Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
274/22.6T8ETZ-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PROCESSO URGENTE
PRAZOS
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Tem carácter urgente o processo da ação em que está em causa a cessação/renovação de um contrato de arrendamento rural.
II - Tendo a ré sido citada para contestar a ação como se de uma ação não urgente se tratasse, tendo-lhe sido concedido o prazo de 30 dias para o efeito, acrescido de uma dilação de 5 dias, a não admissão posterior da réplica por extemporaneidade, com o fundamento de que se trata de um processo urgente que corre em férias, constituiria uma violação inadmissível dos princípios da cooperação, da boa fé processual, da tutela da confiança, da igualdade e da auto responsabilização quer das instituições quer das partes.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Proc. 274/22.6T8ETZ-A.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que a ré seja condenada a:
«a) Reconhecer como válido e automaticamente renovado o contrato de arrendamento rural celebrado em 30 de Setembro de 2013, entre A. e R., referente ao prédio rústico, denominado Herdade ..., ... e Anexos, sito na União de Freguesias ..., concelho ..., inscrito sob o artigo ...3 da secção D daquela freguesia e concelho, com a área aproximada de 54 hectares;
b) Reconhecer que a renovação em curso iniciou-se em 30 de Setembro de 2020 e que o termo da renovação ocorre a 30 de Setembro de 2027;
c) Caso se considere que o documento intitulado “prolongamento do contrato de arrendamento” se refere ao aumento do prazo inicial acordado de 7 para 9 anos, o prazo de renovação do contrato rural em curso ocorre a 30 de Setembro de 2029;
d) Abster-se de actos que impeçam ou diminuam o gozo do prédio pela A., respeitando o direito que lhe assiste enquanto arrendatária.»
A autora contestou e deduziu reconvenção, concluindo do seguinte modo:
«Nestes termos e nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de V. Exa.,
a) Deve o pedido da A. ser julgado improcedente e não provado;
b) Deve ser julgado que o contrato de arrendamento rural celebrado entre A. e R. cessou, por revogação, em 30 de Setembro de 2022, condenando-se a A. Reconvinda a efectuar a entrega do mesmo à R. Reconvinte, livre e devoluto de pessoas, coisas e animais;
c) Condenar-se a A. Reconvinda a indemnizar a R. Reconvinte por todos os prejuízos causados com a não entrega atempada do locado, em montante a liquidar em execução de sentença e não inferior a €:6.000,00;
d) Caso se não entenda como supra peticionado, o que só como hipótese e à cautela se admite, deve ser decretada a resolução do contrato de arrendamento, condenando-se a A. Reconvinda a efectuar a entrega do mesmo à R. Reconvinda, livre e devoluto de pessoas, coisa e animais;
e) Em qualquer caso, deve a A. Reconvinda ser condenada a pagar à R. Reconvinte indemnização a liquidar em execução de sentença com origem nos prejuízos causados com o abate de azinheiras, e que não são inferiores a €:9.000,00.»
A autora apresentou réplica que concluiu nos seguintes termos:
«Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá:
a) ser julgada procedente por provada a execpção de inadmissibilidade da Reconvenção deduzida pela R. e consequentemente, esta ser rejeitada;
b) Caso assim não se entenda, ser a reconvenção julgada improcedente por não provada, sendo a A. Reconvinda absolvida, sendo a R. Condenada nos termos da Petição Inicial.»
Designada data para realização de audiência prévia veio, no seu âmbito, no que à economia do recurso importa, a ser proferido o seguinte despacho
«Da (in)admissibilidade da réplica
Compulsados os autos verifica-se que a autora foi notificada da dedução da contestação-reconvenção por notificação eletrónica expedida em 22.11.2022, considerando-se perfeita a notificação em 25.11.2022 - vd. ref.ª citius ...17; cfr. art. 248.º, n.º 1, do CC.
O prazo para a apresentação da réplica é de 30 dias, o qual terminaria em 09.01.2023 – cfr. art. 138.º, n.º 1, primeira parte e 585.º, do CPC.
Sucede que, nos termos do art. 35.º, n.º 2 do DL n.º 294/2009, de 13 de outubro, que consagra o Regime do Arrendamento Rural, “Os processos judiciais referentes a litígios de cessação e transmissão do contrato de arrendamento e à realização de acções de conservação, reparação e benfeitorias dos prédios rústicos arrendados têm carácter de urgência (…)”.
Ora, o objeto dos presentes autos prende-se, exatamente, com a cessação do contrato de arrendamento rural celebrado entre a autora e a ré.
Nessa medida, tendo os presentes autos natureza urgente, os prazos não se suspendem em férias – cfr. art. 138.º, n.º 1, do CPC.
Por conseguinte, o prazo para a apresentação da réplica terminou em 26.12.2022, sendo a réplica apresentada extemporânea, tendo a replica sido apresentada em juízo em 06.01.2023 – vd. ref.ª citius ...15.
Conclui-se, deste modo, que a réplica foi apresentada para além do prazo legal e para além dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo (27, 28 e 29 de dezembro de 2022) - cfr. art. 139.º, n.º 5, do CPC.
O prazo para o oferecimento da réplica é um prazo perentório cujo decurso extingue o direito de praticar o ato - cfr. artigo 139.º, n.º 3, do CPC -, pelo que importa ordenar o desentranhamento da réplica.
Em face do exposto, não se admite a réplica apresentada pela autora-reconvinda por a mesma ser extemporânea, ordenando-se o seu desentranhamento e a sua restituição ao apresentante.
Notifique.
Após trânsito, desentranhe e restitua ao apresentante a réplica.»
Inconformada, a autora/reconvinda apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida em sede de audiência prévia que não admitiu a Réplica apresentada pela Autora-Reconvinda, ora Recorrente, por a mesma ser extemporânea, tendo ordenado o seu desentranhamento e a restituição ao apresentante.
II. Entendeu a Meritíssima Juiz a quo que tendo os presentes autos natureza urgente, não se suspendem durante as férias judiciais, pelo que o prazo para apresentação da Réplica terminou em 26/12/2022.
III. A Recorrente discorda da decisão impugnada desde logo porque os presentes autos não têm natureza de processo urgente, mas antes um processo normal, por não estarem abrangidos pelo disposto nº nº 2 do artigo 35º do DL 294/2009, de 13 de Outubro.
IV. A causa de pedir nos presentes autos é o reconhecimento como válido e automaticamente renovado o contrato de arrendamento rural celebrado e 30 de Setembro de 2013.
V. A lei do arrendamento rural (DL 294/2009, de 13 de Outubro) refere que têm carácter de urgência:- os processos judicias referidos no artigo 31º (ações de preferência); - os processos judiciais referentes a litígios de cessação e transmissão do contrato de arrendamento (artº. 35, nº 2),tendo restringido e talo carácter aos processos judiciais aqui elencados.
VI. A presente causa representa um litígio, não de cessação e transmissão de arrendamento ou do mais que vem referido no nº 2 do artigo 35 do DL. 294/09, mas sim da validade e subsistência do arrendamento.
VII. Pelo que, os presentes autos não representam processo urgente, mas antes um processo normal uma vez que as ações de reconhecimento de validade e subsistência de um contrato de arrendamento não vêm expressamente previstas no art.º 35º, nº2, do citado Decreto Lei como processo urgente, não se trata de um litígio de cessação ou transmissão do arrendamento subsumível a esta previsão.
VIII. A Autora-Reconvinda/Recorrente foi notificada da dedução da contestação-reconvenção por notificação electrónica expedida em 22.11.2022, considerando-se notificada em 25/11/2022 (artº 248º, nº 1 C.C.), sendo o prazo para a apresentação da Réplica de 30 dias, o prazo terminaria em 09.01.2023 (cfr. 138º, nº 1 e 585 C.P.C.), pelo que tendo a Réplica sido apresentada em 06.01.2023 a mesma é tempestiva.
IX. Assim, não poderia o Tribunal a quo julgar extemporânea a apresentação do articulado de réplica pela ora Recorrente, violando por erro de interpretação e aplicação o artigo 35º, nº 2 do DL 294/2009, de 13/10 e os art.ºs 137º e 138º do C.P.C.
ACRESCE QUE:
X. O Tribunal a quo nunca, mas nunca, atribui ou reconheceu natureza urgente aos presentes autos ou como tal os tramitou, antes pelo contrário. Do elencado no campo das alegações destaca-se que.
XI. A audiência prévia agendada inicialmente para 20 de abril de 2023 foi dada sem efeito na sequência de requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário da R. Reconvinte (ref.ª citius ...43) face ao impedimento por nessa mesma data já ter agendada Audiência de julgamento no âmbito de processo de Embargo (sem carácter de urgência). Face aos motivos invocados foi dada sem efeito a data agendada para audiência prévia e designada data em substituição (despacho datado de 30/03/2023 – Ref.ª Citius ...16).
XII. Por despacho proferido em 12/07/2023 (ref.ª citius ...70) o Tribunal a quo refere “Atendendo ao estado dos Autos e, bem assim, ao preceituado nos artigos 591º e 594º, ambos do Código de Processo Civil, cumpre proceder à realização de audiência prévia, com as seguintes finalidades (…)
Tendo o Tribunal a quo concluído: “Para o efeito, designa-se, desde já, o próximo dia 18 de Outubro de 2023, às 14h00 neste Tribunal (e não antes atenta a interposição do período de férias judiciais de Verão e a manifesta indisponibilidade de agenda).
XIII. O próprio Tribunal a quo admitiu e reconheceu que os presentes autos não têm caracter de urgência e não têm prevalência sobre os demais processos e serviço judicial, aceitou substituir a data da audiência por impedimento do mandatário em diligência face ao período de férias judiciais e desmarcou a audiência prévia face à natureza urgente de outros processos que prevaleciam sobre o processo ordinário (os presentes autos).
XIV. Por despacho proferido em 09/10/2023 (ref.º citius ...37) entendeu a Mm.ª Juiz a quo: Para a realização de audiência prévia nos presentes cautos mostra-se designado o dia 18.10.2023, às 14.00 horas.
Sucede, porém, que se revelou necessário agendar para essa data e hora a realização da diligência de tomada de declarações para memória futura no âmbito do processo nº 130/23...., o qual, atenta a natureza dos factos em investigação (…) assume natureza urgente e tem precedência sobre o serviço ordinário do Tribunal (…)
Nesta medida, decide-se dar sem efeito a data que havia sido designada no despacho de 12.07.2023.
XV. Não podendo agora o Tribunal a quo ter dois pesos e duas medidas e ante a decisão proferida em audiência prévia venire contra factum proprium.
XVI. Por outro lado, a tempestividade da Réplica já se encontrava reconhecida em data anterior à audiência prévia, nomeadamente por despacho proferido em 26/04/2023 (Ref.ª Citius ...05) em que entendeu a Mm.ª Juiz a quo
“ I. Da Reconvensão deduzida:
… A Autora deduziu a competente Réplica pugnando pela inadmissibilidade e, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido reconvencional.”
XVII. Nesse mesmo despacho o Tribunal a quo pronuncia-se quanto à questão suscitada na Réplica pela Recorrente e, em sequência convida inclusivamente a Ré-Reconvinte a apresentar articulado de aperfeiçoamento.
XVIII. Vir o Tribunal a quo em sede de audiência prévia invocar a natureza urgente do processo para não admitir a Réplica por extemporaneidade, contrariando decisão anterior e a sua própria atuação é frustrar injustificadamente as legítimas expectativas das partes e constitui uma surpresa irrazoável na dinâmica do processo e relação processual.
XIX. Ora, nos termos do artigo 4º do C.P.C. o Tribunal deve assegurar ao longo do processo a igualdade que se encontra violada de forma grave com a não admissão da Réplica apresentada pelo Recorrente.
XX. Sendo que nos termos do nº 3 da C.R.P. todos os cidadãos têm o direito a um processo equitativo.
XXI. Ora, a não admissão da Réplica com fundamento de que se trata de um processo urgente, constitui como decorre do exposto supra uma clara, grave e inadmissível violação do direito não só de acesso aos tribunais, mas ainda da igualdade processual das partes.
XXII. Verifica-se ainda uma nulidade do processo, na medida em que a decisão proferida em sede de Audiência Prévia e com a tramitação que a antecedeu, constitui uma irregularidade que influi no exame e decisão da causa, como decorre no nº 1 do artigo 195º do C.P.C. e apenas sanável pela admissão da Réplica apresentada pela Recorrente ao abrigo da excepção do nº 2 do art.º 146º do C.P.C.
XXIII. Nestes termos foram violados os artigos 2º, 4º, 138º, nº 1, 146º, nº 2, 193º, nº 3 e 195º do C.P.C. e artigos 20º, nº 2 e 3 da C.R.P.
XIV. A não admissão da Réplica pelas circunstâncias de face à natureza urgente do processo ter sido considerada extemporânea, fez impender sobre o próprio Tribunal a quo também irregularidades processuais, numa evidente violação inadmissível dos princípios da cooperação, da boa fé processual, da tutela da confiança, da igualdade e a da auto responsabilização quer das instituições, quer das partes.
XXV. Não tendo os presentes autos natureza urgente, e tendo a Autora/Recorrente sido notificada da dedução da contestação - reconvenção por notificação electrónica expedida em 22.11.2022, considerando-se notificada em 25.11.2022 (artigo 248º, nº 1 do C.P.C.), e sendo o prazo para a apresentação da Réplica de 30 dias (art.º 585º C.P.C.), o termo do prazo terminaria em 09.01.2023 atenta a suspensão prevista no artigo 138º, nº 1 do C.P.C., pelo que, tendo a Réplica sido apresentada em juízo em 06.01.2023, a sua apresentação foi tempestiva.
PORÉM,
XXVI. SEM CONCEDER, E PARA O CASO DE ASSIM NÃO SE ENTENDER (o que apenas se admite para efeitos de raciocínio) o certo é que o prazo para a Autora-Reconvinda/Recorrente praticar o acto aqui em causa – apresentação da Réplica – e mesmo perante um eventual urgente do processo, ocorreria no decurso de férias judiciais (26 de dezembro).
XXVII. Ora, o nº 1 do art.º 137º do C.P.C., aplicável ex vi art.º 42º do DL 294/2009, de 13/10 refere que (…) não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias, e o nº 2 diz que se exceptuar o número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os actos que se destinem a evitar dano irreparável.
XXVIII. No caso destes autos não estamos perante um caso de prazo superior a seis meses, nem um caso de processo urgente, nem um caso de um acto que de destine a evitar dano irreparável, pelo que, nada impede, obviamente, que seja praticado após terminarem essas férias, isto é, no primeiro dia útil após o seu término.
XXIX. Tendo ocorrido as férias judiciais de Natal entre 22 de Dezembro de 2022 a 3 de Janeiro de 2023, mesmo que se considere a natureza de processo urgente e que o prazo judicial para apresentação da Réplica não se suspendeu durante as férias, nos termos do artigo 137º, nº s 1 e 2, a Autora-Reconvinda/Recorrente poderia apresentar tal peça no primeiro dia útil depois das férias, ou seja, no dia 4 de Janeiro de 2023 (4ª feira).
XXX. Tendo apresentado a Réplica no dia 6 de Janeiro de 2022, 3º dia útil seguinte, a cominação seria a condenação em multa, devendo para tal ser notificada e considerada a apresentação tempestiva.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser admitida a Apelação e dado provimento ao presente recurso, julgando-o procedente, e em consequência ser a douta Decisão ora recorrida revogada e substituída por outra que determine a aceitação e admissão do articulado de Réplica apresentado pela Autora- Reconvinda em 06/01/2023, porque tempestiva, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se a réplica apresentada pela autora deve ou não ser admitida.
Tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das conclusões de alegação formuladas pela recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- carácter urgente da presente ação;
- violação dos artigos 2º, 4º, 138º, nº 1, 146º, nº 2, 193º, nº 3 e 195º do C.P.C. e artigos 20º, nº 2 e 3 da C.R.P;
- ainda que se entenda tratar-se de processo urgente, diferimento da prática do ato para o primeiro dia após as férias judiciais.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
A factualidade e a dinâmica processual a considerar para a decisão do recurso são as descritas no antecedente relatório, a que acresce o seguinte:
- Em 18.10.2022 foi emitida nota de citação da ré/reconvinte, «para, no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a acção acima identificada, com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es).
A este prazo acresce 5 dias.»
- A ré/reconvinte apresentou a sua contestação em 21.11.2022.

O DIREITO
Sustenta a recorrente que «os presentes autos não representam processo urgente, mas antes um processo normal uma vez que as ações de reconhecimento de validade e subsistência de um contrato de arrendamento não vêm expressamente previstas no art.º 35º, nº2, do citado Decreto Lei como processo urgente, não se trata de um litígio de cessação ou transmissão do arrendamento subsumível a esta previsão».
Vejamos se tem razão em tal argumentação.
Ora, ressalvado o devido respeito por tal opinião, não partilhamos do entendimento da recorrente, pois no que se refere à natureza urgente destes autos, não pode suscitar-se a menor dúvida.
Como se vê do pedido formulado pela autora, está em causa a cessação/renovação de um contrato de arrendamento rural e, como resulta do disposto no artigo 35º, nº 2, da LAR, estes processos “têm carácter de urgência e seguem a forma de processo sumário”[1].
Assim, dúvidas inexistem que estamos em face de processo de carácter/natureza urgente, do que derivam consequências a nível processual, tal como a de correrem em férias os respetivos prazos judiciais, o que será analisado infra, caso improceda a 2ª das razões apontadas pela recorrente, que se passa desde já a conhecer.
Diz a recorrente que o Tribunal a quo, no despacho proferido em 09.10.2023 (ref.ª citius ...37), admitiu e reconheceu que os presentes autos não têm caracter de urgência e não têm prevalência sobre os demais processos e serviço judicial, já que aceitou substituir a data da audiência por impedimento do mandatário em diligência face ao período de férias judiciais e desmarcou a audiência prévia face à natureza urgente de outros processos que prevaleciam sobre o processo dos presentes autos, não podendo ter dois pesos e duas medidas e «ante a decisão proferida em audiência prévia venire contra factum proprium».
Mais diz a recorrente que a tempestividade da réplica já se encontrava reconhecida em data anterior à audiência prévia, nomeadamente por despacho proferido em 26.04.2023 (Ref.ª Citius ...05), no qual o Tribunal a quo se pronuncia quanto à questão suscitada na réplica pela recorrente e, em sequência, convida inclusivamente a ré/reconvinte a apresentar articulado de aperfeiçoamento, pelo que vir «em sede de audiência prévia invocar a natureza urgente do processo para não admitir a Réplica por extemporaneidade, contrariando decisão anterior e a sua própria atuação é frustrar injustificadamente as legítimas expectativas das partes e constitui uma surpresa irrazoável na dinâmica do processo e relação processual».
Entendemos que, por si só, estes factos talvez não fossem suficientemente robustos para sustentar a violação do princípio da igualdade processual das partes.
Mas há um outro facto que não pode ser escamoteado, o qual se traduz efetivamente na violação do princípio da igualdade de armas que, tal como o do contraditório, constitui manifestação do princípio geral da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das posições destas perante o tribunal - artigo 4.º CPC.
Estamos a referir-nos concretamente ao facto de a ré/recorrida ter sido citada para contestar a ação como se de uma ação não urgente se tratasse, tendo-lhe sido concedido o prazo de 30 dias para o efeito, acrescido de uma dilação de 5 dias, sendo que a ré apresentou a contestação ao fim de 33 dias, como se vê dos factos supra elencados.
Ora, se o tribunal concedeu à ré um prazo de 30 dias para contestar a ação, sem ter em consideração o caráter urgente do processo, a não admissão posterior da réplica por extemporaneidade, por se tratar de um processo urgente que corre em férias, constituiria uma violação inadmissível dos princípios da cooperação, da boa fé processual, da tutela da confiança, da igualdade e da auto responsabilização quer das instituições quer das partes.
Em processo com contornos algo idênticos aos dos autos, nos quais estava em causa a admissão de um recurso, escreveu-se no Acórdão do STJ de 17.05.2016[2]:
«O fair trial e/ou due process, integra vários vectores, sendo que o principal é enformado pela confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual, não podendo os interessados sofrer quaisquer limitações, exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem, sequer, vir a ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar, o que aconteceu na espécie, com o não conhecimento, inopinado, do objecto do recurso de Apelação, por extemporaneidade da apresentação das alegações, num processo que embora sendo urgente, até então, os prazos não haviam sido contabilizados em função de tal qualificação.»
O recurso merece, pois, provimento, devendo ser admitida a réplica apresentada pela autora.
Vencida no recurso, suportará a ré/recorrida as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se em consequência a decisão recorrida, e admite-se a réplica apresentada pela autora com todas as consequências legais.
Custas pela recorrida.
*
Évora, 19 de março de 2024
Manuel Bargado (relator)
Maria Adelaide Domingos (1ª adjunta)
José António Moita (2º adjunto)
(documento com assinaturas eletrónicas)
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[1] Com o novo CPC deixou de haver a forma sumária, pelo que os autos seguem a forma de processo comum.
[2] Proc. 1185/13.1T2AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.