Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2308/24.0T8SLV-A.E1
Relator: SUSANA FERRÃO DA COSTA CABRAL
Descritores: PRESCRIÇÃO
INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. A prescrição do crédito reclamado no requerimento de injunção constitui uma exceção perentória que não é de conhecimento oficioso, dependendo, por isso, de ser invocada, pela parte interessada, para ser conhecida (artigos 303.º do CC e 579.º do CPC).

II. Não tendo o recorrente deduzido oposição ao requerimento de injunção – momento em que poderia ter invocado a prescrição – fica impedido de o fazer, posteriormente, em sede de embargos à execução, em virtude da preclusão estabelecida no artigo 14.º A , n.º 1 do DL 269/98, de 1 de setembro.

III. Assim, a petição de embargos de executado deve ser liminarmente indeferida quando o seu único fundamento consiste na invocação da prescrição do crédito reclamado em sede de requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e apresentado à execução.

Decisão Texto Integral: *

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,

1. Relatório:


Por apenso à execução sumária para pagamento da quantia de € 4155,22, que Hefesto Stc S.A instaurou, o executado AA deduziu oposição por embargos de executado, pedindo que seja julgada provada e procedente a exceção perentória de prescrição e, consequentemente, extinta a presente execução, com a absolvição do executado do pedido.


Em abono da sua pretensão invoca que a dívida em causa alegadamente vencida em 31-10-1996, ou seja, há mais de 28 anos, encontra-se prescrita, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.


Esta petição de embargos foi indeferida liminarmente, em 19 de março de 2025 com os seguintes fundamentos, em síntese:

• “Está assente que o Executado/Embargante foi citado pessoalmente no procedimento injuntivo e, que, no prazo legal que lhe foi conferido, não deduziu qualquer oposição do dito procedimento. Com efeito, nada em sentido oposto foi sequer alegado em sede de petição inicial.

• O único fundamento apresentado para fundamentar a oposição é a prescrição da obrigação exequenda, mais concretamente alegando que tal prescrição se completou em 16 de Outubro de 2016.

• O requerimento de injunção deu entrada a 18 de Dezembro de 2023, sendo-lhe conferida força executiva a 11 de Julho de 2024.

• A prescrição já se encontrava completa antes mesmo de a injunção ser instaurada e, por maioria de razão, quando foi ali citado para se opor.

• A prescrição não é uma exceção de conhecimento oficioso.

• A prescrição, tal como invocada, não se enquadra em nenhuma daquelas alíneas do artigo 729.º.

• o que conduz à preclusão da invocação da prescrição como fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção, ao qual foi, entretanto, aposta fórmula executória em consequência da falta de dedução de oposição.


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Inconformado com esta decisão liminar, o Embargante interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:

A. A Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” viola, entre outros, o disposto nos artigos 14.º-A, nº2, alínea b) do DL. 269/98, o artigo 729.º, alínea g) e o artigo 857.º nº1 ambos do CPC, e ainda o artigo 20º da CRP.

B. O Recorrente não se conforma com a decisão de indeferimento liminar dos embargos de executado com fundamento na ausência de oposição no procedimento injuntivo e interpõe o presente Recurso para reapreciação da matéria.

C. O Tribunal “a quo” baseou a decisão na preclusão dos meios de defesa, sem aplicar a exceção prevista no artigo 14.º-A, nº2, alínea b) do DL. 269/98.

D. A prescrição, como facto extintivo da obrigação, deveria ter sido admitida nos termos do artigo 729.º, alínea g), do CPC.

E. No caso, não houve discussão em processo de declaração, apenas a aposição da fórmula executória ao requerimento de injunção.

F. O Recorrente não teve qualquer oportunidade processual para invocar, perante um juiz, a prescrição, o que viola manifestamente os seus direitos fundamentais ao contraditório e à defesa.

G. A norma prevista pelo artigo 857.º nº1 do CPC, quando interpretada de forma a restringir os fundamentos de oposição à execução, configura uma inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, conforme declarado pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 264/2015, de 12 de Maio.

H. Impõe-se, assim, a revogação da decisão recorrida e o recebimento dos embargos por forma a conhecer da prescrição invocada.


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Não foram oferecidas contra-alegações.


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Questões a decidir:


Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do Código de Process Civil, importa, no caso, apreciar e decidir de o fundamento invocado pelo embargante – prescrição - é válido para a oposição à execução baseada em requerimento de injunção.


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2. Fundamentação

1. Resulta da sentença que o Tribunal considerou assente a seguinte matéria de facto que não foi impugnada pelo Recorrente:

1. Hefesto STC SA apresentou no Balcão Nacional de Injunções, no dia 18-12-2023, requerimento de injunção solicitando a notificação do Recorrente AA, no sentido de lhe ser paga a quantia de € 2481,47, acrescida de juros até integral e efetivo pagamento, correspondendo 808€ ao capital em dívida e € 1596,89 a juros vencidos desde 21-01-1996.

2. O executado/embargante foi notificado pessoalmente, por alguma das formas previstas no n.º 2 a 5 do artigo 225.º e advertido de que se não deduzisse oposição não poderia alegar mais tarde por que motivos considerava não ter a obrigação de pagar o valor que lhe era exigido

3. No dia 11-07-2024, não tendo sido deduzida oposição, foi aposta fórmula executória pelo Secretário de Justiça ao requerimento de injunção.

4. No dia 25-11-2024, a recorrida intentou execução sumária para pagamento da quantia de €4155,22, apresentando como título executivo o referido requerimento de injunção.


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2.2. Reapreciação jurídica da causa – saber se o fundamento invocado – prescrição do crédito – é válido para a oposição à execução fundada em injunção.


O Tribunal a quo considerou que o fundamento invocado pelo Recorrente - prescrição do crédito reclamado, ocorrido em 2016 - podia ter sido deduzido em sede de oposição ao requerimento de injunção e que não tendo o executado deduzido oposição, apesar de notificado pessoalmente pessoalmente e com a advertência devida, não o pode fazer agora, em sede de embargos de executado.


O embargante defende que a sentença viola os artigos 14.º A, n.º 2 alínea b) do DL 269/98, o artigo 729.º, alínea g) e o artigo 857.º, n.º 1, ambos do CPC e ainda o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Vejamos.


Está em causa uma oposição à execução para pagamento de quantia certa, fundada em requerimento de injunção no qual, face à não oposição do Requerido, ora executado e embargante, foi aposta fórmula executória, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1 do DL 269/98, de 1 de setembro.


O referido requerimento de injunção foi apresentado no dia 18/12/2023, ou seja, já na vigência do artigo 14º-A do regime anexo do DL n.º 269/98, de 1/9, aditado pela Lei n.º 117/2019, de 13/9.


Este artigo 14.º A, aliás citado pelo Recorrente, tem como epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição” e dispõe que:


1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2. - A preclusão prevista no número anterior não abrange:

a. (…)

b. A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;

c. (…)


A referida Lei n.º 117/2019 alterou também artigo 857º do CPC que prescreve sobre os “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção” e que estipula que:
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.

2 – (…)

      3. 3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
          a. Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;

          b. Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.”

O artigo 729.º alínea g) que o Recorrente invoca ter sido violado prescreve que a oposição à execução pode ter como fundamento “g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;”.


Destas normas resulta que verificada a notificação do requerido do requerimento de injunção, com a advertência sobre o efeito cominatório, no caso de o requerido/executado não deduzir oposição, ocorre, em regra a preclusão dos meios de defesa que o requerido poderia ter invocado na oposição, não podendo, por isso mais tarde e designadamente nesta sede de embargos de executado vir opor-se com esses fundamentos.


No caso, ficou assente que o executado foi notificado pessoalmente do requerimento de injunção e podia desde logo ter invocado a prescrição, o que não fez.


Por conseguinte, bem andou a sentença ao considerar que não sendo a exceção de prescrição de conhecimento oficioso, conforme aliás resulta do artigo 303.º do Código Civil e 579.º do CPC, ficou precludida a sua invocação, sendo que ao contrário do que o Recorrente pretende do citado artigo 729.º resulta precisamente que a prescrição do crédito só se tivesse ocorrido após ter sido conferida força executiva é que poderia ter sido invocada. Ora, foi o próprio executado que referiu que a alegada dívida era de 1996 e que prescreveu em 16-10-2016.


Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto de 16-01-2024 (Processo n.º 1171/23.3T8LOU-A.P1)1.


Note-se que a partir do momento em que há um título executivo (o que sucedeu com a aposição da fórmula executória) o novo prazo de prescrição é o estabelecido no artigo 311.º do CC (Direitos reconhecidos em sentença ou outro título executivo).


Concluindo, o Tribunal a quo não violou o disposto no artigo 14.º, n.º 2 alínea b) do DL 269/98 conjugado com o artigo 729.º, alínea g), nem o artigo 857.º do CPC , nem tão pouco o artigo 20.º da CRP, que consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, porquanto o executado não estava impedido de invocar a prescrição, tinha era que o fazer no momento oportuno, ou seja, quando foi notificado para deduzir oposição ao requerimento de injunção. As preclusões estabelecidas no processo civil constituem precisamente mecanismos processuais para conciliar os princípios da celeridade e do acesso ao direito.


Conforme explica Abrantes Geraldes in “A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 8.ª Edição , página 125, em anotação a este artigo 14.º A “O instituto da preclusão assenta nos princípios da economia processual, da segurança jurídica e da boa-fé e a preclusão temporal a que este normativo se reporta visa obstar a que o requerido no procedimento de injunção faça valer a posteriori nos embargos à ação executiva, os meios de defesa que podia ter deduzido face ao requerente na fase a isso destinada, ou seja, na quinzena subsequente à respetiva notificação do requerimento de injunção, mas que não deduziu.”.


Por todo o exposto, importa julgar o recurso totalmente improcedente e confirmar a sentença recorrida.


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Relativamente às custas do recurso, vai o recorrente condenado nas mesmas porque ficou vencido, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.


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3. Decisão


Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, e em consequência, confirma-se a sentença recorrida.


Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. *


Évora, 2 de outubro de 2025


Susana Ferrão da Costa Cabral (relatora)


Ricardo Miranda Peixoto (1.ª Adjunto)


José António Moita (2.º Adjunto)

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1. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4d055aee3ad5fced80258acb005ca574?OpenDocument, com o seguinte sumário:

“I - Se a requerida não tiver apresentado oposição ao requerimento de injunção- na qual poderia ter invocado a prescrição dos créditos reclamados-, não pode mais invocá-la em sede de embargos à execução por força da preclusão prevista no art. 14º-A nº 1 do DL nº 269/98 de 1.09, conforme determina o art. 857º nº 1 do CPC.

II - A prescrição dos créditos reclamados no requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória consubstancia uma excepção peremptória, que não é de conhecimento oficioso (art. 579º do CPC e art. 303º do CC).

III -Não sendo admissível a invocação da prescrição em sede de embargos de executado numa execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória por falta de apresentação de oposição e, não tendo sido neles suscitada a nulidade da citação, sempre os embargos de executado teriam de ser liminarmente indeferidos de acordo com o disposto no art. 732º nº 1 al. b) e c) do CPC.”.↩︎