Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
| Descritores: | APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO ESTAFETA PLATAFORMA DIGITAL AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO ARECT PRESUNÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | SOCIAL | ||
| Sumário: | Sumário elaborado pela relatora (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Uma vez que o art. 12.º-A do Código do Trabalho não se reporta nem a condições de validade do contrato de trabalho, nem a efeitos de factos ou situações anteriores à entrada em vigor deste artigo, o mesmo aplica-se a relações contratuais iniciadas em data anterior à sua entrada em vigor, desde que tais relações ainda subsistam nessa data. II – Mostra-se preenchida a al. a) do n.º 1 do art. 12.º-A do Código do Trabalho quando é a empresa Ré quem determina a remuneração fixa, segundo os critérios que unilateralmente decidiu aplicar, bem como quem determina a remuneração variável, não só em face dos limites mínimos e máximos que impõe, como por proceder a tal pagamento de acordo com os quilómetros constantes do trajeto de viagem que apresenta ao estafeta, independentemente de ser esse o trajeto realizado, e, por fim, quem, unilateralmente, estabelece que o pagamento da remuneração será, em regra, semanal. III – Mostra-se preenchida a al. b) do n.º 1 do art. 12.º-A do Código do Trabalho quando é a empresa Ré quem estabelece determinadas regras, de forma unilateral, relativas à prestação da atividade do estafeta, exigindo ainda o cumprimento de normas específicas para que este se possa inscrever na plataforma e impondo também a sujeição do estafeta a determinadas atividades de fiscalização durante a sua atividade, sendo ainda a Ré quem procede à escolha dos clientes e das propostas de entrega que aparecem no écran do telemóvel do estafeta, indicando-lhe os locais de recolha e de entrega. IV – Mostra-se preenchida a al. c) do n.º 1 do art. 12.º-A do Código do Trabalho quando é a empresa Ré quem controla, em tempo real, a localização do estafeta, sendo esse controlo necessário para o exercício da sua atividade e para a seleção que a plataforma faz dos pedidos que lhe envia; e quem controla, através de um sistema de reconhecimento facial instalado na aplicação, a identidade do estafeta, durante o exercício da sua atividade, exigindo aleatoriamente e de forma automática que o referido estafeta se identifique, através do envio de uma selfie. V – Mostra-se preenchida a al. e) do n.º 1 do art. 12.º-A do Código do Trabalho quando é a empresa Ré quem tem a autoridade disciplinar para, sem qualquer pré-aviso, desativar a conta em definitivo do estafeta ou restringir o seu acesso temporário à aplicação informática, sempre que entenda que o mesmo não cumpriu com os comportamentos que considera, de forma unilateral, não serem aceitáveis. VI – Mostra-se preenchida a al. f) do n.º 1 do art. 12.º-A do Código do Trabalho quando é a empresa Ré quem gere a aplicação informática Uber Eats que o estafeta teve de instalar no seu telemóvel, aplicação informática essa que não só é um instrumento de trabalho fornecido pela Ré ao estafeta, como é o instrumento de trabalho mais importante deste, sem o qual a sua atividade não podia ser realizada. VII – Estando preenchidas cinco presunções legais, nas quais especificamente se comprovou que o estafeta prestava uma atividade para a Ré, em troca de uma retribuição paga com caráter regular, encontrando-se sujeito a subordinação jurídica, quer através das normas unilateralmente impostas pela Ré quanto ao modo de exercício da atividade, quer através dos poderes exercidos pela Ré de controlo e supervisão da atividade efetuada, quer através da autoridade disciplinar consubstanciada na possibilidade de, sem aviso prévio, a Ré poder desativar a conta do estafeta em definitivo ou restringir o seu acesso temporário à aplicação informática Uber Eats, é de concluir pela existência de um contrato de trabalho. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1952/23.8T8TMR.E2
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1 ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório O Ministério Público intentou ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos dos arts. 5.º-A, al. c), 26.º, n.º 1, al. i) e n.º 6 e 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho e art. 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, na redação conferida pela Lei n.º 13/2023, de 03-04, contra a Ré “Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda.”2, solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, reconhecendo-se e declarando-se a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e AA,3 com início em 31-12-2020. … A Ré “Uber Eats” veio contestar, solicitando a sua absolvição da instância, por procedência da exceção dilatória atípica derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos serviços do Ministério Público; ou, subsidiariamente, que fosse julgado improcedente o pedido, por não provado; ou, subsidiariamente, que fosse julgado improcedente o pedido, por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no art. 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho. … Proferido despacho saneador, foi efetuado o saneamento do processo, tendo sido julgada improcedente a exceção invocada. Foi ainda identificado o objeto do litígio, dispensada a fixação dos temas da prova, apreciados os requerimentos de prova e marcado o julgamento. … Realizado o julgamento, foi proferida, em 31-12-2024, a respetiva sentença, com o seguinte teor decisório: Pelos fundamentos expostos, julga-se a presente ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, não se reconhecendo a existência de contrato de trabalho entre AA e a Ré identificada, absolve-se esta do pedido. * Valor: 2000€ (cfr. art. 186º-Q, n.º 1 do CPT e art. 12º, n.º 1, al. e) do RCP). Sem custas, atenta a isenção do Autor, que vai vencido. Registe, notifique e comunique (art. 186.º-O n.º 9 do CPT) ♣ Não se conformando com a sentença, veio o Ministério Público interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões: 1.ª As leis laborais, salvo regras interpretativas especificas por elas próprias estabelecidas, devem ser interpretadas de acordo com os critérios gerais dos artigos 12.º e 13.º do Cod. Civil. 2.ª O art.º 35.º, n.º 1 da Lei 13/2023 de 3 de abril dispõe que Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta Lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores áquele momento. 3.º O art.º 12, n.º 2 do Cod. Civil estabelece que a Lei nova só produz efeitos para o futuro, mas quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações juridicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entende-se que a Lei nova se aplica de imediato às relações já constituídas desde que ainda subsistentes e o contrato de trabalho é precisamente uma dessas situações. 4.ª De acordo com o art.º 12, n.º 2 do C.C. se a Lei nova pretende estabelecer uma disciplina das condições de trabalho com abstração dos factos que lhe deram origem, essas normas devem ser aplicadas de imediato às relações laborais constituídas anteriormente à sua entrada em vigor, mas ainda subsistentes àquela data. 5.ª A qualificação de um contrato é uma questão juridico-normativa a solucionar por subsunção da factualidade clausulada aos preceitos legais, uma operação que abstrai da concreta vontade das partes. 6.ª As presunções de laboralidade ( quer as do art.º 12.º nas suas diversas versões, quer a do art.º 12.º-A do Cod. Do Trabalho ) destinam.se a operar essa qualificação olhando sobretudo para a execução que as partes fazem do acordado e essa execução não sofre alteração por força da entrada em vigor da Lei Nova. 7.ª A aplicação imediata da Lei Nova que estabelece nova presunção de laboralidade às relações laborais constituídas anteriormente à sua entrada em vigor, mas ainda subsistentes, não limita o princípio da Liberdade contratual das partes, sendo esta “ a Liberdade de modelar e de concluir os negócios, não a de decidir arbitrariamente da lei a que eles devem submeter-se” sobretudo se o nomen não corresponde à execução efetiva, não havendo, por isso legitimas expectativas a proteger, não se afetando a função estabilizadora do Direito que as normas transitórias visam proteger 8.º Não estão em causa condições de validade do contrato, nem efeitos de factos ou situações passadas anteriormente. O que se trata é de avaliar os factos com base em diferente juízo normativo, a noção de contrato de trabalho e dos seus elementos constitutivos mantem-se exatamente igual, “ sendo a presunção de laboralidade um instrumento, uma nova metodologia de qualificação do contrato” . 9.º Salvo o devido respeito por opinião contrária, a presunção de laboralidade prevista no art.º 12-A do Código do trabalho e na nova redaçao do art.º 12.º, introduzidas pela Lei 13/2023 de 3 de abril, aplica-se às relações contratuais iniciadas em momento anterior à entrada em vigor da referida norma e que ainda subsistam, a essa data. 10.º Diga-se ab initio que o artigo 12-A não afasta aplicação do artigo 12 .º do Cod. Do Trabalho e, à semelhança deste, basta-se com a verificação de duas ( podendo no entanto, ser mais) das caraterística que estabelece para que se tenha por verificada a presunção de laboralidade. 11.ª Para poder exercer a atividade, ao registar-se na plataforma , o estafeta teve de indicar a área geográfica onde estava disponível para fazer as entregas, dentro das áreas geográficas onde a plataforme estivesse operacional. 12.ª Quem determina a área onde o negócio se vai desenvolver é a empresa que o tem. O estafeta não têm qualquer possibilidade de determinar a área geográfica onde a plataforma vai estar operacional, a sua liberdade limita-se à de eleger um dos lugares onde a plataforma decidiu operar como qualquer outro trabalhador que se candidate a um emprego. 13.ª Acresce que é a plataforma quem indica ao estafeta o ponto de recolha e o ponto de entrega da encomenda e lhe define inicialmente a rota ( e só esta é paga) pelo que se considera preenchida a caraterística do art.º 12, n.º 1 alínea a) do C.T.. 14.ª A aplicação informática é um instrumento de trabalho incorpóreo essencial, sem o qual não haveria relação entre o prestador da atividade e a plataforma enquanto sujeito da relação juridical e é absolutamente imprescindível que exista e que o prestador a ela continue a ter acesso para que a relação se mantenha. 15.ª É através da aplicação que é feita toda a organização da atividade, pelo a caraterística do art.º 12.º alínea b) assim como a carateristica da alínea f) do n.º 1 do art.º 12-A se tem por verificada uma vez que não se exige que todos os instrumentos pertençam ao beneficiário da atividade, como já acontecia com a presunção de laboralidade da Lei 99/2003 de 27 de Agosto. 16.º Estando preenchidas duas das carateristicas prevista no art.º 12.º do Cod. do Trabalho (as alíneas a) e b) ) está verificada a presunção de laboralidade, mas se assim não fosse, sempre se teria de considerer que também estão verificadas as caraterísticas previstas no art.º 12-A , n.º 1 do Cod. do Trab., nas alíneas a) b) c) d) e) e f). 17.º A retribuição paga ao estafeta tem uma componente fixa que é determinada unilateralmente pela plataforma e tem uma parte variável que pode ter a colaboração do estafeta na sua determinação. Contudo essa parte variável é ainda encontrada a partir de um mínimo ( 0,10 €) e de um máximo ( 99,00 € ) fixados pela plaforma, pelo que está verificada a caraterística da alínea a) do art.º 12-A do Cod. Trab. 18.º A plataforma digital exerce o poder de direção , de gestão e organização da prestação de atividade e o poder de regulamentar sobre a prestação de atividade em todos os aspetos que a envolvam. 19.º Fá-lo quando define o próprio processo de registo na aplicação, quando define quanto, quando e como paga o serviço de entrega sem intervenção ativa do prestador que apenas pode alterar o valor a receber por Km a partir de um minimo fixado pela R., quando define ab initio um percurso de entrega e só esse é pago, quando cria um “radar de viagens” para “tabelar preços” e a intervir na prestação da atividade. Em conclusão, está verificada a carateristica da alínea b) do art.º 12 –A do CT. 20.º A plataforma digital tem o poder de controlar e supervisionar a prestação de atividade incluindo em tempo real ou verificar a qualidade da atividade prestada nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica quando recolhe dados, incluindo, biométricos, com a geolocalização do prestador de atividade a partir do momento em que este se coloca online , quando disponibiliza uma funcionalidade que permite ao cliente final colocar a sua apreciação sobre a prestaçao de atividade do estafeta, ( Feedback). pelo que está verificada a carateristica da alínea c) do art.º 12 –A do CT. 21.º E não se diga que a plataforma não faz uso dessa informaçao porque independentemente do uso que a plataforma faz desta informação quem decide o uso que faz é a plataforma, não o prestador. 22.º Com a alínea d) do art.º 12.º-A entramos no domínio do controlo e das restrições à própria atividade e não à prestação propriamente dita. Se relativamente à escolha de horários, períodos de ausência , não há restrições, já no que respeita à utilizaçao de subcontratados ou substitutos, nomeadamente partilha de contas a plataforma impõe regras próprias a que o estafeta tem de obeceder, podendo mesmo impeder o acesso temporário à conta e ou o cancelamento definitivo da mesma, se não cumpridas pelo estafeta impedindo-o de trabalhar. 23.º O poder disciplinar prende-se com a sujeição do prestador de atividade à direcção do empregador e é o critério distintivo principal entre o trabalhador subordinado e o independente. 24.º Como já se referiu, o prestador de atividade está sujeito a um controlo do seu desempenho, está adstrito a um conjunto de regras impostas pelo dono da aplicação, que tem sobre ele o poder de lhe restringir o acesso à plataforma de forma temporária ou definitiva. 25.º Do âmbito desta alínea e) essas possibilidades aparecem associadas ao poder disciplinar que por sua vez, remete, sem margem para dúvidas, para o trabalho subordinado. 26.º Atendendo ao grau de controlo que a plataforma exerce sobre o prestador, na prática é esta que detem o domínio da prestação, controlando como é exercida, estando prestador sujeitos às regras impostas pela plataforma, pelo que também esta carateristica se tem como verificada. 27.º Para afastar a presunção de laboralidade, a prova tem de ser efetiva, não bastando, pois, declarações negociais escritas, insertas num formulário elaborado unilateralmente pela R. – contrato de adesão- feito para conferir uma aparência de autonomia a uma prestação que não quer qualificada como de trabalho subordinado.. Para ilidir a presunção não bastam afirmações em audiência, feitas por funcionários da Ré de que existem poderes que não são exercidos ou que há controlos inócuos, quando realidade demonstra o contrário! 28.ª Mas a presunção poderia ser ilidida com a demonstração do funcionamento do algorítmo. Algorítmo, em termos simples, é uma sequência de instruções lógicas que um computador pode seguir para executar uma tarefa específica. Essas instruções são a tradução em linguagem informática do contrato que as partes vão executar entre elas. Logo, a divulgação dessas instruções de “programação” assume particular importância para a qualificação da relação contratual estabelecida entre as partes. 29.º Caso se entenda não serem aplicáveis as presunções de laboralidade , então perante a “dificuldade em determinar a subordinação juridica importa recorrer ao método indiciário de qualificação do contrato devendo concluir-se pela existência de um contrato de trabalho quando se verifiquem um conjunto de circunstâncias ou caraterísticas que sopesadas nos permitam concluir pela subordinação de quem presta o serviço perante o beneficiário da prestação.” Como se escreveu doutamente no Acórdão da Relação de Guimarães de 31-10.2024 que é precisamente o que acontece nos presents autos. ** Pelo exposto, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que reconheça a existência de um contrato de trabalho entre o prestador de atividade AA e a R Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., desde 31-12-2020, a tempo parcial. Porém Vossas.Excelências fareis, como sempre JUSTIÇA ♣ A Ré “Uber Eats” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. ♣ O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, o presente processo ficado a aguardar pelas decisões a proferir sobre esta matéria pelo Supremo Tribunal de Justiça. Proferidas tais decisões, foi admitido o recurso nos seus precisos termos, bem como os pareceres juntos pela Ré “Uber Eats”. Após a ida aos vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do Recurso Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso. No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Aplicação do art. 12.º-A do Código do Trabalho; e 2) Existência de um contrato de trabalho. ♣ III – Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: 1. A Ré UBER EATS Portugal Unipessoal Lda. é uma sociedade por quotas que tem por objeto social a prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos, atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações online e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração, consultadoria, conceção e produção de publicidades e marketing, aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais, atividades que desenvolve com o CAE principal 62090-R3 e CAE secundários 70220-R3 e 73110-R3 [Cfr. certidão permanente de fls. 34 e seg.]; 2. No âmbito da sua atividade, a Ré gere o site da internet www.ubereats.com/pt e a Plataforma e Aplicação informática Uber Eats, efetuando serviços à distância, a solicitação dos interessados; 3. Para tanto, a Ré promove a reunião de estafetas em áreas geográficas determinadas, os quais aí mostram disponibilidade para aceitarem propostas de entrega correspondentes a pedidos de pessoas interessadas, recolherem os produtos solicitados por estas e efetuarem o transporte e entrega nos lugares indicados; 4. No dia 20 de setembro de 2023, pelas 14h20m, junto ao restaurante Burger King em Torres Novas, os Inspetores da ACT verificaram que aí se encontrava AA a aguardar pedidos de clientes que surgissem na aplicação UberEats instalada no seu telemóvel, com vista a recolha de refeição e entrega ao cliente na morada que fosse indicada; 5. O referido cidadão estava apetrechado com uma mochila térmica de cor verde com o logotipo Uber Eats; 6. Para desenvolver a atividade de estafeta através da Plataforma informática gerida pela Ré, o cidadão em causa estava aí registado e a usar a Aplicação Uber Eats, assumindo a qualidade de “Parceiro de Entregas”, o que sucedia desde novembro de 2020; 7. Para se registar na referida Plataforma e Aplicação, AA submeteu aí a documentação exigida pela Ré, designadamente, cópia do documento de identificação, certificado de registo criminal sem antecedentes criminais averbados, associou a matrícula do veículo em que passaria a deslocar-se para fazer as entregas, juntou cópia dos respetivos documentos, assim como da sua carta de condução e seguro do veículo; 8. Demostrou, por fotografia, que tinha a mochila térmica com as dimensões e as condições de higiene; 9. E, para finalizar o registo, concordou com o teor de um documento contendo aos termos e condições aplicáveis e que lhe foi apresentado já redigido, sem possibilidade de alteração; 10. Cumpridas estas etapas e uma vez ativada a conta, para iniciar a sua atividade AA teve de ligar-se à internet, aceder à sua conta na Aplicação com o nome por si escolhido e respetivo código de segurança e acionar o botão de disponibilidade para poder receber propostas de entrega; 11. O cidadão em causa desenvolve essa atividade de entregador/estafeta na zona de Torres Novas e limítrofes , podendo ligar-se à Plataforma em qualquer localidade do distrito de Santarém onde a mesma esteja ativa e também fora do distrito, desde que o comunique à Ré; 12. O valor devido pela entrega, que é pago pela Ré, tem uma componente fixa e uma componente variável, sendo a primeira fixada pela Ré tendo em conta circunstâncias como o horário da entrega (sendo os de maior fluxo mais bem pagos), condições meteorológicas adversas, feriados ou períodos de alta procura; 13. A componente variável depende da distância a percorrer para efetuar a entrega (entre o ponto de recolha e o local de destino) e o custo por quilómetro; 14. O estafeta define o custo por quilómetro porque está disposto a efetuar a entrega, o qual corresponde ao valor proposto pela Ré e decorrente da distância a percorrer dividido pelo número de quilómetros do trajeto mencionado em 13, ficando de fora as propostas de entrega com custo por quilómetro inferior ao definido; 15. O estafeta toma conhecimento do valor que pode receber, relativamente a cada proposta de entrega, no momento em que a mesma lhe é apresentada na Aplicação; 16. Em regra, a Ré efetua o pagamento semanalmente (à segunda feira), mediante transferência para a conta bancária cujo IBAN foi indicado ab initio pela estafeta para esse efeito, podendo a referida periodicidade ser alterada pelo estafeta através da ferramenta “Flex Pay”; 17. A partir do momento em que a estafeta faz login na Aplicação, a Plataforma fica a saber a sua localização, através do sistema de geolocalização, sendo este conhecimento indispensável para atribuição das propostas de entrega e cálculo do valor do serviço; 18. Com o sistema de geolocalização ligado, o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pela estafeta podem ser controlados em tempo real pela Plataforma e pelo cliente, que pode acompanhar o processo; 19. O estafeta não tem intervenção na escolha dos clientes e das propostas de entrega, que surgem na Aplicação tendo em conta diversos fatores, entre os quais a localização; 20. Em caso de violação das obrigações assumidas pelo estafeta, nomeadamente se permitir a utilização da conta por terceiros não inscritos na plataforma ou se for efetuada queixa contra o mesmo por fraude, a plataforma pode desativar a conta em definitivo ou restringir o acesso temporário à Aplicação; 21. Para impedir que o estafeta se faça substituir por outrem, a Plataforma usa um sistema de reconhecimento facial para controlar a identidade do estafeta; 22. O cliente final paga o preço na Plataforma, podendo incluir as gorjetas, que são depois entregues por inteiro ao estafeta; 23. A Ré celebrou um contrato de seguro para proteção dos parceiros motoristas da Uber Eats/estafetas, nomeadamente em caso de lesão permanente ou temporária durante os serviços de entregas e em caso de óbito; 24. O cidadão AA desenvolve a sua atividade de estafeta através da Aplicação Uber Eats desde novembro de 2020; * 25. No momento em que efetua o registo na plataforma, o estafeta subscreve (manifestando concordância) o documento de fls. 128 a 132, intitulado “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido: (…) PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS • O presente Contrato rege o uso da App para a prestação de Serviços de Entrega. • Se prestar o Seu consentimento ao presente Contrato, pode usar a App para ter acesso às propostas de Serviço de Entrega da Uber Eats. O Parceiro de Entregas Independente decide se, quando e onde usa a App, a seu exclusivo critério. O Parceiro de Entregas Independente pode tomar esta decisão unilateralmente e em tempo real, através da seleção de um botão no Seu smartphone. O Parceiro de Entregas Independente não está vinculado a nenhuma obrigação de exclusividade com a Uber Eats ou Uber Portier B.V. • Se prestar o Seu consentimento ao presente Contrato, fá-lo enquanto prestador de serviços independente e não enquanto trabalhador da UBER EATS ou da UBER Portier B.V. • O Parceiro de Entregas Independente decide se pretende ou não aceitar uma proposta. O Parceiro de Entregas Independente não está obrigado a usar a App ou a prestar serviços de entrega, incluindo no momento em que está ligado à App. O Parceiro de Entregas Independente pode aceitar ou rejeitar qualquer proposta. • Se o Parceiro de Entregas Independente aceitar uma proposta, irá prestar Serviços de Entrega a clientes enquanto prestador de serviços independente. (…) PARTES Somos a Uber Eats Portugal, Unipessoal LDA ("Uber Eats" ou "nós"), uma sociedade registada nos termos da lei Portuguesa. Em determinados casos, entidades relacionadas da Uber Eats (tal como a Uber B.V.) irão desempenhar funções relacionadas com o presente Contrato ("Contrato"), na qualidade de parte autorizada pela Uber Eats. Uber Portier B.V. ("Portier") é uma sociedade registada nos termos da lei dos Países Baixos e é parte do presente Contrato para permitir ao Parceiro de Entregas Independente o acesso à App, de forma gratuita. O Parceiro de Entregas Independente é um trabalhador independente no negócio de Serviços de Entrega ("Você”, "Seu", "Parceiro de Entregas Independente", "Parceiro") DEFINIÇÕES Parceiro de Entregas Independente refere-se a um trabalhador independente no negócio de Serviços de Entrega (…) "Serviços de Entrega" refere-se ao ato de entrega de comida ou outros itens que tenham sido pedidos pelos Clientes aos Comerciantes através da App Uber Eats. (…) “Cliente” refere-se a qualquer indivíduo que tenha feito uma encomenda de refeição ou outros bens através da App Uber Eats. "Comerciante" refere-se a um negócio cujos produtos (comida ou outros itens) sejam disponibilizados para venda através da App Uber Eats. "Território” refere-se a Portugal. (…) "Melo de Transporte” refere-se a qualquer meio de transporte a ser usado para a prestação dos Serviços de Entregas. (…) "Informação do Utilizador" refere-se a informação relativa a um Cliente ou Comerciante (em conjunto, "Utilizadores") que seja disponibilizada ao Parceiro de Entregas Independente relacionada com a proposta de Serviços de Entrega, que pode incluir local de recolha, local de entrega, nome ou firma do Utilizador, informação de contacto do Utilizador, assinatura do Utilizador e fotografia do Utilizador, assim como quaisquer outros detalhes específicos dos itens a ser entregues. TERMOS 1. Geral. a. Como empresa tecnológica, a Uber Eats opera uma plataforma que faz a ligação entre Comerciantes e Clientes, entre outras coisas. Como tal, podem ser solicitados serviços de entrega, serviços que caiem fora do âmbito do negócio e principais competências da Uber Eats. Neste contexto, os Parceiros têm a oportunidade de prestar Serviços de Entrega aos Clientes na qualidade de prestadores de serviços independentes. Ao assinar este Contrato, está a indicar-nos que tem capacidade para prestar Serviços de Entrega enquanto prestador de serviços Independente. b. (…) c. Ao concordar com o presente Contrato, a Portier fornecer-lhe-á acesso à App Uber Eats dos Parceiros de Entregas Independentes ("App"), ao nosso software, websites e vários serviços de suporte. d. Ao utilizar a App, poderá receber pedidos efetuados por Clientes dos Comerciantes da Uber Eats App para que possa prestar os Serviços de Entrega aos Clientes. e. (…) 2. Serviços de Entrega. Se aceitar uma proposta de entrega da Uber Eats, concorda em prestar serviços de entrega a pedido da Uber Eats em troca do pagamento da Taxa de Entrega (conforme definido infra). As propostas de entrega para serviços de entrega podem ser aceites clicando na opção aceitar uma proposta na App. Também pode recusar propostas de serviços de entrega clicando na cruz vermelha na proposta de serviços de entrega na App ou ignorar uma proposta de serviços de entrega. Para que fique claro, não há consequências para propostas recusadas ou ignoradas de Serviços de Entrega. 3. Estatuto. Se concordar com este Contrato, o Parceiro de Entregas Independente opta por ser trabalhador independente ao utilizar a App. Este Contrato não é um contrato de trabalho, e não cria uma relação de trabalho entre si e nós, οu qualquer afiliada da Uber Eats. Também não cria uma parceria legal, uma joint venture ou the da a autoridade para nos vincular ou manter-se como nosso funcionário, trabalhador, agente, parceiro legal ou representante autorizado. 4. Utilização da App. a. O Parceiro de Entregas Independente não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App. O Parceiro de Entregas Independente pode iniciar sessão na App se, quando e onde pretender. b. O Parceiro de Entregas Independente não está sujeito a nenhuma forma de avaliação e é totalmente livre na forma como executa as suas tarefas. c. O Parceiro de Entregas Independente decide sozinho se, quando, onde e por quanto tempo pretende utilizar a App e quando aceitar, recusar ou ignorar qualquer proposta de Serviços de Entrega. d. A Uber Eats e/ou a Portier não controlam, nem direcionam o Parceiro de Entregas Independente e não podem ser consideradas como controlando ou direcionando o Parceiro de Entregas, inclusive em conexão com a sua prestação dos Serviços de Entrega, as suas ações ou omissões, ou a sua operação e manutenção do Seu Meio de Transporte. e. Se necessário por motivos de segurança pública, podem existir restrições geográficas sobre onde pode receber propostas de Serviços de Entrega. f. O Parceiro de Entregas Independente é totalmente livre de escolher se contrata ou não com ou para outras empresas para prestar Serviços de Entrega, incluindo concorrentes da Uber Eats. Isto inclui fazê-lo ao mesmo tempo do que quando está a usar a App (conhecida como 'multi-apping"). Também é totalmente livre de prestar Serviços de Entrega aos Seus próprios clientes e ter a sua própria base de clientes. g. Quando estiver registado e online, as propostas de Serviços de Entrega podem aparecer na App. h. O Parceiro de Entregas Independente pode decidir livremente a taxa/preço mínimo por quilómetro dos Serviços de Entrega que lhe são propostos. Pode alterar esta tarifa/preço por quilómetro as vezes que desejar e a qualquer momento, sem comunicação prévia à Uber Eats ou autorização da Uber Eats, nos termos da cláusula 6.b. infra. i. Se aceitar uma proposta de Serviços de Entrega, os Comerciantes e Clientes receberão informações sobre a sua identificação, incluindo o Seu primeiro nome, foto, localização e informações sobre o Seu Meio de Transporte, de acordo com a Cláusula 12 (Privacidade). j. O Parceiro de Entregas Independente será responsável por escolher a forma mais eficaz e segura de chegar ao destino. Uma vez aceite uma proposta de Serviços de Entrega, ainda pode cancelar. k. O Parceiro de Entregas Independente é livre para escolher o sistema de GPS da sua preferência na App (entre Waze, Google Maps ou Uber GPS) ou usar qualquer outro sistema de GPS que não seja API integrado na App da Uber, ou não usar nenhum sistema de GPS. Tal permite que o Parceiro de Entregas Independente escolha a sua rota livremente. Para que fique claro, não há consequências por escolher uma rota livremente. l. Se o Parceiro de Entregas Independente não desejar continuar a prestar Serviços de Entrega a um Comerciante e/ou Cliente, poderá bloqueá-los mediante pedido ao departamento de suporte da App para não receber mais propostas de Serviços de Entrega dos mesmos. m. O Parceiro de Entregas Independente reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à Uber Eats para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: (a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela Uber Eats enquanto a App está em funcionamento; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao comerciante e ao Cliente antes e durante a Prestação de Serviços de Entrega. Além disso, a UberEats e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de proteção, segurança e técnicos. n. O Parceiro de Entregas Independente reconhece e concorda que: (a) é o único responsável por tomar as precauções razoáveis e apropriadas (incluindo a manutenção de um seguro adequado que cumpra os requisitos da legislação aplicável) em relação a quaisquer atos ou omissões de um Comerciante, Cliente e/ou terceiros; e (b) a Uber Eats ou as suas afiliadas podem fornecer as suas informações de contato e/ou seguro a um Comerciante e/ou Cliente e/ou terceiro mediante solicitação razoável de tal Comerciante e/ou Cliente e/ou terceiro (por exemplo, em conexão com um acidente). 5. As suas Obrigações. a. Por forma a manter o acesso à App, deve (i) manter todas as licenças, permissões, autorizações alvarás ou outros títulos habilitantes, necessários para a prestação de Serviços de Entrega, e (ii) cumprir com todos os requisitos legais. b. (…) c. (…) d. Deve ter todos os equipamentos, ferramentas e outros materiais necessários (a expensas próprias) para executar os Serviços de Entrega. e. (…) f. (…) g. Não lhe é exigida a utilização de roupa ou sacos com a marca da Uber Eats para prestar Serviços de Entrega. É livre para escolher o equipamento necessário para o Seu negócio, incluindo o uso de equipamentos de marcas concorrentes da Uber Eats, quando apropriado. h. Para prestar Serviços de Entrega deverá apenas utilizar o Meio de Transporte identificado na sua conta connosco. O Meio de Transporte identificado deve ser adequado para utilização no âmbito da App (tal como determinado a cada momento). Quando aplicável, o Meio de Transporte deverá cumprir com a legislação aplicável no Território. i. Deverá entregar-nos toda a informação por nós exigida (incluindo renovações) que demonstre a observância do exposto acima, antes e durante o período de utilização da App. j. Quaisquer taxas e impostos suportados em resultado da prestação de Serviços de Entrega serão da sua responsabilidade. k. A Uber Eats compromete-se a reembolsar Portagens suportadas no decurso da prestação de Serviços de Entrega. l. Deverá manter em vigor durante todo o período de utilização da App todas as apólices de seguro obrigatório aplicáveis ao Meio de Transporte que utiliza durante o período de vigência deste Contrato, com o nível de cobertura exigido por lei. m. (…) n. (…) o. O Parceiro de Entregas Independente é livre para substituir a sua atividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este último realize serviços de entrega no seu interesse e sob o seu controlo e responsabilidade. p. (…) 6. Taxa de Entrega a. O Parceiro de Entregas Independente pode determinar livremente a sua taxa mínima por quilómetro, indicando na App o limite de taxa por quilómetro abaixo do qual este não deseja receber propostas de Serviços de Entrega (“Taxa Mínima por Quilómetro”). Ao indicar este limite, o Parceiro de Entregas independente receberá apenas propostas de Serviços de Entrega para as quais a taxa por quilómetro seja igual ou superior à Taxa Mínima por Quilómetro que este determinou. b. Cada proposta de Serviços de Entrega exibida ao Parceiro de Entregas Independente na App, incluirá uma taxa proposta (incluindo IVA ou qualquer outro imposto sobre vendas) (a "Taxa de Entrega"), que nunca deverá considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro. c. A taxa por quilómetro será calculada dividindo o valor da Taxa de Entrega pelo número de quilómetros a serem percorridos desde o ponto de levantamento do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de Serviços de Entrega, conforme determinado por serviços de localização. d. A Taxa de Entrega será o resultado da taxa oferecida no momento do receção da proposta de Serviços de Entrega, considerando a Taxa Mínima por Quilómetro, vezes os quilómetros entre o ponto de levantamento e o ponto de entrega constantes na proposta de Serviços de Entrega (conforme determinado pela Uber Eats usando serviços de localização), e ainda incentivos relativos a cada viagem que possam ser aplicáveis em dado momento e/ou local onde o Serviço de Entrega é prestado (o “Cálculo da Taxa de Entrega"). e. A Taxa de Entrega não inclui gratificações pagas pelo Cliente. Os Clientes podem pagar gratificações, diretamente em espécie ou através da App. No caso de um Cliente pagar uma gratificação através da App, a Uber Eats entregará a gratificação completa ao Parceiro de Entregas Independente juntamente com as taxas de entrega. No caso de gratificações em dinheiro dadas diretamente ao Parceiro de Entregas Independente por um Cliente ou Comerciante, estas também pertencem exclusivamente ao Parceiro de Entregas Independente e nenhuma parte da gratificação será devida à Uber Eats. f. O Parceiro de Entregas Independente receberá Taxas de Entrega de forma agregada com uma periodicidade pelo menos semanal. Se disponível no Território, o Parceiro de Entregas Independente poderá optar por receber a Taxa de Entrega e as gratificações agregadas mais cedo. Para o efeito, a Uber Eats poderá aplicar um desconto ao valor agregado das Taxas de Entrega. O desconto aplicável será apresentado na App. Ao escolher receber o pagamento mais cedo, o Parceiro de Entregas Independente está a aceitar o desconto apresentado na App. g. Caso (i) haja evidências comprovadas de que o Parceiro de Entregas Independente cometeu fraude; (ii) o Parceiro de Entregas Independente cancelou um pedido após este ter sido aceite e, portanto, o Serviço de Entrega não foi prestado, a Uber Eats tem o direito de reduzir a taxa de entrega. A decisão da Uber Eats de reduzir ou cancelar a Taxa de Entrega desta forma, deve ser exercida de maneira razoável e com base em razões objetivas 7. Impostos (…) 8. Faturas. (…) 9. Dispositivo. O Parceiro de Entregas Independente deve usar o seu próprio dispositivo para aceder à App. Sujeito às condições deste Contrato, a Portier concede uma licença pessoal, não exclusiva, intransmissível, revogável, sem a faculdade de sublicenciar, para instalar a App no Seu dispositivo apenas para a finalidade de prestar os Serviços de Entrega. A Portier concede esta licença gratuitamente. Esta licença cessa com a cessação do Contrato de Parceiro de Entregas Independente. Não pode partilhar o Seu dispositivo ou as credencias da sus conta da Uber Eats com ninguém. 10. Inicio e Vigência. (…) 11. Acesso à App a. O Parceiro de Entregas Independente não tem qualquer obrigação de usar a App. Se optar por parar de usar a aplicação pode fazê-lo sem necessidade de nos notificar. b. No caso de uma alegada violação das obrigações do Parceiro de Entregas Independente (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. Podem existir circunstâncias em que não lhe poderemos facultar informação sobre denúncias no decurso de uma investigação (quer seja uma investigação nossa ou de terceiros, como as autoridades policiais. 12. Privacidade. (…) 13. Acesso aos Dados Uber. (…) 14. Propriedade Intelectual. (…) 15. Seguros. (…) 16. Cessação. a. O Parceiro de Entregas Independente pode resolver o presente Contrato: (i) sem motivo em qualquer altura, apagando e removendo a App do Seu dispositivo; (ii) contactando o suporte para seguir o processo de eliminação permanente da conta; (iii) imediatamente, sem aviso prévio, pela nossa violação material deste Contrato; (iv) em caso de alteração do presente Contrato, à qual o Parceiro de Entregas Independente se oponha, no prazo de 15 (quinze) dias após a receção de uma notificação escrita para efeitos de oposição a tal alteração; (v) imediatamente, sem aviso prévio, em caso de insolvência ou falência da Uber Eats ou após apresentação de um pedido de suspensão de pagamento (ou ação semelhante) contra si. b. Podemos resolver o presente Contrato, a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas Independente tiver infringida o presente Contrato; ou (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas Independente tenha agido de forma não segura ou violou este Contrato ou legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega, (iv) teve um comportamento fraudulento (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de as entregar, induzir utilizadores a cancelar os Seus pedidos; criar contas falsas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas, interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas Independente já não se qualifique, nos termos deste Contrato, da lei e regulamentos aplicáveis ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas, para prestar Serviços de Entrega ou para operar o Seu Meio de Transporte. c. As Cláusulas 7, 12, 14, 17, 18, 19, 20, 22 e 23 sobrevivem à cessação do presente Contrato. 17. Indemnização. (…) 18. Aviso legal. (…) 19. Limitação de Responsabilidade. (…) 20. Geral. (…) 21. Sistema de Suporte Interno (…) 22. Resolução de Litígios (…) 23. Lei aplicável e foro competente (…) Ao clicar “Sim, eu aceito”, aceita vincular-se a esta Contrato. (…) 26. Os estafetas podem desenvolver a sua atividade na Plataforma mediante registo direto nesta, conforme referido em 6, ou através de um intermediário; 27. Os estafetas é que decidem o local onde prestam a sua atividade, indicando essa opção na Aplicação, sendo a única limitação a Plataforma estar ativa na área geográfica escolhida; 28. Os estafetas podem bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejem contactar, deixando de receber propostas de entrega desse clientes e/ou comerciantes, sem necessidade de justificar a sua opção; 29. A Plataforma não dá indicação aos estafetas sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, embora a proximidade dum ponto de recolha assegure maior probabilidade de receber propostas de entrega; 30. Cada estafeta é livre de iniciar e terminar sessão na plataforma à hora que entender, sem necessidade de justificar a sua opção; 31. Perante uma proposta de entrega, o estafeta tem as opções de aceitar, ignorar ou recusar, sem necessidade de justificar a sua opção; 32. Os estafetas escolhem livremente a roupa que vestem para fazerem entregas, o equipamento (telemóvel smartphone), e o veículo (mota ou bicicleta) - que não pertencem à Ré - não tendo de estar identificados com qualquer elemento da marca da UberEats, podendo inclusive usar marcas concorrentes; 33. A mochila que os estafetas usam é imposta pela Ré, por razões de higiene e segurança alimentar, sem marca específica, podendo ser usada uma mochila de marcas concorrentes; 34. O valor recebido pelos estafetas é referente à entrega efetiva do produto do comerciante ao cliente; 35. A taxa mínima por quilómetro do valor devido pela entrega, pode ser ajustada pelo estafeta a qualquer momento, de acordo com o seu critério, entre um mínimo de 0,10€ e um máximo de 99€, por forma a receberem propostas de entrega apenas acima do valor mínimo assim definido (que também podem ser rejeitadas); 36. No caso, o estafeta AA já ajustou a taxa mínima por quilómetro de 0,10€ para valores superiores, como 2,30€ por diversas vezes; 37. A Plataforma, quando apresenta a proposta de entrega ao estafeta, indica o valor final que o mesmo irá receber caso aceite o pedido e não um valor mínimo; 38. O pagamento aos estafetas é, em regra, feito semanalmente, por transferência bancária, caso os mesmos não optem por recolher os rendimentos mais cedo, através da ferramenta "Flex Pay", na qual podem acompanhar e receber logo os ganhos que geram através da Plataforma; 39. Os estafetas dispõem de uma ferramenta na Aplicação que lhes permite visualizar outras propostas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”; 40. A emissão de faturação surge na sequência do pagamento pela Ré dos valores relativos às entregas realizadas pelo estafeta; 41. Os clientes da Ré têm obrigatoriamente de se registar na Plataforma, previamente, para poderem encomendar produtos; 42. O reconhecimento facial mencionado em 21 reporta-se ao controlo de identidade dos estafetas na Plataforma, imposto pela Ré, através do qual é pedido aos estafetas que tirem uma selfie (autorretrato) que depois é comparada com a fotografia registada na Plataforma, para detetar situações de partilha de contas fora das situações permitidas, apurando se quem se encontra a prestar atividade através de uma determinada conta é o respetivo titular, o único que comprovou que cumpre com todos os requisitos para exercer a sua atividade, tendo apresentado os documentos exigidos; 43. O reconhecimento facial é despoletado pela Aplicação de forma automática e aleatória; 44. Os estafetas podem escolher as rotas que seguem, o sistema de navegação que utilizam (se assim entenderem) e a forma como comunicam com o cliente no momento da entrega da encomenda; 45. Cabendo ao estafeta decidir quando e durante quanto tempo se liga à plataforma, no caso concreto de AA, entre os dias 1 e 7 de maio de 2023, os dias 30 de agosto e 7 de setembro de 2023 e os dias 23 de setembro e 8 de outubro de 2023 não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade [num total de, respetivamente, 6 (seis), 8 (oito) e 15 (quinze) dias seguidos] e, à data da entrada da contestação em juízo, desde 8 de outubro de 2023 que não fazia qualquer entrega através da Plataforma; 46. Apesar do referido em 45, AA continua com a conta ativa; 47. A Ré não faz uso do feedback dado pelos clientes e restaurantes para efeitos de avaliação da performance dos estafetas, reagindo apenas para verificar a identidade do estafeta nos casos em que um cliente reporte que o mesmo não corresponde à fotografia de perfil; 48. O referido em 47 visa assegurar que não existe partilha de contas; 49. A ativação do GPS é necessária para o funcionamento da Plataforma, designadamente para a apresentação de propostas de entrega, sendo preferidos os estafetas que estão melhor posicionados para recolher a encomenda (mais próximos) e entregá-la no melhor tempo possível. 50. O GPS permite aos clientes acompanharem a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe; 51. Uma vez recolhida a encomenda, o estafeta pode optar por não utilizar qualquer sistema de navegação GPS, não sendo penalizado por isso, embora o bom funcionamento da Aplicação e o próprio serviço fiquem comprometidos, já que o cliente deixa de poder acompanhar o trajeto seguido pelo estafeta e prever o tempo que falta para a entrega; 52. Apesar da disponibilidade permanente da Aplicação, em determinados horários e zonas geográficas podem não existir estabelecimentos abertos e/ou clientes a efetuar pedidos através da Plataforma; 53. O estafeta pode-se fazer substituir por outro estafeta registado, sendo os rendimentos negociados entre o substituído e o substituto, recebendo este os ganhos durante a substituição; 54. Quando completam recorrentemente entregas para um determinado restaurante, os estafetas recebem comunicações da Ré a relembrar que são livres de oferecer os seus serviços diretamente ao comerciante sem ser por intermédio da Plataforma; 55. Para se registarem na Plataforma, os estafetas não estão sujeitos a qualquer tipo de processo de recrutamento, não havendo análise de CV, entrevistas ou qualquer tipo de processo de seleção; 56. Para registo da plataforma, o estafeta deve cumprir os seguintes requisitos: i.Idade mínima de 18 anos; ii. Certificado de residência, se for cidadão de um país não pertencente à União Europeia; iii. Carta de condução, se conduzir uma moto; iv. Seguro, se conduzir uma mota; v.Não ter antecedentes criminais. … E deu como não provados os seguintes factos: 1. Que seja exigência da Ré o uso de mochila com o logotipo da UBER; 2. Que o estafeta não possa alterar a zona onde exerce a sua atividade; 3. Que o estafeta só saiba quanto vai receber após aceitar a proposta de entrega; 4. Que o pagamento ao estafeta seja apenas semanal; 5. Que a Aplicação tenha um horário de funcionamento; 6. Que o estafeta apenas possa escolher os dias e as horas em que desempenha funções; 7. Que o estafeta não possa ter clientes próprios, dispor de uma organização empresarial própria e tenha que proceder a entregas identificado com a sigla UBEREATS; * Foi expurgada a matéria considerada conclusiva, de direito, meramente argumentativa ou irrelevante para a decisão da causa. ♣ IV – Enquadramento jurídico 1 – Aplicação do art. 12.º-A do Código do Trabalho Entende o Ministério Público que o art. 12.ºA do Código do Trabalho se aplica às relações contratuais iniciadas em momento anterior ao da entrada em vigor do referido artigo. Efetivamente é esse o entendimento que tem vindo a ser assumido pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão proferido em 15-05-2025, no processo n.º 1980/23.3t8CTB.C2.S1,4 5 6 que se cita: 7. Sobre a aplicação das leis no tempo há a considerar, desde logo, os princípios gerais constantes do art. 12º do Código Civil, que tem o seguinte teor: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”3. Especificamente sobre a matéria ora em discussão no recurso, atinente à aplicação no tempo do art. 12.º-A, do CT, rege o art. 35º da referida Lei n.º 13/2023: “Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento”. No essencial, esta disposição legal encontra-se alinhada com o disposto no art. 7º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, relativo à aplicação no tempo do Código do Trabalho de 2009 [“Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho (…) celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”], afigurando-se-nos que aos segmento finais destas duas norma, pese embora a diferente técnica legislativa (onde agora se diz “… anteriores àquele momento”, dizia-se antes “… totalmente passados anteriormente àquele momento”), deverá ser atribuído o mesmo sentido. 8. Incontornavelmente, sobre esta matéria, refere Joana Nunes Vicente4: “[A] norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado”. Na verdade, in casu não estão em discussão as condições de validade das relações jurídicas estabelecidas entre as partes, nem, sequer, os efeitos jurídicos de factos/situações (totalmente) anteriores à entrada em vigor da lei nova. Do que se trata é – relativamente a cada um dos profissionais – de determinar as regras em função das quais se afere a qualificação jurídica de dada situação (jurídica), traduzida na prestação duradoura de uma atividade produtiva, situação que, no tocante a todos eles, perdurou para além do momento da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023. Nesta perspetiva, sobre a aplicação no tempo das normas relativas às presunções legais, Baptista Machado sustenta que, em geral, “elas se aplicam diretamente aos atos ou aos factos aos quais vai ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem esses factos ou atos (…) com ressalva apenas daquelas hipóteses em que uma presunção legal (…) se refira aos pressupostos de uma SJ [situação jurídica] inteiramente nova (…)”5. Deste modo, encontrando-se em causa relações jurídicas duradouras (como acontece nas situações reportadas nos autos), nada obsta, e tudo aconselha, a que aos diferentes factos praticados em execução do conjunto de cada programa contratual sejam aplicáveis as normas concernentes a presunções de laboralidade que estejam em vigor à data da respetiva produção. Com efeito, se com a presunção de laboralidade apenas se visa facilitar a qualificação jurídica das situações de fronteira entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado, e sabido que com ela não se produz qualquer alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, mas (com base em imperativos de verdade/justiça material e de combate à dissimulação do contrato de trabalho e à precariedade) o mero aligeiramento do ónus que sobre o trabalhador impende neste âmbito6, não se vislumbram quaisquer razões de segurança/estabilidade jurídica – e muito menos de salvaguarda de eventuais direitos adquiridos ou de proteção da confiança – que determinantemente imponham diversa solução. Nas palavras de Monteiro Fernandes, “afigura-se difícil aceitar que um instrumento destinado a potenciar as probabilidades de [a] verdade material ser captada e juridicamente enquadrada possa constituir fator de desequilíbrio no desenvolvimento de qualquer litígio em que essa qualificação esteja em causa”7. É certo que, nesta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça tem limitado a aplicação da lei nova aos casos em que, após o início da sua vigência, o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se vai reconfigurando ao longo do tempo8. Mas, no plano da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se vê que ao autor seja de exigir prova positiva dessa reconfiguração, em especial em casos – como paradigmaticamente acontece nas plataformas digitais – em que, pelas próprias especificidades inerentes à atividade prestada, esta tem naturalmente associados elevados grau de heterogeneidade, atipicidade, aleatoriedade e fluidez [como de forma lapidar evidenciam os “Considerandos” da aludida Diretiva (UE) 2024/2831] que implicam a sua sucessiva reconstrução. Tudo para concluir que, relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023). Aceitando a fundamentação expendida, e porque a relação contratual entre a Ré “Uber Eats” e o estafeta AA se constituiu em momento anterior ao da entrada em vigor do art. 12.º-A do Código do Trabalho (a relação contratual iniciou-se em 31-12-2020 e o art. 12.º-A entrou em vigor em 01-05-2023 – art. 37.º da Lei n.º 23/2023, de 03-04, com as alterações introduzidas pela retificação n.º 13/2023, de 29-05), permanecendo, porém, tal relação contratual após a entrada em vigor da referida norma, é de aplicar a essa relação o disposto nesta norma. Efetivamente, porque o art. 12.º-A do Código do Trabalho não se reporta nem a condições de validade do contrato de trabalho, nem a efeitos de factos ou situações anteriores à entrada em vigor deste artigo (art. 35.º da Lei n.º 13/2023, de 03-04), concorda-se com a sua aplicação a relações contratuais iniciadas em data anterior à sua entrada em vigor, desde que tais relações persistam aquando dessa entrada em vigor. Nesta parte, procede, assim, a pretensão recursiva do Ministério Público, uma vez que na sentença recorrida se entendeu não ser de aplicar o disposto no art. 12.º-A do Código do Trabalho. 2 – Existência de um contrato de trabalho Considera o recorrente que as presunções previstas nas seis alíneas do art. 12.º-A do Código do Trabalho se mostram preenchidas, pelo que se deve concluir pela existência de um contrato de trabalho entre a Ré “Uber Eats” e o estafeta AA Estipula o art. 12.º-A do mesmo Diploma Legal que: 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. 2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios. 3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico. 4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. 5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. 7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos. 9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação. 10 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador, seja ele a plataforma digital ou pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores que nela opere, a contratação da prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. 11 - Em caso de reincidência, são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias: a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos; b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos. 12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica. Apreciemos. A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela Relativamente a esta questão apurou-se o seguinte: 12. O valor devido pela entrega, que é pago pela Ré, tem uma componente fixa e uma componente variável, sendo a primeira fixada pela Ré tendo em conta circunstâncias como o horário da entrega (sendo os de maior fluxo mais bem pagos), condições meteorológicas adversas, feriados ou períodos de alta procura; 13. A componente variável depende da distância a percorrer para efetuar a entrega (entre o ponto de recolha e o local de destino) e o custo por quilómetro; 14. O estafeta define o custo por quilómetro porque está disposto a efetuar a entrega, o qual corresponde ao valor proposto pela Ré e decorrente da distância a percorrer dividido pelo número de quilómetros do trajeto mencionado em 13, ficando de fora as propostas de entrega com custo por quilómetro inferior ao definido; 15. O estafeta toma conhecimento do valor que pode receber, relativamente a cada proposta de entrega, no momento em que a mesma lhe é apresentada na Aplicação; 16. Em regra, a Ré efetua o pagamento semanalmente (à segunda feira), mediante transferência para a conta bancária cujo IBAN foi indicado ab initio pela estafeta para esse efeito, podendo a referida periodicidade ser alterada pelo estafeta através da ferramenta “Flex Pay”; 34. O valor recebido pelos estafetas é referente à entrega efetiva do produto do comerciante ao cliente; 35. A taxa mínima por quilómetro do valor devido pela entrega, pode ser ajustada pelo estafeta a qualquer momento, de acordo com o seu critério, entre um mínimo de 0,10€ e um máximo de 99€, por forma a receberem propostas de entrega apenas acima do valor mínimo assim definido (que também podem ser rejeitadas); 36. No caso, o estafeta AA já ajustou a taxa mínima por quilómetro de 0,10€ para valores superiores, como 2,30€ por diversas vezes; 37. A Plataforma, quando apresenta a proposta de entrega ao estafeta, indica o valor final que o mesmo irá receber caso aceite o pedido e não um valor mínimo; 38. O pagamento aos estafetas é, em regra, feito semanalmente, por transferência bancária, caso os mesmos não optem por recolher os rendimentos mais cedo, através da ferramenta "Flex Pay", na qual podem acompanhar e receber logo os ganhos que geram através da Plataforma; 39. Os estafetas dispõem de uma ferramenta na Aplicação que lhes permite visualizar outras propostas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”; Em face dos factos supra elencados, constata-se que é a Ré quem determina todas as condições relativas à remuneração devida pela atividade prestada pelo estafeta AA Efetivamente, é a Ré quem determina a remuneração fixa, segundo os critérios que unilateralmente decidiu aplicar, bem como quem determina a remuneração variável, não só em face dos limites mínimos e máximos que impõe, como por proceder a tal pagamento de acordo com os quilómetros constantes do trajeto de viagem que apresenta ao estafeta, independentemente de ser esse o trajeto realizado. Por sua vez, a Ré procede ao pagamento ao estafeta AA dos montantes que lhe são devidos, em regra, às segundas-feiras. Acresce que a possibilidade de o estafeta poder receber de forma antecipada, tal só lhe é possível fazer por a Ré a isso o autorizar e dentro dos procedimentos que, apenas ela, fixou, não deixando, de qualquer modo, de se reportar a um pagamento antecipado (por oposição ao pagamento normal). Importa, por fim, referir que, mesmo quando o estafeta seleciona uma taxa mínima superior ao mínimo previsto pela plataforma, continua a ter acesso a pedidos de entrega com taxas inferiores à taxa por si selecionada, podendo, em qualquer momento, aceitar esses pedidos. Esta circunstância permite inferir que a escolha de uma taxa superior ao mínimo não impede que se continue a aceitar pedidos com taxa inferior e a se ser remunerado por esta taxa. No caso em apreço, a taxa mínima que o estafeta AA chegou a selecionar (desconhecendo-se, sequer, quantas vezes o fez, bem como se chegou a aceitar alguma entrega por tal montante) foi de €2,30. Pelo exposto, considera-se preenchida a al. a) do n.º 1 do art. 12.º-A. A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade Relativamente a esta questão apurou-se o seguinte: 4. No dia 20 de setembro de 2023, pelas 14h20m, junto ao restaurante Burger King em Torres Novas, os Inspetores da ACT verificaram que aí se encontrava AA a aguardar pedidos de clientes que surgissem na aplicação UberEats instalada no seu telemóvel, com vista a recolha de refeição e entrega ao cliente na morada que fosse indicada; 5. O referido cidadão estava apetrechado com uma mochila térmica de cor verde com o logotipo Uber Eats; 6. Para desenvolver a atividade de estafeta através da Plataforma informática gerida pela Ré, o cidadão em causa estava aí registado e a usar a Aplicação Uber Eats, assumindo a qualidade de “Parceiro de Entregas”, o que sucedia desde novembro de 2020; 7. Para se registar na referida Plataforma e Aplicação, AA submeteu aí a documentação exigida pela Ré, designadamente, cópia do documento de identificação, certificado de registo criminal sem antecedentes criminais averbados, associou a matrícula do veículo em que passaria a deslocar-se para fazer as entregas, juntou cópia dos respetivos documentos, assim como da sua carta de condução e seguro do veículo; 8. Demostrou, por fotografia, que tinha a mochila térmica com as dimensões e as condições de higiene; 9. E, para finalizar o registo, concordou com o teor de um documento contendo aos termos e condições aplicáveis e que lhe foi apresentado já redigido, sem possibilidade de alteração; 10. Cumpridas estas etapas e uma vez ativada a conta, para iniciar a sua atividade AA teve de ligar-se à internet, aceder à sua conta na Aplicação com o nome por si escolhido e respetivo código de segurança e acionar o botão de disponibilidade para poder receber propostas de entrega; 19. O estafeta não tem intervenção na escolha dos clientes e das propostas de entrega, que surgem na Aplicação tendo em conta diversos fatores, entre os quais a localização; 21. Para impedir que o estafeta se faça substituir por outrem, a Plataforma usa um sistema de reconhecimento facial para controlar a identidade do estafeta; 22. O cliente final paga o preço na Plataforma, podendo incluir as gorjetas, que são depois entregues por inteiro ao estafeta; 24. O cidadão AA desenvolve a sua atividade de estafeta através da Aplicação Uber Eats desde novembro de 2020; 25. No momento em que efetua o registo na plataforma, o estafeta subscreve (manifestando concordância) o documento de fls. 128 a 132, intitulado “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido […]7 33. A mochila que os estafetas usam é imposta pela Ré, por razões de higiene e segurança alimentar, sem marca específica, podendo ser usada uma mochila de marcas concorrentes; 42. O reconhecimento facial mencionado em 21 reporta-se ao controlo de identidade dos estafetas na Plataforma, imposto pela Ré, através do qual é pedido aos estafetas que tirem uma selfie (autorretrato) que depois é comparada com a fotografia registada na Plataforma, para detetar situações de partilha de contas fora das situações permitidas, apurando se quem se encontra a prestar atividade através de uma determinada conta é o respetivo titular, o único que comprovou que cumpre com todos os requisitos para exercer a sua atividade, tendo apresentado os documentos exigidos; 43. O reconhecimento facial é despoletado pela Aplicação de forma automática e aleatória; 47. A Ré não faz uso do feedback dado pelos clientes e restaurantes para efeitos de avaliação da performance dos estafetas, reagindo apenas para verificar a identidade do estafeta nos casos em que um cliente reporte que o mesmo não corresponde à fotografia de perfil; 48. O referido em 47 visa assegurar que não existe partilha de contas; 56. Para registo da plataforma, o estafeta deve cumprir os seguintes requisitos: i.Idade mínima de 18 anos; ii. Certificado de residência, se for cidadão de um país não pertencente à União Europeia; iii. Carta de condução, se conduzir uma moto; iv. Seguro, se conduzir uma mota; v.Não ter antecedentes criminais. Em face desta factualidade, resulta que a Ré estabelece determinadas regras, de forma unilateral, relativas à prestação da atividade do estafeta AA (designadamente a utilização de uma mochila térmica com determinadas dimensões e condições de higiene, bem como a utilização de um telemóvel com internet e a ligação à aplicação Uber Eats de forma a poder receber os pedidos), exigindo ainda o cumprimento de normas específicas para que este possa exercer a atividade, isto é, para que se possa inscrever na plataforma, de maneira a exercer a sua atividade (concretamente, a apresentação de determinada documentação e o cumprimento de determinados procedimentos, bem como a instalação no telemóvel da aplicação Uber Eats) e impondo também a sujeição do estafeta a determinadas atividades de fiscalização durante a sua atividade (como é o caso da aceitação a que seja submetido ao reconhecimento facial, através de selfie, sempre que, de forma aleatória, tal reconhecimento lhe seja solicitado). Por fim, é a Ré quem procede à escolha dos clientes e das propostas de entrega que aparecem no écran do telemóvel do estafeta, sendo sempre aquela quem fornece a este os locais específicos de recolhe e de entrega dos pedidos aceites. Pelo exposto, existindo diversas regras impostas por esta Ré ao estafeta quanto ao exercício da sua atividade, mostra-se preenchida a al. b) do n.º 1 do art. 16.º-A. A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica Relativamente a esta questão apurou-se o seguinte: 17. A partir do momento em que a estafeta faz login na Aplicação, a Plataforma fica a saber a sua localização, através do sistema de geolocalização, sendo este conhecimento indispensável para atribuição das propostas de entrega e cálculo do valor do serviço; 18. Com o sistema de geolocalização ligado, o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pela estafeta podem ser controlados em tempo real pela Plataforma e pelo cliente, que pode acompanhar o processo; 19. O estafeta não tem intervenção na escolha dos clientes e das propostas de entrega, que surgem na Aplicação tendo em conta diversos fatores, entre os quais a localização; 21. Para impedir que o estafeta se faça substituir por outrem, a Plataforma usa um sistema de reconhecimento facial para controlar a identidade do estafeta; 42. O reconhecimento facial mencionado em 21 reporta-se ao controlo de identidade dos estafetas na Plataforma, imposto pela Ré, através do qual é pedido aos estafetas que tirem uma selfie (autorretrato) que depois é comparada com a fotografia registada na Plataforma, para detetar situações de partilha de contas fora das situações permitidas, apurando se quem se encontra a prestar atividade através de uma determinada conta é o respetivo titular, o único que comprovou que cumpre com todos os requisitos para exercer a sua atividade, tendo apresentado os documentos exigidos; 43. O reconhecimento facial é despoletado pela Aplicação de forma automática e aleatória; 47. A Ré não faz uso do feedback dado pelos clientes e restaurantes para efeitos de avaliação da performance dos estafetas, reagindo apenas para verificar a identidade do estafeta nos casos em que um cliente reporte que o mesmo não corresponde à fotografia de perfil; 48. O referido em 47 visa assegurar que não existe partilha de contas; 49. A ativação do GPS é necessária para o funcionamento da Plataforma, designadamente para a apresentação de propostas de entrega, sendo preferidos os estafetas que estão melhor posicionados para recolher a encomenda (mais próximos) e entregá-la no melhor tempo possível. 50. O GPS permite aos clientes acompanharem a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe; 51. Uma vez recolhida a encomenda, o estafeta pode optar por não utilizar qualquer sistema de navegação GPS, não sendo penalizado por isso, embora o bom funcionamento da Aplicação e o próprio serviço fiquem comprometidos, já que o cliente deixa de poder acompanhar o trajeto seguido pelo estafeta e prever o tempo que falta para a entrega; Da análise dos mencionados factos resulta que a Ré, a partir do momento em que o estafeta AA entra na aplicação Uber Eats, controla, em tempo real, a sua localização, sendo esse controlo necessário para o exercício da sua atividade e para a seleção que a plataforma faz dos pedidos que lhe envia. Acresce que sempre que o estafeta tem o sistema de geolocalização ligado, a Ré controla, através dessa aplicação, o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta. De igual modo, a Ré controla, através de um sistema de reconhecimento facial instalado na aplicação, a identidade do estafeta, durante o exercício da sua atividade, exigindo aleatoriamente e de forma automática que o referido estafeta se identifique, através do envio de uma selfie. Importa ainda referir que, apesar de o estafeta poder, após receber o pedido, optar por não utilizar qualquer sistema de navegação GPS, e concretamente o sistema que consta da aplicação Uber Eats, sem ser penalizado por tal opção, em todo o caso, se o fizer, prejudica o bom funcionamento da referida aplicação e a própria lógica inerente a este tipo de serviço. Na realidade, este tipo de serviço pressupõe que o cliente possa acompanhar, desde o momento da recolha do pedido pelo estafeta, todo o trajeto deste até ao destino, podendo, assim, prever o tempo de chegada. Esta possibilidade revela-se, por isso, contraditória com aquilo que este tipo de serviço promove. Assim, em face destes dois sistemas – o de geolocalização e o de reconhecimento facial – a Ré controla e supervisiona, em tempo real, a atividade prestada pelo estafeta AA, pelo que a al. c) do n.º 1 do art. 16.º-A também se encontra preenchida. A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma Relativamente a esta questão apurou-se o seguinte: 28. Os estafetas podem bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejem contactar, deixando de receber propostas de entrega desse clientes e/ou comerciantes, sem necessidade de justificar a sua opção; 30. Cada estafeta é livre de iniciar e terminar sessão na plataforma à hora que entender, sem necessidade de justificar a sua opção; 31. Perante uma proposta de entrega, o estafeta tem as opções de aceitar, ignorar ou recusar, sem necessidade de justificar a sua opção; 45. Cabendo ao estafeta decidir quando e durante quanto tempo se liga à plataforma, no caso concreto de AA, entre os dias 1 e 7 de maio de 2023, os dias 30 de agosto e 7 de setembro de 2023 e os dias 23 de setembro e 8 de outubro de 2023 não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade [num total de, respetivamente, 6 (seis), 8 (oito) e 15 (quinze) dias seguidos] e, à data da entrada da contestação em juízo, desde 8 de outubro de 2023 que não fazia qualquer entrega através da Plataforma; 46. Apesar do referido em 45, AA continua com a conta ativa; 53. O estafeta pode-se fazer substituir por outro estafeta registado, sendo os rendimentos negociados entre o substituído e o substituto, recebendo este os ganhos durante a substituição; 54. Quando completam recorrentemente entregas para um determinado restaurante, os estafetas recebem comunicações da Ré a relembrar que são livres de oferecer os seus serviços diretamente ao comerciante sem ser por intermédio da Plataforma; Consta ainda do facto provado 25, cláusula 4, al. f), que “O Parceiro de Entregas Independente é totalmente livre de escolher se contrata ou não com ou para outras empresas para prestar Serviços de Entrega, incluindo concorrentes da Uber Eats. Isto inclui fazê-lo ao mesmo tempo do que quando está a usar a App (conhecida como 'multi-apping"). Também é totalmente livre de prestar Serviços de Entrega aos Seus próprios clientes e ter a sua própria base de clientes”. Resulta, assim, da factualidade apurada que o estafeta AA é livre quanto à escolha do horário que entende praticar, quanto aos períodos de ausência, quanto à possibilidade de aceitar ou recusar os pedidos que lhe aparecem no écran do telemóvel, quanto à possibilidade de trabalhar para terceiros, inclusive para empresas concorrentes, podendo também fazer-se substituir por outro estafeta registado na plataforma, sem ficar sujeito à aplicação de sanções. Esse é o entendimento do acórdão do STJ proferido em 17-09-2025, no processo n.º 1914/23.5T8TMR.E2.S1,8 entendimento esse que passámos a acompanhar. Pelo exposto, importa concluir que não se mostra preenchida a al. d) do n.º 1 do art. 12.º-A. A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta Nesta parte iremos apenas apreciar o poder disciplinar, visto que os outros poderes laborais, como o são o poder de direção e o poder regulamentar, já se mostram inseridos na al. b) do n.º 1 do art. 12.º-A. Relativamente a esta questão apurou-se o seguinte: 20. Em caso de violação das obrigações assumidas pelo estafeta, nomeadamente se permitir a utilização da conta por terceiros não inscritos na plataforma ou se for efetuada queixa contra o mesmo por fraude, a plataforma pode desativar a conta em definitivo ou restringir o acesso temporário à Aplicação; Consta ainda do facto provado 25, cláusula 16, al. b), pontos ii), iii) e iv), que: b. Podemos resolver o presente Contrato, a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: […] (ii) se o Parceiro de Entregas Independente tiver infringida o presente Contrato; ou (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas Independente tenha agido de forma não segura ou violou este Contrato ou legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega, (iv) teve um comportamento fraudulento (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de as entregar, induzir utilizadores a cancelar os Seus pedidos; criar contas falsas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas, interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); E consta também do contrato subscrito pelo estafeta AA, na cláusula 5, al. c), que: c. Está obrigado a cumprir este Contrato e se não o fizer, aceita e reconhece que a Uber Eats reserva o direito, a qualquer momento, fazer cessar este Contrato e, ao fazê-lo, restringir o Seu acesso à App. Em face da factualidade dada como provada, resulta, à evidência, que a Ré exerce autoridade disciplinar sobre o estafeta AA, visto que, sempre que entenda que o mesmo não cumpriu com os comportamentos que considera, de forma unilateral, não serem aceitáveis, pode, sem qualquer pré-aviso, desativar a conta em definitivo ou restringir o acesso temporário à aplicação informática, ou seja, pode impedir o estafeta, temporária ou definitivamente, de exercer a sua atividade profissional. Atente-se que a cláusula 5, al. c), do contrato subscrito pelo estafeta AA é bastante genérica, permitindo, desse modo, que nela se incluía tudo o que consta do restante clausulado. Refira-se, ainda, que, apesar de se ter provado que o estafeta AA, uma vez recolhido o pedido, pode optar por não se ligar ao sistema de navegação GPS, sem que seja penalizado (facto provado 51), consta expressamente do contrato que o referido estafeta subscreveu, concretamente da cláusula 16, al. b), ponto iv), que a Ré pode desativar a sua conta, sem qualquer aviso prévio, se aquele interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber. Ora, parece evidente que tal interrupção não autorizada terá de ocorrer durante a prestação da atividade do referido estafeta, ou seja, entre a recolha do pedido e a sua entrega ao cliente. Pelo exposto, apenas nos resta concluir pelo preenchimento da al. e) do n.º 1 do art. 12.º-A. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação Relativamente a esta questão apurou-se o seguinte: 2. No âmbito da sua atividade, a Ré gere o site da internet www.ubereats.com/pt e a Plataforma e Aplicação informática Uber Eats, efetuando serviços à distância, a solicitação dos interessados; 4. No dia 20 de setembro de 2023, pelas 14h20m, junto ao restaurante Burger King em Torres Novas, os Inspetores da ACT verificaram que aí se encontrava AA a aguardar pedidos de clientes que surgissem na aplicação UberEats instalada no seu telemóvel, com vista a recolha de refeição e entrega ao cliente na morada que fosse indicada; 5. O referido cidadão estava apetrechado com uma mochila térmica de cor verde com o logotipo Uber Eats; 6. Para desenvolver a atividade de estafeta através da Plataforma informática gerida pela Ré, o cidadão em causa estava aí registado e a usar a Aplicação Uber Eats, assumindo a qualidade de “Parceiro de Entregas”, o que sucedia desde novembro de 2020; 7. Para se registar na referida Plataforma e Aplicação, AA submeteu aí a documentação exigida pela Ré, designadamente, cópia do documento de identificação, certificado de registo criminal sem antecedentes criminais averbados, associou a matrícula do veículo em que passaria a deslocar-se para fazer as entregas, juntou cópia dos respetivos documentos, assim como da sua carta de condução e seguro do veículo; 8. Demostrou, por fotografia, que tinha a mochila térmica com as dimensões e as condições de higiene; 9. E, para finalizar o registo, concordou com o teor de um documento contendo aos termos e condições aplicáveis e que lhe foi apresentado já redigido, sem possibilidade de alteração; 10. Cumpridas estas etapas e uma vez ativada a conta, para iniciar a sua atividade AA teve de ligar-se à internet, aceder à sua conta na Aplicação com o nome por si escolhido e respetivo código de segurança e acionar o botão de disponibilidade para poder receber propostas de entrega; 15. O estafeta toma conhecimento do valor que pode receber, relativamente a cada proposta de entrega, no momento em que a mesma lhe é apresentada na Aplicação; 26. Os estafetas podem desenvolver a sua atividade na Plataforma mediante registo direto nesta, conforme referido em 6, ou através de um intermediário; 32. Os estafetas escolhem livremente a roupa que vestem para fazerem entregas, o equipamento (telemóvel smartphone), e o veículo (mota ou bicicleta) - que não pertencem à Ré - não tendo de estar identificados com qualquer elemento da marca da UberEats, podendo inclusive usar marcas concorrentes; 33. A mochila que os estafetas usam é imposta pela Ré, por razões de higiene e segurança alimentar, sem marca específica, podendo ser usada uma mochila de marcas concorrentes; 37. A Plataforma, quando apresenta a proposta de entrega ao estafeta, indica o valor final que o mesmo irá receber caso aceite o pedido e não um valor mínimo; 39. Os estafetas dispõem de uma ferramenta na Aplicação que lhes permite visualizar outras propostas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”; Em total concordância com o defendido nos acórdãos do STJ proferidos em 17-09-2025 no processo n.º 1914/23.5T8TMR.E2.S1 e em 28-05-2025 no processo n.º 29923/23.7T8LSB.L1.S1,9 entendemos não só que a aplicação informática Uber Eats que o estafeta AA teve de instalar no seu telemóvel é um instrumento de trabalho fornecido pela Ré, como é o instrumento de trabalho mais importante, sem o qual a atividade desenvolvida pelo estafeta não podia ser realizada. É através dessa aplicação que o estafeta se inscreve, se submete às regras que lhe são impostas e que desenvolve a sua atividade, tomando conhecimento dos pedidos que lhe são apresentados e da remuneração a que tem direito, aceitando tais pedidos também nessa aplicação. De igual modo, através dessa aplicação toma conhecimento do local de recolha e do local de entrega, bem como do percurso a efetuar entre um e outro, percurso esse pelo qual é remunerado. Assim, ainda que as mochilas e o meio de transporte não sejam fornecidos pela Ré, o instrumento de trabalho mais importante – a aplicação informática Uber Eats – é gerido por esta e é cedido ao estafeta AA se e enquanto a Ré quiser. Pelo exposto, mostra-se igualmente preenchida a al. f) do n.º 1 do art. 12.º-A. Mostram-se, assim, preenchidas cinco das seis alíneas prevista do art. 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho. Importa, então, apurar se a Ré “Uber Eats” conseguiu ilidir a presunção de existência de contrato de trabalho entre ela e o estafeta AA assente nas cinco alíneas supramencionadas, uma vez que estamos perante uma presunção ilidível, nomeadamente através da prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata (n.º 4 do art. 12.º-A). Conforme bem refere o acórdão do STJ proferido em 03-10-2025 no processo n.º 29352/23.2T8LSB.L1.S1:10 A presunção legal implica a inversão do ónus da prova, ficando o trabalhador dispensado de fazer a prova dos elementos constitutivos da relação laboral (art. 350º, nº 1, do C. Civil), embora seja admitida prova em contrário para a ilidir (nº 2 do mesmo artigo), mediante a prova pela contraparte de “factos positivos excludentes da subordinação”24, ou seja, da existência de trabalho autónomo ou da falta de qualquer elemento essencial do contrato de trabalho.25 Elementos que, à luz do art. 11º, do CT, são: i) obrigação de prestar uma atividade a outrem; ii) retribuição: e iii) subordinação jurídica. De igual modo, nas palavras do acórdão do TRL proferido em 11-02-2015 e citado pelas autoras Milena da Silva Rouxinol e Teresa Coelho Moreira,11 a presunção de existência de contrato de trabalho mostra-se ilidida se os contraindícios “pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica”. Vejamos. A relação contratual existente entre a Ré “Uber Eats” e o estafeta AA possui elementos factuais que se afastam da natureza típica de um contrato de trabalho e que a Ré logrou provar, como sejam, a não obrigatoriedade de o estafeta cumprir horário; a inexistência de o estafeta ter de cumprir um período mínimo de trabalho, seja diário, seja semanal, seja mensal; a circunstância deste estafeta ter estado alguns períodos seguidos (no máximo 15 dias) sem utilizar uma única vez a aplicação Uber Eats, continuando, posteriormente, a utilizá-la, sendo que, desde 08-10-2023 e até 02-02-2024 (data da entrada da contestação) não a voltou a utilizar (facto provado 45); a possibilidade de o estafeta aceitar, ignorar ou recusar as propostas que lhe surgem no écran do telemóvel; a possibilidade de o estafeta poder bloquear comerciantes e/ou clientes; a possibilidade de o estafeta poder trabalhar, em simultâneo, para outras empresas de serviços de entrega ou de ter os seus próprios clientes; a possibilidade de se fazer substituir por outros estafetas, desde que igualmente inscritos na aplicação informática desta Ré; e a possibilidade de desligar o GPS durante o exercício da sua atividade. Ora, quanto a esta última, como já se referiu, tal possibilidade é contrária à própria funcionalidade deste tipo de serviço, não tendo a Ré provado que o estafeta AA alguma vez tenha usado desta “possibilidade”. De igual modo, também não provou que o referido estafeta alguma vez se tenha feito substituir. O mesmo se diga quanto à possibilidade de bloquear comerciantes e/ou clientes ou de poder trabalhar em simultâneo para empresas concorrentes ou de ter os seus próprios clientes. Efetivamente, não possuindo o estafeta qualquer possibilidade de negociar o contrato que subscreve, visto que se limita a aceitar um contrato pré-definido, aquilo que poderia relevar para afastar as presunções (no sentido da existência de um contrato de trabalho entre esta Ré e o estafeta AA), sempre seria a situação, em concreto, deste estafeta e não a existência de meras cláusulas contratuais instituídas unilateralmente pela Ré e em prol dos seus interesses. Acresce que a inexistência de horário de trabalho e a possibilidade de os estafetas poderem aceder à aplicação informática apenas quando o pretendam, sem terem de cumprir um qualquer período mínimo diário, semanal ou mensal, podendo, inclusive, não aceder à referida aplicação durante períodos prolongados, tendo ainda a possibilidade de aceitar, ignorar ou recusar os pedidos que lhes são enviados para o écran do telemóvel, são características inerentes a este tipo de atividade e isso não impediu o legislador nacional (bem como as instituições europeias) de prever específicas situações que permitem inferir a presunção de um contrato de trabalho. Aliás, no caso do estafeta AA apurou-se que, entre 31-12-2020 e 08-10-2023, ou seja, durante quase 3 anos, apenas esteve 29 dias sem se ligar à aplicação informática Uber Eats. Assim, em face da factualidade provada, a relação contratual estabelecida entre a Ré e o estafeta AA levou ao preenchimento de cinco presunções legais, nas quais especificamente se comprovou que o estafeta prestava uma atividade para aquela, em troca de uma retribuição paga com caráter regular (e ainda que a remuneração seja à peça, todos os elementos da remuneração são fixados pela Ré, inclusive as possibilidades concedidas ao estafeta de poder alterar o pagamento por quilómetro), encontrando-se sujeito a subordinação jurídica, quer através das normas unilateralmente impostas pela Ré quanto ao modo de exercício da atividade, quer através dos poderes exercidos pela Ré de controlo e supervisão da atividade efetuada, quer através da autoridade disciplinar consubstanciada na possibilidade de, sem aviso prévio, a Ré poder desativar a conta do estafeta em definitivo ou restringir o seu acesso temporário à aplicação informática Uber Eats. Importa ainda acentuar em prol da existência de um contrato de trabalho que esta Ré celebrou um contrato de seguro para proteção dos parceiros motoristas da Uber Eats/estafetas, nomeadamente em caso de lesão permanente ou temporária durante os serviços de entregas e em caso de óbito (facto provado 23). Ou seja, o seguro da atividade exercida pelo estafeta AA para a Ré “Uber Eats” era pago por esta e não por aquele, o que igualmente indicia a existência de um contrato de trabalho. Pelo exposto, apenas nos resta concluir que os contraindícios existentes não se revelam suficientemente fortes, quer pela sua quantidade, quer pela sua impressividade, para abalar a presunção resultante do preenchimento das cinco alíneas do art. 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, pelo que a relação contratual estabelecida entre a Ré “Uber Eats” e o estafeta AA é laboral. É, por isso, totalmente procedente o recurso interposto. … ♣ V – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida, e, em sua substituição, condena-se a Ré “Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda.” a reconhecer que entre si e o estafeta AA foi celebrado um contrato de trabalho, com início em 31-12-2020. Custas a cargo da Ré “Uber Eats” (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Notifique. ♣ Évora, 29 de outubro de 2025 Emília Ramos Costa (relatora) Paula do Paço Filipe Aveiro Marques (votou vencido) Declaração de voto de vencido Votei no sentido da confirmação da sentença recorrida pelas seguintes razões: A) Continuo a não encontrar argumentos suficientes para considerar que a aplicação informática, depois de instalada no telemóvel do estafeta, possa ser considerada um instrumento ou equipamento para os efeitos de funcionamento da presunção. Não parece que seja um elemento físico, como será o telemóvel e, sobretudo, sem esta aplicação (que é apenas um meio de comunicação avançado) o estafeta poderá continuar a prestar a mesma actividade, designadamente para outras plataformas (ao contrário do que acontece com os verdadeiros equipamentos – mochila e veículo – sem os quais não é possível prestar qualquer actividade). B) Apesar do preenchimento de algumas das características, sopesando toda a factualidade provada nos autos entendo que, no caso, se mostra ilidida a presunção de laboralidade. No sentido de se afastar a existência de trabalho subordinado existem importantes factores: - a remuneração (pontos 12 a 15 dos factos provados) não atende à disponibilidade do estafeta que aguarda pela distribuição do serviço, mas apenas pelo resultado (recolha e entrega das encomendas), o que é típico de uma simples prestação de serviços; - a necessidade de registo na plataforma não distingue o estafeta dos clientes da ré (ver ponto 41 dos factos provados); - a ausência de exclusividade, com especial enfoque na possibilidade de o estafeta prestar o mesmo serviço para as empresas que directamente concorrem no mercado com a ré (alínea f), do ponto 4, do documento a que se refere o ponto 25 dos factos provados) e, especialmente, ao mesmo tempo em que está a usar a “app” gerida pela ré (pode no mesmo serviço de transporte levar produtos para clientes da ré e para clientes de concorrentes da ré); - a possibilidade de total liberdade para o estafeta desenvolver a actividade em horário e local por si definidos e, mesmo, da total liberdade de escolher dias em que pretende prestar, ou não, a actividade (pontos 11, 27, 29, 30 e 45 dos factos provados), que normalmente não se encontra numa relação subordinada e que permite concluir que é o estafeta que organiza o seu tempo e é ele que, com total liberdade, gere a sua ligação à ré consoante a sua total conveniência pessoal; - a possibilidade de o estafeta poder designar outras pessoas para sua substituição no exercício da actividade (ponto 53 dos factos provados), bem demonstrativa de que o que interessa à ré não é a actividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua actividade, característica do contrato de prestação de serviço; - a possibilidade de o estafeta poder bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não deseje contactar, deixando de receber propostas de entrega desses clientes e/ou comerciantes, sem necessidade de justificar a sua opção (ponto 28 dos factos provados), o que afasta qualquer ideia de subordinação aos interesses da ré; - sobretudo e decisivamente, ficou provada a possibilidade de o estafeta recusar qualquer serviço proposto e sem qualquer consequência (ponto 31 dos factos provados) o que é, naturalmente, prova de um facto muito relevante que aponta para a inexistência de qualquer subordinação: não se vislumbra que relação laboral pode resistir baseada na possibilidade de o prestador da actividade se poder recusar a prestá‑la e, ainda assim, esperar remuneração (sem olvidar, naturalmente, o regime do artigo 273.º do Código do Trabalho e não se podendo falar, no caso, de trabalho intermitente previsto nos artigos 157.º e 158.º do Código do Trabalho por lhe faltar o mais relevante requisito formal); no limite, o entendimento que obteve vencimento pode levar ao reconhecimento de um contrato de trabalho a quem não faça um minuto de trabalho efectivo, bastando estar “disponível” com o telemóvel ligado à aplicação. Entendo, por isso e apesar do brilhantismo dos argumentos que fizeram vencimento, que no caso dos autos a independência do estafeta é real. Évora, 29 de Outubro de 2025 Filipe Aveiro Marques
___________________________________________ 1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques (por ter votado vencido).↩︎ 2. Doravante “Uber Eats”.↩︎ 3. Doravante AA↩︎ 4. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 5. Retificado por acórdão do STJ de 18-06-2025.↩︎ 6. Ver também os acórdãos do STJ de 17-09-2025 proferidos nos processos nºs. 1914/23.5T8TMR.E2.S1, 29220/23.8T8LSB.L1.S1 e 31164/23.4T8LSB.L1.S1, consultáveis no mesmo site.↩︎ 7. Dada a sua dimensão não se reproduz este facto na íntegra.↩︎ 8. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 9. Consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎ 10. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 11. Em Direito do Trabalho, Relação Individual, 2.ª edição, Almedina, 2023, p.100.↩︎ |