Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1263/21.3T8PTM.E2
Relator: ANA PESSOA
Descritores: COVID
EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DESISTÊNCIA DO DONO DA OBRA
INDEMNIZAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora):

I. A pandemia de COVID19 constituiu “indubitavelmente uma perturbação de largo espectro, que afetou e afeta de modo particularmente violento todo o equilíbrio da vida social, pondo em causa o modo de vida das comunidades, com reflexos numa multiplicidade de sujeitos, sectores económicos e relações negociais”.


II. Não é apenas o instituto previsto no artigo 437º do Código Civil que os efeitos da pandemia no contrato dos autos são suscetíveis de convocar, existindo “operadores jurídico-dogmáticos mais neutros (em relação às exigências objectivas da justiça ou da equidade postuladas pelo art. 437.º/1), como os da impossibilidade, temporária ou parcial, do cumprimento, da inexigibilidade de cumprimento, da regra de conduta segundo a boa fé do art. 762.º/2, do conflito de direitos ou do abuso do direito” que permitem enfrentar “perturbações no programa obrigacional sem recorrer ao art. 437.º/1 e ao poder de intervir no conteúdo dos contratos que o preceito lhes confere”1.


III. A declaração infundada da resolução do contrato de empreitada pelo dono da obra equivale à desistência prevista e regulada no art. 1229º do Cód. Civil;


IV.- A indemnização devida pelo dono da obra incide: i) – em primeiro lugar, sobre os gastos e trabalho, sem se atender à utilidade que a parte executada possa ter para o dono. ii) – em segundo lugar, sobre o proveito que o empreiteiro poderia tirar da obra completa e não apenas do que foi executado.


V. Como facto constitutivo do direito (artº 342º, nº 1, CC), compete ao empreiteiro alegar e provar o custo dos trabalhos e despesas com a execução parcial da obra, bem assim o proveito que deixou de obter.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1263/21.3T8PTM.E2

Portimão – Juízo Central Cível - Juiz 1


Comarca de Faro


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ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


I.RELATÓRIO


AA e mulher BB intentaram a presente ação de processo comum contra "Construções ..., Lda.", pedindo que esta seja condenada a devolver-lhes o montante de € 94.783,62 (noventa e quatro mil setecentos e oitenta e três euros e sessenta e dois cêntimos e cumulativamente pagar a quantia de € 207.215,67 (duzentos e sete mil duzentos e quinze euros e sessenta e sete cêntimos) a titulo de indemnização por acréscimos de custos resultantes da necessidade de substituição de empreiteiro, tal como previsto na clausula 23.º do “Contrato de Empreitada”.


Alegaram para tanto, e em síntese, prejuízos decorrentes de incumprimento de contrato de empreitada entre as partes celebrado, por atraso na realização das obras, que motivou os Autores a resolver o contrato, e que vieram a verificar que o que haviam pago à R. constituía valor superior ao do efetivamente incorporado pela R. em obra, sentindo-se lesados por tal, ao que acresceram os prejuízos decorrentes de terem tido de pagar mais a outro empreiteiro para concluir a obra.


Citada, a Ré ofereceu contestação, alegando que o custo do incorporado em obra foi real e verificado pelo fiscal de obras a serviço dos Autores e que o atraso nos trabalhos se deveu a caso de força maior, motivado pela pandemia de covid-19, bem como a indecisões dos Autores, nomeadamente quanto à instalação de ar condicionado.


Concluindo que não existiu fundamento para a rescisão do contrato, invocou que lhe assistiria o direito a receber uma indemnização por lucros cessantes, em função dessa rescisão infundada, pelo que concluiu dever a ação ser considerada improcedente por não provada e a Ré ser absolvida de todos os pedidos e formulou pedido reconvencional, de que, em consequência sejam os AA. condenados a pagar à Ré do montante € 56.014,90 (cinquenta e seis mil e catorze euros e noventa cêntimos).


Os Autores replicaram, mantendo o alegado na petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.


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Realizada a audiência final veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:


“Pelo exposto, o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena a R. a pagar aos AA. o montante de € 86.100 (oitenta e seis mil e cem euros), acrescido de juros à taxa legal, contados desde o trânsito da presente decisão até integral pagamento.


Absolve-se a R. do demais peticionado.


Julga-se ainda improcedente a reconvenção e absolvendo-se os AA. do aí contra si peticionado.


Custas da ação por AA. e R., na proporção do decaimento, que se fixa em 70% para os AA. e 30% para a R., e da reconvenção, na totalidade, pela R..


Registe e notifique.”


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A Ré, não se conformando com a sentença prolatada, dela interpôs recurso, tendo este Tribunal da Relação proferido Acórdão em 26.10.2023, com o seguinte dispositivo:


“Pelo exposto, acordam em anular a decisão proferida em 1ª instância, a fim de no Tribunal Recorrido ser conferida às partes "a possibilidade de se pronunciar" sobre o aditamento do facto – “os constrangimentos e limitação da atividade da Ré em consequência da citada pandemia de COVID19 determinaram um atraso equivalente a quatro meses de trabalho na concreta obra dos autos” elaborando, depois, nova decisão em face do que desse exercício resultar.”


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Notificadas as partes, o Autor requereu a respetiva prestação de declarações, a Ré apresentou requerimento que terminou, pugnando pela absolvição do pedido.


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Foi depois proferida sentença, em que se decidiu:


“Pelo exposto, o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena a R. a pagar aos AA. o montante de € 41.000 (quarenta e um mil euros), acrescido de juros à taxa legal, contados desde o trânsito da presente decisão até integral pagamento.


Absolve-se a R. do demais peticionado.


Julga-se ainda improcedente a reconvenção e absolvendo-se os AA. do aí contra si peticionado.


Custas da ação por AA. e R., na proporção do decaimento, que se fixa em 85% para os AA. e 15% para a R., e da reconvenção, na totalidade, pela R..


Registe e notifique.”


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De novo irresignada, recorreu a Ré apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:


I) O tribunal a quo em face do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de 26.10.2023, que decidiu “(…) anular a decisão proferida em 1ª instância, a fim de no Tribunal Recorrido ser conferida às partes "a possibilidade de se pronunciar" sobre o aditamento do facto – “os constrangimentos e limitação da atividade da Ré em consequência da citada pandemia de COVID19 determinaram um atraso equivalente a quatro meses de trabalho na concreta obra dos autos” elaborando, depois, nova decisão em face do que desse exercício resultar.”, e depois de nova audiência de julgamento, proferiu nova sentença e, considerou a ação intentada pelos Recorridos parcialmente procedente e, foi a aqui Recorrente o montante de € 41.000,00 (quarenta e um mil euros), acrescido de juros à taxa legal, contados desde o trânsito da presente decisão até à integral decisão. Mais decidiu o tribunal a quo absolver a Recorrente do demais peticionado e, julgar improcedente a reconvenção e absolver os Recorridos do aí peticionado.


II) O Tribunal a quo aditou dois factos novos, o facto número 11, nos termos mandados aditar pelo Douto Tribunal da Relação, com o qual se concorda integralmente e não se podia de deixar de dar como provado e, o facto número 17, porém, da prova produzida não se pode dar por provado o novo facto 17 pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo errou e não fez a costumada justiça, o que motiva a apresentação do presente recurso.


III) A Recorrente e os Recorridos celebraram em 1 de setembro de 2019, contrato de empreitada, para a construção de uma moradia unifamiliar com garagem e piscina, no Lote A, da Urbanização do ..., em ..., propriedade dos Recorridos, tendo sido estipulado que a obra tinha o seu início no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data da emissão do alvará de construção e deveria estar concluída no prazo máximo de 12 (doze) meses.


IV) A recorrente iniciou a construção e os trabalhos de empreitada foram-se desenvolvendo normalmente durante o ano de 2019 mas, em Março de 2020 chegou a Portugal a pandemia do COVID -19 e, obrigou a constrangimentos e desaceleração do ritmo de trabalho e, neste sentido, a Recorrente viu a sua atividade ser limitada, quer porque a empresa teve vários trabalhadores seus infetados, ou em confinamento profilático por contactos com infetados, quer por tal ter ocorrido com fornecedores e subempreiteiros seus, atrasando entregas de bens e serviços em obra, quer ainda, na própria prestação de serviços das subempreitadas, que devido aos constrangimentos de circulação e do próprio contacto entre pessoas, foi severamente prejudicada. Situação que se prolongou por vários meses, como é do conhecimento geral.


V) A verdade é que os efeitos e consequências da pandemia começaram rapidamente a refletir-se e a prejudicar o andamento dos trabalhos, tendo a Recorrente comunicado tal facto aos Recorridos, por mensagem de correio eletrónico em 11 de Novembro de 2020, conforme factos dados como provado nos pontos 9 e 10 da Douta sentença recorrida.


VI) A legislação excecional aprovada para o combate à pandemia, com o intuito de impedir a sua propagação, restringiu direitos e liberdade constitucionais, não podendo esta realidade que se viveu e, da qual ainda se sente os efeitos, deixar de ser qualificada como uma grande alteração das circunstâncias, pois é evidente que a mesma atingiu profundamente o equilíbrio de toda a sociedade, estando fora do controlo das Partes contratantes e, causou constrangimentos em todos os setores, nomeadamente e, para o que aqui importa, no fornecimento de bens e serviços e, no normal desenvolvimento das obras, prejudicando severamente o normal decorrer dos trabalhos, provocando atrasos na obra em causa, que não eram expectáveis nem previsíveis aquando da realização do contrato de empreitada.


VII) Em todas as obras há um risco previsível de atrasos, mas, este risco previsto, é um risco previsível do que é normal acontecer e do normal desenvolvimento de uma obra. O covid-19 e as medidas excecionais que foram tomadas no combate ao mesmo, nomeadamente, o decretamento do estado de emergência e respetiva legislação que daí adveio, provocou atrasos que não se podem de forma alguma enquadrar neste risco previsível, traduzindo-se na ocorrência de uma perturbação do contexto em que se insere o próprio contrato de empreitada e, da base e dos termos do que foi acordado e estabelecido entre as Partes.


VIII) É uma situação excecional e imprevisível, tendo necessariamente o princípio da boa-fé, que impor um alargamento, in casu, do limite do prazo do contrato, acrescendo ao seu termo, os meses em que se estabeleceram medidas de prevenção e combate a esta pandemia, ou seja, o prazo estabelecido no contrato de empreitada, não previa nem tinha como prever, esta alteração anormal das circunstâncias, sendo que esta cláusula em específico não contemplava nem a situação pandémica do covid-19, nem a legislação excecional aprovada para mitigar e fazer face a esta pandemia.


IX) Pelo que, é necessário fazer, forçosamente, uma conjugação entre o regime consagrado no artigo 437.º do código civil, que prevê o instituto da alteração superveniente das circunstâncias e a legislação excecional aprovada em resposta à pandemia, verificando-se in casu, uma alteração das circunstâncias dos termos acordados no contrato, por uma situação causada por um motivo imprevisível e de força maior, denominado pandemia covid-19, tendo de resultar a manutenção do contrato de empreitada, com adiamento do cumprimento das obrigações dele resultantes, nomeadamente, do prazo estabelecido para a conclusão dos trabalhos, ao invés da sua resolução. Sem prescindir,


X) Não considerando ser de aplicar o regime do artigo 437.º n.º 1 do CC, da alteração das circunstâncias, não se pode deixar de recorrer ao regime da impossibilidade temporária do cumprimento do presente contrato de empreitada, segundo o princípio da boa-fé prevista no n.º 2 do artigo 762.ºdo CC.E, tal impossibilidade temporária resultante de todas as perturbações provocadas pela pandemia do covid-19, tem de resultar forçosamente o poder de intervir no conteúdo dos contratos, com a consequente manutenção do contrato de empreitada sub judice, com adiamento do cumprimento do prazo estabelecido para a conclusão dos trabalhos a levar a cabo na concreta obra dos autos.


XI) Pelo que, tais atrasos, não podem ser imputáveis à Recorrente, não podendo, em virtude da alteração anormal das circunstâncias ou da figura da impossibilidade temporária do cumprimento do presente contrato de empreitada, segundo o princípio da boa-fé, advir qualquer consequência jurídica para a Recorrente, nem podiam os Recorridos ter resolvido unilateralmente o contrato de empreitada nos termos em que o fizeram, não devendo a Recorrente ser condenada a pagar qualquer valor aos Recorridos pelo atraso verificado na obra que se deveu e, tal resultou provado da prova produzida, à pandemia covid-19.


XII) E tal, resultou das declarações de Parte do legal representante da Recorrente e, do depoimento das testemunhas, que a pandemia do covid-19 perturbou severamente o andamento e o normal desenvolvimento dos trabalhos de empreitada, levados a cabo pela Recorrente na obra dos


Recorridos, e que a legislação excecional aprovada durante a pandemia, nomeadamente, a referente aos confinamentos obrigatórios e restrição à liberdade de contactos e de circulação de pessoas e bens, colocou a Recorrente numa situação de inexigibilidade face ao cumprimento dos prazos previstos no contrato de empreitada, nomeadamente, o prazo para a conclusão da obra.


XIII) Mais resultou do depoimento do arquiteto responsável pelo projeto, CC – que o tribunal a quo considerou ter sido a testemunha fundamental para a fixação da matéria de facto - que ia frequentemente à obra verificar os trabalhos e, inclusive era o canal de ligação entre a Recorrente e os Recorridos, explicou que o ano de 2020 foi um “ano caricato” devido ao covid-19, e declarou que devido à pandemia se perdeu quatro meses de obra;


XIV) Também a testemunha DD, que à data trabalhava para a Recorrente, explicou que a seu ver a pandemia foi a principal razão para os atrasos verificados na obra, uma vez que levou a uma redução drástica de trabalhadores, havendo inclusive uma altura em que só a testemunha se encontrava a trabalhar na obra dos Recorridos e, mais declarou que cerca de 70% da obra decorreu no pico da pandemia;


XV) Resultou igualmente das declarações de Parte do Recorrido AA, que a pandemia do covid-19 perturbou severamente o andamento e o normal desenvolvimento dos trabalhos de empreitada, levados a cabo pela Recorrente na obra em causa nos autos e, que concordou com o prolongamento do prazo da conclusão da obra, e que estava aceite entre as Partes que a conclusão da obra seria prolongada até janeiro ou fevereiro de 2021 devido ao impacto da pandemia covid19 no desenvolvimento dos trabalhos, pelo que, resultou provado que quando em 29.01.2021 os Recorridos enviaram à Recorrente carta registada com A/R, resolvendo unilateralmente o contrato, nesta data e, atenta as reais circunstâncias que se viviam e o que foi acordado entre as Partes, os Recorridos não tinham fundamento para resolver o presente contrato de empreitada nos termos em que o fizeram, porque o prazo de conclusão da obra ainda não se mostrava ultrapassado.


XVI) Mais resultou das declarações de parte do Recorrido, AA, que o motivo para querer resolver o contrato não foi por considerar que a obra já deveria estar concluída em final de janeiro de 2021, mas sim, por eventuais problemas financeiros da Recorrente, no entanto, a alegada falta de liquidez do empreiteiro ou perda de confiança não é razão para a resolução do presente contrato de empreitada, nem isso estava contratualmente previsto.


XVII) Assim, estando ainda a obra em prazo, não tinham os Recorridos fundamento para resolver o contrato e, contratar outro empreiteiro para terminar a obra, nos termos em que o fizeram, não tendo a aqui Recorrente qualquer responsabilidade, porque cumpriu o que estava contratualmente estipulado e, o que posteriormente foi conversado e acordado entre as Partes. Devendo a Recorrente ser absolvida dos pedidos, não devendo ser condenada a pagar qualquer valor aos Recorridos. Sem prescindir


XVIII) O Tribunal a quo, aditou como provado o facto número 17, ora não se pode aceitar a adição, porque este facto novo não foi alvo do direito do exercício do contraditório pela Recorrente e, porque não foi isso que resultou das declarações de parte da Recorrente e das testemunhas Arquiteto CC e do legal representante da empresa de ar-condicionado, EE.


XIX) Pois, o Arquiteto CC no seu depoimento não referiu que estas subempreiteiras não iam à obra por falta de pagamento das faturas, nem mencionou ter conhecimento de tal facto, e era este quem fazia a ligação/comunicação entre as partes. Quanto à subempreitada relacionada com a eletricidade não foi ouvida qualquer testemunha em audiência de julgamento, nem junto qualquer documento, para prova do alegado pelo Recorrido nas suas declarações de parte.


XX) E, a testemunha EE, não referiu no seu depoimento qualquer problema relacionado com falta de pagamento, mas sim, que por alteração no sistema de ar-condicionado inicialmente previsto e orçamento, houve atrasos na aprovação do novo projeto e orçamento, tendo resultado que houve o integral pagamento, tanto que assim que foi aprovado o novo projeto e orçamento, ainda com a Recorrente em obra, a testemunha EE, procedeu à instalação dos ares condicionados na obra dos Recorridos.


XXI) Ora, a verdade é só uma, e os Recorridos só resolveram o presente contrato, devido à existência de litígio com a Recorrente, noutra obra que estava em curso, ao mesmo tempo que a concreta obra dos autos, mas em nada tinha a ver com a obra sub judice.


XXII) Mais se acrescenta que, a Relação mandou as partes pronunciarem-se sobre o aditamento do facto “os constrangimentos e limitação da atividade da Ré em consequência da citada pandemia de COVID19 determinaram um atraso equivalente a quatro meses de trabalho na concreta obra dos autos”, e apenas sobre este! Pelo que, as declarações de parte do Recorrido excederam o objeto do novo julgamento e, não houve possibilidade de contraditório, pelo que não podem ser admitidas para se dar um facto novo como provado.


XXIII) Não obstante, não correspondendo à verdade que os Recorridos resolveram o contrato por falta de liquidez da Recorrente, nem por perda de confiança, nem sequer por atraso na conclusão da obra, só pode o ora aditado Facto número 17 ser dado como não provado.


XXIV) E, em consequência, deve o atual facto 18 dado como provado que foi alterado parcialmente por adição do facto 17, ser alterado e deve o anterior facto número 16 dado como provado na anterior sentença, em face da prova produzida nos autos, permanecer como facto dado como provado. Sem prescindir,


XXV) Por outro lado, os Recorridos decidiram em outubro de 2020 e, só nesta data (o que desde logo prova que os Recorridos consideravam que nesta data a obra estava ainda dentro do seu normal desenvolvimento e dentro do prazo estabelecido para a sua conclusão), instalar na cave sistema centralizado de climatização (ar condicionado) por conduta, bem como pretenderam instalar sistema de chão radiante, uma e outra situação não constando do inicialmente contratado entre as partes (que incluía a instalação de ar condicionado com máquinas individuais por divisão - murais), e tal não constava do inicialmente contratado, pelo que os trabalhos a realizar em obra e respetivos custos tinham de ser redefinidos e aprovados pelos Recorridos, para que a Recorrente pudesse dar continuidade aos mesmos.


XXVI) A empresa instaladora do sistema de ar condicionado – “ADM - Climatização e Renováveis Lda”, comercialmente denominada ENAT, subcontratada pela Recorrente para a instalação do ar condicionado em toda a moradia – para a redefinição do orçamento e dos equipamentos a instalar, solicitou a aprovação de desenhos técnicos, porquanto o ar condicionado por conduta é um trabalho muito específico, as condutas são feitas à medida e, para esta empresa mandar fazer as peças, necessita e exige sempre prévia aprovação do layout e, só posteriormente a esta aprovação é que mandam fazer as peças.


XXVII) A Recorrente solicitou aos Recorridos, através de email e do arquiteto do projeto, CC, a aprovação dos desenhos técnicos enviados pela empresa instaladora. Porém, a Recorrente nunca recebeu resposta dos Recorridos, e ficou a aguardar que estes a informassem em conformidade e se aceitavam a revisão do orçamento, uma vez que os ares condicionados de conduta, têm valor muito superior aos ditos “normais” que estavam inicialmente previstos no contrato e, ficaram a aguardar a aprovação dos desenhos técnicos, o que obrigou a Recorrente a aguardar por essas instruções, não podendo avançar com os trabalhos sem tais diretivas, nem podia a Recorrente prosseguir com os trabalhos, que estavam dependentes da prévia instalação das condutas, nomeadamente, pavimentos, trabalhos de colocação de alumínios, azulejos e pinturas interiores;


XXVIII) Tais alterações, implicaram atraso na obra, mas não por culpa da Recorrente, pois esta insistia por informação e aprovação, mas tão só por falta de decisões por parte dos Recorridos, que não respondiam ou transmitiam a informação necessária à Recorrente.


XXIX) Quanto a esta matéria, resultou das declarações de parte do legal representante e do depoimento das testemunhas que os donos da obra em outubro de 2020, pediram alterações ao inicialmente contratado, resultou também do depoimento da testemunha, Arquiteto, CC, que os Recorridos solicitaram alterações aos trabalhos em Outubro de 2020, nomeadamente relativas ao ar condicionado por conduta e chão radiante na cave, que não estavam inicialmente previstas, tendo sido necessário reajustar o orçamento e trabalhos a executar, mais declarou que o Dono da Obra considerava que nesta altura ainda considerava normal a obra estar a decorrer;


XXX) A testemunha FF, explicou que era ela quem enviava os e-mails aos Recorridos, com conhecimento da Recorrente, nomeadamente e-mails a solicitar informações de trabalhos a executar ou sobre os materiais a empregar e, os Recorridos ou demoravam muito tempo a responder ou nem sequer respondiam e, que tais demoras ou ausência de respostas, levaram a atrasos na obra, porquanto sem tais respostas a Recorrente não podia avançar com os trabalhos;


XXXI) Também a testemunha DD, disse ter conhecimento sobre o pedido de alteração dos Recorridos para o sistema de ar condicionado por conduta, que não estava inicialmente previsto e, que houve uma situação com o pé direito, em que não havia resposta para que a Recorrente pudesse avançar com os trabalhos; Sem prescindir


XXXII) Ora, resulta que os atrasos verificados na obra em causa nos autos, resultaram, por um lado, por motivos estranhos à vontade da empreiteira, aqui Recorrente e que constituem força maior, e por outro lado, se ficou também a dever à falta de decisão atempada dos Recorridos quanto a materiais a utilizar e a trabalhos a realizar, nomeadamente e com mais expressão, as alterações pretendidas ao sistema de ar condicionado na cave, sendo manifesto abuso de direito dos Recorridos, na modalidade de venire contra factum proprium, por terem dado, ou pelo menos contribuído, para o atraso na obra e depois vir invocá-lo contra a Recorrente.


XXXIII) Mais se diga que, os Recorridos nunca invocaram atrasos em nenhuma das fases da obra. Se houve incumprimento do prazo final, teria de ter havido incumprimento do prazo de qualquer das fases, ou de várias e, os Recorridos deveriam ter invocado logo esse atraso e não apenas o atraso a final.


XXXIV) Resultou provado que os atrasos, para além dos motivos de força maior, decorreram do contributo dos próprios Recorridos, pelo que, nunca tal motivo poderá ser atendível ou valorado para efeitos de legitimidade de resolução unilateral, com direito à indemnização ou penalidade pretendidas, ou a qualquer outra; Sem prescindir,


XXXV) A Recorrente tinha em curso outra obra, cuja Dona da Obra, era a sociedade, HQL, Lda, da qual o aqui Recorrido marido é sócio e, no decorrer desta outa obra surgiram problemas, nomeadamente, quando a pagamentos, tendo a aqui Recorrente intentado ação cível contra esta empresa. A proposição da referida ação, coincidiu exatamente com o momento que em os Recorridos enviaram missiva a resolver o contrato de empreita com a Recorrente, com o fundamento em atrasos na obra.


XXXVI) Pelo que, o facto de a Recorrente ter intentado ação contra a sociedade de que o Recorrido é sócio, levou a que os Recorridos, por retaliação, tomassem esta atitude de resolução do contrato de empreitada celebrado com a Recorrente. Sem prescindir,


XXXVII) Mais resultou provado, que se perdeu, pelo menos, quatro meses de obra, conforme depoimento da testemunha, Arquiteto CC, autor do projeto e que estava na obra ao serviço dos Recorridos.


XXXVIII) Pelo que, este período de tempo, em que a Recorrente se viu impossibilitada de avançar com os trabalhos devido à pandemia, tem que ser acrescido ao final do prazo estabelecido no contrato, ou seja, se os trabalhos se tinham que iniciar até 09.09.2019, os dozes meses inicialmente previstos para a conclusão da obra, terminavam, em 09.09.2020. Mas, acrescendo ao seu termo os quatro meses que resultou provado que se perdeu de obra, os trabalhos deviam estar concluídos até 09.01.2021.


XXXIX) Mais se diga, que em outubro de 2020, foram solicitadas alterações de trabalhos e materiais a utilizar e trabalhos extra, que não estavam inicialmente previstos, o que tem que forçosamente implicar uma alteração da calendarização em conformidade com os mesmos.


XL) Mas, não obstante, ainda assim, resulta do disposto na cláusula 22º do contrato de empreitada que “Os Donos da Obra poderão resolver o presente contrato (…) 1) Se a Empreiteira não concluir, os trabalhos no prazo de 75 dias contados da data acordada na clausula 4º do presente contrato.”, ou seja, só havia motivo para resolução contratual dos Dono da Obra, por atrasos na conclusão dos trabalhos de empreitada, se a Empreiteira ultrapasse o prazo de 75 dias do seu termo previsto. Assim, acresceu ao termo do prazo o período de quatro meses, sendo que o prazo previsto para a conclusão, passou para dia 09.01.2021. Se adirmos os 75 dias previsto no n.º1 da cláusula 22ª do contrato, os Donos da Obra, só poderiam resolver o contrato com fundamento no atraso da conclusão dos trabalhos, a partir de 25.03.2021.


XLI) Ou seja, quando os Recorridos enviaram à Recorrente, carta registada com A/R, em 29.01.2021, para resolução unilateral do contrato, invocando o n.º1 da cláusula 22º do contrato de empreitada, não tinham a esta data, fundamento para resolver o contrato de empreitada sub judice, pelo que, a resolução contratual levada a cabo pelos Recorridos carece de fundamento, não podendo ser a Recorrente condenada como foi na Douta sentença, a pagar aos Recorridos a quantia de € 41.000,00, acrescido de juros moratórios à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento, ou qualquer outro valor.


XLII) Assim, resulta claro e evidente, que nenhuma responsabilidade pode ser assacada à Recorrente pela não continuidade dos trabalhos e pela contratação de novo Empreiteiro, porque a Recorrente foi impedida de continuar com a obra, por decisão unilateral dos Recorridos. Portanto, não tem a Recorrente qualquer responsabilidade pelo eventual acréscimo de custo que para os Recorridos, porque tal decisão foi unilateral e só a eles responsabiliza.


XLIII) Para além de que, não foi feita prova pelos Recorridos, que o orçamento apresentado pelo novo Empreiteiro, correspondia ao da Recorrente, ou seja, com os mesmos trabalhos a executar, os mesmos materiais a empregar e os mesmos parâmetros que estavam previstos no contrato de empreitada celebrado entre as aqui Partes, mas a verdade é que não foi feita qualquer prova, tendo necessariamente este pedido de improceder por não provado e por falta de fundamento para resolução do contrato pelos Recorridos, como atrás se deixou demonstrado e provado, devendo a Recorrente ser absolvida de todos os pedidos.


XLIV) Sendo ilícita a resolução do contrato de empreitada pelos Recorridos, por falta de fundamento legal ou contratual, tal resolução implica a obrigação dos Recorridos, de indemnizar a Recorrente pelo que a lei prevê para os trabalhos a menos que é a frustração do ganho, ou seja, a compensação devida pela redução de trabalhos, por resolução ilegítima, ilícita e infundada do contrato de empreitada.


XLV) Pelo que, deve o valor peticionado em reconvenção, correspondente à indemnização à Recorrente por lucros cessantes, na proporção de 25% do valor de € 224.059,62 (duzentos e vinte e quatro mil e cinquenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos) que deveria ter sido faturado e não o foi, ser considerado procedente. Deste modo, deve a douta sentença ser alterada e, a título reconvencional, serem os Recorridos condenados a pagar à Recorrente o valor de € 56.014,90 (cinquenta e seis mil e catorze euros e noventa cêntimos), pelos lucros cessantes e decorrentes da resolução ilegítima unilateral do contrato de empreitada pelos Recorridos.


NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE:


A) SER A RECORRENTE TOTALMENTE ABSOLVIDA DOS PEDIDOS, ALTERANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA PARA TOTALMENTE ABSOLUTÓRIA PARA A RECORRENTE, NOS TERMOS PUGNADOS NAS PRESENTES ALEGAÇÕES, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS; E, EM CONSEQUÊNCIA:


B) SER DADO PROVIMENTO À RECONVENÇÃO DEDUZIDA PELA RECORRENTE NOS SEUS EXATOS TERMOS, SENDO OS RECORRIDOS CONDENADOS A PAGAR À RECORRENTE A QUANTIA DE € 56.014,90 (CINQUENTA E SEIS MIL E CATORZE EUROS E NOVENTA CÊNTIMOS), PELOS LUCROS CESSANTES E DECORRENTES DA RESOLUÇÃO ILEGÍTIMA UNILATERAL DO CONTRATO DE EMPREITADA PELOS RECORRIDOS.


ALTERANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA NOS TERMOS PUGNADOS NAS PRESENTES ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS; e SÓ, ASSIM, SE FAZENDO, A TÃO HABITUAL E COSTUMADA JUSTIÇA.


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Os Apelados responderam às alegações, concluindo da seguinte forma:


a) O Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova.


b) A Apelante deve ser condenada a pagar aos Apelados. o montante que venha a fixar em sede de retificação de sentença, nunca inferior a € 41.000,00 (quarenta e um mil euros), acrescido de juros à taxa legal, contados desde o trânsito da sentença recorrida até integral pagamento.


c) Ser confirmada a improcedência da reconvenção mantendo a absolvição dos Apelados do contra si peticionado.


Nestes termos, E nos demais de Direito, deve a apelação interposta pela Apelante ser declarada improcedente, sendo-lhe negado provimento, mantendo-se e confirmando-se na integra a douta sentença recorrida.


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Foi proferida decisão sobre o pedido de retificação formulado pela Apelante.


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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso


Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela Recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC) importa desde logo ter presente que o primeiro dos pedidos formulados – de devolução do montante de €94.783,62, que os Autores alegavam que seria o correspondente à diferença entre o valor que entregaram à Ré e o do trabalho e materiais efetivamente incorporados na obra - foi julgado improcedente, por se ter entendido, relativamente a este pedido:

“(…)Porém, o que é mais relevante para o caso dos autos é que existia um fiscal de obra, da confiança dos autores, o que contribuiu para que tudo o que foi pago pelos mesmos correspondesse a trabalho efetuado e a material incorporado na obra, sendo que do que se provou decorre que aquilo que foi efetuado e introduzido na obra foi faturado e pago, não tendo sido pago nada que não tenha sido efetivamente incorporado na obra em questão.

Assim sendo, independentemente da avaliação que o técnico contratado pelos AA. tenha feito em relação aos trabalhos efetuados pelo empreiteiro, o que acontece é que os autores pagaram aquilo que foi feito e aquilo que está feito tem o valor que as partes resolveram conceder-lhe.

Se, efetivamente, o valor do que foi feito incorporado na obra é inferior ao que deveria ser um valor justo de mercado, o certo é que espelha aquilo que as partes acordaram e foi fiscalizado e sancionado pelo fiscal de obra ao serviço dos autores, a quem cabia normalmente, para garantia destes, verificar o que era feito.

Como tal, ainda que se estimasse que o valor real daquilo que foi feito era inferior àquilo que os demandantes pagaram, o valor pago corresponde àquilo que constava do contrato para os trabalhos que foram feitos, pelo que se entende que este pedido não poderá proceder porque simplesmente os autores enquanto donos da obra nada têm direito a receber a este propósito.

Aqui se incluem também os custos com os pavimentos interiores e exteriores, bem como os materiais para finalização das casas de banho, alumínios e janelas, que estavam incluídos nos trabalhos a realizar pelo R. e não foram executados (não se demonstrando que foram realmente suportados pelos AA. perante a R., como decorre do que se disse).(…)”

Não versando o recurso interposto sobre tal segmento da decisão, importa concluir que neste segmento, a decisão se mostra transitada em julgado, apenas havendo que atender agora ao segundo pedido formulado pelos Autores, que foi julgado parcialmente procedente, relativo ao custo da conclusão da obra pelo novo empreiteiro, e ao pedido reconvencional.


Assim, relativamente a estes pedidos, no caso, por ordem lógica, são as seguintes as questões a apreciar:


- Da impugnação da matéria de facto;


- Se aos Autores assistia o direito a resolver o contrato de empreitada celebrado entre as partes;


- Na afirmativa, se lhes assiste o direito a serem indemnizados nos enunciados na decisão recorrida;


- Na negativa, se assiste à Ré o direito a ser indemnizada em conformidade com o pedido reconvencional que formulou.


*


III. Fundamentação


III.1. De facto


III.1.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:


1- Em 1 de setembro de 2019 foi outorgado “Contrato de Empreitada” entre os AA, e a R., o qual constitui o documento que se encontra junto com a p.i. com o nº 1 e com a contestação com o nº 2, aqui se dando o mesmo por integralmente reproduzido (artº 1º da p.i.).


2- A empreitada tinha como objeto a construção de uma moradia unifamiliar com garagem e piscina a edificar no prédio urbano sito na Urbanização do ..., ..., designado por lote A, propriedade dos AA. (artºs 2º da p.i. e 10º da contestação).


3- A empreitada foi adjudicada à R. pelo preço global de € 602.700,00 (seiscentos e dois mil e setecentos euros) com IVA incluído (artº 3º da p.i.).


4- Na Cláusula Quarta do “Contrato de Empreitada” foi estipulado o prazo de 12 meses para a conclusão da obra (artº 4º da p.i.).


5- Foi acordado que a Ré desenvolveria os trabalhos, faturaria de acordo com as fases estabelecidas e executadas, e os pagamentos seriam efetuados após a sua faturação (artº 12º da contestação).


6- Os AA. pagaram à R. no decurso dos trabalhos realizados o montante de € 421.890,00 (quatrocentos e vinte e um mil oitocentos e noventa euros) com IVA incluído (artº 5º da p.i.).


7- Estes pagamentos foram efetuados até 23/09/2020 (artº 6º da p.i.).


8- Os AA. escolheram e indicaram para responsável pela fiscalização da obra, pessoa da sua confiança, apresentado à Ré como Sr. GG, e nenhum trabalho foi feito pela Ré, sem que o fiscal estivesse a par e, sem que tivesse possibilidade de controlar todo o desenvolvimento da obra, tendo este ficado responsável por esclarecer os AA. das dúvidas que estes tivessem no decurso dos trabalhos (artº 13º da contestação).


9- Os trabalhos foram-se desenvolvendo até ao momento em que a pandemia de COVID-19 obrigou a constrangimentos e desaceleração do ritmo de trabalho, porque a empresa teve trabalhadores seus infetados, ou em confinamento profilático, por e por tal ter ocorrido com fornecedores e subempreiteiros seus, atrasando entregas e serviços em obra (artºs 14º a 16º e 37º a 39º da contestação).


10- Por esta situação se estar a verificar e a limitar a atividade da Ré, esta transmitiu-a aos AA, por mensagem de correio eletrónico enviada a 11 de novembro de 2020, cuja cópia se encontra junta como documento nº 3 da contestação (resposta ao artº 17º da contestação).


11- Os constrangimentos e limitação da atividade da Ré em consequência da citada pandemia de Covid19 determinaram um atraso equivalente a quatro meses de trabalho na concreta obra dos autos (facto mandado aditar pela Relação).


12- Durante o ano de 2020 os AA. decidiram instalar na cave sistema centralizado de climatização (ar condicionado) por conduta na moradia, bem como pretenderam ali colocar sistema de chão radiante, uma e outra situação não constando do inicialmente contratado, pelo que teve a Ré que aguardar que, na sequência do solicitado pelo fornecedor, os AA. tomassem decisões quanto a essa instalação e adequação dos trabalhos em obra e respetivos custos para se redefinirem os trabalhos em conformidade (artºs 18º a 21º da contestação).


13- A Ré informou por escrito os AA., em email datado de 27 de outubro de 2020, de que o Sr. Fiscal de Obra tinha referido que estes trabalhos eram necessários, mas que estes não integravam o orçamento inicial, pelo que aguardava confirmação tão breve quanto possível, para evitar o atraso nos trabalhos, sendo que os AA. não deram resposta por escrito ao supra referido email, e a R. enviou ainda aos AA. em 1 de fevereiro de 2021, o email que se encontra junto como documento nº 5 da contestação, sendo que o arquiteto CC, que se encontrava ao serviço dos AA., disse à R. para avançar com o projeto de ar condicionado, que entretanto foi aprovado (artºs 22º a 27º da contestação).


14- A obra nunca se encontrou parada por a R. aguardar a aprovação do projeto de climatização (artºs 12º e 13º da réplica).


15- Em 22 de janeiro de 2021, a R. enviou ao Arquiteto CC, responsável pelo projeto e que também ligava a atividade da Ré aos donos da obra, o email que constitui o documento nº 6 da contestação, ao que aquele arquiteto reiterou a informação que já antes tinha transmitido à R., de que a pedra já anteriormente se encontrava escolhida (artºs 28º, 40º e 41º da contestação).


16- A R. não concluiu a obra no prazo estipulado no “Contrato de Empreitada” (artº 7º da p.i.).


17- Não obstante o referido em 11 destes factos provados, os AA., que manifestaram num primeiro momento concordância com a R. em que (devido à pandemia de Covid-19) o prazo de conclusão das obras fosse prorrogado até janeiro ou fevereiro de 2021, perderam a confiança na R. ao ser-lhes comunicado, em setembro de 2020, pelo fornecedor dos pavimentos que estes não haviam sido ainda encomendados pela R. e ao ser-lhes comunicado pelos subempreiteiros de ar condicionado e de eletricidade, em outubro ou novembro de 2020, que só regressariam à obra quando a R. lhes pagasse, o que não estava a acontecer (artºs 8º da p.i., 30º da contestação e 6º e 7º da réplica).


18- E, por terem perdido a confiança na R., os AA. enviaram à R. carta registada com A/R., datada de 29 de janeiro de 2021, não estando ainda nessa data a obra concluída, onde manifestaram a sua intenção de resolver o Contrato de Empreitada, invocando os termos conjugados das cláusulas Vigésima Segunda, n.º 1 (que previa a possibilidade de resolução pelos AA. se a obra não estivesse concluída no prazo de 75 dias desde o final do 12º mês posterior à celebração do contrato), Vigésima Terceira (que previa que se o contrato fosse resolvido pelos AA. com base num dos fundamentos previstos na cláusula Vigésima Segunda estes teriam direito a uma indemnização equivalente ao acréscimo de custo resultante da necessidade de substituição do empreiteiro, acrescido de 5% a título de penalidade) e Vigésima Quarta (que previa que os AA. poderiam, nos casos anteriores, tomar posse de obra, sem direito de retenção pelo empreiteiro), sendo que tal documento constitui o documento nº 9 junto com a p.i. (artºs 8º da p.i., 30º da contestação e 6º e 7º da réplica).


19- No dia 24 de fevereiro de 2021, pelas 9h30, realizou-se uma vistoria à obra onde participaram os representantes dos AA. e da R., para que ficasse assente o estado e condições em que a obra era entregue aos AA. por vontade destes, tendo as partes elaborado o relatório que se encontra junto como documento nº 9 da contestação, tendo aí fotográfica e descritivamente ficado registado o executado e o estado de execução (artºs 9º da p.i. e 4º e 43º da contestação).


20- Após cumprida a vistoria operou-se a resolução do Contrato de Empreitada tendo os AA. tomado posse da obra (artº 10º da p.i.).


21- Em 30 de março de 2021, foi contratado pelos AA. um perito avaliador certificado, que realizou uma inspeção à obra, tendo elaborado o “Relatório de Avaliação” que se encontra junto como documento 10 da p.i. (artº 11º da p.i.).


22- O “Relatório de Avaliação” avaliou o valor da obra. em € 327.106,67 (trezentos e vinte e sete mil cento e seis euros e sessenta e sete cêntimos) com IVA incluído (artº 12º da p.i.).


23- Os AA. contrataram um novo empreiteiro para terminar a obra (artº 16º da p.i.).


24- O empreiteiro contratado pelos AA. para finalização da obra apresentou um orçamento para realização dos trabalhos no valor de € 348.951,00 (trezentos e quarenta e oito mil novecentos e cinquenta e um euros) com IVA incluído (artº 17º da p.i.).


25- A somar aos custos orçamentados para os trabalhos a realizar pelo novo empreiteiro, os AA. tiveram de pagar os custos com os pavimentos interiores e exteriores, bem como os materiais para finalização das casas de banho, alumínios e janelas, que estavam incluídos nos trabalhos a realizar pelo R. e não foram executados (artº 18º da p.i.).


26- O custo dos pavimentos está orçamentado em € 50.633,65 (cinquenta mil seiscentos e trinta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), com IVA incluído (artº 19º da p.i.).


27- O custo do equipamento para as casas de banho está orçamentado em € 17.283,58 (dezassete mil duzentos e oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos) com IVA incluído (artº 20º da p.i.).


28- O custo dos alumínios e janelas está orçamentado em € 56.073,65 (cinquenta e seis mil e setenta e três euros e sessenta e cinco euros) com IVA incluído (artº 21º da p.i.).


29- A sociedade aqui Ré, embora se possa dedicar, estatutariamente à atividade de compra de imóveis para revenda e revenda dos adquiridos para esse fim, tem-se dedicado principalmente à construção civil, mediante empreitadas (artº 9º da contestação).


30- A Ré respondeu à missiva dos AA. por email do dia 4 de fevereiro de 2021, com carta anexa, expressamente não aceitando os fundamentos invocados pelos AA. para a resolução do contrato, por considerar que o atraso na obra não lhe era imputável, resposta essa que constitui o documento junto com a contestação com o nº 8, referindo considerar estar perante um caso de força maior e que, por isso, não havia incumprimento definitivo do contrato, uma vez que pretendia terminar os trabalhos contratados (artºs 33º, 34º, 96º e 111º da contestação).


31- Ainda assim, os AA. insistiram na resolução do contrato, não pretendendo continuar (artº 35º da contestação).


32- Apesar de não querer deixar a obra, o sócio-gerente da Ré, como os AA. continuaram irredutíveis na decisão tomada, aceitou comparecer no encontro em obra no dia 24 de fevereiro de 2021, pelas 9h30, para que se procedesse à vistoria da obra (artºs 42º e 44º da contestação).


33- Nunca os AA. colocaram em causa os trabalhos realizados e materiais utilizados pela Ré, que tinham sido objeto de aprovação do seu Fiscal, nem antes lhe expressaram pessoalmente descontentamento com o andamento dos trabalhos, sendo que o contrato se desenvolvia por fases e em nenhuma fase os AA. invocaram qualquer atraso, sem embargo de o Arquiteto CC, ao serviço dos AA., ter insistido com a R. para a necessidade de se avançar com a conclusão da obra (artºs 45º e 48º da contestação).


34- A Ré cessou a empreitada, porque tal prossecução não seria possível contra a vontade expressa dos AA., não aceitando a Ré responsabilidade pela não continuidade dos trabalhos (artºs 46º e 47º da contestação).


35- Os pagamentos efetuados pelos AA. foram-no em execução das faturas emitidas e estas foram-no em função dos trabalhos realizados, porque os AA. tinham, desde o início, um fiscal de obra, que a acompanhava e validava o que era feito antes de ser pago e que tomava as decisões perante a Empreiteira em nome dos AA., os quais, ao pagarem as faturas emitidas o fizeram porque o seu Fiscal validou a realização dos trabalhos, como efetivamente feitos (artºs 50º a 52 e 91º da contestação).


36- A estrutura de betão estava totalmente concluída (artº 61º da contestação).


37- A instalação elétrica e de telecomunicações, foi feita por subempreiteiro (artº 69º da contestação).


38- Os AA. receberam e aceitaram a obra como lhes foi entregue, na sequência do relatório decorrente da visita conjunta à obra realizada, no estado em que estava e sem vícios, no momento em que a mesma lhes foi entregue pela Ré (artºs 99º e 100º da contestação).


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III.1.2. Na sentença recorrida foi considerada não provada a matéria dos artºs 29º, 62º, 64º, 66º a 68º, 73º a 75º, 81º a 85º, 90º, 101º e 104º da contestação e 9º da réplica.


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III.1.3. Na sentença recorrida consignou-se que não se respondeu à matéria dos artsº 13º a 15º e 22º a 27º da p.i., 1º a 3º, 5º a 8º, 11º, 31º, 32º, 36º, 49º, 53º a 60º, 63º, 65º, 70º, 72º, 76º a 80º, 86º a 89º, 92º a 95º, 97º, 98º, 102º, 103º, 105º a 110º e 112º a 126º da contestação e 1ºa 4º, 6º, 8º, 10º, 11º e 14º a 23º, por se considerar o respetivo teor conclusivo.


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III.2. Da Impugnação da Matéria de Facto.


Nos artigos 18 e 19 das alegações de recurso a Apelante faz referência aos factos provados e não provados com os quais concorda e discorda, da seguinte forma:

“18.º

A Recorrente concorda e dá por reproduzidos os factos dados como provados nos pontos 1 a 13, 16, 19, 20, 23, 29 a 32, primeira parte do facto 33 e, 34 a 38.

19.º

Não concordando com os restantes pontos elencados nos factos dados como provados, por os mesmos não corresponderem à prova produzida nos autos e não concorda que os factos 29º, 62º, 64º, 66º a 68º, 73º a 75º, 81º a 85º, 90º, 101º e 104º da contestação, sejam dados como não provados, o que motiva as presentes alegações.”


Parece depreender-se de tal alegação que pretende impugnar a decisão relativamente aos seguintes pontos:


- Dos factos provados:

14- A obra nunca se encontrou parada por a R. aguardar a aprovação do projeto de climatização (artºs 12º e 13º da réplica).

15- Em 22 de janeiro de 2021, a R. enviou ao Arquiteto CC, responsável pelo projeto e que também ligava a atividade da Ré aos donos da obra, o email que constitui o documento nº 6 da contestação, ao que aquele arquiteto reiterou a informação que já antes tinha transmitido à R., de que a pedra já anteriormente se encontrava escolhida (artºs 28º, 40º e 41º da contestação).

17- Não obstante o referido em 11 destes factos provados, os AA., que manifestaram num primeiro momento concordância com a R. em que (devido à pandemia de Covid-19) o prazo de conclusão das obras fosse prorrogado até janeiro ou fevereiro de 2021, perderam a confiança na R. ao ser-lhes comunicado, em setembro de 2020, pelo fornecedor dos pavimentos que estes não haviam sido ainda encomendados pela R. e ao ser-lhes comunicado pelos subempreiteiros de ar condicionado e de eletricidade, em outubro ou novembro de 2020, que só regressariam à obra quando a R. lhes pagasse, o que não estava a acontecer (artºs 8º da p.i., 30º da contestação e 6º e 7º da réplica)2.

18- E, por terem perdido a confiança na R., os AA. enviaram à R. carta registada com A/R., datada de 29 de janeiro de 2021, não estando ainda nessa data a obra concluída, onde manifestaram a sua intenção de resolver o Contrato de Empreitada, invocando os termos conjugados das cláusulas Vigésima Segunda, n.º 1 (que previa a possibilidade de resolução pelos AA. se a obra não estivesse concluída no prazo de 75 dias desde o final do 12º mês posterior à celebração do contrato), Vigésima Terceira (que previa que se o contrato fosse resolvido pelos AA. com base num dos fundamentos previstos na cláusula Vigésima Segunda estes teriam direito a uma indemnização equivalente ao acréscimo de custo resultante da necessidade de substituição do empreiteiro, acrescido de 5% a título de penalidade) e Vigésima Quarta (que previa que os AA. poderiam, nos casos anteriores, tomar posse de obra, sem direito de retenção pelo empreiteiro), sendo que tal documento constitui o documento nº 9 junto com a p.i. (artºs 8º da p.i., 30º da contestação e 6º e 7º da réplica).

21- Em 30 de março de 2021, foi contratado pelos AA. um perito avaliador certificado, que realizou uma inspeção à obra, tendo elaborado o “Relatório de Avaliação” que se encontra junto como documento 10 da p.i. (artº 11º da p.i.).

22- O “Relatório de Avaliação” avaliou o valor da obra. em € 327.106,67 (trezentos e vinte e sete mil cento e seis euros e sessenta e sete cêntimos) com IVA incluído (artº 12º da p.i.).

24- O empreiteiro contratado pelos AA. para finalização da obra apresentou um orçamento para realização dos trabalhos no valor de € 348.951,00 (trezentos e quarenta e oito mil novecentos e cinquenta e um euros) com IVA incluído (artº 17º da p.i.).

25- A somar aos custos orçamentados para os trabalhos a realizar pelo novo empreiteiro, os AA. tiveram de pagar os custos com os pavimentos interiores e exteriores, bem como os materiais para finalização das casas de banho, alumínios e janelas, que estavam incluídos nos trabalhos a realizar pelo R. e não foram executados (artº 18º da p.i.).

26- O custo dos pavimentos está orçamentado em € 50.633,65 (cinquenta mil seiscentos e trinta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), com IVA incluído (artº 19º da p.i.).

27- O custo do equipamento para as casas de banho está orçamentado em € 17.283,58 (dezassete mil duzentos e oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos) com IVA incluído (artº 20º da p.i.).

28- O custo dos alumínios e janelas está orçamentado em € 56.073,65 (cinquenta e seis mil e setenta e três euros e sessenta e cinco euros) com IVA incluído (artº 21º da p.i.).

33- Nunca os AA. colocaram em causa os trabalhos realizados e materiais utilizados pela Ré, que tinham sido objeto de aprovação do seu Fiscal, nem antes lhe expressaram pessoalmente descontentamento com o andamento dos trabalhos, sendo que o contrato se desenvolvia por fases e em nenhuma fase os AA. invocaram qualquer atraso, sem embargo de o Arquiteto CC, ao serviço dos AA., ter insistido com a R. para a necessidade de se avançar com a conclusão da obra (artºs 45º e 48º da contestação).

- Dos factos não provados, alegados nos seguintes artigos da contestação:

“29.º Portanto, esta não avançava ao ritmo desejado, não por culpa da Ré, mas por falta de decisões por parte dos AA.

62.º Quanto ao acabamento das paredes interiores e exteriores, nunca a percentagem de execução poderia ser de apenas 50%, uma vez que se encontravam todas terminadas, faltando apenas terminar a pintura, conforme é possível compreender pelas fotografias juntas ao referido relatório.

64.º No tocante ao Aquecimento e Climatização, o chão radiante encontrava-se completo, as condutas para o ar condicionado e a pré-instalação do painel solar ficaram acabadas, pelo que não se aceita percentagem de execução inferior a 45%.

66.º Relativamente aos acabamentos do pavimento, a Ré discorda porque estavam concluídas todas as betonilhas, sendo que estavam prontas a receber o pavimento, entendendo estar concluída a percentagem de obra de 35% a 40%.

67.º A R. discorda totalmente da avaliação dada aos trabalhos de águas e esgotos, por considerar que se encontrava tudo concluído e ligado à fossa, tanto que nada foi orçamentado por terceira empresa a esse respeito, pelo que nunca estaria executado a menos de 95%.

68.º A movimentação de terras encontrava-se integralmente terminada, porquanto o paisagismo não estava contratualmente previsto, de modo que deve esta categoria ser dada por concluída.

73.º No tocante à pintura, o Perito refere que apenas a pintura final estava em falta e avalia a execução da mesma na módica percentagem de 27%, contudo, a Ré procedeu à aplicação de primário e da primeira demão na parte exterior da moradia, pelo que apenas aceita a percentagem mínima de 40% de execução.

74.º A Ré entende que o isolamento térmico e acústico estava totalmente concluído.

75.º Já no que toca aos custos de estaleiro, não se compreende como possam ter sido contabilizados na realização do referido relatório, uma vez que estavam excluídos do contratado, de acordo com a alínea e) da Cláusula 8.ª e da Cláusula 12.ª do contrato de empreitada, mas nunca estes poderiam estar avaliados 55%.

81.º No tocante aos tetos falsos, foi concluída a colocação de toda a armação, tendo ficado em falta a aplicação do pladur, uma vez que a Ré estava a aguardar informações sobre os locais onde deveriam ser instalados os ares condicionados, avaliando a execução em 70%.

82.º À categoria Alarme e Pré-Instalação de CCTV foi dado o valor de € 2.875,73 (dois mil oitocentos e setenta e cinco euros e setenta e três cêntimos), contudo, não foi contratada entre as Partes a instalação de sistema de videovigilância, estando a pré-instalação do sistema de alarme terminada, pelo que, também aqui nunca teria o valor qualquer valia, pois parece ter sido considerado como parte do orçamento algo que não o era.

83.º Toda a pré-instalação do sistema solar foi colocada, tendo ficado em falta apenas o próprio painel solar, não se aceitando valor de concretização inferior a 35%.

84.º Também a pré-instalação do intercomunicador de vídeo ficou finalizada, faltando só a colocação do próprio monitor, que se avalia em 50% dos trabalhos necessários.

85.º Relativamente à limpeza, refere a Ré ter deixado a obra limpa, pelo que não aceita que se considere percentagem inferior a 50%.

90.º A Ré realizou muito mais obra do que as percentagens resultantes do relatório, como se deixou dito atrás e também não aceita a divisão dos valores pelas rúbricas apresentada.

101.º E muito menos, pelo facto de ter que contratar outro empreiteiro ou adquirir os materiais em falta, porque a Ré ter-lhe-ia concluído a obra pelo valor da empreitada e só não o fez, por decisão deles AA.

104.º Como tal atraso se ficou também a dever à falta de decisão atempada dos AA. quanto a materiais a utilizar e quanto às alterações pretendidas ao sistema de ar condicionado”.

Porém, compulsadas as alegações e as conclusões que apresenta, conclui-se que ali apenas surgem impugnados os artigos 17º e 18º dos factos provados, parcialmente, e, ainda que de forma genérica, o ponto 104º da contestação, considerado não provado.


Analisemos este ponto para que não possa vir a ser imputada ao presente Acórdão, qualquer nulidade por falta de pronúncia neste ponto.


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Como é sabido, um recurso é o mecanismo jurídico de reapreciação de uma decisão e tal como sucede com a sentença ou o acórdão alvo de recurso – que têm de obedecer a uma estrutura, a um determinado número de regras e requisitos, sob pena de invalidade – também um requerimento de recurso só pode alcançar a sua função se for feito de forma a que o tribunal de recurso possa compreender, concretamente, de que é que cada recorrente discorda e porquê.


Para tanto, necessário se mostra que também os recorrentes cumpram os requisitos e pressupostos legais que enformam tal tipo de requerimento, de modo a habilitar a decisão.


Haverá que deixar claro que este poder reapreciativo da 2ª instância só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa.


Por outro lado, nos termos do artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no Código Civil, designadamente nos seus artigos 389º (para a prova pericial), e 396º (para a prova testemunhal), sendo que a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil).


Compete, assim, ao juiz, ao decidir a matéria de facto segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (desde que se não esteja perante prova vinculada); a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, uma vez que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, sendo que a avaliação probatória deve ser realizada com sentido da responsabilidade e bom senso.


Temos, pois, que a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim não fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final. O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.


Como tem sido salientado, baseando-se a decisão factual do tribunal da 1ª instância numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com benefício da imediação e oralidade – apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.


Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida, estabelece igualmente os limites de tal reapreciação – ou seja, os poderes de cognição que confere ao tribunal de apelo.


O artigo 640.º do CPC, com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o seguinte:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.(…)”(o destacado é nosso).

Assim, o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.


Entre as diversas decisões que têm versado sobre o aludido ónus, destacamos, pela respetiva clareza o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2023 (Proc. 296/19.4T8ESP.P1.S1), no qual pode ler-se:

“29. O Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2.

30. O ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:

Em primeiro lugar, “[o] recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [2]. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” [3]. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”[4].

31. O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil — logo, da observância ou inobservância do ónus primário de delimitação do objecto — há-de ser um critério adequado à função[5], conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[6] [7].

32. O requisito de que o critério seja adequado à função coloca em evidência que os ónus enunciados no art. 640.º pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso [8] e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido [9]. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pronunciam-se sobre a relação entre a gravidade do comportamento processual do recorrente — inobservância dos ónus do art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — e a gravidade das consequências do seu comportamento processual: a gravidade do consequência prevista no art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso — há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável para a gravidade da falha do recorrente[10].

33. Entre os corolários dos requisitos de que o critério seja adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade está o de que “a decisão de rejeição do recurso […] não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal […] face ao grau de dificuldade que [a inobservância dos ónus do art. 640.º] acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso”[11]”.

O ónus previsto no artigo 640.º do CPC não exige que as especificações – referidas no seu n.º 1 constem todas das conclusões do recurso, sendo de admitir que as exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º, em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações3.


No que, em concreto respeita à indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [artigo 640º, nº 1, al. b) supra reproduzido], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam intimamente interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretenda a alteração de diversa matéria de facto.


Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.


No respeitante à designada impugnação “em bloco”, decidiu o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 01.06.2022, (Proc. nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1):

“Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.”

Em princípio, pois, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto. Na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada, ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos, sempre de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.


Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.


No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido procedeu-se a uma sintetização do entendimento daquele Tribunal nesta matéria, que seguimos de perto, referindo-se que:


“Como se pode ler, designadamente, nos Acórdãos deste Tribunal:


- de 20-12-2017, processo n.º 299/13.2TTVRL.C1.S2 (“[n]ão cumpre aquele ónus [do artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC] o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”);


- de 05-09-2018, processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2 (“[n]ão cumpre aquele ónus [do artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC]o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”);


- de 14-07-2021, processo n.º 1006/11.0TTLRA.C1.S1 (“[v]iola o disposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC o recorrente que impugna em bloco pontos da matéria de facto que não se acham interligados entre si”);


- de 21-09-2022, processo n.º 1996/18.1T8LRA.C1.S1 (“[a] impugnação da matéria de facto "em bloco" viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova”);


- de 12-10-2022, processo n.º 14565/18.7T8PRT.P1.S1 ([e]m princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto);


- de 10-05-2023, processo n.º 2424/21.0T8CBR.C1.S1 ([d]eve rejeitar-se o recurso quando o Recorrente impugna blocos de pontos da matéria de facto sem estreita ligação entre si);


Não se ignora que, por vezes, este Tribunal tem, atendendo às circunstâncias concretas do caso, admitido que uma impugnação em bloco não conduza necessariamente à rejeição do recurso. Vejam-se, por exemplo, os Acórdãos:


- de 14-07-2021, processo n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1 (“[é] excessiva a rejeição da impugnação da matéria de facto feita em “blocos” quando tais blocos são constituídos por um pequeno número de factos ligados entre si, tendo o Recorrente indicado com precisão os meios de prova e as formulações alternativas que pretendia ver adotadas”)

- de 27-10-2021, processo n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S (“[é] excessiva a rejeição da impugnação da matéria de facto feita em «blocos» quando tais blocos são constituídos por um pequeno número de factos ligados entre si, tendo o Recorrente indicado os meios de prova com vista à sua pretensão”);

No caso concreto o Recorrente impugnou um extenso conjunto de factos através da remissão em bloco para depoimentos, tendo identificado a passagem relevante de um deles, a saber, do Autor, com precisão – ainda que com uma gralha quando se diz “de 32 a 27” – mas identificando de modo incompleto a passagem relevante do depoimento de outros (DD e EE) ou não indicando de todo a passagem relevante (CC, FF, GG e BB).

Em suma, o Recorrente indicou para um extenso bloco de factos um conjunto de depoimentos deixando ao Recorrido e ao Tribunal o encargo de ter que ouvir as respetivas gravações, em alguns casos na totalidade, para tentar individualizar as eventuais afirmações pertinentes relativamente a cada um dos factos impugnados.

Ora tal resultado é precisamente o que a lei pretende evitar ao impor-lhe o ónus de indicar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnados e “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC).

Exigência que a lei coloca ao Recorrente para contribuir, nas palavras do Acórdão deste Tribunal de 06-07-2022, processo n.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1, para “a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo”. Sendo certo que como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-10-2020, processo n.º 283/08.8TTBGC-B.G1.S1, “[e]sta exigência funda-se nos princípios do dispositivo e da cooperação, tendo por objetivo a justa composição do litígio, não se vislumbrando que a mesma seja excessiva e viole o princípio da proporcionalidade, razão pela qual o art.º 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil não é inconstitucional por violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no art.º 202.º, n.º 1, do mesmo diploma” (o destacado é nosso).

Por fim, o citado artigo 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação, sem possibilidade de aperfeiçoamento.

Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.

Feitas estas considerações, importa concluir que embora, como se deixou indicado, a Recorrente faça referência à sua discordância relativamente a uma panóplia mais abrangente de factos nos artigos 16 e 19 das suas alegações, verdadeiramente apenas impugna parcialmente os artigos 17 e 18 dos factos provados e a circunstância de o facto alegado no artigo 104 da contestação ter sido considerado não provado.


Quanto aos demais e que supra se elencaram para melhor ilustração, não se surpreende nas conclusões qualquer referência aos mesmos, e no corpo das alegações, a Apelante indica genericamente o que entende deveria ter sido julgado a final, sem que se compreenda a que outos factos concretos se refere, para além dos mencionados.


Também não procede a Apelante a articulação entre tais outros – para além dos referidos 17, 18 e 104 - concretos factos impugnados e os meios probatórios a que faz referência transcrevendo os depoimentos produzidos em audiência, passando a fazer uma pequena apreciação geral sobre esses elementos de prova (a sua apreciação), mas sempre em relação com aqueles três pontos de facto, transportando-nos, para além disso, para uma ponderação geral da prova, o que vem a traduzir-se numa pretensão de reapreciação global e genérica da prova valorada em 1ª instância, reportada a toda a decisão, o que não se ajusta ao previsto pelo legislador.


É assim manifesto o incumprimento pela Impugnante da obrigação processual prevista no artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, no que aos demais factos respeita, o que é por si suficiente para determinar a imediata rejeição dessa mesma impugnação da matéria de facto, apenas se admitindo, pois a mesma no que respeita aos artigos 17º, 18º e 104 mencionados, por relativamente a estes se entender que, ainda que de forma vaga e genérica, se mostram os ónus ali previstos suficientemente cumpridos.


*


E quanto a estes factos desde já se refere que assiste razão à Apelante.


Na verdade, e desde logo, no que concerne ao artigo 17º dos factos provados, a alegação da perda de confiança na Ré por alegadamente lhes ter sido comunicado por um fornecedor de pavimentos e pelas subempreiteiras de ar condicionado e eletricidade, respetivamente, falta de encomenda e de pagamentos como fundamento para a resolução do contrato de empreitada entre as partes celebrado constitui uma série de factos novos, nunca antes alegados pelos Autores, ou mencionados na correspondência entre ambas as partes relativa à resolução do contrato, tendo sempre os Autores apenas invocado como fundamento de resolução o incumprimento do prazo estabelecido no contrato para a conclusão da obra.


Tratando-se de factos essenciais nucleares, que como é sabido, são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da exceção - por contraposição aos “factos instrumentais, probatórios ou acessórios” são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos e aos “factos complementares e factos concretizadores”, aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção - por que foram pelo Autor indicados nas declarações de parte que prestou na audiência reaberta na sequência do Acórdão desta Relação de 26.10.2023, como constituindo o (verdadeiro e diverso) fundamento da resolução, os mesmos deveriam ter sido alegados desde logo aquando da resolução, e nestes autos, na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 552º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil,


Mas ainda que assim não se entendesse, e que não opera quanto aos factos em causa, o princípio da preclusão por não terem sido alegados na petição inicial, há que considerar o que já antes se considerou no anterior Acórdão proferido nestes autos - “por força ainda do já citado artigo 5º, do Código de Processo Civil, deve ser conferida às partes "a possibilidade de se pronunciar" sobre o facto que o tribunal se propõe aditar, pois “só assim se assegurará um processo equitativo (art. 547º do CPC), facultando-se às partes o exercício pleno do contraditório, requerendo – como é admitido por qualquer das teses –, se for caso disso, novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam.”


Assim, tais factos só seriam atendíveis desde que tivessem sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa, nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, o que, conforme refere a Apelante, não sucedeu.


Entende-se porém, que não deverá determinar-se o cumprimento do ali estipulado, desde logo porque perante circunstância de tais factos nunca terem sido alegados, as declarações nesse sentido prestadas pelo Autor – único meio de prova produzido relativamente aos mesmos - não merecem credibilidade, antes são infirmadas por todas posições dos Autores manifestadas nos autos e anteriormente, nas comunicações que dirigiram à Ré relativas à resolução, não tendo, para além disso, sido confirmadas por qualquer meio de prova, designadamente testemunhal.


Note-se que o próprio Autor confirmou expressamente em audiência aquilo que o anterior Acórdão de 26.10.2023 deixava antever - o seu conhecimento da circunstância de que a pandemia perturbou severamente o andamento e o normal desenvolvimento dos trabalhos de empreitada levados a cabo pela Recorrente na obra em causa nos autos.


Mas mais. Confessou que concordou com o prolongamento do prazo da conclusão da obra, e que estava aceite entre as Partes que a conclusão da obra seria prolongada até janeiro ou fevereiro de 2021 devido ao impacto da pandemia “covid19” no desenvolvimento dos trabalhos, o que retira fundamento à resolução do contrato que comunicaram por carta à Ré.


A ter sido diverso o motivo em fundou a sua decisão de resolver o contrato, naturalmente o mesmo teria sido expressado na carta de resolução, não se limitando, como se limitaram a remeter para as cláusulas do contrato que previam o prazo e a possibilidade de resolução decorrente do incumprimento do mesmo, relativamente ao qual, sublinhe-se, já tinha sido acordado o respetivo prolongamento.


Saliente-se que o Arquiteto CC, que realizou o projeto sob encomenda dos Autores, e que trabalha com a Ré em diversos projetos, que acompanhou a obra, prestando depoimento isento e credível, nas suas declarações não referiu que as subempreiteiras em causa não iam à obra por falta de pagamento das faturas, nem mencionou ter conhecimento de tal facto, e era este quem fazia a ligação/comunicação entre as partes.


E que quanto à subempreitada relacionada com a eletricidade não foi ouvida qualquer testemunha em audiência de julgamento, nem junto qualquer documento, para prova do alegado pelo Recorrido nas suas declarações de parte e que a testemunha EE, gerente da sociedade instaladora dos equipamentos de climatização, não referiu no seu depoimento qualquer problema relacionado com falta de pagamento, mas sim, que por alteração no sistema de ar-condicionado inicialmente previsto e no respetivo orçamento, houve atrasos na aprovação do novo projeto e orçamento, tendo resultado que houve o integral pagamento, tanto que assim que foi aprovado o novo projeto e orçamento, e ainda com a Recorrente em obra, a testemunha EE, procedeu à instalação das condutas dos ares condicionados na obra dos Recorridos.


Procede, pois, quanto aos factos vertidos nos pontos 17 e 18 dos factos provados, que passam a ter a seguinte redação:

“17- Tendo em conta o referido em 11 destes factos provados, os AA. manifestaram concordância com a R. em que (devido à pandemia de Covid-19) o prazo de conclusão das obras fosse prorrogado até janeiro ou fevereiro de 2021;

18- Os AA. enviaram à R. carta registada com A/R., datada de 29 de janeiro de 2021, não estando ainda nessa data a obra concluída, onde manifestaram a sua intenção de resolver o Contrato de Empreitada, invocando os termos conjugados das cláusulas Vigésima Segunda, n.º 1 (que previa a possibilidade de resolução pelos AA. se a obra não estivesse concluída no prazo de 75 dias desde o final do 12º mês posterior à celebração do contrato), Vigésima Terceira (que previa que se o contrato fosse resolvido pelos AA. com base num dos fundamentos previstos na cláusula Vigésima Segunda estes teriam direito a uma indemnização equivalente ao acréscimo de custo resultante da necessidade de substituição do empreiteiro, acrescido de 5% a título de penalidade) e Vigésima Quarta (que previa que os AA. poderiam, nos casos anteriores, tomar posse de obra, sem direito de retenção pelo empreiteiro), sendo que tal documento constitui o documento nº 9 junto com a p.i.”

*


No que concerne ao facto alegado no artigo 104 da contestação, tendo em consideração as alterações pretendidas pelos Autores que resultaram provadas nos artigos 12º e 13º, e pese embora tal não tivesse motivado a paragem da obra (ponto 14. dos factos provados), pois havia mais trabalhos a fazer, como resulta das declarações do já mencionado Arquitecto CC, o certo é que pode, em termos de razoabilidade, concluir-se a decisão dos ora Autores, terá determinado atraso inerente à decisão dos mesmos quanto a materiais a utilizar e quanto às alterações pretendidas ao sistema de ar condicionado.


Tal decisão, tomada no decurso da obra, de instalar na cave sistema centralizado de climatização (ar condicionado) por conduta, bem como de um sistema de chão radiante, uma e outra situação não constando do inicialmente contratado entre as partes, que incluía a instalação de ar condicionado com máquinas individuais por divisão - murais), que obrigou a redefinição e aprovação de trabalhos pelos Recorridos, para que a Recorrente pudesse dar continuidade aos mesmos, em contexto de pandemia e de todas as restrições causadas pela mesma, e numa obra cujo prazo inicial previsto de duração era de 12 meses, não pode ter deixado de gerar algum atraso, pelo menos nos trabalhos que estavam diretamente relacionados com tais equipamentos.


Tal atraso resulta ainda dos depoimentos conjugados das testemunhas CC, FF e EE.


Assim, altera-se o artigo 12. dos factos provados que passará a ter o seguinte teor:

12- Durante o ano de 2020 os AA. decidiram instalar na cave sistema centralizado de climatização (ar condicionado) por conduta na moradia, bem como pretenderam ali colocar sistema de chão radiante, uma e outra situação não constando do inicialmente contratado, pelo que teve a Ré que aguardar que, na sequência do solicitado pelo fornecedor, os AA. tomassem decisões quanto a essa instalação e adequação dos trabalhos em obra e respetivos custos para se redefinirem os trabalhos em conformidade, o que determinou atraso na realização de trabalhos na obra.

*


Tendo presente a matéria de facto assim alterada, cabe agora apreciar da eventual alteração da solução jurídica alcançada na sentença impugnada, em conformidade com a pretensão recursiva.


*


III.3. Reapreciação da matéria de direito.


Não vem controvertida a qualificação do contrato celebrado entre as partes como de empreitada, nos termos corretamente enquadrados pelo Tribunal Recorrido no artigo 1207º do Código Civil.


A controvérsia no caso cinge-se desde o início, quer em termos de facto, quer em termos jurídicos, no enquadramento da situação de atraso que se verificou no desenvolvimento da obra, com fundamento na qual os Autores/Recorridos entenderam resolver o contrato, invocando as previsões contratuais, nomeadamente da cláusula que lhes permitia fazê-lo se a obra não estivesse concluída no prazo de 75 dias após o termo do prazo de um ano para a sua realização.


Foi sempre este, como anteriormente se salientou, o fundamento invocado pelos Autores e quanto ao mesmo que a Ré se insurgiu, por entender, além do mais, ter demonstrado que as repercussões causadas pela pandemia da Covid-19 perturbaram severamente o andamento e o normal desenvolvimento dos trabalhos de empreitada, levados a cabo pela Recorrente na obra dos Recorridos, e que a legislação excecional aprovada durante a pandemia, nomeadamente, a referente aos confinamentos obrigatórios e restrição à liberdade de contactos e de circulação de pessoas e bens, colocou a Recorrente numa situação de inexigibilidade face ao cumprimento dos prazos previstos no contrato de empreitada, nomeadamente, o prazo para a conclusão da obra.


E que assim foi resultava já da prova produzida em audiência considerou-se no Acórdão de 26.10.2023, onde se ponderou, designadamente o depoimento do arquiteto responsável pelo projeto, CC – que o Tribunal a quo considerou ter sido a testemunha fundamental para a fixação da matéria de facto - que ia frequentemente à obra verificar os trabalhos e, inclusive era o canal de ligação entre a Recorrente e os Recorridos, que explicou que o ano de 2020 “foi um “ano caricato” devido ao covid-19, e declarou que devido à pandemia se perdeu quatro meses de obra.” (o destacado é nosso).


E que da concatenação da prova testemunhal, por declarações e documental junta aos autos resultava desde logo que efetivamente se demonstrou o que a Ré tinha alegado a esse respeito, e que o Tribunal Recorrido deu por demonstrado nos artigos 9º e 10º dos factos provados, assim:

“9- Os trabalhos foram-se desenvolvendo até ao momento em que a pandemia de COVID-19 obrigou a constrangimentos e desaceleração do ritmo de trabalho, porque a empresa teve trabalhadores seus infetados, ou em confinamento profilático, por e por tal ter ocorrido com fornecedores e subempreiteiros seus, atrasando entregas e serviços em obra”; (cf. artigos 14º a 16º e 37º a 39º da contestação)

“10- Por esta situação se estar a verificar e a limitar a atividade da Ré, esta transmitiu-a aos AA., por mensagem de correio eletrónico enviada a 11 de novembro de 2020, cuja cópia se encontra junta como documento nº 3 da contestação” (cf. o artigo 17º da contestação).

Mas avançou-se mais.


Considerando-se que da prova produzida, designadamente das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas CC e DD, resultava ainda que os constrangimentos e limitação da atividade da Ré em consequência da citada pandemia de COVID19 - que, como é sabido, constituiu “indubitavelmente uma perturbação de largo espectro, que afetou e afeta de modo particularmente violento todo o equilíbrio da vida social, pondo em causa o modo de vida das comunidades, com reflexos numa multiplicidade de sujeitos, sectores económicos e relações negociais”4- teriam determinado um atraso equivalente a quatro meses de trabalho na concreta obra dos autos e que por se tratar de facto concretizador dos alegados pela Ré para fundar a sua oposição, se impunha, atenta a relevância do facto para a decisão do pleito, a anulação da decisão recorrida, a fim de na primeira instância ser dada às partes a possibilidade de se pronunciar sobre o indicado facto a aditar5.


E o certo é que regressados os autos à primeira instância, ouvido o Autor, o mesmo confirmou que quando foi contactado pela Ré que lhe deu conhecimento das dificuldades causadas pela pandemia e da necessidade de prolongamento do prazo inicialmente acordado, não só “compreendeu que com a Covid tinha havido atrasos nos fornecimentos” e que, numa primeira fase acordou com o prolongamento do prazo até novembro de 2020, e depois, com a prorrogação do mesmo até janeiro/fevereiro de 2021, como consta dos factos provados.


Ora, se é certo que, como se havia referido no anterior Acórdão, os efeitos da pandemia no contrato dos autos que se desenvolveu no pico daquela (como em tantos outros contratos, designadamente de execução continuada) são suscetíveis de convocar as exigências objetivas da justiça ou da equidade postuladas pelo artigo 437.º, n.º1 do Código Civil, existindo, para além desse instituto da alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, “operadores jurídico-dogmáticos mais neutros (em relação), como os da impossibilidade, temporária ou parcial, do cumprimento, da inexigibilidade de cumprimento, da regra de conduta segundo a boa fé do art. 762.º/2, do conflito de direitos ou do abuso do direito” que permitem enfrentar “perturbações no programa obrigacional sem recorrer ao art. 437.º/1 e ao poder de intervir no conteúdo dos contratos que o preceito lhes confere”6, certo é que, em face do facto agora confessado pelo Autor, desnecessário se torna recorrer a tais institutos para apreciar da factualidade invocada para a resolução do contrato.


Na verdade, em face da prova dos atrasos motivados pela pandemia, que agora se refere expressamente na matéria de facto, que foram de quatro meses, dos atrasos relativos a alterações pedidas, e sobretudo, do acordo em prolongar o prazo inicialmente previsto, o fundamento invocado para a resolução, o decurso do prazo inicialmente previsto, é abusivo - neste contexto, a resolução do contrato invocando o atraso na construção da moradia, em face do prazo inicialmente previsto no contrato e já prorrogado, surge como uma decisão que é contraditória com a sua conduta anterior e verdadeiramente inesperada, o que não se enquadra na atuação de um contraente de boa fé (artigo 762º nº2 do Código Civil).


No contexto fáctico apurado é, pois, de concluir que a utilização do meio legal de resolução do contrato pelos donos da obra, atentas as circunstâncias do caso concreto, envolve a violação dos princípios da boa-fé, da razoabilidade e da proporcionalidade. Isto porque, ao agirem de modo não condizente com a conduta que anteriormente assumiram, incorreram no exercício ilegítimo do direito de opção que a lei lhes confere.


A declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida (ilícita, portanto), não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz efeitos, ou seja, determina a cessação do vínculo.


Representa, sim, o incumprimento do contrato e equivale à desistência do dono da obra prevista no artigo 1229º do Código Civil7, no qual se estabelece que o “dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, desde que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia retirar da obra”.


Como se esclarece no Acórdão da Relação de Guimarães de 12.09.20248:

“(…)Trata-se de uma exceção à regra estabelecida no art. 406º do CC, segundo a qual os contratos se extinguem por mútuo consentimento dos contraentes.

A desistência da empreitada por parte do dono da obra é uma faculdade discricionária, que, portanto, não carece de fundamento e é insusceptível de apreciação judicial; tão pouco carece de pré-aviso, nem de forma especial, podendo essa declaração negocial ser feita por qualquer dos meios admitidos (art. 217.º do CC); tem natureza receptícia e eficácia ex nunc. Trata-se, pois, de uma situação “sui generis”, algo intermédio entre a revogação e a denúncia[23] (enquadrável numa das modalidades de denúncia atípica[24]). Por isso o dono da obra fica com tudo o que se encontrar executado, desde que indemnize o empreiteiro dos danos emergentes (o que gastou[25]) e dos lucros cessantes (o que não ganhou)[26].

Ficam, assim, acautelados os interesses do dono da obra e do empreiteiro: aquele, porque a desistência pode assentar em causas variadas – mudança de vida, alteração das condições económicas, desejo de prosseguir a obra com outro empreiteiro porque perdeu a confiança no primeiro ou por pretender realizar a obra por administração direta –; o segundo, porque tem direito a ser indemnizado pelos seus gastos e trabalho e, ainda, pelo proveito que poderia retirar da obra[27] (o direito à sua margem de lucro integral).(…)”

Não podendo a resolução imputar-se a qualquer comportamento da Ré, assiste, pois, razão à Apelante quando entende que não assiste aos Autores o direito à indemnização que peticionaram.


*


A título reconvencional peticionou a Ré a condenação dos Autores no pagamento da quantia de 56.014,90€ a título de lucros cessantes, com fundamento na resolução infundada do contrato.


Como decorre do que supra se referiu, sendo a resolução infundada equiparada a desistência da empreitada pelo dono da obra, esta confere ao empreiteiro, nos termos do citado artigo 1229º, o direito a uma indemnização pelos "gastos e trabalho" e ainda pelo "proveito que poderia tirar da obra".


Assim, em primeiro lugar, a indemnização incide sobre as despesas que teve, considerando-se todos os danos emergentes, acrescidas do valor do trabalho incorporado na obra, e que não estão relacionados com o preço da empreitada.


Os gastos são todas as despesas feitas com a obra, nomeadamente, as despesas feitas com a aquisição de materiais de construção, ainda que não incorporados, com salários pagos devidos aos operários durante o período de tempo em curso.


Em segundo lugar, reporta-se ao proveito que poderia tirar da obra, tendo por base a obra completa e não apenas o que foi executado, sendo determinado pela subtracção ao preço total fixado do custo global da obra. Mas se o empreiteiro já tiver recebido parte do preço terá de ser descontada no valor global da indemnização.


Trata-se, assim, de uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja, a indemnização visa colocá-lo na situação que teria se o contrato fosse pontualmente cumprido9.


Como facto constitutivo do direito, nos termos do artigo 342 nº1 do Código Civil, compete ao autor alegar e provar o custo dos trabalhos e despesas com a execução parcial da obra, bem assim proveito que deixou de obter.


Ora, a Ré nada peticiona quanto aos “gastos e trabalho” – a quantia peticionada refere-se ao que considera ser o proveito que alega corresponder a 25% da diferença entre o que lhe foi pago e o valor total da empreitada.


Sucede que a Ré não provou como lhe cabia, que do que ficou por receber, 25% corresponderia ao seu lucro, não podendo deixar de admitir-se, em face do valor elevado que recebeu, de €421.890,00 não tivesse retirado logo todo o que se destinava a remunerar a sua atividade.


Pelo que não pode, também, deixar de improceder o pedido reconvencional.


*


IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam julgar parcialmente procedente a apelação, e em consequência:

a. julgar a ação improcedente por não provada e, em consequência, absolver a Ré dos pedidos formulados pela Autora;

b. manter, no mais, a sentença recorrida.


*


Custas pela Recorrente e pelos Recorridos na proporção do decaimento – artigos 527º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


Évora, Ana Pessoa


Francisco Xavier


Sónia Moura

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1. Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A Alteração das Circunstâncias à Luz do Covid-19 – Teses e Reflexões Para Um Diálogo”, pg. 161, acessível em https://portal.oa.pt/media/131420/manuel-carneiro-da-frada.pdf, e as anotações aos preceitos do Código Civil correspondentes incluídas em “Novo Corona Vírus e Crise Contratual” (coord. Catarina Monteiro Pires), da autoria de Ana Perestrelo De Oliveira, A. B. Menezes Cordeiro, Catarina Monteiro Pires, Diogo Costa Gonçalves, Madalena Perestrelo de Oliveira e Maria de Lurdes Pereira, AAFDL, 2021; Cf. ainda Alberto de Sá e Mello, “Modificação ou Resolução do Contrato por Alteração das Circunstâncias no Contexto da Pandemia Covid-19”, Janeiro 2021, acessível em https://observatorio.almedina.net/index.php/2021/01/28/modificacao-ou-resolucao-do-contrato-por-alteracao-das-circunstancias-no-contexto-da-pandemia-covid-19/↩︎

2. Quanto a este ponto, claramente decorre do alegado em 90º das alegações, que a Apelante apenas se insurge contra a parte destacada,↩︎

3. Cf. o AUJ 12/2023, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14.↩︎

4. Cf. Mariana Fontes da Costa, “Covid 19 e Alteração Superveniente das Circunstâncias”, pg. 358, acessível em https://portal.oa.pt/media/133314/mariana-fontes-da-costa.pdf; cf. ainda sobre os efeitos da pandemia na economia dos contratos os Acórdãos da Relação de Lisboa de 13.09.2022, proferido no processo n.º 3478/20.2T8CSC.L1-7, de 23.03.2023, proferido no processo n.º 2916/20.9T8PDL.L1-6, acessíveis em www.dgsi.pt↩︎

5. Cf. neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.02.2017, proferido no processo n.º 1758/10.4TBPRD.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt↩︎

6. Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A Alteração das Circunstâncias à Luz do Covid-19 – Teses e Reflexões Para Um Diálogo”, pg. 161, acessível em https://portal.oa.pt/media/131420/manuel-carneiro-da-frada.pdf, e as anotações aos preceitos do Código Civil correspondentes incluídas em “Novo Corona Vírus e Crise Contratual” (coord. Catarina Monteiro Pires), da autoria de Ana Perestrelo De Oliveira, A. B. Menezes Cordeiro, Catarina Monteiro Pires, Diogo Costa Gonçalves, Madalena Perestrelo de Oliveira e Maria de Lurdes Pereira, AAFDL, 2021; Cf. ainda Alberto de Sá e Mello, “Modificação ou Resolução do Contrato por Alteração das Circunstâncias no Contexto da Pandemia Covid-19”, Janeiro 2021, acessível em https://observatorio.almedina.net/index.php/2021/01/28/modificacao-ou-resolucao-do-contrato-por-alteracao-das-circunstancias-no-contexto-da-pandemia-covid-19/↩︎

7. Cf. Ac. do STJ de 17/04/2008, onde pode ler-se “quem rompe um contrato sem cuidar de se munir de um fundamento que, legal ou convencionalmente, lhe faculte a adopção de tal conduta, pratica um acto ilícito (o seu próprio incumprimento) e age com culpa (ao invocar o fundamento inexistente), culpa que, de resto, se presume (art. 799º-1 C. Civil)”; cf. ainda Acs. do STJ de 21/10/97, CJSTJ, T. III, p. 88, Acs. da RL de 28/10/2004, de 05/07/2000 e de 16/10/2012, todos in www.dgsi.pt↩︎

8. Proferido no âmbito do processo n.º 5111/22.9T8BRG.G1, acessível em www.dgsi.pt↩︎

9. cf. VAZ SERRA, R.L.J. ano 104, pág.204 a 207, em anotação ao Ac.STJ de 30/6/70 e PEDRO MARTINEZ, Direito das Obrigações, 2ª ed., pág.455.↩︎