em consequência, (i) reconhecer que o falecido (…) era dono e legítimo proprietário do Terreno e que o direito de propriedade sobre este último integra agora a herança indivisa aberta por óbito de (…), (ii) condenar o Autor a reconhecer esse direito e (iii) condenar o Autor a abster-se de quaisquer atos que possam perturbar o exercício do mesmo; e
d) Condenar o Autor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) por cada infração do direito de propriedade reconhecido nos termos do pedido formulado na alínea c) supra.
Para o efeito, alegaram, em síntese, que o Autor, ao não fazer prova de que é o cabeça de casal da herança de que alega ser herdeiro, não tem legitimidade ativa para instaurar a presente ação de prevenção da posse contra os Réus.
Alegaram ainda que em 1989 o único filho ainda vivo de (…) e da mulher deste assinou um documento a confessar que o referido arrendamento já havia cessado, sem ter havido renovação, sendo que esse filho era o cabeça de casal da referida herança, e não o Autor.
Alegaram igualmente, que quem tem a posse do terreno são os Réus e seus antecessores, sendo que o Autor não tem, nem nunca teve, a posse do referido terreno, tendo, porém, esporadicamente perturbado a posse dos Réus com recurso a ameaças e a violência.
Alegaram também que não tendo o Autor a posse do referido terreno, nem nunca a tendo tido, não se verificam os elementos da causa de pedir, pelo que a ação terá de improceder.
Alegaram ainda que, tendo (…) e respetivos sucessores pago a respetiva renda pela referida parcela, atuaram sempre como meros detentores da parcela e não como possuidores em nome próprio.
Alegaram também que tal terreno se encontra registado desde 2008 em nome de (…), sem oposição de ninguém, inclusive do Autor.
Referiram ainda que o contrato celebrado pelos antecessores do Autor foi de subarrendamento e não de enfiteuse.
Por fim, os Réus vieram peticionar, em sede de pedido reconvencional, o reconhecimento do direito de propriedade sobre o terreno a favor da herança indivisa aberta por óbito de (…) e a condenação do Autor a abster-se de perturbar esse direito, visto serem estes quem tem a posse e a fruição do referido terrenos desde 1989, possuindo o registo de propriedade por usucapião.
O Autor veio responder, solicitando, a final, a improcedência da invocada exceção e da reconvenção.
Alegou sinteticamente possuir legitimidade ativa para a presente ação e impugnou os invocados atos de posse do terreno, invocados pelos Réus, no seu pedido reconvencional, reafirmando que os Réus não possuem a posse desse terreno.
(…), (…), (…), (…) e (…) deduziram incidente de intervenção principal espontânea nos presentes autos com a finalidade de assegurar a legitimidade ativa para o pedido reconvencional.
Notificado Autor, o mesmo não se opôs.
Por despacho judicial de 28-02-2021, foi admitida a intervenção principal dos requerentes na lide reconvencional.
(…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), em que é Autor-Reconvindo (…), vieram deduzir incidente de intervenção principal provocada de (…) e mulher (…), de (…) e marido (…), de (…) e marido (…) e de (…), mulher do Autor-Reconvindo.
Posteriormente, em face do falecimento de (…) e de (…), os requerentes do incidente de intervenção principal provocada, quanto ao pedido reconvencional, vieram ainda requerer a intervenção principal provocada de (…), de (…) e marido (…) e de (…) e mulher (…).
Por despacho judicial de 30-03-2022 foi admitida a intervenção principal dos intervenientes na lide reconvencional como reconvindos.
(…) veio contestar, invocando a exceção de ilegitimidade, visto já se encontrar divorciada de (…).
Realizada audiência prévia, não foi possível obter o acordo das partes, tendo sido:
- fixado à causa o valor de € 160.000,00;
- admitido o pedido reconvencional;
- julgada indeferida a exceção de ilegitimidade ativa do Autor;
- julgada deferida a exceção de ilegitimidade da interveniente (…);
- identificado o objeto do litígio;
- enunciados os temas da prova;
- proferido despacho judicial sobre os meios de prova; e
- designados dias para a audiência de julgamento.
Realizado o julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida, em 04-10-2023, sentença com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e não provada e, em consequência, absolvo os RR. do pedido.
Julgo inteiramente procedente e provado o pedido reconvencional, em consequência do que, condeno o Autor ao reconhecimento de que o falecido (…) era dono e legítimo proprietário do terreno referido nos autos e que o direito de propriedade sobre este último integra agora a herança indivisa aberta por óbito de (…), devendo o Autor abster-se de quaisquer atos que possam perturbar o exercício do mesmo.
Mais se condena o Autor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) por cada infração do referido direito de propriedade.
Custas a cargo do Autor (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
Registe e notifique.
Inconformado com tal sentença, veio o Autor (…) interpor recurso de apelação, apresentado as seguintes conclusões:
A) Tendo em 27 de Novembro de 1852 o primitivo dono dado de arrendamento por 99 anos uma parcela de terreno denominada “Courela dos (…)”, na Freguesia de (…), Concelho de Palmela, parcela essa que se encontra atualmente inscrita na matriz cadastral rústica sob os artigos (…) a (…) e (…) da Secção (…), da Freguesia de (…), estamos perante um arrendamento de longa duração de terra presumivelmente incultas;
B) Ocorrendo vicissitudes na posição do inquilino e senhorio ao longo dos tempos verifica-se que a relação de arrendamento se manteve e legitimou a relação dos sujeitos mesmo quando estes por via de sucessão ou negócio voluntário alteraram.
C) Tendo sido apurado que no âmbito daquele contrato a partir de 31 de Dezembro de 1951, (…) e seu filho (…) passaram a pagar a renda devida pelo arrendamento aos sucessores do senhorio (…) (marido de …, irmã do falecido …) e de que em data incerta aqueles, enquanto inquilinos do prédio, deram de sub-arrendamento a (…), bisavô do aqui Autor, pessoa essa que usava e era conhecido pelos nomes de (…), (…) e (…).
D) A parcela dada de arrendamento corresponde em partes ao atual prédio identificado sob o artigo (…), da Secção (…) e de que (…) e mulher (…) pagavam a renda anual de 168$00 (cento e sessenta e oito escudos).
E) O pagamento da renda era feito a (…) ou a seu filho (…), até pelo menos 31 de Dezembro de 1951 e passando a depositar na Caixa Geral de Depósitos até janeiro de 1986.
F) Perante aquela factualidade estamos perante a situação prevista no Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, que regula o direito de remição de arrendamento de longa duração de terras que foram dadas de arrendamento de terras no estado de incultas ou em mato e que se tornaram produtivas mediante trabalho e investimento do rendeiro.
G) Também se enquadra naquele regime por força da área geográfica circunscrita prevista no diploma (Península de Setúbal) atendendo a que o prédio se localiza no Concelho de Palmela.
H) Não decorre qualquer dúvida de que nos termos dos artigos 1595.º e 1596.º, ambos do Código Civil de Seabra, a relação contratual estabelecida entre os antecessores do Autor (… e mulher) e (…) e seu filho, se enquadra num contrato de arrendamento de prédios rústicos, cujo regime legal, à data, se enquadrava previsto no artigo 1627.º e seguintes do Código Civil de 1867.
I) Por seu lado a posição de rendeiro reconhecido que (…) e seu filho detinham quando dividiram o prédio em parcelas e as deram de arrendamento a outrem enquadra-se nos artigos 1595.º, 1596.º e 1603.º do Código de Seabra, não estando essa relação limitada a determinado período de tempo que estipulou: Para efeitos do disposto no Dec.-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, presume-se que as terras foram dada de arrendamento no estado de incultas ou em mato se não houver contrato escrito ou se ele for omisso quanto ao estado das terras e o arrendamento subsistir há mais de 50 anos.
J) Verificando-se que o ascendente do Autor terá celebrado contrato em data não apurado mas anterior a 1951, pelo qual ficou a pagar a renda de 168$00, temos por certo que o contrato de arrendamento subsistiu por mais de 50 anos, sendo certo que os anteriores cultivadores terão melhorado o prédio tornando-o apto para parte e aproveitamento de pinhas e sobreiro; pelo que entre o momento do arrendamento realizado por escritura de 1852 e janeiro de 1986, por todos os cultivadores diretos ocorreu melhoramento no prédio.
K) Embora o Código Civil de 1867 não consagrasse como figura de carácter geral, a cessão de posição contratual, ao abrigo do princípio civilístico basilar da autonomia privada as partes podiam convencionar o que lhes aprouvesse desde que as estipulações negociais não fossem contrárias à Lei. Inexistindo proibição legal, foi lícita a cessão da posição contratual de arrendatário.
L) Sendo a relação contratual legal e legítima, questiona-se a condição das terras se encontrarem incultas no momento do arrendamento se verifica:
- Por inculto entende-se terra não cultivado um prédio rústico em estado de mato é aquele que está coberto por plantas selvagens.
- Não se tendo apurado se a relação de arrendamento incidia sobre esse tipo de prédio, o certo é que não se fazendo prova concreta sobre o estado do mesmo beneficia da presunção constante no artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro.
M) Estão, assim, no entender do Recorrente reconhecidos os pressupostos para se reconhecer que ao Autor, na qualidade de sucessor de (…) e sua mulher (…), para reunir o arrendamento da parcela que foi dada de arrendamento e que constitui o artigo (…) da Secção (…) da Freguesia de Pinhal Novo já que nunca ocorreu declaração de resolução de contrato de arrendamento num despejo de inquilinos.
N) O regime do Dec.-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro no seu artigo 5.º, n.º 1, impõe que o reconhecimento do direito a remir se faça em ação declarativa enquanto que a aquisição da propriedade se faça mediante a estipulação do preço que for fixado, em ação posterior e com recurso a critérios previstos no nº 2 daquele e os vertidos na Portaria n.º 489/77, de 1 de Agosto, algo que nesta sede não poderia ser fixado nem tal foi peticionado.
O) Limita-se esta ação, como ação possessória que é, a defender a posse do Autor da parcela de terreno em questão, sendo que no âmbito do Dec.-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, o reconhecimento da existência dos pressupostos para a declaração do arrendatário remir, impõe desde logo a defesa da posse, ficando inclusive suspensas quaisquer ações que decorram no sentido da resolução do contrato de arrendamento ou restituição do arrendamento.
P) Termos em que considera que ao decidir de forma como o fez a douta sentença ora recorrida encontra-se sob erro de julgamento ao não aplicar o regime jurídico do arrendamento de longa duração de terras incultas previsto no Dec.-Lei 547/74, de 22 de Outubro que por forma do princípio da exaustão (artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) estava obrigado a aplicar.
Q) Embora existam limites para o julgador na elaboração da sua decisão, nomeadamente, conjugando o principio do dispositivo com o da exaustão, pode suceder que a causa de pedir invocada expressamente pelo Autor, mediante a mesma factualidade, não exclusa uma outra solução jurídica, que terá de ser entendida pelo julgado, no respeito pela vontade do sujeito processual que recorre ao Tribunal, desde que tal sentido possa valer nos termos gerais da interpretação das declarações de vontade, pelo que discutindo-se se o mesmo tinha ou não a posse legitima sobre a parcela de terreno e tendo invocado o regime do Dec.-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro deverá aquele decidir sobre a sua aplicabilidade.
R) Questiona-se, se nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, se considera que tal imóvel se encontra no estado de “inculto ou em mato”, como pressuposto da aplicação do regime daquele diploma, ao que se responde afirmativamente que essa teria de ser a resposta positiva do Tribunal.
S) Por “inculto” entende-se terra não cultivada. Um prédio rústico em estado de “mato” é aquele que está coberto de plantas selvagens; No caso dos autos verificamos que de (…) e mulher (…) adquiriram a posição de arrendatários relativamente a uma parcela de prédio rústico cujo contrato celebrado em 1852 é omisso quanto ao estado concreto do prédio rústico, pelo que subsiste a presunção constante do artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro.
Nos termos deste normativo “Para os efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, presume-se que as terras foram dadas de arrendamento no estado de incultas ou em mato se não houver contrato escrito ou se ele for omisso quanto ao estado de terras e o arrendamento subsistir há mais de 50 anos.”
T) Dada a aplicação da presunção constante do artigo 3.º, da Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro, torna-se imperioso alterar a matéria de facto dada por não provada quanto á sua alínea c):
Foram os antecessores do Autor, rendeiros, designadamente o bisavô, (…) ou (…), e os avós, que desbravaram a terra, que haviam recebido inculta, cheia de mato maninho, tornando-a produtiva.
Assim tem de ser dada por provada, acrescentando-se no seu elenco, que:
Foram os antecessores do Autor, rendeiros, designadamente o bisavô, (…) e os avós, que desbravaram a terra, que haviam recebido inculta, cheia de mato maninho, tornando-a produtiva.
Foram assim violados,
O Dec.-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro; o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e a presunção contida no artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro.
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimentos de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por acórdão que dê provimento ao recurso e alterando a matéria de facto não provada quanto à alínea c) tornando-a por provada por efeito da presunção contida no n.º 3 da Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro, declare que que a parcela do prédio rústico dada de arrendamento aos antecessores do Autor é suscetível de ser remida a seu favor mediante o pagamento de preço a estabelecer em ação própria pelo que o mesmo deverá manter a posse da mesma na qualidade de titular do direito ao arrendamento, não devendo os RR perturbar essa mesma posse.
Decidindo desta forma, farão V. Exas. inteira e sã JUSTIÇA.
Os Réus (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), em que é Autor-Reconvindo (…) vieram contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.
O tribunal a quo admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e, após ter sido recebido neste tribunal nos seus exatos termos, foi aos vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Impugnação da matéria de facto;
2) Vigência do contrato de arrendamento; e
3) Aplicabilidade do D-L n.º 547/74, de 22-10.
III – Matéria de Facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública lavrada em 27 de novembro de 1852 no Cartório Notarial de Lisboa n.º 1, (…) deu de arrendamento a (…), pelo prazo de 99 anos, a “Courela dos (…)”, então na freguesia de (…), com as seguintes confrontações: de norte e nascente com Sesmaria de (…); do sul com terras da Fonte da (…) e (…); do poente com terras do Pinhal do (…).
2. A “Courela dos (…)” é um prédio rústico sito no lugar da (…), atualmente freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, encontrando-se inscrito na respetiva matriz predial rústica sob os artigos (…) e (…), da Secção (…).
3. (…) faleceu no estado de viúvo e sem testamento no dia 9 de agosto de 1908, tendo deixado como herdeiro o seu filho, (…), casado com (…).
4. Por escritura lavrada em 9 de dezembro de 1910, os herdeiros de (…) transmitiram o arrendamento supra para (…).
5. (…) e seu filho, (…), dividiram a “Courela dos (…)” em parcelas e subarrendaram-nas a diferentes sub-rendeiros.
6. Em 1913, a “Courela dos (…)” foi arrestada e, posteriormente, penhorada a favor da Fazenda Nacional, no âmbito de uma execução por custas do inventário orfanológico movida contra os herdeiros de (…).
7. Em consequência da penhora, os bens que compunham a herança de (…) foram vendidos em hasta pública, à exceção da “Courela dos (…)”, que foi atribuída por Conselho de Família a (…), filho de (…).
8. Na sequência do que as rendas devidas pelo arrendamento da “Courela dos (…)” passaram a ser pagas a (…).
9. Em 31 de Janeiro de 1923, faleceu (…), a quem sucederam os seus três filhos:
a) (…), casada com (…);
b) (…), casado com (…); e
c) (…).
10. Em 26 de Novembro de 1926, faleceu (…).
11. A partir de então e até 31 de dezembro de 1951, (…) e seu filho, (…), passaram a pagar a renda devida pelo arrendamento acima referido no escritório do Eng. (…) (marido de …, irmã do falecido …).
12. Em data que não se apurou em concreto, (…) ou seu filho, (…), deram de subarrendamento a (…), bisavô do aqui Autor, que também era conhecido por (…), (…) e (…), uma parcela da “Courela dos (…)” que se encontra atualmente inscrita na matriz predial da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, sob o artigo (…), da Secção (…), e da qual o terreno a que se refere a petição inicial fazia parte.
13. O (…) e mulher, (…), pagavam a renda anual de 168$00 a (…) ou ao seu filho, (…), até que aqueles deixaram de vir cobrar a renda aos sub-rendeiros, em data que não se apurou em concreto, mas que se situa a partir de 31 de dezembro de 1951.
14. Passando então os herdeiros de (…) e mulher, (…), a depositá-la na CGD, o que aconteceu até janeiro de 1986.
15. O Eng. (…) e (…) (acima mencionados em 11) tiveram um filho, (…).
16. (…) era engenheiro agrónomo e silvicultor, tendo partido para África, como funcionário público do Estado Português, em 1962, e regressado a Portugal na década de 1970.
17. De 1980 em diante, (…) procurou transformar a “Courela dos (…)”, numa exploração agrícola moderna e unificada, com o objetivo de aí residir e trabalhar juntamente com os seus filhos.
18. Com efeito, em 1980, a “Courela dos (…)” encontrava-se ao abandono, com casas em ruínas e campos por cultivar.
19. Designadamente, a parcela que havia sido subarrendada a (…) era uma zona mal frequentada, abandonada e inculta.
20. Porém, quando (…) exteriorizou o seu interesse em explorar diretamente a “Courela dos (…)”, logo surgiram alegados descendentes de supostos sub-rendeiros, a invocar direitos sobre determinadas parcelas que teriam alegadamente sido subarrendadas aos seus antepassados por (…) ou por seu filho, (…).
21. Na década de 80, (…) e outros descendentes de D. (…) intentaram uma ação (Proc. n.º 10/81, da 1 ª Secção, do 3.º Juízo, do Tribunal da Comarca de Setúbal) contra os descendentes dos alegados sub-rendeiros da Courela dos … (e respetivos cônjuges), incluindo o tio-avô do ora Autor, (…), e os primos do Autor, (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), tendo logrado alcançar soluções amigáveis com os mesmos, os quais confessaram o pedido, com exceção do aqui Autor.
22. Foi então estabelecido acordo, designadamente, com o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do sub-rendeiro (…), em particular com o Sr. (…), que era o único filho ainda vivo do autor da herança, e com o Sr. (…), que era o filho mais velho do filho mais velho do autor da herança.
23. Na verdade, por óbito de (…), sucederam-lhe conforme escritura lavrada a fls. 57 do Livro (…) do Notário (…): (i) (…), casado com (…); (ii) (…), casada com (…); (iii) (…), casado com (…); e (iv) (…), solteiro.
24. Por óbito de (…) e de (…) sucederam-lhe: (i) (…), (ii) (…) e (iii) (…).
25. Por óbito de … (falecido em 01/12/1988), sucederam-lhe: (…); (…); (…); e (…), ora Autor.
26. No instrumento de confissão assinado por (…) e mulher, (…), em 9 de agosto de 1989 (acima referido em 22), acompanhados pelos outros descendentes dos dois filhos, entretanto falecidos, dos autores da herança, no processo n.º 10/81 da 1.ª Secção, do 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Setúbal, estes declaram, além do mais, o seguinte:
“(...) que reconhecem que são os autores e demais intervenientes principais identificados no processo na qualidade de sucessores de Dom (…), os actuais titulares do direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial, por já haver cessado o arrendamento documentado na mesma petição, sem ter havido renovação e sem haver quaisquer outros interessados que com eles concorram.
Consequentemente, confessam o pedido formulado na petição inicial e entregam, a partir desta data, a parte do referido prédio que vêm ocupando, aos Autores e demais intervenientes sucessores identificados do referido Dom (…).”
27. Já no instrumento de confissão de pedido assinado por (…) e sua mulher, (…) na mesma data, referente ao mesmo processo n.º 10/81, da 1 ª Secção, do 3.º Juízo, do Tribunal da Comarca de Setúbal, estes declararam, além do mais, o seguinte:
“(i...) que reconhecem que são os autores e demais intervenientes principais identificados no processo na qualidade de sucessores de Dom (…), os actuais titulares do direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial, por já haver cessado o arrendamento documentado na mesma petição, sem haver sido renovado.
Consequentemente, confessam o pedido formulado na petição inicial e entregam, a partir desta data, a parte do referido prédio que vêm ocupando, aos Autores e demais intervenientes sucessores identificados do referido Dom (…).”
28. O referido processo judicial prosseguiu os seus termos relativamente aos RR. contestantes naqueles autos, designadamente o aqui A., tendo o pedido sido julgado procedente em primeira instância, mas improcedente no Tribunal da Relação de Évora e no Supremo Tribunal de Justiça, pelos acórdãos de 12/02/2004 e de 19/10/2004, respetivamente, por se ter considerado que os autores não tinham feito a “prova diabólica” do direito de propriedade de Dom (…) sobre a parcela de terreno em questão.
29. O A., invocando a sua qualidade de herdeiro de (…), tem procurado utilizar a faixa de terreno acima referida em 12, com a área de 53.388,02 m2, em forma de polígono, confrontando de norte, por onde mede 187,93 m2, com a Courela dos (…); do sul por onde mede 218 m2, com caminho municipal (…) e com a Quinta dos (…); a poente, por onde mede 163,83 m2, com a Quinta dos (…); e a nascente, por onde mede 123,07 m2, com a Quinta dos (…).
30. Correspondente a parte do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2 da secção (…), da freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela.
31. Por volta do ano de 1982, (…), com a ajuda dos seus filhos, iniciou a preparação das terras que compunham a “Courela dos (…)”, designadamente nas áreas mais planas e sem espécies florestais, para exploração agrícola, trabalhos estes que se repetiram ao longo dos anos.
32. Tendo realizado trabalhos de desmatação nas áreas cobertas com silvas, canas e outras espécies arbustivas, procedendo à remoção de lixos, nivelamento de terrenos, e à limpeza e abertura de valas de escoamento de águas.
33. A partir de então e até ao seu falecimento em 2017, (…) explorou e desfrutou das diferentes parcelas da “Courela dos (…)” em conformidade com a sua aptidão natural, cultivando-as, colhendo os seus frutos, limpando-as e gozando das utilidades por elas proporcionadas.
34. Em 1988, (…) requereu a eletrificação da “Courela dos (…)” ao abrigo do programa PEDAP, do Ministério da Agricultura.
35. Na sequência da eletrificação, (…) efetuou furos de captação de água nas parcelas da “Courela dos (…)” inscritas na matriz predial da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, sob os artigos 1 e 24 da Secção (…) e procedeu à instalação de sistemas de rega nas áreas mais adequadas para culturas regadas nas parcelas inscritas sob os artigos 1 e 2 da Secção (…), à implementação de um sistema de rotação de culturas e à instalação de estufas.
36. Nas áreas com matas naturais – constituídas por árvores dispersas, maioritariamente sobreiros e pinheiros – (…) realizou trabalhos de limpeza dos terrenos, poda das árvores e venda de cortiça e disponibilizou áreas para pastagem de ovelhas e cabras de pastores da região.
37. Paralelamente, (…) realizou diversas obras de melhoramento e ampliação da casa de habitação ali existente.
38. Em particular, no ano de 1991, após acordo com os outros herdeiros de D. (…), (…) recuperou as ruínas existentes e construiu novas edificações na parcela da “Courela dos (…)” inscrita na matriz predial da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, sob o artigo (…), da Secção (…), com vista à sua conversão em residência permanente para si mesmo e para alguns dos seus filhos.
39. A partir de 1991, (…) instalou-se na “Courela dos (…)”, onde passou a residir permanentemente, até à sua morte, ocorrida em 30 de janeiro de 2017.
40. De 1992 em diante, o Réu (…) apoiou e acompanhou o seu pai, (…), nos trabalhos de conservação e exploração da “Courela dos (…)”, passando a residir na vizinhança da “Courela”.
41. O Réu (…) dedicou-se, entre outras atividades, à criação de cavalos de puro sangue lusitano na “Courela dos (…)”, para o que construiu parques e efetuou sementeiras de culturas arvenses forrageiras nas áreas de sequeiro, para produção de fenos, guarda e alimentação dos animais.
42. Pelo menos desde 1989, data em que transigiu, nos termos acima expostos, com os familiares do aqui Autor, e até à presente data, (…) e os seus sucessores, com destaque para o Réu (…), sempre utilizaram o terreno em causa nestes autos, designadamente:
43. Enfardando os fenos naturais que crescem nos espaços abertos;
44. Procedendo à remoção e venda de cortiça de sobreiros nos anos de 1992, 2002 e 2012;
45. Colhendo, vendendo ou autorizando terceiros a colher esporadicamente pinhas;
46. Autorizando pastores locais a apascentarem as suas ovelhas e cabras no Terreno;
47. Realizando passeios a pé e a cavalo;
48. Atravessando o Terreno a pé, com animais, com máquinas agrícolas e com outros veículos.
49. O Terreno é de sequeiro, sendo composto por solos arenosos e pobres, com uma mata composta maioritariamente por sobreiros, pinheiros bravos e pequenas áreas sem árvores.
50. Ao longo da década de 1990, (…) autorizou esporadicamente que o Terreno fosse utilizado por um clube recreativo local, para uma carreira de tiro aos pratos.
51. Em 1993, o Autor iniciou o que aparentavam ser trabalhos de delimitação da faixa de terreno em causa, numa das suas extremas, com colocação de postes de madeira tosca e arame no confronto poente do Terreno.
52. Nesta sequência, (…) removeu aqueles postes de madeira e arames e promoveu a notificação judicial avulsa a que alude o artigo 18.º da petição inicial, a fim de que o Autor se abstivesse de delimitar o referido confronto do Terreno.
53. Efetuada a notificação judicial avulsa em 8 de março de 1993, o Autor absteve-se de voltar a tentar delimitar o terreno ou ocupá-lo.
54. Por volta de 1998, (…) e o seu filho, o Réu (…), traçaram uma pista de motocross no terreno, a qual foi continuamente utilizada pelos seus familiares, amigos e sucessores desde então e até à presente data.
55. Por diversas vezes, (…) e os seus sucessores participaram criminalmente de furtos noturnos de cortiça dos sobreiros existentes na “Courela dos (…)”, incluindo no terreno dos autos.
56. Por diversas vezes ao longo das décadas de 1990, 2000 e 2010, (…) e os seus sucessores diligenciaram no sentido de expulsar grupos de etnia cigana que pretendiam acampar no Terreno.
57. Além de tudo o mais, (…) vivia na própria “Courela dos (…)”, que engloba o Terreno dos autos, o qual se encontra a uma distância de poucas centenas de metros da sua casa de habitação.
58. (…) e, depois dele, os ora Réus, enquanto seus sucessores, praticou os atos acima referidos de forma ininterrupta, pública e pacífica, de boa-fé, à vista de todos, na convicção de ser ele o verdadeiro e único dono do Terreno e de não lesar direitos de terceiros.
59. Por escritura de 2 de junho de 2008, lavrada no Cartório Notarial de (…), em Setúbal, (…) justificou a posse pública, pacífica, ininterrupta e de boa-fé, por mais de 20 anos, da parcela da “Courela dos (…)” inscrita na matriz predial da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, sob o artigo 2 da Secção (…), onde se inclui o Terreno, e invocou a sua aquisição por usucapião.
60. A escritura referida no artigo anterior foi publicitada através de anúncio publicado na página 5 do Jornal do Concelho de Palmela de sábado, (…) de 2008.
61. Em 23 de julho de 2008, a parcela “Courela dos (…)” inscrita na matriz predial da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, sob o artigo 2 da Secção (…), onde se inclui o Terreno foi descrita na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…) da freguesia de Pinhal Novo e inscrita a aquisição da mesma, por usucapião, a favor de (…).
62. De 2008 em diante, regularizada a situação registral do prédio, (…) e os seus sucessores pagaram o IMI relativo à parcela da “Courela dos (…)” inscrita na matriz predial da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, sob o artigo 2 da Secção (…), da qual faz parte o Terreno.
63. (…) faleceu em 30 de janeiro de 2017, no estado de viúvo e sem testamento.
64. Por escritura de 21 de março de 2017, lavrada no Cartório Notarial de (…), habilitaram-se como únicos herdeiros de (…) os seus seis filhos: (…), (…) (cabeça-de-casal), (…), (…), (…) e (…).
65. Em 14 de junho de 2017, foi registada na Conservatória de Registo Predial a aquisição, por sucessão, do prédio n.º (…) da freguesia de Pinhal Novo a favor dos herdeiros de (…) identificados no artigo anterior.
66. Desde o falecimento de (…) e até à presente data, são os seus herdeiros que se encontram em poder do Terreno, praticando os atos acima identificados nos pontos supra de forma ininterrupta, pública e pacífica, de boa-fé, à vista de todos, na convicção de que a propriedade do Terreno pertence à herança indivisa aberta por óbito de seu pai e de não lesar direitos de terceiros.
67. Porém, no dia 1 de junho de 2018, pelas 20 horas e 40 minutos, o Autor foi surpreendido pelo Réu (…), quando invadia o Terreno com um trator.
68. Nessa altura este Réu interpelou o Autor, advertindo-o de que estava a invadir propriedade privada, ordenando-lhe que retirasse o trator e abandonasse o local.
69. Perante a atitude do aqui Autor e sentindo-se ameaçado, o Réu (…) chamou a Guarda Nacional Republicana (“GNR”), a qual levantou auto de notícia, tendo por fim o Autor abandonado o local decorrido algum tempo.
70. O Réu apresentou diversas queixas junto deste órgão de polícia criminal, inclusive uma queixa-crime aperfeiçoada, a qual sistematiza todas as queixas efetuadas anteriormente, encontrando-se o correspondente processo crime em fase de instrução no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal – Juiz 1 (Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal) com o NUIPC 363/18.1GFSTB.
71. Perante o comportamento do Autor e com receio de que este pudesse voltar a tentar invadir o Terreno, os herdeiros de (…), ora Réus, decidiram vedar o perímetro exterior da parcela inscrita sob o artigo 2 da Secção (…) na parte que confronta com a estrada municipal (…).
72. Para esse efeito, contactaram a empresa “Global Chance” para construir a vedação, tendo os trabalhos de colocação da vedação sido iniciados no dia 16 de junho de 2018, estando presentes todos os Réus.
73. Todavia, nesse dia, pelas 11 horas e 30 minutos, o Autor, acompanhado de outras pessoas, apareceu no local e começou a injuriar e ameaçar os Réus.
74. Nesse momento e apesar de a GNR estar presente, o Sr. (…), primo do Autor e instigado por este, deitou parte da vedação abaixo, arrancando as estacas, conforme consta do auto de notícia n.º 162/18, datado de 16 de junho de 2018.
75. De seguida, em face da presença e do efeito dissuasor da GNR, o Autor, o seu primo (…) e demais pessoas acabaram por abandonar o local.
76. Como consequência destes factos, o Réu (…) apresentou nova queixa-crime contra o Autor.
77. E, a fim de impedir que o Autor tornasse a invadir a “Courela dos (…)” com o seu trator, os Réus (…) e (…) iniciaram a construção de uma vala / talude em substituição da referida vedação, na extrema do Terreno, no confinamento com a via pública.
78. Sucede, porém, que, no dia 27 de abril de 2019, o Autor e um terceiro por si contratado, identificado como sendo o Sr. (…), invadiram o Terreno em causa com o objetivo de tapar a vala / talude.
79. O Autor e o terceiro por si contratado, o Sr. (…), só abandonaram o local depois da intervenção da GNR, sem que tivessem logrado os seus intentos, já que o talude foi reposto e mantém-se no local até aos dias de hoje.
80. Desde então, o Autor não voltou a perturbar a posse dos Réus e demais herdeiros do falecido Sr. (…) sobre o Terreno.
E foram julgados como não provados os seguintes factos:
a) O pagamento anual de 168$00 a (…) ou ao seu filho, (…), acima referido, tinha a natureza de “foro”.
b) O Autor, os demais herdeiros e os seus antecessores porque estiveram ligados à terra, que cultivavam, durante mais de cem anos, sempre consideraram que o prédio lhes pertencia, por serem titulares do domínio útil.
c) Foram os antecessores do Autor, rendeiros, designadamente o bisavô, (…) ou (…), e os avós, que desbravaram a terra, que haviam recebido inculta, cheia de mato maninho, tornando-a produtiva.
d) Tendo aqueles cultivado a courela para pastagens.
e) Os antecessores do A. utilizavam as pastagens, extraiam e vendiam cortiça, cuidavam dos pinheiros mansos, colhiam e vendiam as pinhas.
f) Praticando os atos de cultivo e de exploração do terreno em causa nos autos à vista de toda a gente, de boa fé, convencidos de que não lesavam o direito de ninguém.
g) E sem oposição de ninguém.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões já elencadas.

1 – Impugnação da matéria de facto
Considera o recorrente que, em face da aplicação aos presentes autos da presunção prevista no art. 3.º, da Lei n.º 108/97, de 16-09, a alínea c) dos factos não provados deve ser dada como provada.
Vejamos.
Consta da alínea c) dos factos não provados que:
c) Foram os antecessores do Autor, rendeiros, designadamente o bisavô, (…) ou (…), e os avós, que desbravaram a terra, que haviam recebido inculta, cheia de mato maninho, tornando-a produtiva.

Dispõe, por sua vez, o artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16-09, que:
Para os efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, presume-se que as terras foram dadas de arrendamento no estado de incultas ou em mato se não houver contrato escrito ou ele for omisso quanto ao estado de terras e o arrendamento subsistir há mais de 50 anos.

Esta presunção só se aplica para efeitos dos DL n.º 547/97, de 16-09, porém, constitui pressuposto para a aplicação do referido Decreto Lei, que a pessoa que se pretende valer de tal diploma legal possua, na qualidade de rendeiro, a posse dos terrenos rurais ou que, tendo sido judicialmente despejada pelo senhorio, no prazo de dois anos, após tal despejo, venha requerer à comissão arbitral o “regresso” às terras (artigos 1.º e 8.º do DL n.º 547/97, de 16-09).
Acontece, porém, que resulta da matéria de facto dada como provada, e não impugnada pelo recorrente, que a posse do terreno em litígio nos presentes autos pertenceu, pelo menos desde 1989, a (…) e seus sucessores, sobretudo, após a morte daquele, ao Réu (…), tendo estes, ao longo dos anos, nesse terreno, enfardado os fenos naturais que crescem nos espaços abertos; procedido à remoção e venda de cortiça de sobreiros nos anos de 1992, 2002 e 2012; colhido, vendido ou autorizado terceiros a colher esporadicamente pinhas; autorizado pastores locais a apascentarem as suas ovelhas e cabras no terreno; realizado passeios a pé e a cavalo; e atravessado o terreno a pé, com animais, com máquinas agrícolas e com outros veículos (factos provados 42 a 48).
Resultou, igualmente, provado, e não foi impugnado pelo recorrente, que, ao longo da década de 1990, (…) autorizou esporadicamente que o terreno fosse utilizado por um clube recreativo local, para uma carreira de tiro aos pratos; e que, por volta de 1998, (…) e o seu filho, o Réu (…), traçaram uma pista de motocross no terreno, a qual foi continuamente utilizada pelos seus familiares, amigos e sucessores desde então e até à presente data (factos provados 50 e 54).
Provou-se também, e sem qualquer impugnação por parte do recorrente, que (…) vivia na própria “Courela dos (…)”, que engloba o terreno dos autos, o qual se encontra a uma distância de poucas centenas de metros da sua casa de habitação, sendo que foi (…) e, depois dele, os ora Réus, enquanto seus sucessores, quem praticou os atos acima referidos de forma ininterrupta, pública e pacífica, de boa-fé, à vista de todos, na convicção de ser ele o verdadeiro e único dono do terreno e de não lesar direitos de terceiros (factos provados 57, 58 e 66).
Foi também (…) e os seus sucessores quem, por diversas vezes, participaram criminalmente de furtos noturnos de cortiça dos sobreiros existentes na “Courela dos (…)”, incluindo no terreno dos autos; e que, por diversas vezes, ao longo das décadas de 1990, 2000 e 2010, quem diligenciou no sentido de expulsar grupos de etnia cigana que pretendiam acampar no terreno, conforme factos que foram dados como provados e que não foram impugnados pelo recorrente (factos provados 55 e 56).
De igual modo, resultou provado, e não foi impugnado pelo recorrente, que por escritura de 02-06-2008, lavrada no Cartório Notarial de (…), em Setúbal, (…) justificou a posse pública, pacífica, ininterrupta e de boa-fé, por mais de 20 anos, da parcela da “Courela dos (…)”, inscrita na matriz predial da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, sob o artigo 2 da Secção (…), onde se inclui o terreno dos autos, e invocou a sua aquisição por usucapião, sendo tal escritura publicitada através de anúncio publicado na página 5 do Jornal do Concelho de Palmela, de sábado, (…) de 2008, tendo, em 23-07-2008, passado a constar do registo da Conservatória do Registo Predial de Palmela a aquisição por usucapião, a favor de (…), da parcela “Courela dos (…)”, e, desse então, o respetivo IMI foi sendo pago pelo referido (…) e, posteriormente, pelos seus sucessores, (factos provados 59 a 62).
Resultou também provado, não tendo sido impugnado, que, em 14-06-2017, foi registado, na Conservatória de Registo Predial de Palmela, a aquisição, por sucessão, do referido prédio, a favor dos herdeiros de (…) (facto provado 65).
É verdade que se provou igualmente que esporadicamente o Autor procurou invadir ou delimitar o terreno dos Réus, como aconteceu em 1993 (factos provados 51 a 53), em 01-06-2018 (factos provados 67 a 69), em 16-06-2018 (factos provados 72 a 75) e em 27-04-2019 (factos provados 78 e 79), sendo que, de todas as vezes, foi pelos Réus e seus antecessores expulso do local, nunca mais tendo voltado a perturbar a posse dos Réus sobre os terrenos desde 27-04-2019.
Ora, da matéria dada como provada resulta à saciedade que o recorrente, Autor nos presentes autos, não preenche os requisitos de que depende a aplicação do DL n.º 547/97, de 16-09, visto que não possui a posse do terreno, cuja defesa da posse peticiona, desde, pelo menos, 1989, pelo que não se encontra na situação prevista no artigo 1.º do DL n.º 547/97, de 16-09, não sendo, desde tal data, arrendatário ou rendeiro do referido terreno (isto para já não falar da circunstância de as rendas terem deixado de ser pagas desde janeiro de 1986 – facto provado 14; e de a situação de …, bisavô do Autor, se reportar a um subarrendamento e não a um arrendamento – facto provado 12).
Aliás, apesar da presunção da propriedade do referido terreno a favor de (…), que resulta do registo de propriedade se encontrar efetuado em nome deste, na Conservatória do Registo Predial de Palmela, desde 23-07-2008, sempre se dirá que, no caso concreto, provaram-se também os atos de posse sobre o referido terreno de (…) e respetivos sucessores.
Importa ainda referir que é requisito para aplicação do referido DL n.º 547/97, de 16-09, que o terreno, quando tenha sido dado de arrendamento, estivesse inculto ou em mato e que se tenha, entretanto, na vigência do arrendamento, se tornado produtivo, mediante o trabalho e investimento do rendeiro (artigo 1.º do referido DL). Ora, se para a situação do terreno ser inculto vigora a presunção constante do citado artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16-09, o que, de qualquer maneira, também não obsta à realização de prova em contrário, sempre se dirá que inexiste qualquer presunção relativamente à circunstância de o terreno se ter tornado produtivo, mediante o trabalho e investimento do rendeiro.
No caso em apreço, não só o Autor não fez prova deste segundo aspeto (produtividade do terreno, mediante o trabalho e investimento do rendeiro), como resultou provado que, em 1980, a “Courela dos (…)” encontrava-se ao abandono, com casas em ruínas e campos por cultivar, sendo a parcela que havia sido subarrendada a (…) uma zona mal frequentada, abandonada e inculta. Ora, também por este motivo, jamais o DL n.º 547/97, de 16-09, poderia ser aplicado à situação dos autos.
Assim, não sendo de aplicar ao Autor o disposto no DL n.º 547/97, de 16-09, também não pode o mesmo beneficiar da presunção constante do artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16-09.
Improcede, assim, a pretendida alteração fáctica requerida pelo recorrente.

2 – Vigência do contrato de arrendamento
Considera o recorrente que o contrato de arrendamento de prédios rústicos celebrado entre (…) e seu filho com o seu bisavô (…) e mulher se mantem até aos dias de hoje, uma vez que nunca ocorreu declaração de resolução de contrato de arrendamento, nem ação de despejo.
Vejamos.
Consta da matéria dada como provada que, por escritura pública lavrada em 27-11-1852, no Cartório Notarial de Lisboa n.º 1, D. (…), deu de arrendamento a (…), pelo prazo de 99 anos, a “Courela dos (…)”, e que, por escritura lavrada em 09-12-1910, os herdeiros de (…) transmitiram o referido arrendamento para (…), tendo este e o seu filho (…) dividido a “Courela dos (…)” em parcelas e subarrendado as mesmas a diferentes sub-rendeiros, tendo, em data não concretamente apurada, subarrendado uma dessas parcelas a (…), bisavô do Autor (factos provados 1, 4, 5 e 12).
Resultou também provado que (…) e mulher pagavam a renda anual de 168$00 a (…) ou ao seu filho (…) até que estes deixaram de ir cobrar a renda, em data que se situa a partir de 31-12-1951, passando então os herdeiros de (…) e mulher, a depositá-la na CGD, o que aconteceu até janeiro de 1986 (factos provados 13 e 14).
Por fim, resultou provado que, em 1980, a “Courela dos (…)” encontrava-se ao abandono, com casas em ruínas e campos por cultivar, sendo que a parcela que havia sido subarrendada a (…) era uma zona mal frequentada, abandonada e inculta (factos provados 18 e 19).
Daqui resulta, em síntese, que o Autor, na qualidade de herdeiro de (…), seu bisavô, sucedeu-lhe no âmbito de um contrato de subarrendamento, e não no âmbito de um contrato de arrendamento, visto que foi o arrendatário do referido terreno que subarrendou o mesmo ao bisavô do Autor. Acresce que não resulta dos factos provados que tivesse, em algum momento, sido transferida a posição do arrendatário, no contrato de arrendamento, para o bisavô do Autor, sendo que este e respetivos sucessores sempre entregaram a renda devida aos arrendatários e nunca aos proprietários do terreno.
Por sua vez, conforme resulta da leitura do contrato de arrendamento junto aos autos, foi feito consignar que decorridos os noventa e nove anos os arrendatários e seus sucessores não mais teria direito a arrendar tal terreno (“começarem no primeiro de Janeiro de mil oitocentos cincoenta e tres, para findarem em ao ultimo de Dezembro de mil nove centos cincoenta e um, ou o que na verdade seja, contanto que o Rendeiro, seus herdeiros e sucessores fruão da courella arrendada, noventa e nove novidades seguidas e completas, e mais não”), pelo que, sendo essa a vontade das partes, e inexistindo prova de que houve renovação, a extinção do contrato de arrendamento ocorreu em 31-12-1951.
Atente-se que foi exatamente a partir dessa data que o bisavô do Autor deixou de entregar as rendas aos arrendatários (…) ou ao seu filho (…) e passou a depositá-las na CGD.
Importa referir que o Código Civil de Seabra, no seu artigo 1618.º, apenas permitia a renovação do contrato de arrendamento dos prédios rústicos, após o termo do contrato, por um ano, e apenas se se mantivesse a fruição, sem oposição, do prédio pelo arrendatário. Ora, no caso em apreço, e em face da prova dada como assente, os arrendatários, a partir de 31-12-1951 deixaram de fruir do prédio rústico arrendado, razão pela qual deixaram de receber as rendas relativas ao subarrendamento do bisavô do Autor.
Dir-se-á ainda que a proibição do subarrendamento rural total e a permissão do subarrendamento parcial desde que autorizado, para cada caso, pelo senhorio, prevista na Base XIX, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 2114, de 15-07-1962, caso o contrato de subarrendamento dos autos ainda se mantivesse em vigor, não seria de lhe aplicar, visto a eventual renovação ter ocorrido em 31-12-1951 e, enquanto, inexistisse nova renovação, tal diploma não se lhe aplicaria (conforme Base XXVIII, n.º 1, da referida Lei). O mesmo se diga relativamente à proibição prevista no artigo 1078.º do Código Civil, na versão do DL n.º 47344/66, de 25-11, em face ao que dispõe o seu artigo 12.º.
Diferentemente, porém, o que aconteceria com a proibição de subarrendamento, total ou parcial, prevista no artigo 24.º, n.º 1, do DL n.º 201/75, de 15-04, que já se aplicava aos subarrendamentos anteriormente existentes, pelo que, caso o contrato de subarrendamento rural dos autos existisse à data da entrada em vigor deste Diploma, sempre seria considerado inexistente (n.º 4 do artigo 24.º), a menos que o subarrendatário tivesse, à data, feito a prova exigida pelo n.º 5 desse artigo (que explorava efetivamente o terreno subarrendado, situação em que substituiria automaticamente o rendeiro nas condições estipuladas no respetivo arrendamento, que passaria a valer como contrato de arrendamento direto entre o senhorio e o sub-rendeiro, sem prejuízo da assinatura de novo contrato, dentro do prazo de noventa dias a contar da entrada em vigor deste diploma, o que constituía obrigação recíproca do senhorio e do sub-rendeiro), o que manifestamente não foi feito pelo sub-rendeiro antecessor do Autor.
De igual modo, a Lei n.º 76/77, de 29-09 (Lei do Arrendamento Rural), veio proibir, no seu artigo 36.º, o subarrendamento, total ou parcial, a arrendatários que não fossem o Estado ou autarquias locais, aplicando-se a referida Lei aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor (artigo 49.º), sendo que, a partir desta data, já não se aplicava a exceção prevista no n.º 5 do artigo 24.º do DL n.º 201/75, de 15-04.
Pelo exposto, se o contrato de subarrendamento se mantivesse em vigor, o que não era o caso, sempre seria julgado inexistente, devido à proibição prevista no DL n.º 201/75, de 15-04 e posteriormente na Lei n.º 76/77, de 29-09.
Importa ainda referir que, a partir de 01-07-1989, os contratos de arrendamento rurais, e necessariamente, os contratos de subarrendamento rurais (no caso de serem admissíveis), tinham de ter obrigatoriamente a forma escrita, mesmo no que diz respeito aos contratos já em vigor, conforme resulta do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 36.º, n.º 3, do DL n.º 385/88, de 25-10, tendo, assim, sido concedido um prazo superior a seis meses para que as partes regularizassem a situação dos contratos de arrendamentos verbais ou de subarrendamentos verbais (desde que permitidos), anteriormente celebrados.
Deste modo, caso o referido contrato de subarrendamento se mantivesse em vigor a partir de 01-07-1989, que como já se referiu, não foi o caso dos autos, e permanecendo o referido contrato de subarrendamento na forma verbal, sempre tal subarrendamento teria de ser considerado nulo, por falta de forma, nos termos do artigo 294.º do Código Civil.
Dir-se-á, por fim, que, no âmbito do contrato de subarrendamento rural invocado pelo Autor, deixou de haver pagamento de rendas desde janeiro de 1986 e que o Autor deixou de ter a posse do referido terreno desde, pelo menos, 1989.
Importa, assim, concluir que o contrato de arrendamento, no âmbito do qual foi celebrado o contrato de subarrendamento que o Autor invoca, cessou em 31-12-1951, tendo, desse modo, igualmente cessado o contrato de subarrendamento invocado pelo Autor, uma vez que inexistiu qualquer transmissão da posição do arrendatário para o bisavô do Autor.
Acresce que, desde a entrada em vigor do DL n.º 201/75, de 15-04, sempre os contratos de subarrendamentos rurais seriam considerados inexistentes, por proibidos.
E, por fim, a partir de 01-07-1989, os contratos de arrendamento rurais, e necessariamente, os contratos de subarrendamento rurais, tinham de ter obrigatoriamente a forma escrita, o que não acontecia com o contrato de subarrendamento rural invocado pelo Autor, pelo que, a partir daquela data sempre seria nulo tal contrato.
Pelo exposto, improcede também nesta parte a pretensão do recorrente.

3 – Aplicabilidade do DL n.º 547/74, de 22-10
Entende o recorrente que é de lhe aplicar o DL n.º 547/74, de 22-10, por estarmos perante um arrendamento de longa duração relativo a terras no estado de incultas ou em mato e que se tornaram produtivas mediante trabalho e investimento do rendeiro, enquadrando-se o terreno em disputa nestes autos no âmbito geográfico de aplicação do referido Decreto-Lei.
Mais referiu que, encontrando-se o contrato de arrendamento em vigor, por ter havido uma cessão da posição contratual do anterior arrendatário para o seu bisavô, é de aplicar à situação dos autos, o referido Decreto-Lei e a presunção prevista no artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16-09, possuindo, assim, o Autor os requisitos para requerer a remissão prevista no citado Decreto-Lei.
Ora, relativamente à inaplicabilidade quer da presunção prevista no artigo 3.º da Lei n.º 108/97, de 16-09, quer do DL n.º 547/74, de 22-10, já nos pronunciamos na parte relativa à impugnação da matéria de facto, dando aqui por reproduzidos tais fundamentos.
Por sua vez, quanto à questão relativa ao contrato de subarrendamento e da sua não vigência atual também já nos pronunciamos no ponto antecedente.
Quanto ao direito à remissão do arrendamento por parte do Autor, por não ser esse o pedido formulado pelo Autor nestes autos, não nos pronunciaremos, sendo certo que concluímos que o DL n.º 547/74, de 22-10, não se aplica ao Autor.
Assim, também quanto a este ponto, nos termos já supra apreciados, improcede a pretensão do Autor.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente (artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 23 de Maio de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Maria Domingas Alves Simões

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho; 2.ª Adjunta: Maria Domingas Alves Simões.