Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PAGAMENTO DA COIMA INIBIÇÃO DE CONDUZIR SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/25/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - O art. 141.º, n.º, 1 do Código da Estrada atribui ao pagamento da coima a natureza de verdadeiro pressuposto formal da decisão de suspender a execução de sanção acessória de inibição de conduzir. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora i. relatório 1. Nos presentes autos de recurso de impugnação judicial em matéria contraordenacional que correm termos no Juízo Local Criminal de Torres Novas do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, SM, melhor identificado nos autos, veio impugnar judicialmente a decisão proferida em 16.12.2016 pela A.N.S.R., que o condenou no pagamento de uma coima no valor de €180,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática de uma a contraordenação prevista e punida pelos artigos 84.º, n.ºs 1 e 4, 138.º, e 145.º, n.º 1, alínea n), todos do Código da Estrada. 2. – Remetidos os autos aos serviços do MP, realizou-se Audiência de Discussão e Julgamento no tribunal recorrido que julgou totalmente improcedente o recurso interposto e, mantendo a decisão administrativa, condenou o recorrente em coima no valor de €180,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias, devendo o arguido entregar o seu título de condução neste tribunal ou no posto policial da sua área de residência no prazo de quinze dias úteis após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de cometer um crime de desobediência. 3. – Inconformado, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: «CONCLUSÕES: a) É ponto assente que, in casu, se verificam todos os pressupostos da suspensão da sanção acessória, designadamente que, o arguido é um condutor experiente e normalmente cumpridor das regras de trânsito, necessita diariamente da sua carta de condução para as suas deslocações profissionais enquanto gerente e trabalhador de uma empresa de gestão de resíduos, não tem averbada no seu registo individual de condutor qualquer contraordenação grave ou muito grave e não tem antecedentes criminais. b) A referência ao pagamento da coima (art.º 141.º do C.E. – que se entende ter sido erradamente interpretado na douta sentença recorrida), só poderá entender-se como sendo uma condição para que a suspensão da execução da inibição se efective, não para que a suspensão seja concedida. c) Este entendimento é o único que permitirá a obediência ao princípio da proporcionalidade – princípio que resulta violado pelo entendimento sufragado pela sentença recorrida. d) Donde se impõe a procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine a pretendida suspensão da execução da sanção acessória, pelo período de seis meses a um ano, desde que a coima seja paga no prazo que for fixado, e, contando-se o prazo da suspensão a partir do momento do pagamento da coima;» 4. Notificado da interposição do presente recurso, o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância pronunciou-se no sentido da sua improcedência. 5. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido. 6. -Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, o arguido nada acrescentou. 7. Sentença recorrida (Transcrição parcial): « (…) 1. FACTOS PROVADOS Da prova produzida resultaram os seguintes Factos Provados com relevância para a decisão da causa: 1. No dia 12 de outubro de 2016, pelas 11h03, no Largo das Forças Armadas, em Torres Novas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula HV, utilizando o telemóvel durante a marcha do veículo, sem fazer uso de microfone com sistema de alta voz ou de auricular. 2. O arguido revelou desatenção e irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário, atuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham. 3. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a referida conduta era proibida e sancionada pela lei contraordenacional. 4. O veículo automóvel melhor identificado em 1. está equipado com sistema de “mãos livres”, por via “Bluetooth”. 5. O arguido é um condutor experiente e normalmente cumpridor das regras de trânsito. 6. O arguido necessita diariamente da sua carta de condução para as suas deslocações profissionais enquanto gerente e trabalhador de uma empresa de gestão de resíduos (veículos em fim de vida) e de comércio de automóveis. 7. O arguido é casado e vive com a sua esposa e dois filhos. 8. O arguido não tem averbada no seu registo individual de condutor qualquer contraordenação grave ou muito grave. 9. O arguido não tem antecedentes criminais. 10. O arguido não procedeu ao pagamento da coima. 2. FACTOS NÃO PROVADOS Não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão: a) O arguido utiliza sempre o sistema de alta voz da viatura. b) Em momento algum o arguido pôs em causa a segurança do tráfego rodoviário. 3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO (…) III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1. Do Enquadramento Jurídico dos Factos (…) 2. Da coima e da inibição de conduzir O arguido cometeu a infração prevista no artigo 84.º, n.º 1, do Código da Estrada – utilização, durante a marcha do veículo, de aparelho radiotelefónico, sem microfone com sistema de alta voz ou auricular. A infração é punida com coima de €120,00 a €600,00, tendo a autoridade administrativa aplicado ao arguido uma coima no valor de €180,00, o qual se nos afigura ser adequado, não tendo o arguido, aliás, impugnado o montante da coima aplicada. A mesma infração é ainda punida com sanção acessória de inibição de conduzir com duração mínima de um mês e duração máxima de um ano, uma vez que se trata de contraordenação grave (cfr. artigo 145.º, n.º 1, alínea n), e 147.º, n.º 2, ambos do Código da Estrada). A autoridade administrativa decidiu aplicar ao arguido uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, sendo certo que o arguido não impugna a medida da sanção acessória, que se nos afigura também adequada. Entende, no entanto, o arguido que a sanção acessória de inibição de conduzir deverá ser suspensa por estarem verificados os pressupostos da suspensão. Dispõe o artigo 141.º do Código da Estrada o seguinte: “1 - Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contraordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes. 2 - Se o infrator não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano. 3 - A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infrator, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contraordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente: a) (revogado) b) Ao cumprimento do dever de frequência de ações de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir; c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.” Assim, a sanção acessória é sempre aplicável aos condutores que pratiquem contraordenações graves ou muito graves, prevendo a lei a figura da suspensão da execução da sanção acessória caso estejam verificados determinados pressupostos. Por um lado, a suspensão da execução da sanção acessória é apenas aplicável quando estão em causa contraordenações graves, ficando, por isso, excluída a suspensão da execução da sanção acessória aplicada a contraordenações muito graves. No caso concreto, resulta provado que o arguido cometeu uma contraordenação grave – a utilização, durante a marcha do veículo, de auscultadores sonoros e de aparelhos radiotelefónicos – conforme se extrai do disposto no artigo 145.º, n.º 1, alínea n), do Código da Estrada. Por outro lado, outra das condições da suspensão da execução da sanção acessória é o prévio pagamento da coima aplicável à contraordenação cometida, o que in casu não se verifica. Assim, sem necessidade de mais considerações, fica desde logo afastada a suspensão da execução da sanção acessória aplicada ao arguido, porque não estão verificados os requisitos legalmente previstos para a suspensão da sanção acessória, já que o arguido não procedeu ao pagamento da coima. Face ao exposto, entendemos que o arguido terá de cumprir a sanção acessória que lhe foi aplicada de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 30 dias.» Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso. II. FUNDAMENTAÇÃO 1.O arguido recorrente pretende a revogação da sentença recorrida unicamente na parte em que decidiu não suspender a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, por considerar que o pagamento da coima imposto pelo art.º 141.º do C.E. só poderá entender-se como sendo uma condição para que a suspensão da execução da inibição se efective, não para que a suspensão seja concedida, contrariamente ao decido pelo tribunal recorrido, pelo que é esta a questão a decidir. 2. Decidindo Não se discute nos autos que é grave a contraordenação prevista e punida pelos artigos 84.º, n.ºs 1 e 4, 138.º, e 145.º, n.º 1, alínea n), todos do Código da Estrada pela qual o arguido vem condenado, que este não tem averbada no seu registo individual de condutor qualquer contraordenação grave ou muito grave e que não procedeu ao pagamento da coima. Apenas se suscita, pois, a questão de saber se ao dispor que “1- Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contraordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima ….”, o art. 141º nº1 do C. Estrada atribui ao pagamento da coima a natureza de verdadeiro pressuposto formal da decisão de suspender a execução da inibição de conduzir, como considerado na sentença recorrida, ou se o consagra antes como dever a que, ope legis, fica subordinada aquela suspensão, à imagem, acrescentamos, do estabelecido no art. 51º do C. Penal para a suspensão da execução da pena de prisão. Ora, embora nada impedisse o legislador de ter optado por solução deste último tipo, consideramos com a sentença recorrida e com o entendimento generalizado sobre a questão (vd, por todos os Ac do TRG de 30.06.2008 e do TRC de 15.11.2017, igualmente citados pelo MP na sua resposta) que o pagamento da coima exigido pelo art. 141º nº1 do C. Estrada constitui pressuposto formal da suspensão da inibição de conduzir, atentas razões de ordem literal e sistemática que não são contrariadas por quaisquer outras. Por um lado, o artigo 141º distingue os pressupostos da suspensão previstos nos seus nºs 1, 2 e 3, 1ª parte, dos deveres enumerada nas alíneas do nº3 daquele mesmo preceito que podem condicioná-la. Por outro lado, os nºs 3 e 2 da atual redação do art. 172º do C. Penal que regulam o cumprimento voluntário da coima, preveem que este tenha lugar sempre antes da decisão, no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito, sendo a coima liquidada pelo mínimo. Por último, não colhe a invocada alegação de violação do princípio da proporcionalidade, porquanto a exigência do pagamento prévio da coima como pressuposto da suspensão da execução da inibição de conduzir não se traduz numa punição inadequada, desproporcionada e desnecessária, contrariamente ao que alega o recorrente, visto que o pagamento prévio da coima não impede o arguido de discutir a existência da infração apresentando a sua defesa para o efeito (cf. art. 172º nº4) ou por meio de impugnação judicial, conforme decidido no acórdão do Tribunal Constitucional nº 135/2009 que declarou, “…. com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretada no sentido de que, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção”. Assim sendo, terá o arguido que cumprir o período de 30 dias de inibição de conduzir que lhe fora aplicado pela entidade administrativa, para além de pagar a coima de 180 euros, por não ser já possível a suspensão da execução do período de inibição aplicado pela autoridade administrativa, conforme decidido na sentença ora recorrida, de acordo com disposto no art. 141º nº1 do C. Estrada. III. dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, SM mantendo integralmente o decidido na sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. – Cfr arts.92º do RGCO, 513º do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) aprovado pelo Dec-lei 34/2008, conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito. Évora, 25 de setembro de 2108 (Processado e revisto pelo relator) ---------------------------- (António João Latas) ----------------------------- (Carlos Jorge Berguete) |