Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4028/13.2TBPTM-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: AVALISTA
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Existindo um pacto de preenchimento de um título de crédito em branco, a lei não exige uma interpelação do avalista anterior ao preenchimento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4028/13.2TBPTM-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


(…) e (…) deduziram embargos de executado contra a Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., peticionando a procedência da mesma e consequente absolvição do pedido executivo.
Alegaram para o efeito e em suma que o título executivo (livrança) é inválido, uma vez que quer a sociedade devedora quer os avalistas não autorizaram a Exequente a apor a data de emissão no título, sendo que, ainda que se considerasse que a Exequente poderia apor tal elemento na livrança em branco, o preenchimento é ineficaz na medida em que ocorreu na data em que a sociedade devedora foi declarada insolvente.
Alegaram igualmente que os devedores avalistas não tinham qualquer ligação à sociedade na data de vencimento da livrança, não podendo ser responsabilizados pelo cumprimento da mesma, acrescentando que por todos os factos descritos a livrança foi abusivamente preenchida.
No concernente à Embargante, alegaram que a mesma apenas outorgou procuração para ser constituída como avalista, pelo que também quanto a ela se verifica a excepção de preenchimento abusivo.
Por fim, alegaram que não foram interpelados pela Caixa Geral de Depósitos no sentido de serem informados do preenchimento da livrança e dos montantes em dívida, impugnando ainda o valor das quantias efectivamente entregues/depositadas à sociedade devedora.
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O embargado contestou.
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No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas, prosseguindo o processo para conhecimento das questões relativas à interpelação dos Executados e à disponibilização do capital na conta bancária da sociedade devedora.
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Do despacho saneador foi interposto recurso que foi admitido com subida imediata e em separado.
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O processo seguiu os seus termos e, depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos de executado parcialmente procedentes e em consequência declarou-se que a livrança exequenda apenas se tornou exigível com o acto de citação ocorrido nos autos de execução, apenas sendo exigíveis juros de mora em relação à dívida exequenda após tal momento.
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Desta sentença recorrem os embargantes defendendo que não foram interpelados antes do preenchimento do título para cumprir pelo que a execução deve ser julgada extinta na totalidade.
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Foram colhidos os vistos.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Mostra-se junto aos autos o documento com o número (…) onde se lê “NO SEU VENCIMENTO PAGAREI(EMOS) POR ESTA VIA DE encontrando-se manuscrito o montante de cinco milhões, cento e vinte e dois mil, seiscentos e oitenta e oito euros e um cêntimo.
2. No campo destinado ao vencimento mostra-se preenchida a data de 19/12/2012.
3. No campo designado “ASSINATURA DO(S) SUBSCRITOR(ES)” mostra-se aposto o nome da sociedade (…) – Imobiliária e Exploração Agrícola da Herdade do (…), São Teotónio.
4. No verso de tal documento mostra-se aposta a expressão “Bom para aval ao subscritor” e a assinatura dos Embargantes.
5. Mostra-se junto aos autos de execução documento que as partes denominaram de “Documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado…” em cuja cláusula 19.1 se lê que “A CAIXA poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente: a) Incumprimento pela CLIENTE ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato…”
6. A Exequente C.G.D. entregou à sociedade “(…) – Imobiliária e Exploração Agrícola, Lda.”, a quantia de € 3.482.380,00.
7. Do montante referido em 5 a Exequente recebeu o valor de € 2.442.000,00 (dois milhões, quatrocentos e quarenta e dois mil euros), relativo à adjudicação de imóveis nos autos de insolvência da sociedade “(…) – Imobiliária e Exploração Agrícola, Lda.”.
8. Em tais autos de insolvência a Exequente suportou despesas no montante total de € 122.100,00 (cento e vinte e dois mil e cem euros).
9. Os Embargantes não tiveram conhecimento do preenchimento da livrança.
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O problema fundamental prende-se com a interpelação prévia (isto é, anterior ao preenchimento do título) dos avalistas.
Os recorrentes citam em abono da sua tese os acórdãos desta Relação, de 27 de Fevereiro de 2014, e da Relação de Lisboa, de 11 de Outubro de 2016. Estes acórdãos exigem a interpelação prévia dos avalistas para que a dívida se torne exigível.
Salvo o devido respeito, cremos que a orientação mais correcta é no sentido contrário, ou seja, a interpelação prévia ao preenchimento da livrança não é requisito de exigibilidade nem invalida o preenchimento que esteja feito de acordo com o respectivo pacto.
«Como se nota bem no ac. da Relação de Coimbra, de 6 de Outubro de 2015, “uma tal interpelação prévia do avalista não é reclamada, ao menos expressamente, pela lei cambiária, o que explica que quem sustente uma tal exigência (…) não indique o texto legal em que ela, directa ou indirectamente, se contém”. Na verdade, o título cambiário torna-se completo com o seu preenchimento não estando os requisitos da sua validade intrínseca dependentes do conhecimento anterior pelo devedor do modo como ele se irá completar» (do ac. desta Relação de 25 de Março de 2017).
No mesmo sentido vai o recente acórdão do STJ, de 25 de Maio de 2017, onde se escreve o seguinte:
«(…) o acordo visando o preenchimento do título não tem em si implícita a obrigação de prévia comunicação ao avalista das circunstâncias que o credor considera que legitimam o preenchimento reportadas à relação extracartular.
«O avalista em branco de uma letra ou livrança incompleta, mas cujo preenchimento se fará com recurso ao que foi convencionado no pacto de preenchimento, pode não ser parte na relação extracartular, como no caso não foi.
«Será que, como sustenta o recorrente, que se acha nessa situação, deveria, previamente ao preenchimento do título, ser informado da situação de incumprimento, a montante, imputável à subscritora da livrança, mutuária no contrato de financiamento bancário?
«A nosso ver a resposta é negativa por não se poder desconsiderar o regime do aval e a responsabilidade do avalista no contexto da sua intervenção no pacto de preenchimento».
Ainda mais recente, no ac. do STJ, de 28 de Setembro de 2017, escreve-se o seguinte:
«E quanto à invocada necessidade de interpelação do avalista como condição prévia do preenchimento da livrança, não se subscreve o entendimento perfilhado pelo embargante, já que não se traduz em exigência que resulte da lei, mormente da LULL, nem se mostra que decorra sequer do pacto de preenchimento.
«Para que assim fosse, necessário seria que o embargante tivesse alegado e provado que a necessidade dessa interpelação emergia do próprio pacto de preenchimento, o que não fez. Nem tão pouco essa falta de interpelação se reconduz minimamente em situação de má-fé ou de falta grave na aquisição do título por parte da exequente.
«Assim, não se mostrando que o ulterior preenchimento da livrança viole o pacto de preenchimento, tem-se por validamente constituída a obrigação de aval à subscritora assumida pelo embargante pelo montante e com a data de vencimento nela inscrito».
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É que, na verdade, em parte alguma da LULL se encontra tal exigência e nem o princípio da boa fé o exige. Sendo o aval uma garantia abstracta, um acto de confiança na pessoa do subscritor, o avalista sujeita-se ao preenchimento sem o seu conhecimento (e, menos ainda, consentimento). Como escreve Paulo Sendin, com a «declaração de confiança do avalista, constitui-se um valor patrimonial específico para o direito de crédito. A garantia do aval é, por isso, cumulativa, não subsidiária» (Letra de Câmbio, vol. II, Almedina, Coimbra, s. d., p. 733). Dito de uma forma mais directa, o aval é uma garantia objectiva; o avalista não garante que o avalizado pagará mas sim que o título será pago, não assume uma obrigação alheia mas sim uma própria, sua (cfr. Luigi B. d’Espinosa, «Avallo», EdD, IV, 579). Em suma, e como diz a LULL, o «dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada» (art.º 32.º, I).
Por estas razões é indiferente que os recorrentes não tenham tido conhecimento do preenchimento da livrança; tomaram conhecimento dele com o seu accionamento. Como se escreve no citado acórdão do STJ (de 28 de Setembro de 2017), «(…) tão pouco a falta de interpelação para efeitos de vencimento da obrigação exequenda se inclui naquela categoria de inexigibilidade, já que fica suprida pela citação do executado, conforme decorre dos artigos 805.º, n.º 1, do CC e 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC».
Assim, a conclusão que se tira é que a dita interpelação prévia não é obrigatória.
Não o sendo, em nada fica afectada a execução numa situação em, como no caso dos autos, o título foi preenchido sem que antes se tivesse comunicado ao avalista o modo como ele o iria ser.
Não há razão para julgar extinta a execução.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 12 de Abril de 2018
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho