Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
31/19.7T8EVR.E3
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PERÍCIA POR JUNTA MÉDICA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
SUBSÍDIO POR SITUAÇÃO DE ELEVADA INCAPACIDADE
CÁLCULO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):

I – Existindo divergência entre as partes quanto à atribuição da IPP, deve tal atribuição ser decidida em sede de apreciação de mérito, ao invés de fazer parte da matéria de facto.


II – É ao juiz que compete fixar a natureza e grau de incapacidade, sendo a força probatória dos diversos pareceres livremente apreciada pelo tribunal, de acordo com um prudente juízo.


III – Inexiste qualquer primazia jurídica da peritagem médica, mesmo que por junta médica e com unanimidade, sobre a peritagem técnica realizada à atividade exercida pelo sinistrado à data do sinistro, nem existe primazia jurídica da peritagem da junta médica sobre a peritagem médica singular.


IV – Não tendo a junta médica esclarecido qual foi a razão pela qual procedeu à redução da IPP que se mostrava atribuída no documento da alta médica e inexistindo qualquer relatório médico que apontasse nesse sentido, a posição unânime assumida pela junta médica não é de atender.


V – É perante o posto de trabalho que a sinistrada possuía à data do acidente que se avalia a possibilidade de reconversão, sendo de atribuir o fator de bonificação previsto na Instrução Geral n.º 5, al. a), da TNI, caso respeite os demais requisitos, numa situação de IPATH.


VI – A atribuição de uma situação de IPATH à sinistrada, confere-lhe o direito a um subsídio de elevada incapacidade permanente.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 31/19.7T8EVR.E3

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


A “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”2 veio participar, nos termos do art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, de um acidente de trabalho, ocorrido no dia 04-04-2018, pelas 07h30, em Local 1, de que foi vítima AA3 com a profissão de assistente de venda de alimentos ao balcão, quando prestava serviço para “Brisa Areas Serviços, S.A.”, mediante a retribuição base mensal de €620,00, o subsídio de alimentação mensal de €52,52 e ainda outros no valor de €38,00, tendo o acidente consistido em ter assistido ao assassinato de um colega, à porta da unidade, tendo entrado em estado de choque.





Conforme boletim de avaliação de incapacidade, junto pela “Fidelidade, SA”, elaborado em 11-12-2018, e subscrito pelo Dr. BB, perito de avaliação de dano corporal, foi dada alta à sinistrada em 11-12-2018, e atribuídas as seguintes incapacidades:


TA com início em 05-04-2018 e fim em 20-11-2018;


TP 30,00% de 21-11-2018 a 11-12-2018;


● sendo de atribuir uma IPP de 0,16000, de acordo com o Capítulo X, Grau III, da TNI.


Nesse relatório consta ter sido diagnosticado à sinistrada “Sindrome postraumatico com perturbações funcionais importantes com manifesta diminuição do nível de eficiencia pessoal”.





No relatório médico realizado em 28-02-2019, pelo perito médico Dr. CC, junto pela sinistrada, concluiu-se:

- Acidente de Trabalho ocorrido em 04.04.2018.

- Consolidação médico-legal das lesões fixável em 11.12.2018.

- Incapacidade temporária absoluta fixável entre 05.04.2018 e 11.12.2018.

- Incapacidade permanente parcial fixável em 45%, acrescida de IPATH.

- Dependência de ajudas: a Examinanda deverá manter acompanhamento regular em consultas de Psiquiatria, através da companhia seguradora.




Efetuado, em 12-03-2019, o relatório do exame médico à sinistrada4, subscrito pelo Dr. DD, concluiu-se que:

- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11/12/2018.

- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 230 dias.

- Incapacidade temporária parcial fixável num período total de 21 dias.

- Incapacidade permanente parcial fixável em 45,0000%.5




Em face das questões invocadas pela sinistrada, em 09-04-2019, foram prestados, pelo Coordenador do Gabinete, Dr. EE, assistente de Medicina Legal, os seguintes esclarecimentos:

Em resposta ao vosso ofício esclarecemos que, embora tenha sido considerada uma data de consolidação médico-legal, neste caso em particular atendendo à patologia em discussão – stress pós-traumático, as sequelas só deverão ser discutidas após um período de tratamento com pelo menos dois anos de duração.

Atendendo a que o acidente de trabalho foi a 04-04-2018 e que a data de fixação de IPP foi a 11/12/2019 não estão a ser cumpridas as normativas da TNI nem a leges artis de medicina legal.

Assim sendo recomenda-se que a sinistrada mantenha tratamento de psicoterapia e acompanhamento por psiquiatria até pelo menos dois anos após o acidente de Trabalho, para posterior fixação de IPP.




Em 07-05-2019, o Dr. EE presta o seguinte aditamento:

Em resposta ao vosso ofício, informamos que tendo em conta o esclarecimento anterior, deverá a sinistrada manter IT (Incapacidade Temporária) até aos 2 anos após o acidente de trabalho.

Se houver melhoria do quadro clínico, poderá haver tentativa de regresso ao local de trabalho.

Sendo um processo evolutivo (para cura ou cronicidade) não posso pronunciar-me em relação ao tipo de incapacidade temporária, mas pelo descrito deverá ser absoluta (ITA).




Mostra-se junto pela Companhia de Seguros “Fidelidade, SA” relatório médico, realizado em 05-07-2019 e subscrito pelo Dr. FF, com as seguintes conclusões preliminares:

- Seguimento pela curativa da Fidelidade em consulta de Psiquiatria.

- Fica em ITP de 40% devendo ser avaliada pelo médico de trabalho da empresa e tentar retomar o trabalho habitual ou caso não seja possível readaptação do posto de trabalho.




A sinistrada, em 25-09-2019, veio solicitar a realização de exame de especialidade de psiquiatria e parecer do IEFP, a fim de se apurar da eventual possibilidade de atribuição de IPATH.





Por despacho de 27-09-2019 foi deferida a realização de exame de especialidade de psiquiatria.





De acordo com o parecer resultante do exame de especialidade de psiquiatria, efetuado em 13-02-2020, pela Dra. GG, concluiu-se que:

De acordo com as avaliações clínico-psiquiátricas (e psiquiátrico-forenses) efetuadas e reunidos os elementos indispensáveis à apreciação do presente caso, quer em termos de História Pregressa (incluindo os relativos à personalidade pré-mórbida), quer os apurados pelo Exame Mental propriamente dito, podemos afirmar, de forma iniludível, que a examinada apresenta um quadro sindromático (grave), com predomínio de sintomas ansiosos e depressivos, estreitamente relacionado, cronologicamente e pelo seu conteúdo, com o acidente de trabalho ocorrido em 04 de abril de 2018, admitindo-se assim o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que existe adequação entre o traumatismo e o dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui pré-existência do dano corporal.

Um tal contexto psicopatológico, deverá ser entendível num contexto vital pós-traumático, tendo em conta o tempo (menos de 2 anos) decorrido desde a data do evento até à presente data (Perturbação de Adaptação com Reação Depressiva Prolongada (CID_10: F43.21 – da 10ª Revisão da Classificação Internacional das Doenças, da Organização Mundial de Saúde, CID-10) e em relação com ocorrência psicologicamente traumática, que a examinada vivenciou de forma particularmente perturbadora e para a qual contribuíram aspetos da sua personalidade.

Sem prejuízo das orientações terapêuticas que lhe vieram a ser feitas, atendendo a que, do ponto de vista médico-legal (e psiquiátrico – forense), a situação se encontra estabilizada, é-nos possível formular desde já, uma proposta de incapacidade permanente parcial com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional, prevista na TNI (0.16 a 0,30), propondo-se desde já uma desvalorização de 0,30 pela especialidade de Psiquiatria e para o qual não deixamos de levar em linha de conta a idade da examinada e os resultados esperados à luz do tratamento que lhe está recomendado e que tem indicação de cumprir; sugerindo-se a aplicação do fator de bonificação 1,5 tendo em conta a impossibilidade de reconversão do posto de trabalho.

As sequelas apresentadas são incompatíveis com o trabalho habitual, pelo que se considera existe Incapacidade Permanente e Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH).




No auto de tentativa de conciliação, realizado em 12-10-2020, onde estiveram presentes a sinistrada AA e as companhias de seguros “Fidelidade, S.A.” e “Seguradoras Unidas, S.A.”, ambas as companhias de seguros não aceitaram a atribuição de uma IPP de 45% com IPATH, considerando a sinistrada apenas afetada de uma IPP de 16%.





Inconformada com o exame médico singular realizado à sinistrada, a companhia de seguros “Fidelidade, SA” veio requerer a realização de junta médica, formulando os seguintes quesitos:

1. Quais as sequelas que a sinistrada apresenta que são consequência do evento participado?

2. Existindo perturbações funcionais com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e tendo uma filha com 2 anos de idade aos seus cuidados, são essas sequelas impeditivas do exercício da sua profissão ou afins? Se sim, justifique.

3. Ou são essas sequelas, secundárias a uma síndrome pós traumática? Se sim, quantifique e justifique.




Por despacho judicial em 08-11-2020, foi alterado o quesito 2, passando o mesmo a ter a seguinte formulação.

2. Existindo perturbações funcionais com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal, são essas sequelas impeditivas do exercício da sua profissão ou afins? Se sim, justifique.




Em 21-12-2020 foram nomeados os seguintes peritos médicos:

Perito do Tribunal: Dr. EE

Perito apresentado pela seguradora: Drª HH

Perito apresentado pela sinistrada: Dr. CC




Na mesma data, foi realizado o exame por junta médica, tendo a mesma terminado com a seguinte conclusão:

A junta após observação e entrevista da sinistrada propõe uma junta médica da especialidade de psiquiatria para resposta aos quesitos já formulados, acrescidos de:

- As sequelas são compatíveis com a profissão habitual ou merecedoras de IPATH?

- E se as mesmas são ainda causa de IPA (Incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho)?




Por despacho judicial de 04-01-2021, foi deferida a realização de junta médica da especialidade de psiquiatria, tendo sido formulados os seguintes quesitos:

1º Quais são as sequelas que a sinistrada apresenta e que são consequência do evento participado?

2º Existindo perturbações funcionais com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal, são essas sequelas impeditivas do exercício da sua profissão ou afins? E se sim, porquê?

3º Ou são essas sequelas secundárias a uma síndrome pós-traumática? Se sim, quantifique e justifique.

4º As sequelas são compatíveis com a profissão habitual ou merecedoras de IPATH?

5º As sequelas são ainda causa de IPA (Incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho)?




Por requerimento de 20-10-2021, a “Fidelidade, SA” veio solicitar que não fosse nomeada a Dra. GG, por a mesma já ter tido intervenção na fase conciliatória do processo, devendo a respetiva junta médica realizar-se na Delegação de Lisboa do INMLCF.





A sinistrada, respondendo, em 20-10-2021, ao requerimento da “Fidelidade, SA”, pugnou pela manutenção da Dra. GG na junta médica e na sua realização na delegação de Évora.





Por despacho de 20-10-2021, foram indeferidas as pretensões da requerente “Fidelidade, SA.”.





No dia 25-10-2021 procedeu-se à seguinte nomeação dos peritos médicos:

● Perito apresentado pela seguradora: Dr.ª II, médica especialista em Psiquiatria.

● Perito médico nomeado oficiosamente ao sinistrado: Dr.ª GG, médica especialista em Psiquiatria.

● Perito apresentado pelo Tribunal: Dr. EE, médico especialista em medicina legal, com competência para avaliação do dano corporal.




No dia 25-10-2021 realizou-se o exame por junta médica da especialidade de psiquiatria, do qual resultaram as seguintes conclusões:

A Junta Médica considera que a situação não foi devidamente caracterizada, já que persistem dúvidas quanto à entidade diagnóstica, o que poderá justificar a falta de resposta ao tratamento. Nesse sentido. Consideram as peritas que a sinistrada:

● deverá ser submetida a tratamento psiquiátrico, idealmente integrando Hospital de Dia, se bem que deva manter tratamento na seguradora, por se considerar que a situação não está ainda devidamente consolidada por falta de tratamento, não sendo possível afirmar que foram esgotadas as hipóteses terapêuticas.

● Por não estar o diagnóstico devidamente caracterizado, deverá ser submetida a avaliação sistematizada, nomeadamente com recurso a EXAME COMPLEMENTAR DE PSICOLOGIA, a realizar no INMLCF, idealmente na Delegação Sul, devendo ser administrados os seguintes testes (ou equivalentes): MMPI-2, PAI, SIMS, eventualmente CAPS.

● Idealmente deverá também ser submetida a avaliação analítica com marcadores importantes para o diagnóstico, nomeadamente função tiroideia, cortisolémia e outros que o psiquiatra da seguradora e/ou Dr. JJ entenda também adequado.

● A sinistrada não se encontra na actualidade apta para retomar a sua actividade profissional habitual, pelo que deverá manter a situação de ITA.




Por despacho judicial proferido em 02-11-2021, foram deferidas as diligências sugeridas pela Junta Médica da Especialidade de Psiquiatria, tendo sido, igualmente, requisitado aos serviços competentes a realização de inquérito profissional e estudo do posto de trabalho da sinistrada.





O Relatório da Perícia Médico-Legal de Psicologia, realizado em 20-12-2021, concluiu o seguinte:

Com base na entrevista, na observação clínica e nos dados psicométricos obtidos, podemos afirmar que existem indicadores para levantar a hipótese da presença de alterações psicopatológicas muito significativas, tendo sido identificados sintomas sugestivos da presença de uma Perturbação de Stress Pós Traumático, bem como um índice se sintomas elevado associado a sintomas de ansiedade geral, ansiedade fóbica e depressão.

Embora não tenha sido identificada uma patologia de Personalidade (critérios DSM), foi percetível a presença de um perfil de personalidade marcado por uma postura conformista, assertiva e reservada, própria de um indivíduo com evidentes problemas de socialização, abatido, inquieto, desesperado, com francos sentimentos de inutilidade e inadequação, falta de motivação e de interesse pela vida, com sensação cognitiva de apreensão, medo persistente, preocupado com a morte e com eventuais pensamentos suicidas.




Em 25-01-2022 foi junto o inquérito profissional e estudo do posto de trabalho da sinistrada, onde consta que a sinistrada desenvolvia as funções correspondentes a empregada de balcão/mesa de “self-service”, mais concretamente:

Serve refeições e bebidas. Ocupa-se da preparação e limpeza dos balcões, salas, mesas e utensílios de trabalho. Abastece, ainda, os balcões de bebidas e comidas confecionadas e colabora nos trabalhos de controle exigidos pela exploração.




Em 14-06-2022, foi junto pela “Fidelidade, SA”, a avaliação psicológica efetuada pelos serviços clínicos desta à sinistrada, do qual surgiu o relatório elaborado, em 08-03-2022, pela psicóloga, Prof. Dra. KK, com as seguintes conclusões:

A avaliação clínica realizada, com recurso aos dados obtidos pela entrevista, assim como com a utilização de provas psicológicas estandardizadas, sugere que a Sra. AA evidencia um funcionamento intelectual global normativo, tendo em conta a sua faixa etária e nível de escolaridade. Porém, a avaliação realizada permitiu verificar também que a examinada experienciou efetivamente alterações psicológicas decorrentes do acidente de trabalho de que foi vítima, mas especificamente, o testemunho do homicídio de um colega de trabalho, e que estes assumem, atualmente, uma gravidade clinicamente significativa que nos permite admitir a existência de psicopatologia, especificamente, uma Perturbação de Stress Pós-Traumático. De admitir, ainda, que a examinada evidencia um conjunto de indicadores clínicos que, pela sua intensidade e duração, merecem especial atenção, na medida que traduzem (no seu conjunto) um quadro clínico de risco e denuncia a presença de grande instabilidade afetiva e emocional.

A Srª. AA apresenta alterações sintomas de ativação aumentada, como embotamento afetivo, hipervigilância, perturbações psicossomáticas e evitamento persistente dos estímulos associados com o trauma. Tem, recorrentemente, pensamentos intrusivos, sonhos angustiantes, episódios dissociativos – flashback, perturbações psicossomáticas e angústia perante estímulos análogos. Neste sentido, a Srª. AA evidencia sintomas que se associam à PSPT e os dados da avaliação clínica sugerem que a sintomatologia evidenciada provoca na vida da examinada um grau de disfuncionalidade suficientemente grave para indiciar a presença de psicopatologia severa. Considera-se, deste modo, que a sintomatologia evidenciada provoca nas várias áreas da vida da examinada um nível de comprometimento considerável, constituindo um obstáculo à sua capacidade de relacionamento interpessoal e de trabalho. Por conseguinte, considera-se essencial que a AA beneficie de acompanhamento psicoterapêutico regular.




Os serviços clínicos da “Fidelidade, SA” juntaram aos autos o relatório elaborado pelo Dr. LL, psiquiatra, datado de 20-05-2022, com as seguintes conclusões:

Em nossa opinião confirma-se o diagnóstico inicial de Perturbação Pós stress Traumático. Há no entanto numerosos indícios clínicos de sobressimulação nomeadamente a não adesão ao tratamento psicológico comprovadamente efetivo de exposição com prevenção de resposta, a toma muito irregular dos fármacos quer alegando alergias ou intolerância quer ocultando a sua descontinuação como se prova pelo doseamento negativo (a sinistrada não compareceu á última consulta agendada onde se faria novo doseamento). O pouco empenho da sinistrada no seu tratamento sempre dizendo que não estava melhor apesar dos vários profissionais que a foram tratando aponta para a obtenção de ganhos secundários. No entanto nas duas últimas consultas a sinistrada admitiu que melhorou significativamente.

Compulsados todos os dados clínicos e de ECD propõe-se a atribuição de IPP psiquiátrica de 0,20 de acordo com o CAP X Ponto 2 Grau II da TNI.




Os serviços clínicos da “Fidelidade, SA”, baseados em ambos os relatórios efetuados pelos seus serviços, concluíram, em 09-06-2022, que havia uma estabilização médico-legal e concederam alta clínica à sinistrada nessa mesma data, aplicando-lhe:


● TA de 05-04-2018 a 20-11-2018;


● TP 30% de 21-11-2019 a 11-12-2018;


● TP 40% de 05-07-2019 a 13-09-2019;


● TA de 25-10-2021 a 09-06-2022;


Sendo o coeficiente global de incapacidade fixado em 0,20000.





Em 23-06-2022 foi junto aos autos o relatório de avaliação relativamente ao trabalho desenvolvido pela sinistrada elaborado pelo IEFP, e subscrito na mesma data, no qual foram consignadas as seguintes conclusões:

14. O posto de trabalho analisado exige, tal como atrás exposto, uma adequada estabilidade e capacidade de autorregulação emocional. Exige, igualmente, um bom relacionamento interpessoal. Ora, a trabalhadora, apesar das melhorias registadas na sequência do acompanhamento psicológico e psiquiátrico até agora seguidos, denota não possuir tais capacidades, em consequência da situação altamente traumática vivida – deste modo, podendo ajudar à decisão final do Tribunal, somos de parecer que a mesma se revela incapaz para levar as tarefas do posto de trabalho em questão, assim como outros que exijam interações frequentes com o público, assim como elevado nível de responsabilidades, relacionadas com questões de saúde alimentar.

Nota: Apesar dos elementos acima apresentados resultarem, como já atrás referimos, de uma avaliação, o mais aprofundada possível, à situação, colocamo-nos ao dispor para quaisquer esclarecimentos suplementares, dentro da esfera da competência do IEFP (não médica), que venham, eventualmente, a ser considerados pertinentes e necessários para a resolução da problemática em apreço, designadamente, no âmbito da reintegração/reabilitação profissional e da manutenção do emprego.




Em 17-08-2022, a sinistrada veio requerer, na nova data agendada para continuação da Junta Médica de Especialidade de Psiquiatria, a substituição da Dra. GG, indicada pelo Tribunal, pela Dra. MM, também psiquiatra, ora indicada por si, visto inexistir inconveniente, por na primeira sessão da Junta Médica não ter havido resposta a quesitos nem conclusões clínicas, tendo apenas sido solicitado exames complementares e tratamento psiquiátrico.





Em 26-08-2022, a sinistrada juntou aos autos relatório psiquiátrico, subscrito em 1 de agosto de 2022, pela Dra. MM, no qual se concluiu que a sinistrada está diagnosticada com Perturbação de Stress Pós Traumático crónica, CID.10, existindo um nexo de causalidade entre esta situação e o acidente de trabalho de 04-04-2018. Mais se concluiu que a data da consolidação médico legal é fixável em 2 anos, ou seja, a 04-04-2020, encontrando-se a sinistrada com total incapacidade profissional desde o dia do sinistro e até à data da consolidação, consignando existir uma Incapacidade Parcial Permanente de 0,36 (36%), conforme TNI no Cap. X.2, Grau IV 0,26 -0,60, anexo I, do D-L n.º 352/2007, de 23-10. Concluiu-se igualmente que a sinistrada está definitiva e completamente incapacitada para realizar o seu trabalho habitual, inexistindo possibilidade de reconversão do posto de trabalho, pelo que lhe deve ser atribuída IPATH. Por fim, concluiu que a sinistrada deve continuar a ter um seguimento clínico adequado em consultas da especialidade da psiquiatria, mantendo a “terapêutica psicofarmacológica e uma psicoterapia de maior frequência, específica para eventos traumáticos, focada na melhoria do autoconceito e em estratégias de lidar com as memórias e significados internos do acidente e mentalização do processo com aprendizagem de competências de gestão do trauma e da culpa”.





Em 06-09-2022, foi proferido pelo tribunal a quo despacho a indeferir o pedido formulado pela sinistrada de substituição da Srª. Perita GG.





No dia 10-10-2022 procedeu-se à seguinte nomeação dos peritos médicos:

● Perito apresentado pelo Tribunal: Dr. EE, médico especialista em medicina legal, com competência para avaliação do dano corporal.

●Perito apresentado pela seguradora: Dr.ª II, médica especialista em Psiquiatria.

● Perito médico nomeado oficiosamente ao sinistrado: Dr.ª GG, médica especialista em Psiquiatria.




Em 10-10-2022 foi continuado o Exame por Junta Médica na Especialidade de Psiquiatria, tendo sido dada a seguinte resposta “por unanimidade aos quesitos apresentados (constantes a fls. 203, exceto quesito 2.º, 221, 223 e 224 dos autos)”:

Quesitos fls. 203

Q1. As sequelas consistem em perturbação pós stress traumático de grau moderado.

Q3. Respondido em Q1.

Quesitos fls. 221

Existem perturbações funcionais moderadas com diminuição do nível de eficiência profissional que não são impeditivas do exercício da profissão que desempenhava à data do evento em apreço.

Quesitos fls. 223

Q1. As sequelas descritas são compatíveis com exercício da profissão que desempenhava à data do evento em apreço.

Q2. Prejudicado por resposta ao quesito prévio.

Quesitos fls. 224

Q1. As sequelas descritas são compatíveis com exercício da profissão que desempenhava à data do evento em apreço.

Q2. Existem perturbações funcionais moderadas com diminuição do nível de eficiência profissional que não são impeditivas do exercício da profissão que desempenhava à data do evento em apreço.

Q3. Respondido em Q1 destes quesitos. Ver quadro em anexo.

Q4. Respondido em Q2 destes quesitos

Q5. Prejudicado por resposta aos Q2 e Q4.

Por fim, a referida Junta concluiu atribuir à sinistrada uma IPP de 13%, enquadrando a situação desta no Capítulo X, Grau II, apresentando a seguinte fundamentação:

A Junta Médica considera que ocorreu melhoria dos sintomas apesar da adesão ao tratamento não ser a ideal. Nesse sentido, admite-se que do AT resultou PTSD com necessidade de tratamento farmacológico a longo-prazo.

Face à melhoria objectivada e uma vez que não foram esgotadas as hipóteses terapêuticas, não pode ser afirmado estar permanentemente incapacitada para o desempenho da actividade profissional habitual.

Por fim, considera a Junta Médica que a situação não estava consolidada à data da anterior Junta Médica, tendo ocorrido melhoria com o tratamento realizado e admitindo-se que a situação se encontra estabilizada e consolidada desde a data da alta proposta pela Seguradora, i.e. 09-06-2022, mantendo desde a data do acidente até esta data ITA.

Considera-se que a situação de saúde condicionada pelo AT condiciona perturbações funcionais com moderada diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional, propondo-se a atribuição de IPP de 0,13 (13%) pela especialidade de Psiquiatria.




A sinistrada, notificada do resultado da junta médica de especialidade de psiquiatria, veio reclamar, tendo o tribunal a quo, em momento prévio ao da prolação da sentença, indeferido tal reclamação.





Em 26-11-2022, foi proferida a respetiva sentença, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto decide-se:

1. Atribuir a AA uma incapacidade permanente parcial de 13%, a partir do dia 10 de junho de 2022;

2. Condenar “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” a pagarem, na proporção de 65% e 35%, respetivamente, a AA:

a. O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 883,94€ (oitocentos e oitenta e três euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 10 de junho de 2022 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

b. A quantia de 12.075,61€ (doze mil, setenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento mensal e vincendos até efetivo e integral pagamento;

c. A quantia de 40€ (quarenta euros) a título de despesas com deslocações, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis vincendos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

3. Condenar “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” no pagamento das custas na proporção de 65% e 35%, respetivamente.

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Valor da causa: 26.398,31€ (cfr. art. 120.º do Código de Processo do Trabalho e Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro).

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Registe e notifique.




Não se conformando com a sentença, veio a sinistrada AA interpor recurso de apelação, ao qual a “Fidelidade, SA” veio apresentar contra-alegações, tendo este Tribunal da Relação prolatado acórdão em 11-05-2023, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar o recurso procedente, e, em consequência:

1) Determinar a revogação parcial do despacho judicial que indeferiu as reclamações apresentadas pela sinistrada ao relatório pericial por junta médica, na parte em que considerou inexistir contradição e falta de fundamentação, o qual, nessa parte, deve ser substituído por despacho que defere tais reclamações, ordenando a reabertura da junta médica, a fim de esclarecer o seguinte (sem prejuízo de o juiz do tribunal a quo formular, querendo, os esclarecimentos que entenda por pertinentes):

a) A sinistrada encontra-se atualmente capaz do exercício da profissão que a mesma desempenhava à data do acidente de trabalho ou tal capacidade apenas virá a ocorrer no futuro, atentos os ganhos positivos que a sinistrada tem vindo a obter com os tratamentos efetuados?

b) Qual a razão para a redução da IPP de 20% para 13%?

c) Quais são, em concreto, as perturbações moderadas que diminuem o nível de eficiência profissional da sinistrada?

d) Em que se traduz a diminuição do nível de eficiência profissional da sinistrada, ou seja, em concreto, o que é que a sinistrada não consegue fazer?

e) Em que se fundamentaram os peritos médicos para se afastar das conclusões apresentadas sobre as capacidades da sinistrada conseguir efetuar o seu trabalho habitual nos dois relatórios de psicologia realizados em 20-12-2021 e 14-06-2022, os quais, aliás, tinham sido solicitados por tais peritos?

f) Se valorizaram o relatório de avaliação psicológica efetuada pelos serviços clínicos da “Fidelidade, SA” à sinistrada, elaborado em 08-03-2022, pela psicóloga Prof. Dra. KK, concretamente, na parte em que refere que a sinistrada foi submetida, conforme solicitado pelos peritos da junta médica, à prova SIMS, tendo-se verificado “uma pontuação total (13) inferior ao recomendado como ponto de corte para determinar a existência de suspeita de simulação”, tendo ainda sido acrescentado “A examinada apresenta sintomas típicos em pacientes com doenças psicopatológicas ou neurocognitivas genuínas”? Fundamentar a resposta seja positiva ou negativa, esclarecendo a que conclusão chegaram sobre a invocada situação de simulação da situação clínica por parte da sinistrada.

2) Declarar a anulação da sentença proferida em 26-11-2022, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Código de Processo Civil.

Custas pela Apelada (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Notifique.




Descidos os autos à 1.ª instância, por despacho judicial proferido em 04-08-2023 foi determinada a reabertura da junta médica com a finalidade de proceder à resposta dos quesitos formulados, tendo sido dispensada a presença da sinistrada.





Em 23-04-2024, a sinistrada juntou aos autos os seguintes documentos clínicos:


- Relatório da Clínica Médico-Cirúrgica;


- Relatório do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, datado de 12-04-2024;


- Relatório Médico da Unidade Saúde USF Vendas Novas, datado de 16-04-2024;


- Relatório Médico de Incapacidade Multiuso, datado de 22-04-2024.


Dada a relevância, transcrevem-se os últimos três Relatórios.


Do Relatório do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, datado de 12-04-2024, subscrito pela psicóloga Dra. NN, consta:

Declara-se, para os devidos efeitos, que AA (38 anos) se encontra a ser seguida no Hospital Júlio de Matos, ULS S. José, em consulta de Psicologia de Stress Pós-Traumático desde 07 de Fevereiro de 2020 até a data, devido a trauma psicológico, no seguimento de ter presenciado um homicídio de um colega de trabalho, com contornos bizarros e doentios.

Atualmente mantém ainda, a sintomatologia de stress pós traumático, tais como pesadelos recorrentes, evitamento do local do acontecimento e locais similares, dificuldade em dormir, reação física aversiva à presença de sangue. Tem, também manifestado sintomas de irritabilidade com humor instável, desconfiança generalizada mantendo constantemente um estado de alerta, apontando para uma depressão.

Do Relatório Médico da Unidade Saúde USF Local 1, datado de 16-04-2024, consta que a sinistrada “apresenta os seguintes problemas de saúde incapacitantes”:

PERTURBAÇÃO DE STRESS POS-TRAUMATICO na sequência de ter assistido a homicídio de colega de trabalho (área de serviço) com contornos bizarros e doentios, 2018.

Seguida em consultas de Psiquiatria por Dr. JJ desde Outubro 2019.

Segundo relatório de Psiquiatria, apresenta desde essa altura, sintomas crónicos típicos desta perturbação, nomeadamente humor depressivo e ansioso, ansiedade intensa, evitamento de locais que precipitam as memórias, sonhos intrusivos e reacção de alarme aumentada.

Faz medicação psicotrópica + psicoterapia cognitivo-comportamental.

Medicação habitual – Venlafaxina 150 2id, ADT 75 à noite, Tranxene 10 à noite.

Seguida em consulta de Psicologia em Centro Hospital Psiquiátrico – CHPL (desde Fevereiro 2020 até à data) por Dra. OO.

Segundo relatório de Psicologia mantem sintomatologia de stress pos traumático tais como pesadelos recorrentes evitamento do local do acontecimento e locais similares, dificuldade em dormir, reacção física aversiva à presença de sangue. Tem irritabilidade e humor instável, desconfiança generalizada mantendo constantemente um estado de alerta apontando para uma depressão.

Do Relatório Médico de Incapacidade Multiuso, datado de 22-04-2024, consta que a sinistrada, reportando-se a 2022, “é portador de deficiência que, nesta data e conforme o quadro seguinte, lhe confere uma incapacidade permanente global de 60% (sessenta por cento) susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2026”.





Reaberta a junta médica em 13-05-2024, foi dada resposta aos quesitos formulados por este Tribunal da Relação, transcrevendo-se o teor do respetivo relatório:


*

Compareceram nesta junta médica os peritos já nomeados:

- Dr. EE, médico especialista em medicina legal e competência de avaliação do dano corporal.

- Dra. II, médica especialista em Psiquiatria.

- Dra. GG, médica especialista em Psiquiatria.

*

Prestado juramento legal, ao exmos. Sr. peritos médicos prestaram por UNANIMIDADE os esclarecimentos ordenados no despacho constante a fls. 396 dos autos como se segue:

a) Sim, desde a data da consolidação médico legal 09-06-2022.

b) Devido à comprovada melhoria clínica após os tratamentos realizados pela seguradora, porque se entendeu que o impacto das sequelas se enquadravam nas sequelas moderadas (0,06 a 0,15).

c) Mantém sintomas de ansiedade, nomeadamente no contacto com o público que podem interferir no desempenho da sua atividade profissional, mas sem condicionar a IPATH.

d) Existe uma diminuição do nível de eficiência profissional, alguma ansiedade no contato com o público, na medida da IPP proposta.

e) A decisão da junta foi concordante parcialmente no diagnóstico sequelar e na ansiedade na relação com o público, no entanto compatível com as suas funções habituais, com incapacidade na medida da IPP proposta.

f) Sim, foi valorizado o relatório referido, e tendo em conta o mesmo a junta considera que a sinistrada tem limitações para as suas funções, caracterizadas por ligeira ansiedade e dificuldade no atendimento ao público, como comprova a proposta de IPP.

*

E concluíram manter a IPP de 13% já atribuída, com os fundamentos constantes no quadro anexo do Auto de Junta Médica datado de 10-10-2022, tendo em conta a Tabela Nacional de Incapacidades (ao abrigo do Anexo 1 do Dec. Lei n.º 352/07 de 23 de outubro).

*

Os Exmos. Peritos médicos tomaram conhecimento do requerimento junto pela sinistrada e face ao conteúdo do mesmo, pelas mesmas foi dito que nada tem a acrescentar face aos esclarecimentos prestados.




Em 18-06-2024, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto decide-se:

1. Atribuir a AA uma incapacidade permanente parcial de 13%, a partir do dia 10 de junho de 2022;

2. Condenar “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” a pagarem, na proporção de 65% e 35%, respetivamente, a AA:

a. O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 883,94€ (oitocentos e oitenta e três euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 10 de junho de 2022 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

b. A quantia de 12.075,61€ (doze mil, setenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento mensal e vincendos até efetivo e integral pagamento;

c. A quantia de 40€ (quarenta euros) a título de despesas com deslocações, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis vincendos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

3. Condenar “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” no pagamento das custas na proporção de 65% e 35%, respetivamente.

*

Valor da causa: 26.398,31€ (cfr. art. 120.º do Código de Processo do Trabalho e Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro).

*

Registe e notifique.

*

Oportunamente, proceda a secção ao cálculo do capital de remição e, após, remetam-se os autos ao Ministério Público para ulteriores diligências de entrega do mesmo – cf. artigos 148.º, n.º 3 e 4, e 149.º do Código de Processo do Trabalho.

*


*

Proceda-se à junção aos autos da fatura que antecede.

*

Proceda-se ao pagamento das despesas de deslocação nos termos do ponto 9 da alínea Q) do anexo da Portaria 175/2011, de 28.04.




Inconformada com tal sentença, a sinistrada AA veio interpor recurso, ao qual a “Fidelidade, SA” veio apresentar contra-alegações, tendo este Tribunal da Relação prolatado acórdão em 16-01-2025, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

- em eliminar, por conclusivas e integrarem o thema decidendum, as expressões do facto provado 9, “de grau ligeiro” e “sendo, contudo, tais sequelas compatíveis com o exercício da profissão que desempenhava na data do evento supra descrito”; e

- em anular, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, a sentença recorrida, por insuficiência da matéria de facto, e, consequentemente, em determinar a ampliação da matéria de facto, quer quanto às sequelas de que a sinistrada padece, quer quanto às concretas funções que a mesma exercia à data do acidente.

Custas a final.

Notifique.




Descidos os autos à 1.ª instância, foi proferida sentença, em 01-04-2025, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto decide-se:

1. Atribuir a AA uma incapacidade permanente parcial de 13%, a partir do dia 10 de junho de 2022;

2. Condenar “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” a pagarem, na proporção de 65% e 35%, respetivamente, a AA:

a. O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 883,94€ (oitocentos e oitenta e três euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 10 de junho de 2022 e vincendos até efetivo e integral pagamento;

b. A quantia de 12.075,61€ (doze mil, setenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento mensal e vincendos até efetivo e integral pagamento;

c. A quantia de 40€ (quarenta euros) a título de despesas com deslocações, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis vincendos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

3. Condenar “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” no pagamento das custas na proporção de 65% e 35%, respetivamente.

*

Valor da causa: 26.398,31€ (cfr. art. 120.º do Código de Processo do Trabalho e Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro).

*

Registe e notifique.

*

Oportunamente, proceda a secção ao cálculo do capital de remição e, após, remetam-se os autos ao Ministério Público para ulteriores diligências de entrega do mesmo – cf. artigos 148.º, n.º 3 e 4, e 149.º do Código de Processo do Trabalho.




Inconformada com tal sentença, a sinistrada AA veio interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vai interposto na sequência da decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo, na qual o mesmo atribuiu à sinistrada, ora apelante, “uma incapacidade permanente parcial de 13%, a partir do dia 10 de junho de 2022”, e consequentemente condenou as apeladas “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” a pagarem, na proporção de 65% e 35%, respetivamente, a AA”… “o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 883,94€ (oitocentos e oitenta e três euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 10 de junho de 2022 e vincendos até efetivo e integral pagamento”;

B) A apelante entende que o douto Tribunal não fez uma correcta e crítica apreciação de toda a matéria de facto constante dos autos, o que influenciou a tomada de decisão final.

C) Em concreto, e conforme consta da motivação da sentença, o douto Tribunal a quo, teve somente em consideração as conclusões a que chegou a junta médica, sendo que no entender da apelante, deveria ter tido em consideração inúmeros outros pareceres e circunstâncias constantes do processo.

D) A apelante não se conforma com esta decisão, entendendo ao invés, que de acordo com a documentação junta aos autos, e correspondente valor probatório da mesma, deveria ter-lhe sido atribuída uma IPP de 30%, com IPATH, acrescida de factor de bonificação pela não reconversão no posto de trabalho, e do subsídio de elevada incapacidade.

E) Consta dos autos, que a ora apelante foi vítima de um acidente de trabalho em 04/04/2018, quando tendo acabado de iniciar a sua jornada de trabalho, cerca das 7:45h, na área de serviço de Local 1, onde prestava funções de empregada de balcão, presenciou o homicídio extremamente violento, de um colega de trabalho.

F) As mencionadas funções, conforme descrito na sentença, e no parecer do IEFP, compreendem essencialmente as tarefas “assistente de vendas de alimentos ao balcão”, “empregado de mesa” e “empregado de bar”, o que naturalmente exige contacto constante com o público.

G) Em concreto, o acidente deu-se quando a apelante estava dentro da área de serviço, a exercer as suas funções, começou por visualizar, através dos vidros (sendo que a referida área de serviço é toda envidraçada), que à porta da mesma, se encontravam dois indivíduos em confronto, sendo um deles o seu colega de trabalho.

H) Na meia hora seguinte e até que chegassem as autoridades policiais, o agressor agrediu brutalmente e matou o colega de trabalho da ora apelante.

I) Até que chegassem a autoridades policiais, o homicida despiu e mutilou o colega de trabalho da apelante, com uma faca, nomeadamente, tendo-o degolado, e efetuado cortes e perfurações na face, olhos, língua, genitais, nádegas, etc.,

J) A ora apelante assistindo a estas agressões, impossibilitada de fugir, de se esconder, e com o medo normal de que o agressor se dirigisse a ela para perpetrar os mesmos actos, a mesma sentiu pânico de morte

K) Inclusivamente quando as autoridades chegaram ao local, o “agressor encontrava-se agarrado a um dos membros inferiores da vítima, encetando movimentos que indiciavam que estava a golpear o tornozelo”, vindo-se a saber posteriormente que pretendia depois dependurar a vítima num poste da área de serviço, pelo tendão de Aquiles, para o desmembrar.

L) Conforme consta dos autos, “No que respeita de agressão, foi possível constatar que existem mais de 70 golpes na zona do tronco, um corte no tornozelo direito, bem como vários golpes na face, pescoço, e olhos da vítima”.

M) O agressor apenas cessou a sua conduta com a chegada das autoridades ao local, sendo que conforme consta do relatório da polícia judiciária, lhe foram proferidas mais de “sete dezenas de facadas”, “encontrando-se a vítima despida e só de meias calçadas”.

N) Consta ainda do supra mencionado relatório, que a ora apelante “viu o individuo agressor esfaquear o colega de trabalho, quando ambos lutavam de pé, e a agredi-lo fisicamente até o matar. Viu o suspeito a despir o casaco com grande calma, e tranquilidade, demonstrando uma pose exibicionista, regressando para junto da vítima, tendo-lhe desferido brutalmente golpes e espetado a faca que empunhava no corpo” e que “depois do agressor se aperceber que a vítima estaria ainda com vida, voltou a espetar brutalmente a navalha na vítima, com plena intenção de a matar”.

O) Na sequência dos factos anteriormente mencionados, a entidade responsável assumiu a responsabilidade de um acidente de trabalho, atendendo às sequelas psicológicas que a ora apelante sofria, tendo estado a mesma de ITA.

P) No entender da apelante, o circunstancialismo em que, conforme descrito anteriormente, se deu o acidente, e atendendo ao que a mesma assistiu, é relevante para que o mesmo seja tido em consideração pelo douto Tribunal, e deveria ter sido tido em consideração pelo Tribunal a quo, pelo que disso não constando qualquer referência em sede de sentença, terá de considerar-se que não ocorreu.

Q) Com o devido respeito, e apesar de não ser um elemento conclusivo para a determinação de uma IPP, ou de uma IPATH, é de senso comum para um homem médio, que tais elementos factuais tenderão a provocar dano psicológico considerável, e em concreto, um obstáculo para o exercício de funções de atendimento ao público, conforme era a profissão da apelante.

R) A título de exemplo, e embora sem qualquer efeito probatório para os presentes autos, diga-se que outra colega da apelante, que embora não tenha assistido aos factos nas mesmas circunstâncias, pois não desempenhava funções de empregada de balcão, mas de limpeza, estando por isso mais reservada, aquando do sinistro, foi atribuída IPATH, e a mesma já regressou ao trabalho, o que ainda não sucede com a apelante, que mal consegue sair de casa, com receio de terceiros estranhos, e continuando por isso com seguimento de tratamento de psiquiatria, conforme consta do processo.

S) É que com o devido respeito, não é o mesmo, assistir ao “homicídio de um colega por esfaquemento”, conforme singelamente mencionou o douto Tribunal a quo, na sua sentença, ou assistir ao homicídio de um colega de trabalho por esfaqueamento, e durante mais de meia hora, assistir ainda a toda a mutilação e às atitudes mórbidas anteriormente mencionadas, para mais, com o receio de que a próxima vítima viesse a ser, nas mesmas circunstâncias, a apelante.

T) Não quer com isto dizer a apelante que estes factos sejam, só por si, determinantes para a atribuição de uma IPP superior à que decidiu o douto Tribunal a quo, nem tão pouco para que seja atribuída uma IPATH, mas somente que os mesmos devem ser tidos em consideração, para que conjuntamente com os demais factos constantes dos autos, e que se descreverão de seguida, seja tomada decisão final.

U) Posto isto, outro facto ou elemento probatório que não foi devidamente tido em consideração, não constando descrito da sentença de que se recorre, foi o resultado do primeiro exame singular, em 12/09/2019, no qual lhe foi atribuída, pelo Ex.mo Sr. Perito do INML, Dr. DD, uma IPP de 30%, com factor de bonificação de 1,5, por não reconversão do posto de trabalho, e IPATH, por entender que a apelante padecia de Stress Pós-Traumático, com perda de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho, e com perda de funções importantes com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal.

V) Não constando este elemento da sentença, terá que considerar-se que o mesmo não foi objeto de análise crítica, pelo douto Tribunal a quo, aquando da tomada de decisão final.

W) O mesmo se diga, em relação ao exame de especialidade de psiquiatria, subscrito pela Dr.a GG, em 13/02/2020, no qual a mesma de parecer que a sinistrada apresentava uma desvalorização de 30%, com factor de bonificação de 1,5, por não reconversão de posto de trabalho e IPATH.

X) E note-se que no referido exame, subscreveu a Ilustre Ex.ma Sr.a Perita, que podia “afirmar, de forma iniludível, que a examinada apresentava quadro sintomático (grave), com predomínio de sintomas depressivos e ansiosos, estreitamente relacionado, cronologicamente e pelo seu conteúdo com o acidente de trabalho ocorrido em 04/04/2018”, e que a situação se encontrava estabilizada. (negrito da nossa responsabilidade).

Y) Mais subscreveu a Ex.ma Sr.a Perita que se colocavam “sérias reservas ao prognóstico do caso, mesmo garantido o seguimento médico-psiquiátrico (psicofarmológico e terapêutico) regular e adequado”, “como igualmente se justifica que se antecipem consequências permanentes importantes, com repercussão no desempenho profissional e para as funções que mantinha à data do evento”. (negrito da nossa responsabilidade).

Z) Ou seja, entendeu a Ex.ma Sr.a Perita supra identificada, e memorize-se esta afirmação que será útil mais à frente, que mesmo garantindo-se seguimento médico e psiquiátrico, regular e adequado, se antecipava consequências permanentes para as funções que a sinistrada mantinha à data do evento.

AA) Não concordando com o resultado do exame, a ora apelada (Entidade Responsável) requereu junta médica, que tendo sido realizada em 21/12/2020, foi de parecer que a sinistrada deveria ser sujeita a junta de especialidade de psiquiatria e que nessa junta, e apesar da sinistrada ter sido representada pela mesma Ex.ma Sr.a Perita Médica que havia realizado o exame singular de especialidade de Psiquiatria, Ex.ma Dr.a GG, e não obstante oposição da apelada (entidade responsável), que obteve indeferimento, considerou-se que a apelante carecia de tratamentos, devia manter-se de ITA, devia ser submetida a exame de especialidade de psicologia e devia ser submetida a avaliação analítica com marcadores importantes.

BB) A apelante já havia sido submetida a tratamentos que a apelada havia considerado convenientes e pertinentes e nem por isso o quadro clínico se alterou, pelo que parece que estes tratamentos que recorde-se, tiveram lugar nos serviços clínicos da apelada, e cujas conclusões foram por esta tomadas, se trataram de um mero expediente de que a mesma se socorreu para alterar a probabilidade de vir a ser atribuída à apelante, uma IPATH

CC) E efetivamente, depois de realizados os tratamentos na apelada, e feita a avaliação analítica, com as conclusões tomadas pelos serviços clínicos da apelada, (e cuja parcialidade deve ser equacionada até porque a apelada coloca em hipótese tratar-se de simulação pela apelante), foi agendada nova junta de psiquiatria que ocorreu em 10/10/2022, na qual se deliberou que a sinistrada era portadora de IPP de IPP de 13%, sem fator de bonificação por não reconversão do posto de trabalho, e sem IPATH.

DD) Sucede que nesta supra mencionada junta, a Ex.ma Sr.a Perita, Dr.a GG, que representou a sinistrada, havia anteriormente considerado, em exame singular, que teve lugar em 13/02/2020, que seria de atribuir 30% de IPP, com factor de bonificação de 1,5, e IPATH, e que havia afirmado, “de forma iniludível, que a examinada apresentava quadro sintomático (grave), com predomínio de sintomas depressivos e ansiosos, estreitamente relacionado, cronologicamente e pelo seu conteúdo com o acidente de trabalho ocorrido em 04/04/2018”, e que a situação se encontrava estabilizada”… e que apresentava “sérias reservas ao prognóstico do caso, mesmo garantido o seguimento médico-psiquiátrico (psicofarmológico e terapêutico) regular e adequado”, “como igualmente se justifica que se antecipem consequências permanentes importantes, com repercussão no desempenho profissional e para as funções que mantinha à data do evento”. (negrito da nossa responsabilidade).

EE) Esta junta médica, na qual intervieram a Ex.ma Sr.a Dr.a GG (psiquiatra), em representação da sinistrada e Ex.ma Sr.a Dr.a II, (psiquiatra), em representação da apelante, e o Dr. EE, em representação do Tribunal, mas sem especialidade de psiquiatria, foi tomada por unanimidade, o que se compreende, até porque este último, sendo uma junta de psiquiatria, naturalmente não iria formar opinião divergente das colegas, especialistas na área.

FF) Consta ainda dos autos, uma a avaliação psicológica da Dr.a PP, a pedido da Fidelidade (entidade responsável), que conclui que a “perturbação de stress pós traumático” de que a sinistrada padece, constitui “um obstáculo à sua capacidade de trabalho”. (negrito da nossa responsabilidade),

GG) Assim como um parecer do IEFP, datado de 23/06/2022, que conclui que “a sinistrada se revela incapaz para levar a cabo as tarefas do posto de trabalho em questão, assim como outros que exijam interações frequentes com o público, assim como elevado nível de responsabilidades relacionadas com a saúde alimentar”.

HH) Constam ainda do processo, 3 relatórios do Psiquiatra Dr. JJ, 1 Relatório da Dr.a MM, e 1 relatório da Dr.a PP, Psiquiatra do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, que concluem que o quadro clínico constitui um obstáculo à capacidade de trabalho da sinistrada.

II) No entender da apelada, quando os Ex.mos Sr.s Médicos, supra mencionados afirmam que o quadro clínico “constitui um obstáculo à capacidade de ganho da sinistrada”, querem com isso afirmar que a apelante tem impedimento para o exercício da sua profissão, que desempenhava à data do acidente, já que se assim não fosse, em detrimento de usarem a expressão “constitui um obstáculo à capacidade de trabalho da sinistrada”, teriam usado a expressão “condiciona (ou outra sinónima) a capacidade de ganho da sinistrada”.

JJ) Não pode ainda a apelante, deixar de mencionar, no presente recurso, que no processo em causa, deduziu incidente de suspeição contra a Ex.ma Sr.a Perita GG, porquanto veio a tomar conhecimento e comprovou-o que entre 22/04/2020 e 12/04/2022, a mesma prestou serviço para a clínica “Legismente”, que corresponde ao nome comercial da sociedade cuja gerente é a Ex.ma Perita Médica da apelada, Dr.a II.

KK) Ou seja, depois de realizar o exame singular da apelante, a Ex.ma Sr.a Perita Médica, Dr.a GG e previamente à sua tomada de posição em sede de junta médica, na qual veio a retroceder com todas as conclusões a que havia chegado no seu exame singular, iniciou a prestação de serviços para a clínica da Ex.ma Sr.a Perita da apelada, Dr.a II.

LL) Estranhamente e apesar do que se comprovou no mesmo, o incidente de suspeição acabou por ser considerado improcedente, não tendo a apelante recorrido do mesmo, por tal ser inadmissível processualmente.

MM) Inclusivamente, a apelante encontra-se actualmente reformada por invalidez, pela Seg. Social, devido às perturbações psiquiátricas de que padece, fruto do sinistro, e conforme Certificado de Incapacidade Multiusos que juntou aos autos.

NN) Por essa razão, e atendendo ao que fixou exposto, entende a apelante que o tribunal valorou erradamente a prova produzida nos presentes autos, decidindo com base, somente no parecer da junta médica, acerca da qual se levantou inclusivamente, incidente de suspeição acerca de um dos intervenientes,

OO) não tendo valorado e tomado posição crítica acerca de todos os demais exames e pareceres juntos aos autos, alguns dos quais subscritos por médios que acompanham regularmente a apelada nos seus tratamentos e consultas, e por isso, conhecendo melhor o seu estado clínico, comparativamente com um par de observações feitas pelos Ex.mos Sr.s Peritos intervenientes na junta, nas circunstâncias descritas.

PP) Por tudo isto e função do exposto, entende a apelante que o douto Tribunal, devia ter determinado que fosse atribuída à apelante uma IPP de 30%, acrescida do factor de bonificação por não reconversão no posto de trabalho, e IPATH, sendo que não o tendo feito, e uma vez que o presente recurso já conta como sendo o 3º interposto, o primeiro dos quais, determinou a repetição da junta, e o segundo a alteração da matéria de facto, deverá o Venerando Tribunal da Relação decidir conforme alegado, e de acordo com os exames e pareceres juntos aos autos, sem a necessidade de realização de qualquer outra junta médica.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!




A “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:

1. A fundamentação expressa na Sentença recorrida é escorreita, aplica criteriosamente o direito e faz uma correta subsunção dos factos à mesma.

2. O recurso apresentado pela Apelante carece, em absoluto, de fundamento pelo que a ora Recorrida está convicta que Vossas Excelências, reapreciando os factos e subsumindo-os nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de julgar improcedente a Apelação e de confirmar a douta sentença recorrida.

3. Conforme de demonstrará, a Sinistrada pretende “a todo o custo” que lhe seja atribuída uma IPATH, desta vez “directamente” através desta Relação, pese embora as 3 juntas médicas do presente processo.

4. Trata-se de um caso em que os factos falam por si e, neste caso, o grau de clareza (no tocante à sua justificação) das três juntas médicas realizadas neste processo (onde são abordadas todas as variáveis da componente psicológica e psiquiátrica da Sinistrada) desmontam inequivocamente todos os argumentos apresentados pela Sinistrada.

5. Trata-se de três autos de junta médica que relatam de forma exemplar todo o processo de análise clínica que levou ao grau de desvalorização da Sinistrada,

6. Motivo pelo qual a ora Apelada se limita (por simplicidade da questão) a referir que a contraposição dos referidos autos de junta médica às conclusões da Apelante, são suficientes para derrogar todo o exposto nas mesmas.

7. Assim é notório que, por um lado, a sinistrada, fruto da terapia realizada, logrou obter melhoria no seu estado de saúde, o que explica a diferença entre os vários graus de incapacidade propostos ao longo do processo,

8. E, por outro lado, “a afirmação dos Exmos. Srs. peritos no sentido de não ser de atribuir IPATH, uma vez que não estão esgotadas as possibilidades terapêuticas é o resultado da concreta desvalorização atribuída pela junta médica à sinistrada – 13%, da melhoria verificada no que concerne ao estado de saúde da sinistrada e da possibilidade de a mesma, no futuro, à semelhança do que tem vindo a suceder, lograr obter melhoria no seu estado de saúde.”

9. Desta forma, porque os autos de junta médica e a sentença devidamente justificada desmontam cabalmente todo o recurso da Apelante, deverá ser negado provimento ao recurso da Sinistrada, recurso esse que resulta apenas da frustração da Apelante com o desfecho do processo.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, confirmar, integralmente, a sentença recorrida, fazendo-se, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.




O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.


Não houve respostas a tal parecer.


Neste tribunal, o recurso foi admitido nos seus precisos termos.


Foram os autos aos vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Impugnação da matéria de facto;6 e


2) Atribuição à apelante de uma IPP de 30%, com IPATH, acrescida de fator de bonificação pela não reconversão no posto de trabalho e de subsídio de elevada incapacidade.





III – Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. AA nasceu a ... de ... de 1985.

2. No dia 04-04-2018, pelas 07:35 horas, na área de serviço de Local 1, em Local 1, a sinistrada, enquanto exercia funções, como empregada de balcão, por conta de “BRISA – Áreas de Serviço, S.A”, assistiu ao homicídio por esfaqueamento de um colega de trabalho.

3. Em consequência, AA sofreu perturbação pós stress traumático. (Alterado, conforme fundamentação infra)

4. À data da referida ocorrência, AA auferia a retribuição anual no montante global de 9.713,72€ (correspondente a 620€ x 14 meses + 52,52€ x 11 meses + 38,00x12meses).

5. Entre “BRISA – Áreas de Serviço, S.A”, “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” foi celebrado escrito denominado de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º AT63683791, mediante o qual aquelas declararam transferir para as segundas, na proporção de 65% e 35%, respetivamente, a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores da primeira, até ao montante de retribuição anual de 9.713,72€ (correspondente a 620€ x 14 meses + 52,52€ x 11 meses + 38,00x12meses), mediante o pagamento de um prémio por parte da mesma.

6. As lesões acima descritas determinaram uma incapacidade temporária absoluta (ITA) à sinistrada desde 05-04-2018 até 09.06.2022, num total de 1538 dias.

7. Foi atribuída alta clínica a AA em 9 de junho de 2022.

8. AA despendeu, pelo menos, 40€ com deslocações ao tribunal relacionadas com os autos.

9. Como sequelas das lesões acima descritas, AA apresenta perturbação pós stress traumático, o que lhe determina uma incapacidade permanente parcial de 13%, sendo tais sequelas ansiedade e dificuldade no contacto e atendimento do público na medida da incapacidade permanente parcial suprarreferida. (Eliminado, conforme fundamentação infra)

10. As rés já pagaram à sinistrada as quantias devidas a título de incapacidades temporárias até 12.10.2020.

11. Enquanto empregada de balcão, a sinistrada desempenhava as funções levadas a cabo por um trabalhador da área da restauração, com funções polivalentes abrangendo tarefas comuns ao “assistente de vendas de alimentos ao balcão”, “empregado de mesa” e “empregado de bar”, designadamente:

- serve alimentos e bebidas ao balcão;

- põe mesas colocando toalhas, pratos, guardanapos, copos e talheres;

- acolhe e atende os clientes no balcão e mesas e indaga pelos produtos pretendidos pelo cliente, apoia a escolha e regista os pedidos – recebe clientes, apresenta ementas e listas de bebidas, aconselha na escolha de pratos e bebidas;

- toma nota da escolha do cliente e transmite à cozinha ou ao bar;

- serve à mesa, deslocando-se e transportando os alimentos e bebidas na mão;

- serve alimentos como bolos, sandes, tostas, tartes e salgados, bem como bebidas quentes e frias;

- prepara própria pequenos snacks, tais como sandes, tostas mistas, cachorros, bifanas ou outros;

- opera máquinas de tirar café, de fazer sumos, torradeiras ou outros equipamentos em contexto de cafetaria e snack bar;

- serve pratos e bebidas, limpa mesas, leva loiças e talheres para a cozinha;

- limpa, descasca e corta em fatias géneros alimentícios;

- prepara refeições simples e reaquece pratos preparados;

- serve alimentos e porções ou coloca em pratos para servir aos clientes, embala refeições prontas para levar para casa;

- armazena refrigerantes, saladas e outros alimentos;

- recebe pagamentos pelas refeições e alimentos vendidos – apresenta contas e opera terminais de venda e caixas registadoras;

- procede à reposição de produtos, reabastecendo as arcas e balcões de refrigeração, sempre que necessário;

- desloca-se ao armazém, sempre que necessário, subindo e descendo escadas de acesso quando necessita de produtos diversos, tais como caixas de café, caixas de açúcar (com peso aproximado de 10kg), embalagens e grades de bebida (com peso aproximado entre 5 a 6 kg);

- procede, ao longo do dia, à manutenção das condições de limpeza e de arrumação da cafetaria, lavando manualmente e utilizando a máquina automática – lava copos, loiças e talheres, limpa mesas, cadeiras e balcões, assim como procede à limpeza do chão.




IV – Enquadramento jurídico


1) Impugnação da matéria de facto


Pretende a recorrente que o facto provado 9 seja alterado por discordar quer com a IPP atribuída, quer com o facto de não lhe ter sido atribuído nem uma situação de IPATH, nem o fator de bonificação 1.5, por não reconversão no posto de trabalho.


Consta do facto provado 9 o seguinte:

9. Como sequelas das lesões acima descritas, AA apresenta perturbação pós stress traumático, o que lhe determina uma incapacidade permanente parcial de 13%, sendo tais sequelas ansiedade e dificuldade no contacto e atendimento do público na medida da incapacidade permanente parcial suprarreferida.

Em primeiro lugar, fazendo a atribuição da IPP parte do thema decidendum, visto existir manifesta divergência entre as partes, não deveria a mesma fazer parte da matéria factual, devendo, por isso, ser eliminada do acervo factual, a fim de ser decidida em sede de apreciação de mérito.7 Assim, não só deverá deixar de constar no facto provado 9 que a sinistrada possui uma incapacidade permanente parcial de 13%, como também a expressão “na medida da incapacidade permanente parcial suprarreferida”.


Acresce que constando já do facto provado 3 que a sinistrada sofreu, em consequência do acidente, perturbação pós stress traumático, não faz sentido repetir tal consequência num novo facto, devendo as sequelas de que ficou a padecer ficarem a constar do facto provado 3.


Deste modo, o facto provado 9 será eliminado e o facto provado 3 será alterado.


No facto provado 9 apenas ficou a constar que as consequências da perturbação pós stress traumático consistiram em “ansiedade e dificuldade no contacto e atendimento do público”.


Acontece, porém, que ficou a constar no relatório da perícia médico-legal de psicologia, realizado em 20-12-2021, e requerido, em 25-10-2021, pela própria junta médica da especialidade de psiquiatria, no que às sequelas da sinistrada diz respeito, que esta sofre de “sintomas de ansiedade geral, ansiedade fóbica e depressão”.


De igual modo, decorre da avaliação psicológica efetuada pela especialidade de psicologia nos serviços clínicos da “Fidelidade, S.A.”, vertida em relatório datado de 08-03-2022, com observação da sinistrada em 14-01-2022, que a sinistrada “denuncia a presença de grande instabilidade afetiva e emocional”, concretamente “alterações sintomas de ativação aumentada, como embotamento afetivo, hipervigilância, perturbações psicossomáticas e evitamento persistente dos estímulos associados com o trauma. Tem, recorrentemente, pensamentos intrusivos, sonhos angustiantes, episódios dissociativos – flashback, perturbações psicossomáticas e angústia perante estímulos análogos”.


Existem outros relatórios que descrevem a sintomatologia da sinistrada, que, no essencial, mantêm o que se mostra vertido nos relatórios citados e que são menos relevantes ou porque são mais antigos8 ou porque foram solicitados especificamente pela sinistrada.9


É verdade que no relatório médico do psiquiatra dos serviços clínicos da “Fidelidade, SA”, Dr. LL, datado de 20-05-2022, é invocada a hipótese de sobressimulação. Acontece, porém, que este mesmo médico, por entender que se estava perante uma situação de sobressimulação, solicitou expressamente a realização, pelos serviços clínicos da “Fidelidade, S.A.”, de uma avaliação psicológica com despiste de simulação. Ora, o relatório de psicologia, elaborado em 08-03-2022, pelos serviços clínicos da companhia de seguros “Fidelidade, S.A.” (o que não pode deixar de ser evidenciado), concluiu, a este propósito, que:

De salientar que quando avaliados potenciais sinais de simulação de sintomas, através da prova SIMS, verificou-se uma pontuação total (13) inferior ao recomendado como ponto de corte para determinar a existência de suspeita de simulação. A examinada apresenta sintomas típicos em pacientes com doenças psicopatológicas ou neurocognitivas genuínas. O perfil do SIMS reflete um padrão focado na apresentação de sintomas neurológicos lógicos, sintomas relacionados com distúrbios da memória que são consistentes com os padrões de deterioração causados por uma disfunção real e sintomas de depressão e ansiedade. As pontuações obtidas são compatíveis com as vivências descritas pela examinada durante o processo avaliativo, nomeadamente o traumático acidente de trabalho que testemunhou e o consequente impacto físico e psicológico decorrentes do mesmo.

Porém, apesar do resultado do exame de psicologia, por si expressamente solicitado, o referido psiquiatra, persistiu na hipótese de sobressimulação, sem que tivessem sido realizados quaisquer outros exames que apontassem nesse sentido.


Assim, sendo de afastar qualquer situação de sobressimulação e não havendo qualquer prova pericial suscetível de por em causa os dois relatórios de psicologia, que descreveram as sequelas da sinistrada, o facto provado 3 passará a ter a seguinte redação:

3. Em consequência, AA sofreu perturbação pós stress traumático, passando a padecer de sintomas de ansiedade geral, ansiedade fóbica e depressão, que se traduziram em grande instabilidade afetiva e emocional e em alterações de sintomas de ativação aumentada (como embotamento afetivo, hipervigilância, perturbações psicossomáticas e evitamento persistente dos estímulos associados com o trauma), tendo, recorrentemente, pensamentos intrusivos, sonhos angustiantes, episódios dissociativos – flashback, perturbações psicossomáticas e angústia perante estímulos análogos.

Pelo exposto, ainda que com diversa fundamentação jurídica, procede parcialmente a impugnação fáctica da recorrente.


2 – Atribuição à apelante de uma IPP de 30%, com IPATH, acrescida de fator de bonificação pela não reconversão no posto de trabalho e de subsídio de elevada incapacidade


Considera a recorrente que a análise de toda a documentação constante do processo deverá levar à conclusão de que a sinistrada sofre de uma IPP de 30%, acrescida do facto de bonificação por não reconversão no posto de trabalho e IPATH e ainda a atribuição de subsídio de elevada incapacidade.


Apreciemos, então.


Dispõe o art. 8.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que:

1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

Dispõe igualmente o art. 21.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que:

1 - O grau de incapacidade resultante do acidente define-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.

2 - O grau de incapacidade é expresso pela unidade quando se verifique disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.

3 - O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.

4 - Sempre que haja lugar à aplicação do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º10 e no artigo 53.º,11 o juiz pode requisitar parecer prévio de peritos especializados, designadamente dos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral.

Dispõe, por sua vez, o art. 48.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que:

1 - A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.

2 - A indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.

3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:

a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho - pensão anual e vitalícia igual a 80 % da retribuição, acrescida de 10 % desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição;

b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Por incapacidade permanente parcial - pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º;

d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;

e) Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho.

4 - A indemnização por incapacidade temporária é devida enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional.

Estipula também o art. 388.º do Código Civil que:

A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.

Regula, de igual modo, o art. 389.º do Código Civil que:


A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.


Do manancial legislativo citado resulta que um dos elementos do conceito de acidente de trabalho reside especificamente na redução da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado (art. 8.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09), sendo que tal redução será posteriormente convertida em coeficientes de incapacidades fixados nos termos da TNI (art. 21.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09), repartindo-se a incapacidade permanente em três tipologias, (i) absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA); (ii) absoluta para o trabalho habitual (IPATH); e (iii) parcial (IPP) – art. 48.º, n.º 3, als. a), b) e c), da Lei n.º 98/2009, de 04-09.


Conforme bem referem Teresa Magalhães, Isabel Antunes e Duarte Nune Vieira, em “A Avaliação do Dano na Pessoa no Âmbito dos Acidentes de Trabalho e a Nova Tabela Nacional de Incapacidades”, Prontuário do Direito do Trabalho:12

O estudo das situações concretas em que se encontra uma pessoa depois do evento traumático deve constituir, pois, parte fundamental da avaliação desse dano, permitindo objectivar as necessidades dessa pessoa. A descrição concreta dos actos, gestos e movimentos, tornados difíceis e parcial ou totalmente impossíveis em consequência do evento, permite definir os prejuízos em termos de autonomia e indicar as intervenções sobre o meio individual (…) susceptíveis de reduzir esta limitação (…).

(…)

Na elaboração de um relatório pericial em caso de dano pós-traumático deve atender-se ao seguinte: a) A descrição dos danos deve ser rigorosa, clara, objectiva, pormenorizada, sistematizada e compreensível, nomeadamente para não médicos.

Por sua vez, referem ainda os mesmos autores,13 que a incapacidade permanente é:

(…) determinada tendo em conta a globalidade das sequelas do caso concreto (corpo, funções e situações da vida, com particular valorização da actividade profissional), sendo a quantificação dessas sequelas concretizada através da Tabela Nacional de Incapacidades (…).

(…)

Na utilização da TNI deve atender-se às indicações seguintes: a) Deve valorizar-se não só o dano no corpo como a sua repercussão funcional e situacional, com preponderância na vida profissional.

Por este motivo, na fixação deste tipo de incapacidades é de fundamental relevância apurar quais sejam, em concreto, as tarefas que constituem o núcleo essencial da atividade desenvolvida pelo sinistrado à data do acidente, sendo apenas do resultado dessa análise, conjugada com os danos físicos permanentes apurados, que se deve concluir qual seja o tipo de incapacidade permanente a fixar ao sinistrado.


Exatamente por a fixação da natureza e grau de incapacidade não se reportar a uma apreciação meramente aritmética e de carácter médico, visto possuir simultaneamente uma apreciação de carácter socioprofissional, onde se inclui a repercussão do dano sofrido na funcionalidade do sinistrado, designadamente na sua funcionalidade a nível profissional, mostra-se prevista a possibilidade de o juiz solicitar parecer prévio de peritos especializados, designadamente aos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral, ou seja, ao IEFP (art. 21.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, de 04-09).


Também por tal motivo, é ao juiz que compete fixar a natureza e grau de incapacidade (art. 140.º do Código de Processo do Trabalho), sendo a força probatória dos diversos pareceres, ou seja, quer do parecer médico, quer do parecer previsto no art. 21.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, livremente apreciada pelo tribunal14 (art. 389.º do Código Civil), de acordo com um prudente juízo.


Deste modo, porque a fixação de uma IPP e de uma IPATH não se limita a uma apreciação meramente aritmética e de cariz médico, apreciando o tribunal livremente os pareceres médicos, não se encontra o tribunal obrigatoriamente vinculado às conclusões desses pareceres médicos, sejam singulares ou coletivos, e ainda que, nesta última situação, tais conclusões se mostrem proferidas por unanimidade dos peritos.


Segundo bem refere o Professor José Alberto dos Reis no Código de Processo Civil anotado, Vol. V:15

É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas.

Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (…); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.

Nunca se pode, porém, afirmar que o magistrado fique escravizado ao parecer dos peritos ou inibido de exercer censura sobre ele (…).

Por outro lado, inexiste qualquer primazia jurídica da peritagem médica, mesmo que por junta médica e com unanimidade, sobre a peritagem técnica realizada à atividade exercida pelo sinistrado à data do sinistro, nem existe sequer primazia jurídica da peritagem da junta médica sobre a peritagem médica singular.16


Cita-se a este propósito o acórdão do TRL, proferido em 23-05-2018, no âmbito do processo n.º 13386/16.6T8LSB.L1-4:17

1– A perícia médica constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, do que resulta que o juiz não está vinculado ao resultado da perícia singular ou da perícia colegial, sendo que na fixação da incapacidade deverá ponderar e valorar, segundo o seu prudente juízo, todos os elementos constantes dos autos que permitam determinar a incapacidade de que é portador o sinistrado.

Por fim, cita-se ainda o acórdão desta Relação proferido em 24-11-2022:18

1. O tribunal pode divergir, de forma fundamentada, do laudo pericial médico, quando estão em causa elementos factuais que vão além do mesmo, como sejam as concretas condições e exigências em que o trabalho era prestado e as repercussões das sequelas no desempenho dessas tarefas.

2. Se os autos demonstrarem que as limitações sofridas pelo sinistrado o impedem efectivamente de exercer a sua profissão habitual, deverá atribuir-se uma IPATH, mesmo que os peritos médicos não se tenham pronunciado nesse sentido.

Posto isto, vejamos a situação concreta.


A junta médica da especialidade de psiquiatria, quanto à atribuição de uma IPP de 13%, fundamentou nos seguintes termos:

A Junta Médica considera que ocorreu melhoria dos sintomas apesar da adesão ao tratamento não ser a ideal. Nesse sentido, admite-se que do AT resultou PTSD com necessidade de tratamento farmacológico a longo-prazo.

Face à melhoria objectivada e uma vez que não foram esgotadas as hipóteses terapêuticas, não pode ser afirmado estar permanentemente incapacitada para o desempenho da actividade profissional habitual.

Por fim, considera a Junta Médica que a situação não estava consolidada à data da anterior Junta Médica, tendo ocorrido melhoria com o tratamento realizado e admitindo-se que a situação se encontra estabilizada e consolidada desde a data da alta proposta pela Seguradora, i.e. 09-06-2022, mantendo desde a data do acidente até esta data ITA.

Considera-se que a situação de saúde condicionada pelo AT condiciona perturbações funcionais com moderada diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional, propondo-se a atribuição de IPP de 0,13 (13%) pela especialidade de Psiquiatria.

Na documentação da alta clínica concedida em 09-06-2022 e que considerou haver uma estabilização médico-legal da sinistrada, foi atribuída a esta uma IPP de 20%.


Ora, sendo essa a data da estabilização médico-legal da sinistrada e inexistindo qualquer relatório clínico posterior apresentado pela seguradora, não se compreende onde fundamentam os três peritos da junta médica a “melhoria objectivada” ocorrida entre 09-06-2022 e 10-10-2022 (data do relatório da Junta Médica) ou qual foi a razão para, perante a situação da sinistrada em 09-06-2022, discordarem da IPP atribuída pelos serviços clínicos da seguradora.


Perante tal dúvida, este tribunal de recurso solicitou à Junta Médica que esclarecesse qual foi a razão para a redução da IPP de 20% para 13%, tendo obtido a seguinte resposta:

b) Devido à comprovada melhoria clínica após os tratamentos realizados pela seguradora, porque se entendeu que o impacto das sequelas se enquadravam nas sequelas moderadas (0,06 a 0,15).

Ora, aquilo que era relevante que fosse explicado efetivamente não o foi. Na realidade, o que interessava a este tribunal compreender era a razão pela qual a Junta Médica entendeu, diferentemente do que havia sido entendido pelo psiquiatra da companhia de seguros em 20-05-2022 (relatório esse que serviu de fundamento ao documento de alta clínica atribuída pela seguradora em 09-06-2022), que as invocadas melhorias seriam de enquadrar nas sequelas moderadas e não nas sequelas funcionais importantes,19 ou quais tinham sido as melhorias entre a data da alta médica e a data do parecer da junta médica que consideravam ter ocorrido.


Ora, a conclusão de que é assim porque assim o entenderam, nada esclarece.


Acresce que, por se nos afigurar que existem nos autos elementos suficientemente esclarecedores para que se possa, em consciência, fixar a IPP à sinistrada, não se determina novamente qualquer esclarecimento à Junta Médica, visto que, apesar de lhe ter sido dada a oportunidade para fundamentar a razão da alteração da IPP em face do que constava no documento da alta médica, esta optou por não aproveitar essa oportunidade.


Assim, e apesar da menção não comprovada a uma situação de sobressimulação que consta do relatório do Dr. LL, datado de 20-05-2022, verdade é que do mesmo se destaca uma melhoria na situação clínica da sinistrada (possui sono regularizado, ainda que com recurso a medicação, e já consegue sair para levar a filha à escola), sendo este o relatório médico mais recente solicitado pela Junta Médica. Veja-se que o próprio relatório do IEFP assinala a existência de “melhorias registadas na sequência do acompanhamento psicológico e psiquiátrico até agora seguidos”.


Por outro lado, apesar da melhoria da situação clínica da sinistrada, no relatório junto por esta, realizado em 01-08-2022, pela psiquiatra Dra. MM, foi proposta uma IPP superior à que tinha sido atribuída à sinistrada logo na primeira avaliação (foi proposta uma IPP de 36% quando a IPP inicial foi de 30%).


Pelo exposto, entende-se ser de fixar à sinistrada uma IPP de 20%, em face das perturbações funcionais importantes de que padece, e que se encontram melhor descritas no facto provado 3, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional (Cap. X, Ponto II, Grau III – entre 0,16 e 0,30), revogando-se, nesta parte, a sentença recorrida.


Relativamente à atribuição, ou não, de uma IPATH, a Junta Médica considerou não ser de atribuir nos seguintes termos:

Existem perturbações funcionais moderadas com diminuição do nível de eficiência profissional que não são impeditivas do exercício da profissão que desempenhava à data do evento em apreço.

[…]

As sequelas descritas são compatíveis com exercício da profissão que desempenhava à data do evento em apreço.

[…]

A Junta Médica considera que ocorreu melhoria dos sintomas apesar da adesão ao tratamento não ser a ideal. Nesse sentido, admite-se que do AT resultou PTSD com necessidade de tratamento farmacológico a longo-prazo.

Face à melhoria objectivada e uma vez que não foram esgotadas as hipóteses terapêuticas, não pode ser afirmado estar permanentemente incapacitada para o desempenho da actividade profissional habitual.

Em face da fundamentação referida, este tribunal de recurso solicitou à Junta Médica os seguintes esclarecimentos:

a) A sinistrada encontra-se atualmente capaz do exercício da profissão que a mesma desempenhava à data do acidente de trabalho ou tal capacidade apenas virá a ocorrer no futuro, atentos os ganhos positivos que a sinistrada tem vindo a obter com os tratamentos efetuados?

c) Quais são, em concreto, as perturbações moderadas que diminuem o nível de eficiência profissional da sinistrada?

d) Em que se traduz a diminuição do nível de eficiência profissional da sinistrada, ou seja, em concreto, o que é que a sinistrada não consegue fazer?

e) Em que se fundamentaram os peritos médicos para se afastar das conclusões apresentadas sobre as capacidades da sinistrada conseguir efetuar o seu trabalho habitual nos dois relatórios de psicologia realizados em 20-12-2021 e 14-06-2022, os quais, aliás, tinham sido solicitados por tais peritos?

A Junta Médica respondeu nos seguintes termos:

a) Sim, desde a data da consolidação médico legal 09-06-2022.

[…]

c) Mantém sintomas de ansiedade, nomeadamente no contacto com o público que podem interferir no desempenho da sua atividade profissional, mas sem condicionar a IPATH.

d) Existe uma diminuição do nível de eficiência profissional, alguma ansiedade no contato com o público, na medida da IPP proposta.

e) A decisão da junta foi concordante parcialmente no diagnóstico sequelar e na ansiedade na relação com o público, no entanto compatível com as suas funções habituais, com incapacidade na medida da IPP proposta.

Mais uma vez, a Junta Médica faz considerações genéricas, sem especificar, nem esclarecer.


Efetivamente, quanto à primeira questão, dá uma resposta assertiva, mas não esclarece qual foi a razão para no primeiro relatório apontar essa possibilidade de a sinistrada apenas poder exercer a sua atividade habitual no futuro e não no momento em que o relatório foi elaborado. E também não esclarece porque discorda de todos os relatórios que abordam especificamente essa questão.


Por sua vez, nas restantes questões, não esclareceu porque entendeu que a ansiedade de que a sinistrada padece em situações de contacto com o público é compatível com a profissão de empregada de balcão, que se fundamenta precisamente no contacto com o público.


Conforme bem se refere no relatório elaborado, em 08-03-2022, pela psicóloga, Prof. Dra. KK, dos serviços clínicos da “Fidelidade, SA”:

Neste sentido, a Srª. AA evidencia sintomas que se associam à PSPT e os dados da avaliação clínica sugerem que a sintomatologia evidenciada provoca na vida da examinada um grau de disfuncionalidade suficientemente grave para indiciar a presença de psicopatologia severa. Considera-se, deste modo, que a sintomatologia evidenciada provoca nas várias áreas da vida da examinada um nível de comprometimento considerável, constituindo um obstáculo à sua capacidade de relacionamento interpessoal e de trabalho. Por conseguinte, considera-se essencial que a AA beneficie de acompanhamento psicoterapêutico regular.

Por sua vez, o relatório elaborado pelo IEFP, em 23-06-2022, concluiu:

14. O posto de trabalho analisado exige, tal como atrás exposto, uma adequada estabilidade e capacidade de autorregulação emocional. Exige, igualmente, um bom relacionamento interpessoal. Ora, a trabalhadora, apesar das melhorias registadas na sequência do acompanhamento psicológico e psiquiátrico até agora seguidos, denota não possuir tais capacidades, em consequência da situação altamente traumática vivida – deste modo, podendo ajudar à decisão final do Tribunal, somos de parecer que a mesma se revela incapaz para levar as tarefas do posto de trabalho em questão, assim como outros que exijam interações frequentes com o público, assim como elevado nível de responsabilidades, relacionadas com questões de saúde alimentar.

Por fim, resulta do facto provado 11, que a sinistrada no contacto com o público:


- serve alimentos e bebidas ao balcão;


- põe mesas, colocando toalhas, pratos, guardanapos, copos e talheres (e tê-lo-á de o fazer quando o local de restauração está com clientes, visto que é um serviço dinâmico, que se tem de fazer sempre que uma mesa fica vaga);


- acolhe e atende os clientes no balcão e mesas e indaga pelos produtos pretendidos pelo cliente, apoia a escolha e regista os pedidos – recebe clientes, apresenta ementas e listas de bebidas, aconselha na escolha de pratos e bebidas;


- toma nota da escolha do cliente e transmite à cozinha ou ao bar;


- serve à mesa, deslocando-se e transportando os alimentos e bebidas na mão;


- serve alimentos como bolos, sandes, tostas, tartes e salgados, bem como bebidas quentes e frias;


- prepara, ela própria, pequenos snacks, tais como sandes, tostas mistas, cachorros, bifanas ou outros;


- opera máquinas de tirar café, de fazer sumos, torradeiras ou outros equipamentos em contexto de cafetaria e snack bar;


- serve pratos e bebidas, limpa mesas, leva loiças e talheres para a cozinha;


- serve alimentos e porções ou coloca em pratos para servir aos clientes, embala refeições prontas para levar para casa;


- recebe pagamentos pelas refeições e alimentos vendidos – apresenta contas e opera terminais de venda e caixas registadoras; e


- procede, ao longo do dia, à manutenção das condições de limpeza e de arrumação da cafetaria, lavando manualmente e utilizando a máquina automática – lava copos, loiças e talheres, limpa mesas, cadeiras e balcões, assim como procede à limpeza do chão (atividades que terá, muitas vezes, de fazer na presença dos clientes).


Restam, assim, da sua profissão, as seguintes atividades que poderia exercer:


- limpar, descascar e cortar em fatias géneros alimentícios (desde que o fizesse num espaço diverso do dos clientes);


- preparar refeições simples e reaquecer pratos preparados (desde que o fizesse num espaço diverso do dos clientes);


- armazenar refrigerantes, saladas e outros alimentos;


- proceder à reposição de produtos, reabastecendo as arcas e balcões de refrigeração, sempre que necessário; e


- deslocar-se ao armazém, sempre que necessário, subindo e descendo escadas de acesso quando necessita de produtos diversos, tais como caixas de café, caixas de açúcar (com peso aproximado de 10kg), embalagens e grades de bebida (com peso aproximado entre 5 a 6 kg).


Acontece, porém, que estas atividades se revelam manifestamente residuais para uma empregada de balcão, enquadrando-se, aliás, bastante melhor na categoria de ajudante de cozinheira.


Assim, e porque é manifesto que a ansiedade de que a sinistrada padece não é compatível essencialmente com tarefas que exijam interações frequentes com o público, como é o caso da profissão de empregada de balcão, é de concluir que a sinistrada se encontra numa situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), pelo que esta lhe será atribuída, revogando-se, nesta parte, a sentença recorrida.


Relativamente à atribuição do fator de bonificação pela não reconversão no posto de trabalho, importa ter presente o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 10/2014, de 30-06, do STJ, cujo sumário se cita:

A expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho", contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.

Assim, é perante o posto de trabalho que o sinistrado possuía à data do acidente que se avalia a possibilidade de reconversão.


No caso em apreço, a sinistrada era empregada de balcão e por não ser possível a sua reconversão no posto de trabalho foi-lhe atribuída uma situação de IPATH.


Conforme bem se refere no acórdão desta secção social, proferido em 16-03-2023, no processo n.º 5/19.8T8FAR.E1:20

1. As situações de IPATH são casos típicos de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho, pelo que se justifica a atribuição do factor de bonificação da Instrução Geral n.º 5 al. a) da TNI.

2. Este factor compensa a impossibilidade do sinistrado retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente, carecendo assim de adaptação a tarefas diferentes.

Acresce que inexiste qualquer impossibilidade em atribuir, em simultâneo, quer uma situação de IPATH quer a bonificação prevista na Instrução Geral n.º 5, al. a), da TNI.21


Assim, é de aplicar à sinistrada o fator de bonificação de 1.5 previsto na Instrução Geral n.º 5, al. a), da TNI.


Em face desta bonificação, importar recalcular a IPP a fixar à sinistrada.


De acordo com a instrução 5.ª, al. a), da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais,22 “Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”.


Deste modo, tendo em atenção a IPP fixada à sinistrada, que é de 20%, importa proceder à referida bonificação, pelo que a sinistrada passa a padecer de uma IPP de 30% (20% + (20% x 0,5 = 10%)). Nos termos do art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, a pensão da sinistrada não é remível.


Possuindo a sinistrada, à data do acidente, um rendimento anual de €9.713,72 (facto provado 4), importa, nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. b), da Lei n.º 98/2009, de 04-09,23 apurar o valor da pensão anual e vitalícia a que tem direito. Assim, é devido à sinistrada a pensão anual e vitalícia de €5.439,68 desde 10-06-2022 (dia a seguir à data da alta, conforme facto provado 7), tendo este valor sido obtido nos seguintes termos:


- €9.713,72 x 50% = €4.856,86 (pensão mínima).


- €9.713,72 x 70% = €6.799,60 (pensão máxima).


- €6.799,60 - €4.856,86 = €1.942,74 (diferença entre a pensão máxima e a mínima).


- €1.942,74 x 30% = €582,82 (multiplicação da diferença entre a pensão máxima e a pensão mínima pela IPP atribuída).


- €582,82 + €4.856,86 = €5.439,68 (soma do valor anteriormente obtido com a pensão mínima).


É, então, este o valor da pensão anual e vitalícia devido pelas seguradoras “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.”, na proporção, respetivamente, de 65% e 35% à sinistrada desde 10-06-2022, o qual se mostra sujeito às devidas atualizações nos termos dos arts. 6.º e 8.º do DL n.º 142/99, de 30-04.


Relativamente à atribuição de um subsídio de elevada incapacidade, efetivamente nos termos do art. 67.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, a atribuição de uma IPATH confere à sinistrada o direito a um subsídio de elevada incapacidade permanente.


Este subsídio, nos termos da mencionada disposição legal, é fixado entre 70% e 100% de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.


Tendo em atenção que o valor da IAS em 2022 (ano da alta) era de €443,20 (art. 2.º da Portaria n.º 294/2021, de 13-12), é devido à sinistrada um subsídio de elevada incapacidade permanente, a receber uma única vez, no valor de €4.621,69, fixado nos seguintes termos:


- €443,20 X 1,1 = €487,52 (valor da IAS multiplicado por 1,1).


- €487,52 x 12 = €5.850,24 (o valor anteriormente obtido multiplicado por 12).


- €5.850,24 x 70% = €4.095,17 (valor mínimo).


- €5.850,24 - €4.095,17 = €1.755,07 (ao valor da IAS multiplicado por 1,1 e por 12 subtrai-se o valor mínimo).


- €1.755,07 x 30% = €526,52 (o valor anteriormente obtido multiplica-se pela IPP atribuída).


- €526,52 + €4.095,17 = €4.621,69 (o valor anteriormente obtido soma-se ao valor mínimo).


Assim, as seguradoras “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” são condenadas a pagar, na proporção de 65% e 35%, à sinistrada, por uma única vez, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, a quantia de €4.621,69, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia a seguir à data da alta e até integral pagamento.


Pelo exposto, procede parcialmente o recurso da recorrente AA





Dada a procedência parcial do recurso, importa recalcular o valor da ação.


Assim, nos termos do art. 120.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e da Tabela Anexa à Portaria n.º 11/2000, de 13-01, que atribui como fator aplicável a quem possui 37 anos (uma vez que a sinistrada nasceu em 05-09-1985 e na data da alta – 09-06-2022 – o aniversário mais próximo corresponde aos 37 anos) a taxa de 16,633, o valor da ação fixa-se em €107.215,50, nos seguintes termos:


16,633 x €5.439,68 = €90.478,20.


€90.478,20+ €4.621,69 + €12.075,61€ + €40 = €107.215,50








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso interposto pela sinistrada AA parcialmente procedente e, em consequência:


a) Revogam-se os pontos 1 e 2, alínea a) da sentença recorrida, os quais passam a ter a seguinte redação:

1. Atribuir a AA uma incapacidade permanente parcial de 30% com IPATH e fator de bonificação 1.5, a partir do dia 10 de junho de 2022;

2. Condenar “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Seguradoras Unidas S.A.” a pagarem, na proporção de 65% e 35%, respetivamente, a AA:

a. A pensão anual e vitalícia no montante de €5.439,68 (cinco mil, quatrocentos e trinta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), desde 10-06-2022, atualizável nos termos dos arts. 6.º e 8.º do DL n.º 142/99, de 30-04; e ainda, por uma única vez, o subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de €4.621,69 (quatro mil, seiscentos e vinte e um euros e sessenta e nove cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 10-06-2022 e até integral pagamento;

b) No demais mantém a decisão final recorrida.


Custas a cargo das seguradoras e da sinistrada (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), fixando-se em 5/6 para as seguradoras e 1/6 para a sinistrada.


Fixa-se o valor da ação em €107.215,50.


Notifique.



Évora, 02 de outubro de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Mário Branco Coelho

Paula do Paço

_____________________________________

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎

2. Doravante “Fidelidade, S.A.”.↩︎

3. Doravante AA↩︎

4. Junto ao processo em 18-03-2019.↩︎

5. Sendo a IPP de 30% e o restante o fator de bonificação por “perda de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que a vítima ocupava com carácter permanente”.↩︎

6. Efetivamente, apesar de a recorrente não ter feito consignar, de forma expressa, que impugnava a matéria de facto, uma vez que impugnou quer o grau de IPP fixado, quer a não atribuição de IPATH, constando tais matérias do facto provado 9, terá de se considerar essa impugnação como impugnação desse facto, tendo a contraparte entendido tal impugnação, relativamente à qual apresentou a sua argumentação.↩︎

7. Acórdão do TRC, proferido em 20-06-2018, no âmbito do processo n.º 13/16.0GTCTB.C1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

8. É o caso do relatório de especialidade de psiquiatria efetuado em 13-02-2020.↩︎

9. Designadamente, o relatório psiquiátrico, subscrito em 01-08-2022, pela Dra. MM e o relatório do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, datado de 12-04-2024, sendo que O Relatório Médico da Unidade Saúde USF Local 1, datado de 16-04-2024 e o Relatório Médico de Incapacidade Multiuso, datado de 22-04-2024, limitam-se a reproduzir o que consta deste último Relatório.↩︎

10. Situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).↩︎

11. Situação relativa a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.↩︎

12. N.º 83, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 147/148.↩︎

13. Ibidem, pp. 145 e 156.↩︎

14. Vide acórdãos, do STJ proferido em 28-01-2015 no processo n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1; do TRL proferido em 06-07-2017 no processo n.º 4361/10.5TTLSB.L1-4; do TRC proferido em 09-07-2009 no processo n.º 825/07.6TTTMR.C1; e do TRE proferidos em 14-06-2018 no processo n.º 1676/15.0T8BJA.E1; em 17-06-2021 no processo n.º 249/15.1T8PTM-A.E1; e em 24-11-2022 no processo n.º 1547/19.0T8BJA.E1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

15. Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 186.↩︎

16. Veja-se acórdão proferido nesta relação, em 30-03-2017, no âmbito do processo n.º 593/11.7TTPTM.E2, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

17. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎

18. E já mencionado na nota de rodapé 14.↩︎

19. Capítulo X, ponto 2, da TNI.↩︎

20. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎

21. Vide acórdãos do STJ proferidos em 24-10-2012 no processo n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1; em 05-03-2013 no processo n.º 270/03.2TTVFX.1.L1.S1; em 28-01-2015 no processo n.º 28/12.8TTCBR.C1.S1; em 03-03-2016 no processo n.º 447/15.8T8VFX.S1; em 06-02-2019 no processo n.º 639/13.4TTVFR.P1.S1; e em 25-11-2020 no processo n.º 288/16.5T8OAZ.P1.S1, todos publicados em www.dgsi.pt.↩︎

22. Anexa ao DL n.º 352/2007, de 23-10.↩︎

23. Já citado.↩︎