Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
| Descritores: | EMPRESÁRIO DESPORTIVO FUTEBOLISTA PROFISSIONAL CONTRATO NULIDADE ASSINATURA CLÁUSULA PENAL ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário: I. Os requisitos para a celebração do contrato de representação ou intermediação desportiva outorgado entre um empresário desportivo de futebol e um futebolista são os previstos no artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, de 14-07, que estabelece o regime jurídico, entre outros, contratos celebrados pelos empresários desportivos com o praticante desportivo. II. Nos termos do artigo 37.º dessa lei, apenas são nulos os contratos de representação ou intermediação desportiva celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo organizado e atualizado pela respetiva federação desportiva. III. Os elementos previstos no artigo 9.º, n.º 2, mormente os previstos na alínea h), do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol n.º 310, de 01-04-2015, referentes ao reconhecimento presencial da assinatura do jogador de futebol e a entrega de um exemplar os mesmo, não determinam, se não cumpridos, a nulidade do contrato de representação ou intermediação desportiva, porquanto são estabelecidos apenas em relação à relação jurídica estabelecida entre o intermediário e a Federação Portuguesa de Futebol e não entre o intermediário e o futebolista. IV. Não é aplicável o regime das clausulas contratuais quando quem invocada a violação de tal regime, não logra provar que o acordo que assinou se encontrava pré-elaborado e não foi precedido de prévia negociação do clausulado inserto no mesmo. V. Tendo sido aposta no contrato de representação ou intermediação desportiva uma cláusula penal a fixar o valor da indemnização em caso de incumprimento contratual do desportista, tal cláusula tem natureza compensatória, pelo que, tendo ficado provado o incumprimento contratual do mesmo, tem o intermediário direito de a acionar e obter do infrator o valor ali fixado. VI. O enriquecimento sem causa é uma fonte autónoma das obrigações e não é de conhecimento oficioso, pelo que não pode apenas ser invocado em sede de recurso. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4817/23.0T8STB.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ Comarca Faro, Juízo Central Cível de Portimão – J3 Apelante: AA Apelado: BB Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO 1. BB intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de €100.000,00, a título de cláusula penal devida pelo incumprimento contratual, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até à data do seu efetivo e integral pagamento. 2. Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que celebrou com o Réu um contrato de representação desportiva, o qual foi por este incumprido, o que lhe confere o direito a ser indemnizado nos termos acordados. 3. Contestou o Réu por exceção e por impugnação. Por exceção, e no que releva para o presente recurso, invocou a nulidade do contrato, cujo conhecimento foi relegado para final. Por impugnação, concluiu pela improcedência da ação, 4. O Autor apresentou resposta, concluindo como na p.i. 5. Após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, condenando o Réu no pedido. 6. Inconformado, apelou o Réu, defendendo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que o absolva do pedido ou, em alternativa, que reduza o valor da cláusula penal, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES (transcrição sem negritos e sublinhados): «I) A NULIDADE DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO É INEQUÍVOCA A sentença recorrida reconheceu, de forma expressa, que o contrato de representação invocado pelo Recorrido não foi objeto de reconhecimento notarial nem foi entregue ao Recorrente. Estas omissões violam diretamente os requisitos imperativos estabelecidos no artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, bem como no artigo 9.º, n.º 2, alínea h) do Regulamento de Intermediários da FPF. Estes requisitos não têm natureza meramente formal. São garantias estruturais de validade negocial, especialmente concebidas para proteger o praticante desportivo, parte contratualmente mais frágil. Ao considerar válido um contrato em flagrante violação destes requisitos, o Tribunal a quo incorreu em erro de direito, legitimando a aplicação de uma cláusula penal sem base contratual válida. II) O CONTRATO É TAMBÉM ANULÁVEL POR ERRO ESSENCIAL E FALTA DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO A assinatura do contrato por parte do Recorrente ocorreu sem que este tivesse tido qualquer conhecimento real do seu conteúdo, nomeadamente da existência de uma cláusula penal no valor de €100.000,00. O documento foi-lhe apresentado como mera formalidade, sem leitura prévia, sem explicação jurídica e sem entrega de exemplar. Tal conduta do Recorrido, indutora de erro e violadora do dever de lealdade contratual, torna a declaração negocial do Recorrente inválida por vício de vontade, nos termos dos artigos 247.º e 251.º do Código Civil. A cláusula penal, nestas circunstâncias, não corresponde à vontade efetiva do declarante, devendo o contrato ser anulável. III) A CLÁUSULA PENAL É, POR SI SÓ, DESPROPORCIONAL, ABUSIVA E INVÁLIDA A cláusula penal invocada é manifestamente excessiva, tanto em valor absoluto como em relação ao contexto factual: o Recorrido não prestou qualquer serviço, não participou em qualquer diligência negocial e não sofreu qualquer dano. A sentença recorrida, ao validar esta cláusula com base unicamente no salário auferido pelo Recorrente no clube Kunshan FC, da China, ignorou o disposto no artigo 812.º, n.º 2 do Código Civil, que impõe a redução judicial da cláusula penal desproporcionada, bem como o artigo 38.º, n.º 9 da Lei n.º 54/2017, que limita expressamente o montante da indemnização devida por praticantes desportivos. Permitir a execução de uma cláusula penal nestes termos é transformar um instrumento de equilíbrio contratual num mecanismo de coação e enriquecimento ilegítimo. IV) A CLÁUSULA PENAL É UMA CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL EXCLUÍDA DO CONTRATO O contrato de representação é um modelo estandardizado, utilizado em série pelo Recorrido e apresentado ao Recorrente sem negociação individual nem explicação específica das cláusulas. Nos termos dos artigos 1.º, 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, a cláusula penal não pode produzir efeitos, porquanto: i) não foi objeto de negociação; ii) não foi comunicada de forma adequada; iii) não foi explicada e iv) não foi compreendida. Consequentemente, deve considerar-se excluída do conteúdo obrigacional contratual, sendo ilegal a sua execução coerciva com base na mesma. V) HOUVE RESOLUÇÃO CONTRATUAL POR JUSTA CAUSA, QUE LEGITIMA A CESSAÇÃO DO VÍNCULO A relação contratual entre o Recorrente e o Recorrido cessou por iniciativa do primeiro, com fundamento em justa causa, decorrente da inércia absoluta do agente, da quebra de confiança e da ocultação do conteúdo contratual. Nos termos dos artigos 1170.º e 1172.º do Código Civil, é admissível a revogação de mandato por justa causa, o que equivale à resolução legítima de contrato de representação, isentando o Recorrente de qualquer obrigação indemnizatória. A sentença recorrida ignorou este regime supletivo aplicável aos contratos de representação desportiva, aplicando de forma cega uma penalização injustificável e contrária aos princípios da equidade. VI) A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA PENAL RESULTA NUM ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA A condenação do Recorrente ao pagamento de €100.000,00, sem que o Recorrido tenha praticado qualquer ato útil, gera um locupletamento ilegítimo, vedado pelo artigo 473.º do Código Civil. A cláusula penal não pode operar isoladamente, sem nexo com um prejuízo efetivo ou uma prestação concretamente frustrada. Qualquer indemnização deve fundar-se em prova de dano, o que não ocorre no presente caso. A sentença recorrida, ao impor esta sanção, viola frontalmente o princípio da justiça comutativa e permite um resultado profundamente desequilibrado, atentatório da boa-fé contratual.» 7. Na resposta ao recurso, o Recorrido defendeu a confirmação da sentença recorrida. II- FUNDAMENTAÇÃO A. Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar: - Nulidade do contrato; - Anulabilidade do contrato; - Validade da cláusula penal; - Resolução contratual; - Enriquecimento sem causa. B- De Facto A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto: Factos Provados «1- O Autor tem como uma das suas atividades profissionais a prestação de serviços de intermediação a jogadores de futebol. 2- Na época de 2018/2019 o Autor encontrava-se registado junto da Federação Portuguesa de Futebol como intermediário (Doc 1 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 3- O Réu é jogador de futebol e ao longo da sua carreira tem realizado a prática desportiva em diversos clubes de futebol. 4- No dia 10.11.2019 o Autor, na qualidade de intermediário registado na Federação Portuguesa de Futebol, celebrou com o Réu, na qualidade de jogador, um acordo escrito denominado de “Contrato de Representação” (Doc 2 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 5- Nos termos do qual ficou acordado que o Autor seria remunerado pelo Réu por “quaisquer contratos negociados ou renegociados pela participação na celebração de um contrato de transferência envolvendo o Réu para outro clube incluindo eventuais alterações ou renovações pelo intermediário” (Doc 2 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 6- Mais ficou acordado que os direitos de representação do jogador seriam atribuídos exclusivamente ao intermediário e com uma duração de 24 meses, com início a 10.11.2019 e termo a 09.11.2021(Doc 2 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 7- E que aceitavam estabelecer como cláusula penal por incumprimento ou rescisão unilateral do acordo por parte do jogador antes da data prevista que este teria de indemnizar o intermediário pela quantia de €100.000,00 (Doc 2 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 8- O Réu celebrou, no dia 22.07.2020, um acordo escrito denominado “Comission Agreement” com a sociedade comercial Commander Sports Co. Ltd., sedeada em 2-21-338 no. 155 Tongzhou District, Beijjing, República Popular da China, 101149 (Doc 9 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 9- No qual foi representado pelo intermediário registado CC, titular do passaporte n.º ... (Doc 9 e 10 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 10- Desse “Comission Agreement” resulta que a sociedade comercial chinesa identificada em 8 se obrigava, perante o Réu, a garantir um contrato de trabalho desportivo para este junto do clube de futebol Kunshan Football Club (Doc 9 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 11- E que o jogador se obrigava a remunerar aquela sociedade caso esta lograsse providenciar os serviços (Doc 9 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 12- No dia 27.07.2020 o Réu assinou acordo escrito denominado “Employment Contract for Professional Football Player”, com o clube Kunshan Football Club (Doc 11 e 12 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 13- Nos termos do qual foi fixado entre o Réu e aquele clube de futebol uma remuneração mensal de €86.940,00, líquido de impostos de €50.000,00, no montante anual de €1.043.280, líquido de imposto de €600.000,00 (Doc 11 e 12 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 14- O Réu não notificou o Autor da resolução ou intenção de resolver o acordo identificado em 3. 15- No dia 13.03.2023 o Autor enviou duas cartas ao Réu nas quais o interpelou para o pagamento do montante de €100.000,00, concedendo-lhe um prazo de 10 dias (Doc 13 e 14 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 16- Uma das cartas veio devolvida e a outra encontra-se no ponto de entrega (Doc 15 e 16 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 17- No dia 02.05.2023 o Autor enviou uma carta ao Réu, para a morada constante do acordo referido em 3, na qual interpelou para no prazo de 10 dias regularizar a situação, a qual veio devolvida (Doc 17 e 18 PI, cujo teor se dá por reproduzido). 18- O Réu havia assinado acordos com o Autor de teor semelhante ao indicado em 3, o primeiro em 04.02.2013, no qual foi representado pelo progenitor por ser na data menor, e o segundo em 14.09.2015 (Doc juntos com os req. refª citius 13545917 e 13645726, cujo teor se dá por reproduzido).» Factos Não Provados «a) em certa altura do mês de junho ou julho de 2020 o Réu foi informado pelo Vitoria Futebol Clube SAD de que havia um intermediário de nacionalidade chinesa que, em representação do clube Kunshan FC, havia apresentado uma proposta para a sua transferência para aquele clube; b) o Réu foi informado que o Vitória Futebol Clube SAD havia aceite essa proposta e que o Réu deveria negociar com o agente do clube da China o contrato de trabalho; c) o intermediário CC contatou o Réu e apresentou-lhe uma proposta de contrato de trabalho para três épocas que era 10 vezes superior ao montante que auferia no Vitória Futebol Clube SAD; d) foi referido ao Réu, pelo intermediário, que para celebrar esse contrato de trabalho teria de o constituir como mandatário junto do Kunshan FC; e) o Autor solicitou ao Réu que assinasse o acordo identificado em 3 para lhe permitir gerir a sua carreira desportiva, o qual não lhe foi lido, nem explicado o respetivo conteúdo; f) o Autor não enviou ao Réu o escrito identificado em 3 em momento anterior à sua assinatura para análise e obtenção de aconselhamento jurídico; g) o Autor disse que entregaria ao Réu um exemplar após a assinatura ser reconhecida por advogado, o que não fez; h) o Réu solicitou-lhe, no mês de dezembro de 2019 e em janeiro de 2020, a entrega do escrito identificado em 3 assinado.» C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso Identificadas as questões decidendas, passamos à sua análise, considerando que o quadro fáctico é o que saiu do julgamento por não haver impugnação da decisão de facto, nem oficiosamente haver motivo para a sua alteração. 1.ª Questão: Nulidade do contrato 1. O Recorrente reitera no recurso a arguição da nulidade do contrato nos mesmos moldes que alegou na contestação, ou seja, com base na inexistência de reconhecimento notarial do contrato celebrado com o Autor e por não lhe ter sido entregue um exemplar do contrato. 2. A sentença recorrida decidiu estas questões nos termos que infra extratamos. Assim, e após qualificar juridicamente o contrato celebrado como um contrato de representação desportiva (sem que tal venha impugnado no recurso), em relação à questão da falta de reconhecimento, decidiu o seguinte: «No caso concreto, encontra-se em discussão o incumprimento de um contrato de representação desportiva celebrado entre Autor e Réu no dia 10.11.2019. Na data em que foi celebrado vigorava a Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que estabelecia o Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação. O art.º 2.º, al.c) do referido diploma classificava o “Empresário desportivo” como “A pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos”. Por seu turno, dispunha o art.º 3.º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma definia o “Contrato de Representação” como “um contrato de prestação de serviço celebrado entre um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva, sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respetivas condições de pagamento”. Como resultou provado, o Autor exercia a atividade de representação ou intermediação na celebração de contratos desportivos, encontrando-se registado enquanto tal junto da Federação Portuguesa de Futebol, exigência prevista no art.º 6.º, n.º 1 da citada Lei. E foi nesse âmbito que celebrou com o Réu o contrato de representação junto aos autos, nos termos do qual lhe conferiu poderes para, em seu nome e em regime de exclusividade, promover as diligências necessárias de representação junto de clubes de futebol, com intuito de celebrar contratos de trabalho desportivos e/ou a sua renegociação, representá-lo na celebração de contratos de trabalho de transferência para outros clubes, mediante uma remuneração (cláusula 2ª do dito contrato). Donde, salvo melhor opinião, no contrato em apreço surgem claramente identificados os serviços a prestar pelo Autor e que seriam pelo Réu remunerados com “uma comissão de 5% do salário bruto anual que lhe fosse devido em resultado de contrato de trabalho negociado ou renegociado, participação na celebração de contrato de transferência envolvendo-o para outro clube, incluindo eventuais alterações ou renovações, a serem pagas com um pagamento único, até 6 meses do início do contrato de trabalho ou celebração de um contrato de transferência para outro clube”. Defende o Réu que o referido contrato é inválido/nulo, porquanto dele não constam os requisitos essenciais e obrigatórios previstos na Lei n.º 54/2017 e no Regulamento de Intermediários da FPF, publicado no seu Comunicado Oficial n.º310 de 01.04.2015 (acessível in https://www.fpf.pt/pt/Institucional/Agentes-de-Futebol-da-FPF). Efetivamente, segundo dispõe o art.º 38.º da Lei n.º 54.º/2017, são requisitos essenciais e obrigatórios do contrato de representação entre empresário e jogador de futebol: a) a sua redução a escrito; b) a identificação das partes, incluindo o número de registo do Intermediário; c) a descrição do âmbito, esclarecendo a natureza dos serviços a prestar; d) a duração da relação jurídica, a qual não pode ser superior a dois anos nem conter cláusula de renovação automática; e) a previsão da remuneração do Intermediário pela atividade desenvolvida; f) a previsão das condições de pagamento. Todos estes requisitos constam do contrato em análise. De outro passo, nos termos do art.º 9.º, n.º 2, al.h) do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, publicado no citado comunicado (datado de 01.04.2015), o contrato de representação deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do jogador, quando este é parte, e a menção especial obrigatória de ter-lhe sido entregue cópia do contrato. O reconhecimento da assinatura do Réu não foi, efetivamente, realizado. Porém, como defende o Autor, não resulta dessa tal falta de reconhecimento a invalidade ou ineficácia do contrato, mas apenas a possibilidade de a Federação Portuguesa de Futebol rejeitar o registo do mesmo, o qual nem sequer é obrigatório. Na verdade, como se escreve no Ac. do TRL de 09.05.2024, in www.dgsi.pt, “Deve entender-se que a falta de registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação não acarreta a sua invalidade, uma vez que este registo não é requisito de validade ou eficácia do mesmo, o qual é apenas condição para que o praticante desportivo possa participar em provas oficiais promovidas pelas respetivas federações. Também no que se refere ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes inexiste preceito legal ou convencional que condicione a validade ou eficácia de tais contratos ao respetivo reconhecimento”. Pelo que, por este prisma e de igual modo, não estando prevista no contrato ou em qualquer norma a invalidade, a ineficácia ou a nulidade, a inobservância deste requisito não torna o contrato inválido, ineficaz ou nulo, sempre se dizendo, quanto à falta de entrega do exemplar, o Réu não logrou demonstrar que não o tenha sido.» Em relação à questão da falta de entrega de um exemplar do contrato ao ora Recorrente, consta da sentença: «O Réu invocava, ainda, a nulidade do contrato por inobservância dos deveres de comunicação e informação, convocando a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais. Define-as o art.º 1.º do DL n.º 446/85 de 25 de outubro como as cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar. As cláusulas contratuais gerais são, assim, propostas pré-elaboradas que disponentes ou destinatários indeterminados se limitam a oferecer ou a assentir. (…) Especificamente, quanto a esta exceção, o Réu alegou que o contrato de representação celebrado (apesar de individualizado e respeitar exclusivamente ao Réu) foi previamente elaborado e impresso pelo Autor, sem qualquer negociação entre as partes, nem possibilidade de o Réu o influenciar. O facto de ser pré-redigido, conforme ficou dito, não é, só por si, suficiente para qualificar as suas cláusulas como cláusulas contratuais gerais e submetê-las ao regime destas. Na verdade, a iniciativa da redação do contrato pode partir de qualquer as partes, e normalmente tal iniciativa surge daquele que tem disponível para negociação determinado tipo de serviço. O que interessa saber é que essa pré-redação é suscetível de ser alterada por vontade do outro contraente. Além da pré-redação é também necessário que esta seja de molde a permitir a conclusão de que o contrato se destina a ser usado indistintamente para destinatários indeterminados. O contrato de representação em causa nos autos, não evidencia caraterísticas próprias de um contrato proforma, destinado a ser usado pela generalidade dos clientes do Autor, pelo contrário. Ainda que eventualmente tenha por base um modelo usado pelo Autor no exercício da sua atividade de representação de jogadores de futebol, como é normal que aconteça, aparenta ser um contrato redigido diretamente ao negócio com o Réu, como o próprio admite (individualizando-o e contendo cláusulas que apenas a si dizem respeito, mormente em termos de duração do acordo e remuneração acordada). Não estando provado que o contrato pré-elaborado pelo Autor reunisse condições de generalidade para ser usado com outros clientes além do Réu, circunstâncias necessárias para se poder falar em contrato com cláusulas gerais. Donde, não se pode entender estar submetido ao regime do DL n.º 446/85 de 25 de outubro, nem, consequentemente, releva a alegada violação dos deveres de comunicação e de informação, que nem sequer se comprova. Ou seja, pela inaplicabilidade do regime previsto no citado diploma, é irrelevante a alegada ausência de explicação ou de leitura do contrato.» 3. Analisando a questão, verifica-se que o Recorrente apenas reitera a posição adotada na contestação sem estabelecer em sede de recurso qualquer impugnação dos fundamentos exarados na sentença que não acolheram aquela posição. Tendo isso em mente, dir-se-á que não está em causa a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes como sendo de representação ou intermediação desportiva, ao qual é aplicável a Lei n.º 54/2017, de 14-07, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, bem como o dos empresários desportivos. O Capítulo VII deste diploma legal, sob a epígrafe «Dos empresários desportivos» regula nos artigos 36.º a 38.º o exercício da atividade do empresário desportivo. Donde resulta que a atividade de empresário desportivo pode ser exercida por parte de pessoas singulares ou coletivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas competentes, nacionais ou internacionais, podendo apenas agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual e apenas por elas remunerado nos termos do respetivo contrato de representação ou intermediação (artigo 36.º), estabelecendo o artigo 37.º a obrigatoriedade de registo do empresário desportivo junto da federação desportiva, sob pena de nulidade dos contratos dos contratos de representação ou intermediação, como expressamente é consagrado no n.º 3 deste preceito. O artigo 38.º, por sua vez, rege sobre o «Contrato de representação ou intermediação», qualificando-o como «um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva» (n.º 1), estabelecendo o n.º 2 sob os aspetos formais (contrato escrito, com definição clara do prazo e tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem com o a remuneração que lhe será devida e respetivas condições de pagamento), o n.º 3 sobre o valor máximo a pagar pelo praticante desportivo enquanto o contrato estiver em vigor), o n.º 4 sobre a duração (máximo 2 anos), o n.º 5 sobre a caducidade e renovação por mútuo acordo, embora excluindo clausulas de renovação automática, o n.º 6 sobre incumprimento culposo (obrigação de indemnização pelo infrator culpado de acordo com os prejuízos causados), o n.º 8 sobre a fixação por acordo do montante da indemnização, e, finalmente, o n.º 9, sobre a limitação da indemnização pelo praticante desportivo por indexação ao n.º 3 e ao período remanescente do contrato. Nos artigos 40.º é estabelecido um regime sancionatório para as infrações aos preceituado nos normativos ali referidos e no artigo 42.º é determinada a nulidade das cláusulas contratuais que contrariem o disposto nesta lei ou que produzam um efeito prático idêntico ao que a lei quis proibir. Decorre do acima dito que a Lei n.º 54/2017, de 14-07 não estabelece no artigo 38.º, preceito que, como se disse, regula o contrato de representação ou intermediação, quanto ao seu aspeto formal e substancial, a exigência de reconhecimento presencial da assinatura do jogador, nem nada prescreve sobre a questão da entrega de exemplar do contrato ao jogador celebrante do mesmo. A única nulidade prescrita na lei encontra-se plasmada no n.º 3 do artigo 37.º e é cominada para os contratos de representação ou de intermediação celebrados por empresários que não se encontrem inscritos no registo dos empresários desportivos junto da federação desportiva em causa, como previsto no antecedente artigo 36.º Não exigindo este diploma legal o reconhecimento presencial da assinatura do jogador, nem entrega de exemplar do contrato ao jogador celebrante do mesmo, naturalmente que também o artigo 40.º não tem no elenco sancionatório tal circunstancialismo. Ora, a nulidade de um contrato é um vício formal grave atento os seus efeitos (cfr. artigo 286 e 289.º do Código Civil- CC) e é um vício originário do negócio, que impede a produção ab initio de efeitos. Ou seja, a não produção de efeitos é determinada pelo próprio negócio jurídico, operando por força da lei, podendo ser judicialmente declarada. Nos termos do regime geral (artigo 286.º do CC), a nulidade pode ser invocada a qualquer momento (isto é, sem prazo) por qualquer interessado, e pode (deve) ser declarada oficiosamente pelo tribunal, ou seja, mesmo que ninguém lho peça. Consequentemente, a falta de reconhecimento da assinatura do jogador ou a não entrega de um exemplar ao mesmo de um exemplar do contrato de representação ou intermediação não determina a nulidade do contrato. Esta apenas se encontra reservada para as situações em que o empresário desportivo que celebra tal contrato não se encontrar registado junto da respetiva federação desportiva. 4. Contudo, o Recorrente também invoca o Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol n.º 310, de 01-04-20151 para justificar a alegada nulidade. No seguimento da aprovação do regulamento da FIFA sobre colaboração com intermediários (Regulations on Working with Intermediaries, 2014), que substitui o regulamento da FIFA dos agentes de jogadores (Player’s Agents Regulations, 2008), a FPF adotou o regulamento interno que rege a atividade de intermediação através do Regulamento de Intermediários da FPF de 2015. Como se refere na anotação ao Acórdão do STJ de 28-09-2017 (proc. n.º 10145/14.4T8LSB.L1.S1, 7ª Secção2): «Este regulamento estabelece requisitos mínimos que são impostos pelo Regulamento FIFA e consagra regras que regem a contratação de serviços de intermediação por parte de jogadores e clubes, tendo como objetivo a celebração ou renovação de contratos de trabalho entre um jogador e um clube e a celebração de contratos de transferência, temporária ou definitiva, entre dois clubes. Nos termos do artigo 4º Regulamento de Intermediários da FPF, os intermediários desportivos são as pessoas singulares ou coletivas que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representam o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de transferência ou de um contrato desportivo. O jogador e o clube podem contratar os serviços de um intermediário quando negoceiem e celebrem contratos de trabalho desportivo ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações. No processo de negociação, o jogador e o clube devem agir com o devido cuidado, tendo de, nomeadamente, antes do início da prestação dos serviços, certificar-se de que o intermediário está registado na FPF e tendo de assinar um contrato de representação. Na verdade, só podem exercer a atividade de intermediário as pessoas singulares ou coletivas registadas na FPF. No que respeita ao contrato de representação, o artigo 9º impõe que os elementos essenciais da relação jurídica entre o jogador ou o clube e o Intermediário constem expressamente do contrato de representação, celebrado antes do início da atividade por parte do intermediário. Exige-se a forma escrita, devendo o documento que formaliza o negócio conter obrigatoriamente os elementos constantes no artigo 9º/2 Regulamento de Intermediários da FPF.» Efetivamente, o artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do referido Regulamento regula o «Contrato de representação», referindo que os «elementos essenciais da relação jurídica entre o jogador ou o clube e o Intermediário constam expressamente do contrato de representação, celebrado antes do início da atividade por parte do Intermediário» (n.º 1), devendo o contrato de representação ser celebrado «em quadruplicado, sendo uma cópia para cada uma das partes, outra para a FPF e outra para a LPFP, quando os contratos digam respeito a jogadores ou clubes que participam nas suas competições, e tem que conter, pelo menos, os seguintes dados: (…) h) Assinaturas das partes, sendo obrigatório o reconhecimento presencial da assinatura do jogador, quando este é parte, e a menção especial obrigatória de ter-lhe sido entregue cópia do contrato.» Todavia, como expressamente consta do n.º 1 deste artigo 9.º, os requisitos ali previstos, que não sejam coincidentes com os previstos no artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, de 14-07, reportam-se apenas à relação jogador (ou o clube) e o intermediário, relação essa estabelecida através do contrato de representação, que tem de se encontrar celebrado antes do início da atividade por parte do intermediário. Ou seja, em nada interferem com a validade do contrato de representação ou de intermediação desportiva. Consequentemente, também a invocação deste preceito não determina a nulidade do contrato de representação ou intermediação em causa nos autos. 5. Por outro lado, tendo-se apurado como consta dos pontos 1 a 4 dos factos provados que o Autor, na data da celebração do contrato com o Réu encontrava-se inscrito na Federação Portuguesa de Futebol (factos provados 1 a 4), também não pode ser aposta ao referido contrato a nulidade prevista no artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 54/2017, de 14-07. Neste sentido, para além do acórdão referido na sentença, vejam-se os seguintes Acórdãos: Relação de Lisboa, de 24-10-20243 e da Relação do Porto de 07-05-20244. 6. Finalmente, cumpre referir que em relação à questão da falta de entrega de uma via do contrato ao Réu nem sequer ficou provado que o exemplar não lhe foi entregue. Efetivamente, essa matéria ficou a constar das alíneas g) e h) dos factos não provado. Ora, como é consensual em termos jurisprudenciais, da resposta negativa a determinada matéria de facto apenas resulta que não se provou essa factualidade, mas não que se tenha demonstrado o facto contrário, tudo se passando como se essa matéria não tivesse sido articulada.5 Donde, a alegação quanto à não entrega de uma via do contrato ao ora recorrente nem sequer se encontra provada, sendo que o ónus de prova incidia sobre o mesmo (artigo 342.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC). Nestes termos, improcede a 1.ª questão. 2.ª Questão: Anulabilidade do contrato 1. Alega o recorrente que o contrato em referência é anulável por vício na declaração de vontade, nos termos do artigo 247.º a 251.º do CC. No seu entender, tal ocorre por ter assinado o contrato sem que tivesse conhecimento do real conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente da cláusula penal aposta, tendo-lhe sido apresentado o documento como mera formalidade, sem leitura prévia, e sem explicação jurídica e entrega de exemplar. 2. Vejamos. Antes de mais, é preciso sublinhar que a matéria relevante para a apreciação com êxito desta questão foi dada como não provada nas alíneas e), f), g) e h). De seguida, referir que, na sentença recorrida, como supra referido, e bem, afastou-se a aplicação ao contrato celebrado entre Autor e Ré, do regime das cláusulas contratuais gerais por não se ter provado que o contrato tivesse sido pré-elaborado. Em face dos factos provados, outra não poderia ser a conclusão, pois nada se provou que não tivesse havido negociação individual prévia do clausulado e que o Réu apenas se tivesse limitado a assinar um contrato já pré-elaborado com cláusulas inseridas numa pluralidade de contratos e dirigidas a destinatários indeterminados que apenas se limitariam a aderir às mesmas através da assinatura do contrato. Ou seja, não se provou a natureza unilateral e não negociável do acordo celebrado. Bem pelo contrário, o que decorre dos factos provados 1 a 7 são os termos da uma negociação referente àquele concreto contrato o que decorre, mormente, das cláusulas referidas nos pontos 6 e 7 dos factos provados (concessão ao intermediário de direitos de representação exclusiva do jogador pelo período ali estabelecido, cujo incumprimento gera a obrigação de indemnização pelo jogador ao intermediário nos termos e valores da cláusula penal ali consignada). 3. Em relação à questão da entrega do exemplar do contrato, remete-se para o que se disse supra. Assim, concorda-se com a sentença quando nela ficou exarado sobre esta questão: «Invoca, ainda, o Réu que o contrato de representação é anulável, por erro quanto ao objeto do contrato, pois se tivesse consciência do teor exato não o teria assinado, tendo sido induzido em erro pelo Autor, que não lhe explicou o conteúdo, nem os seus efeitos. Para o que interesse, diremos que não provou o Réu que não lhe tivesse sido explicado, ou que desconhecesse, o respetivo teor, nomeadamente por não lhe ter sido entregue um exemplar do contrato. Sempre se dirá, no entanto, que os argumentos aduzidos não fazem sentido, pois que se não lhe foi explicado pelo Autor o conteúdo e se, como afirmou, não o leu, então não explica o Réu o que estava convencido estar a assinar…». Efetivamente, em face dos factos provados, é manifesto que o Réu não logrou provar, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 2, do CC) que tenha ocorrido em erro na formação ou declaração da sua vontade, pois não logrou demonstrar os dois requisitos essenciais do erro: a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro e o conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade, por parte do declaratário. Sendo que a alegação do desconhecimento das cláusulas contratuais para ter êxito teria de resultar da prova que o mesmo não resultou de negligência sua. Ora, nenhum desses ónus probatórios, o Réu logrou cumprir. Em face do exposto, também improcede esta questão. 3.ª Questão: Validade da cláusula penal 1. Alega o recorrente que a cláusula penal inerida no contrato é desproporcional, abusiva e inválida, tendo a sentença ao validá-la, infringido o disposto no artigo 812.º, n.º 2, do CC, e artigo 38.º, n.º 9, da Lei n.º 54/2007. Alega, no essencial, que não se provou que o Autor tenha realizado qualquer serviço, tenha participado em qualquer negociação e tenha sofrido qualquer dano, tendo a sentença recorrida apenas tido em conta para validar a cláusula penal o salário auferido no clube Kunschan FC. Alega, ainda, que a cláusula penal é uma cláusula contratual geral que deve ser excluída do contrato, não podendo produzir efeitos, nos termos dos artigo 1.º, 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85. 2. Vejamos. Excluída a aplicação ao contrato em causa nos autos do regime geral da cláusulas contratuais gerais, como acima referido e justificado, o segundo argumento encontra-se prejudicado na sua apreciação (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Em relação à cláusula penal, sua caraterização e natureza, e seu caráter não excessivo ou abusivo, a afastar a sua invalidade e desnecessidade de redução, justifica-se a transcrição parcial da fundamentação exarada na sentença por se nos afigurar correta, não merecendo qualquer censura. Assim, lê-se na sentença: «No contrato celebrado ficou estipulado que, em caso de incumprimento ou rescisão unilateral, por parte do Réu/jogador, antes da data prevista do contrato (termo), teria de indemnizar o Autor/intermediário pela quantia de €100.000,00. Trata-se, sem dúvida de uma cláusula penal. A cláusula penal é uma disposição contratual que estipula uma sanção (normalmente pecuniária) para o caso de incumprimento da obrigação. Esta sanção pode ser moratória ou compensatória, dependendo do contexto em que é aplicada. (…) No caso em análise, claramente estamos perante uma cláusula penal compensatória, admissível nos termos do art.º 810.º do Código Civil, segundo o qual “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”. A cláusula penal é distinta da indemnização por perdas e danos, pois a não ser assim não teria qualquer função coercitiva ou compulsória uma cláusula penal que equivalesse ao valor real dos danos: não seria dissuasora do incumprimento. (…) Assim sendo, podemos dizer que a cláusula penal compensatória substitui a responsabilidade civil por danos, ou seja, o cumprimento da obrigação principal e a indemnização por perdas e danos são substituídas pela aplicação da cláusula penal. Invoca, ainda, o Réu a desproporcionalidade da cláusula penal em face do que dispõe o art.º 38.º, n.º 9 da Lei 54/2017, no qual se trata dos limites da indemnização em caso de resolução/incumprimento do contrato de representação. Como vimos, a cláusula penal compulsória estabelecida difere da eventual indemnização por incumprimento contratual, pelo que não terá aplicação o citado normativo. Ao invés, convoca-se a aplicação do art.º 810.º, n.º 1 do Código Civil6, segundo o qual: “A cláusula penal pode ser reduzida pelo Tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário”. E continua o n.º 2: “É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida”. (…) Importa, para que haja redução da cláusula penal, que a desproporção entre a sanção para a violação do contrato e os prejuízos sofridos pelo credor seja manifesta, no sentido de chocante, exagerada. Daí que não seja legítimo abstrair do tipo contratual em causa e das implicações económicas que advêm para a parte que não deu causa ao incumprimento em sentido lato. A cláusula penal, tem um fim punitivo que só será ilegítimo se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir. E é ao devedor que pretender a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta que terá de alegar e provar os factos pertinentes, não sendo a questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal. (…) Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não poderá deixar de atender: à natureza e condições de formação do contrato; à situação económica e social das partes; aos seus interesses patrimoniais e não patrimoniais; ao prejuízo previsível no momento da outorga do contrato e ao efetivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter a forfait da cláusula; à salvaguarda do seu valor cominatório. No caso em apreço, a cláusula penal prevista é de €100.000,00, não invocando o Réu porque motivo se considera excessiva, mormente face aos valores dos salários que iria auferir, caso fosse representado pelo Autor (conhecemos os valores acordados com o outro clube de futebol e podemos dizer que o valor da sanção acordada equivalente a dois salários líquidos). Pelo que inexistem factos alegados pelo Réu, e que se comprovem, donde resulte ser manifestamente excessiva a cláusula penal acordada e que visa sancionar o respetivo incumprimento contratual.» 3. Verifica-se, assim, que o tribunal a quo classificou a cláusula como uma cláusula penal de natureza compensatória regida pelo artigo 810.º do CC - o que afasta o argumento do recorrente quanto à inexistência de prejuízos para o Autor decorrentes da celebração do contrato, porquanto esse prejuízo se encontra fixado a forfait. 4. Quanto à invocada redução, sublinhou a natureza compensatória e os critérios que presidem à redução mencionada no artigo 812.º, n.ºs 1 e 2, do CC (excessividade chocante e redução, na mesma situação, em caso de cumprimento parcial), bem como a oneração do Réu com a prova da natureza manifestamente excessiva, concluindo que a mesma não existia em face do apurado, mormente, porque o Autor em nada participou na factualidade que determinou o acionamento da cláusula, sofrendo apenas o impacto económico da atuação do Réu e, por outro lado, correlacionou todo esse circunstancialismo com a tipologia contratual e com os valores que se encontram provados em relação à remuneração que o Réu passou a auferir por força do novo contrato. Como também reconheceu que, caso o contrato celebrado com o clube de futebol Kunshan Football Clube tivesse sido celebrado com a intermediação do Autor, acarretaria para o mesmo um encaixe económico por aplicação do que foi contratualizado (cfr. factos provados 5 e 6), e que, no caso, foi auferido por terceiro (cfr. facto provado 10). Deste modo, não se pode ignorar na apreciação da excessividade da cláusula penal em apreço que, nessa ponderação, tem de ser atendida a natureza do contrato celebrado entre as partes e a sua contextualização, ou seja, a celebração de futuros contratos de futebol por profissional dessa área, cujo valor de mercado se encontra espelhado nos valores remuneratórios que constam do contrato celebrado com um clube de futebol estrangeiro (Kunshan Football Clube) – cfr. facto provado 13, onde consta que a remuneração mensal corresponde a «€86.940,00, líquido de impostos de €50.000,00, no montante anual de €1.043.280, líquido de imposto de €600.000,00.» Ou seja, não se pode concluir pela excessividade do valor da cláusula penal quando a mesma corresponde a um valor referente a pouco mais do que a uma remuneração mensal acordada no contrato desportivo (contando-se apenas com esse valor, i.e., excluindo os valores anuais) que veio a ser celebrado pelo Réu com o referido clube de futebol sem a intermediação do Autor, apesar de estar em vigor um contrato de representação ou de intermediação de natureza exclusiva. Em face do exposto, também improcede esta questão. 4.ª Questão: Resolução contratual 1. Alega o recorrente que a resolução contratual ocorreu por sua iniciativa com fundamento em justa causa, decorrente da inércia absoluta do agente, da quebra de confiança e ocultação contratual. Ademais, acrescenta, que à resolução em causa se aplica o regime dos artigos 1170.º e 1172.º do CC (revogação do mandato com justa causa), o qual afasta qualquer obrigação indemnizatória, regime que a sentença recorrida ignorou. 2.Vejamos. Como decorre do ponto 14 dos factos provados, o Réu nunca notificou o Autor da resolução contratual ou sequer dessa intenção. Pelo que a alegação do recorrente quanto a ter resolvido o contrato com justa causa, independentemente das normas que entendeu convocar para o efeito, não encontra respaldo nos factos provados. Por outro lado, também não se provou que o Autor tivesse agido de forma desleal ou com má-fé, omitindo qualquer informação ao Réu, relembrando-se, mais uma vez, que não ficou provada a alegação de não entrega de um exemplar do contrato. O que se provou foi o que consta dos pontos 15 a 17 dos factos provados, ou seja, que o Autor interpelou o Réu para cumprir o acordado quanto ao pagamento da cláusula penal. Estando em causa o incumprimento contratual de um contrato de representação ou intermediação desportiva regido pelas regras gerais do contrato de prestação de serviço, aplicando-se ao mesmo as regras do mandato (artigos 1154.º, 1156.º e 1158.º do CC) e o disposto na Lei n.º 54/2017, de 14-06, e tendo o Réu se vinculado de forma exclusiva a ser representado pelo Autor, mediante uma remuneração nos termos estabelecidos contratualmente pela prestação de serviços do Autor, e, ainda, tendo-se provado que o Réu, unilateralmente, celebrou com um terceiro um contrato de natureza idêntica ao celebrado com o Autor, que veio a originar a celebração de um contrato desportivo com um determinado clube de futebol angariado pelo nova intermediária, uma sociedade comercial chinesa, sem qualquer participação ou contribuição do Autor, encontram-se provado o incumprimento contratual do Réu e, consequentemente, preenchidos os requisitos para ao acionamento da cláusula penal inserida no contrato nos termos provados no ponto 7 dos factos provados (artigos 762.º, 799.º, 808.º, n.º 1, 818.º, 810.º e 811.º, todos do CC), remetendo-se, nessa parte, para o teor da sentença recorrida que nenhuma censura nos merece, como temos vindo a afirmar. Nestes termos, também improcede esta questão. 5.ª Questão: Enriquecimento sem causa 1. Alega o recorrente que o pagamento da cláusula penal no valor fixado, sem que o recorrido tenha praticado qualquer ato útil, gera enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º do CC. 2. Em relação a esta alegação, lida a contestação não descortinamos ali qualquer invocação de enriquecimento sem causa por referência ao artigo 473.º do CC, como agora é invocado no recurso. A invocação de uma situação de enriquecimento sem causa, como é consensual na nossa jurisprudência, e disso dá conta, entre outros, o Ac. da Relação de Coimbra de 02-22-2020, « constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia», pressupondo a obrigação de restituir/indemnizar com esse fundamento jurídico: «a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.». Trata-se, como é sabido, e resulta do requisito referido em último lugar, de um instituto de natureza subsidiária, não sendo de conhecimento oficioso7. No caso, o Réu não alegou (e muito menos provou), os requisitos do enriquecimento sem causa, limitando-se a aludir esporadicamente à inexistência de prejuízo para o Autor, o que é bem diferente da alegação consubstanciada em enriquecimento sem causa, desde logo, porque a natureza subsidiária do instituto exige que não exista outra fonte para a obrigação. Ora, o Réu contestou com vários fundamentos a obrigação de pagar ao Autor. Embora todos tenham naufragado na sentença, não lhe permite a lei, como forma de reação à improcedência da causa, vir esgrimir com o enriquecimento sem causa, muito menos apenas e tão só em sede de recurso, pois, como é sabido, os recursos não se destinam a obter decisões sobe matéria nova não submetida ao exame do tribunal recorrido, exceto se forem de conhecimento oficioso, o que não se verifica. Assim, e para além do afastamento da invocação do enriquecimento sem causa apenas em sede de recurso, também, no caso, falece a natureza subsidiária daquele instituto, dada a invocação de vários fundamentos que, no entender do Réu, ora recorrida, obstavam à aplicação ao caso da cláusula penal. Nestes termos, também improcede esta questão. Nestes termos, a sentença deve ser confirmada. Responsabilidade tributária: Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP. III- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas nos termos sobreditos. Évora, 10-12-2025 Maria Adelaide Domingos (Relatora) Filipe Aveiro Marques (1.º Adjunto) José António Moita (2.º Adjunto)
______________________________________ 1. Consultável em https://www.fpf.pt↩︎ 2. Da autoria de MAFALDA MIRANDA BARBOSA, intitulado «Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de setembro de 2017 (Proc. n.º 10145/14.4T8LSB.L1.S1, 7ª Secção) – Contrato de prestação de serviço de empresário desportivo e inscrição na federação desportiva», acessível no site http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=113↩︎ 3. Proferido no proc. n.º 2724/23.5T8PDL.L1-2, em www.dgsi.pt↩︎ 4. Proferido no proc. n.º 59309/22.4YIPRT.L1-7, em www.dgsi.pt↩︎ 5. Cfr., entre outros, A. STJ, de 20-01-2005, proc. n.º 04B347, Ac. TRL, de 19-02-2015, proc. n.º 7669/05.8TBALM.L1-2 e Ac. TRP, de 06-06-2016, proc. n.º 1226/15.8T8PNF.P1, todos em www.dgsi.pt↩︎ 6. Ocorre um lapso na indicação da norma, pois pela transcrição do seu n.º 1 e 2, é manifesto que o artigo referido é o artigo 812.º, n.º 1, do CC.↩︎ 7. Cfr., entre outros, Ac. RL, de 21-06-2022, proc. n.º 3840/21.3T8LSB.L1-7, em www.dgsi.pt↩︎ |