Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BRITO | ||
Descritores: | CONVERSAS INFORMAIS | ||
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Data do Acordão: | 09/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 - O núcleo irredutível do nemo tenetur reside na não obrigatoriedade de contribuir para a auto-incriminação através da palavra, no sentido de declaração prestada no processo e para o processo. A auto-incriminação, a existir, tem de ser livre, voluntária e esclarecida. 2 - Apresentando-se como processualmente incontroverso que, no momento em que a autoridade policial ouve o arguido “informalmente” no posto policial, obtendo a “confissão” sobre o seu conhecimento da falsidade da nota bancária, existiam já indícios de que ele poderia ser um dos autores do crime em investigação, o ponto de facto impugnado – o de que o recorrente tinha conhecimento da falsidade da nota bancária em causa – não pode assim encontrar justificação probatória no depoimento do militar da GNR, na parte em que se refere que este o terá ouvido dizer ao arguido, em conversa informal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal: 1. No Processo comum singular n.º 476/17.8GVCSTR Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, foi proferida sentença a “condenar os arguidos (...) e (...) como co-autores materiais e na forma consumada, um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, n.º 1, al. a) e n.º 2 al. a) do Código Penal, cada um, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a pena de cada um, de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros)”. Inconformado, recorreu o arguido (...), concluindo: “1ª - A prova directa e indiciária (visionada à luz da regras da experiência comum) produzida em Audiência de Julgamento foi toda ela, ou inócua, ou no sentido do desconhecimento, por parte do aqui recorrente, de que a nota de € 50,00 que entregou à sua "bailarina" era falsa; 2ª - E no entanto, o Tribunal a quo no ponto 9. da sua Fundamentação, declara "provado" que "os arguidos bem sabiam que as notas que usaram como meio de pagamento não eram verdadeiras e tinham proveniência ilegal, por não terem sido emitidas pelo competente banco emissor"; 3ª - Em sede de Motivação da Decisão de Facto, o Tribunal a quo dá coito ao depoimento do militar da GNR, (…), o qual referiu que "o (...) disse que a nota que tinha sido o (...) que lhe entregou e no acto de entrega disse que a nota era falsa. Foi no posto e em conversa informal. Foi antes de o constituir arguido e não estava detido"; 4ª - Tratou-se, semelhante testemunho, como referem uniformemente a jurisprudência e a doutrina, de uma informalidade afrontosa, fraudulenta, que permite a violação de direitos sacrossantos do arguido, que se pretendem acautelar; 5ª - O Tribunal a quo - não vislumbramos com que base - considera "facto provado" que o ora recorrente "teve a nota na mão e depois a teria entregue à senhora depois dos serviços sexuais que lhe prestou"; 6ª - Esta asserção, despojada de qualquer base probatória produzida em audiência de discussão e julgamento, contende com as mais elementares regras da experiência comum; 7ª - No que à prova concerne, a testemunha (…), contradiz-se claramente, ao começar por "achar" que "foi com o (...)" e logo após declarar que a pessoa que ficou detida não foi o que foi consigo para o quarto, uma vez que é facto seguro que foi precisamente o ora recorrente, (...) de seu nome, a tal pessoal que "ficou detida"; 8ª - Pior, além de se contradizer a si própria, a testemunha (…) entra também em contradição com a testemunha (...), salvo se aceitássemos que, após tê-lo detido (ainda no bar, como ela assegura e é de elementar razoabilidade...), tivesse, já no posto, o dito militar da GNR levantado a detenção para, de seguida, em "conversa informal", "de pé d'orelha", lhe sacar a estúpida "confissão" do conhecimento da falsidade da nota que entregou à sua senhora "bailarina"; 9ª - A condição de militar da GNR não é idónea, ipso facto, a emprestar maior credibilidade ao depoimento da testemunha (...); 10ª - O que não foi, manifestamente o entendimento do Tribunal a quo ... 11ª - O qual, pela forma como fundamentou o sentido da sua douta decisão, acaba, afinal, por depôr nas mãos (na boca...) de um simples militar da GNR a exclusiva responsabilidade da condenação criminal proferida; 12ª - A detenção é um meio de privação da liberdade, que só pode ser levada a cabo, se não mediante mandado judicial, em flagrante delito por crime punível com pena de prisão; 13ª - No caso em apreço, a detenção do ora recorrente, a ser legal, só poderia ocorrer ao abrigo do disposto no art.º 255.º, n.º 1 do C.P.P.: em pleno "Bar (…)", em (quase) flagrante delito; 14ª - As regras da experiência comum não são de molde, bem pelo contrário, a sustentar a versão veiculada na douta sentença ora em crise em sede de Motivação da Decisão de Facto que o recorrente "teve a nota na mão e depois a teria entregue à senhora depois dos serviços sexuais que lhe prestou"(pag.s 6, última linha e 7 primeira linha); 15ª - Vejam-se a este propósito as declarações prestadas pela testemunha (…) - Rotação 6: 7m e 36 seg.s: Patrono do ora recorrente: "Ele" - o indivíduo que utilizou os seus serviços, não identificado - "entregou-lhe a nota antes ou depois de começarem essa conversa?". (…): "Antes"; 16ª - As mais elementares regras da experiência comum ensinam que, por completamente irrelevante e inoportuno, não seria de crer que o arguido (...), para mais podendo tê-lo feito antes, dispondo para tal, até, de várias horas, decidisse nas concretas circunstâncias de tempo e lugar (na penumbra, naturalmente ébrios ambos, imediatamente antes de irem satisfazer os seus prazeres lascivos ...), "transmitir que a nota que estava a entregar ao recorrente era falsa"; 17ª - Como ininteligível é também, à luz das regras da experiência comum, a circunstância, largamente comprovada, de o ora recorrente ter permanecido, usufruindo dos serviços sexuais, durante muito mais tempo do que os demais; 18ª - O que, como era de prever, levou a sua detenção; 19ª - Oiçamos, a este propósito, a testemunha (…) - Rotação 6, 8m e 05 seg.s: Patrono do ora recorrente: "Quanto tempo mediou entre terminarem essa conversa e a senhora descer, e este senhor descer?". (…): "Eu acho que mais ou menos uns 30 minutos". 20ª - Toda esta prova indiciária, nada despicienda, foi pura e simplesmente descurada pelo Tribunal a quo em detrimento da credibilidade absoluta dada ao teor da alegada "conversa informal" referida pelo militar da GNR; 21ª - Cabe, neste passo, indagar qual o valor probatório de uma suposta "confissão" em "conversa informal" no posto da GNR, perante um seu militar, antes de da constituição do detido como arguido; 22ª - Por todos - trata-se, supomos, de jurisprudência praticamente uniforme - citamos o Acórdão desse Tribunal da Relação de Évora, de 4.06.2013 - Proc. n.º 40/11.4GTPTG.E1; 23ª - Debruça-se, precisamente, sobre depoimento indirecto e "conversas informais" e reza, em suma, o seguinte: "(...). Questão diversa diz respeito às chamadas "conversas informais" levadas a cabo pelos OPC na pendência do processo. Aqui, em função da qualidade do agente policial e dos deveres que lhe incumbem de formalização em actos processuais das declarações do arguido, o legislador estabelece uma barreira de proibição de valoração, a resultante do regime decorrente dos artigos 256.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. É óbvio que essa barreira se concretiza na proibição da sua produção e valoração em audiência de julgamento, mas daí decorre a proibição da sua prática em inquérito. O que o legislador pretende é instituir a exclusividade de produção (realização) do meio de prova "declarações do arguido" através de uma forma vinculada, taxativa, típica, prevista ao pormenor nos artigos 140.º a 144.º do Código de Processo Penal, com o nome de "interrogatório do arguido", com exclusão de qualquer outra forma. Há, portanto, uma vinculação formal, uma taxatividade, uma tipicidade nos interrogatórios de argudo, detido ou não. O meio de prova "declarações do arguido" tem que ser veiculado através de um "interrogatório" previsto nos artigos 140,º a 144.º. O meio de prova "declarações do arguido" não pode ser veiculado por "conversas informais". Dito de outra forma, o formalismo dos interrogatórios de arguído é uma questão central no próprio valor do meio de prova, uma vinculação à forma querida pelo legislador, produto ou resultado de uma evolução histórica processual que conclui ser este formalismo a melhor forma de acautelar direitos. Portanto o que se pretende é evitar que as forças policiais consigam introduzir em audiência de julgamento um elemento de prova cujo cumprimento normativo é inexistente e, consequentemente, cuja fiabilidade" - (ou ter-se-á querido dizer: "falibilidade"?) - é patente. Assim, as "conversas informais" são uma informalidade afrontosa, fraudulenta, que permite a violação desses direitos que se pretendem acautelar. E surgem nos processos como forma de tornear a previsão dos art.ºs 140.º a 144.º e 256.º e 357.º do Código de Processo Penal pouco após a entrada em vigor deste código. Ou seja, uma forma de tornear direitos e, assim, negá-los, em nome de uma suposta verdade "descoberta" pelo investigador policial que, dessa forma, pretende determinar o resultado do julgamento. São, portanto, um expediente de má polícia. Um abuso. Uma fraude à lei e ao Direito. E incumbe a qualquer tribunal impedir essa fraude ao Direito. Daí que as "conversas informais" sejam habitualmente - com pouca ambição - consideradas prova nula, não apreciável em sede de livre apreciação e vedada como base motivacional de facto. Em nossa opinião devem ser mais (pelo que se acaba de dizer em sede de "tipicidade de interrogatório" de arguido), conduzindo à inexistência do meio de prova declarações do arguido, se estas surgirem através de uma "conversa informal". Porque, de facto, só a invalidade processual "inexistência" parece ser suficiente para caracterizar a pretensão de produção de um meio de prova em tão flagrante violação das normas de produção desse meio de prova. Por outro lado, a sua consideração como prova válida conduziria ao abuso policial como sistema, ao descrédito da Justiça e à violação de direitos do arguido em inquérito - "declarações" não controladas (se é que o são pois podem ser simulações ou falsidades) - que se podem reflectir em audiência de julgamento ("Direito ao Silêncio" ali exercido). (...)". 24ª - Ou seja, as "conversas informais" são uma informalidade afrontosa, fraudulenta, que permite a violação de direitos sacrossantos do arguido, que se pretendem acautelar. 25ª - :O Tribunal 'a quo' violou as normas dos art.ºs 140.º a 144.º; e 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal; 26ª - Postergou, outrossim, elementares regras da experiência comum; 27ª - E ainda, mais gravemente, o princípio da presunção de inocência, visualizado como inderrogável regra sobre a apreciação da prova, traduzido no sacramental princípio in dubio pro reo, cuja criteriosa aplicação apontaria, no caso vertente, para a absolvição do recorrente, à míngua da prova provada do seu conhecimento da falsidade da nota que entregou, nas circunstâncias de tempo e modo descritas nos autos, para pagamento dos serviços sexuais recebidos; 28ª - Com o que foi também violado todo o normativo contemplado no art.º 32º da Constituição da Répública Portuguesa.” O Ministério Público arguido respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo: “1.Na sua motivação de recurso, o recorrente afirma que impugna a decisão sobre a matéria de facto provada. 2.Contudo, transpondo os requisitos contidos no artigo 412.º, n.º s 3 e 4 do Código de Processo Penal para a motivação de recurso apresentada pelo recorrente, constata-se que a mesma não observa tais requisitos, dado que não contem qualquer referência aos elementos atinentes à gravação da prova que estão consignados na acta da audiência de discussão e julgamento, quanto ao início e o termo de cada declaração, nem contém a indicação das passagens em que o recorrente funda a sua discordância relativamente à decisão sobre a matéria de facto. 3.Nessa medida, verifica-se a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, salvo nos casos em que ocorre, ocorra um dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e sempre que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que a nosso ver não sucede no caso dos autos. 4.Por outro lado, cumpre referir que, salvo melhor opinião e sempre com o merecido respeito, se nos afigura que da motivação de recurso ora apresentada resulta alguma confusão entre impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada e não provada e os vícios elencados no artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, apesar de é certo, não serem expressamente invocados, parecem resultar das considerações expendidas pelo recorrente, quando remete para os depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento. 5.Atentando nos depoimentos destas testemunhas, não vislumbramos qualquer motivo válido para o recorrente os pôr em causa. Na verdade, tratam-se de depoimentos sinceros e objectivos, consentâneos entre si. 6. Invoca, assim, o recorrente que existiu, por parte do tribunal, valoração de prova proibida, consistindo esta no depoimento do militar da GNR (...), agente autuante, apelidada de “conversa informal”, na parte em que relatou a conversa que ocorreu no Posto. 7.No que concerne ao depoimento do militar da GNR, a conversa que a testemunha manteve com o recorrente no dia da ocorrência, ainda que já no Posto mais ainda antes de ser constituído arguido, não configura uma conversa informal proibida nos termos previstos no artigo 357.° do CPP. 8.O agente autuante, na sequência da constatação de que as notas eram falsas (aparentando ser uma falsificação grosseira por ter sido detectada a “olho nu” pelas receptoras das mesmas aquando do pagamento dos serviços sexuais contratados) e na tentativa de saber o que se passara manteve a conversa que relatou com o recorrente que perante si se encontrava, não sendo, no momento, o recorrente arguido e nenhum procedimento criminal se havia iniciado, mormente com o levantamento do auto de notícia - e, como não é legalmente proibido tal contacto, nada obstando a que possa ser valorado o conteúdo do mesmo. 9.Por outro lado, afigura-se-nos que o recorrente se cinge ao depoimento de cada uma das testemunhas de per si, individualmente considerados, esquecendo que o tribunal a quo fez, como lhe competia, uma apreciação conjugada de toda a prova produzida e que levou a Mmo. Juiz à certeza de que era o arguido sabia que a nota era falsa quando a usou para o pagamento dos serviços sexuais. 10.Apenas o recorrente se refere a dúvidas, já que analisando a sentença recorrida não resulta que aí se tenha decidido em matéria de facto, nomeadamente, no que respeita ao julgamento dos factos em causa como provados, perante uma qualquer situação de dúvida, de factos incertos. 11.Logo, não há que aplicar o princípio in dubio pro reo. 12. À luz do artigo 127.º do Código de Processo Penal a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. E, atentando na sentença recorrida, vemos que o Mmo. Juiz a quo apreciou e valorou a prova produzida à luz das regras da experiência, da lógica normal da vida. 13.Foi uma correcta apreciação da prova produzida, que apreciou criticamente, quer do ponto de vista dos critérios legais, quer por referência às regras da experiência comum, extraindo da matéria factual assente uma conclusão lógica, face às regras da experiência comum. 14.Deverá, pois, ser mantida a decisão recorrida.” Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto acompanhou a resposta ao recurso. Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência. 2. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados: “1. No dia 27.12.2017, a hora não concretamente determinada, mas que se situa cerca das 23H30m, os arguidos (...) e (...), juntamento com outro individuo cuja identidade se desconhece, deslocaram-se ao estabelecimento nocturno denominado “Bar…”, sito na Rua do (…), (…), nesta comarca. 2. Nesse local, os arguidos (...) , (...) e bem assim o referido indivíduo não identificado, acordaram, respectivamente com (…), (…) e (…), a prestação de serviços de carácter sexual. 3. Todos eles, pelo preço unitário de € 50, 00 (cinquenta euros). 4. Para o efeito, o arguido (...) declarou querer providenciar pelo pagamento na totalidade, entregando ao arguido (...) e ao outro individuo, uma nota de € 50,00, em cuja posse entrou de forma não concretamente apurada. 5. Momento em que lhes transmitiu que tais notas não eram verdadeiras. Sem prejuízo, 6. Cada um dos arguidos e bem assim o individuo não identificado entregaram a cada uma das pessoas referidas em 3, uma dessas notas de € 50, 00 (cinquenta euros). 7. Todas elas com o n.º de série P13273039855 8. As mesmas tratam-se de reproduções obtidas por impressão offset e, como tal, falsas. 9. Os arguidos sabiam que as notas que usaram como meio de pagamento não eram verdadeiras e tinham proveniência ilegal, por não terem sido emitidas pelo competente banco emissor. 10. Agiram com o propósito de pôr em circulação, como legítimo, esse papel-moeda que sabiam contrafeito e com plena consciência que punham, por tal forma, em perigo a credibilidade e confiança no tráfego e sistema monetário. 11. Actuaram consciente e deliberadamente, fazendo-o com plena liberdade de actuação e conjugação de esforços. 12. Sabiam ser o seu comportamento previsto e proibido por lei penal. Das condições sociais, económicas e profissionais do arguido (...) bem como os seus antecedentes criminais. 13. O arguido (...) encontra-se no estado civil de solteiro, vive com companheira em cada do pai da companheira. Trabalhador estudante dado que exerce a profissão de empregado de mesa na restauração e estuda o 12.º ano. Aufere remuneração média mensal entre € 350 a € 400,00. Não tem antecedentes criminais. Das condições sociais, económicas e profissionais do arguido (...) bem como os seus antecedentes criminais. 14. O arguido (...) encontra-se no estado civil de solteiro, vive com companheira, o casal tem dois filhos e o agregado familiar vive em casa arrendada da qual paga a renda mensal de € 300,00. Trabalhador fabril por conta de outrem, aufere remuneração média mensal líquida de € 720,00. Tem como habilitações escolares o 5.º ano de escolaridade. 15. O arguido (...) tem os seguintes antecedentes criminais: a. 1 crimes(s) de furto simples norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 203º do c. penal - data da prática: 2011/07/13 - 90 dias de multa, à taxa diária de 6,00, que perfaz o total de 540,00 euros - data da decisão: 2012/12/19 - data trânsito julgado: 2013/01/23 - data de extinção: 2015/08/10 - tribunal judicial da comarca de leiria unidade orgânica: c.rainha - jl criminal (extinto) - espécie de processo: processo sumaríssimo (artº 392º cpp) (pn) n.º processo: (…); b. 1 crimes(s) de furto simples norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 203º do c. penal - 1 crimes(s) de condução sem habilitação legal - norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 3º do dec. lei 2/98, de 3 de janeiro - data da prática: 2011/10/17 - 100 dias de multa, à taxa diária de 5,50, que perfaz o total de 550,00 euros - data da decisão: 2013/09/18 - data trânsito julgado: 2013/09/18 - data de extinção: 2014/06/30 - (...) - tribunal judicial unidade orgânica: 2º juízo - espécie de processo: processo sumaríssimo (artº 392º cpp) (pn) n.º processo: (…) c. 1 crimes(s) de furto de uso de veículo norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 208º do c. penal - crime: 1 crimes(s) de condução sem habilitação legal norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 3º do dec. lei 2/98, de 3 de janeiro - data da prática: 2011/06/25 - crime: 2 crimes(s) de furto qualificado norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 204º do c. penal - data da prática: 2011/06/ - crime: 1 crimes(s) de furto qualificado norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 204º do c. penal - data da prática: 2011/06/25 - 4 anos, 6 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 4 anos, 6 meses e 0 dias - data da decisão: 2013/11/21; data trânsito julgado: 2014/01/06 - (...) - tribunal judicial unidade orgânica: 2º juízo - espécie de processo: processo comum (tribunal colectivo) (pn) N.º PROCESSO: (…) d. 1 crimes(s) de furto na forma tentada - norma legal incriminadora: p.p. pelo art.º 203º, nºs 1 e 2, do c. penal - data da prática: 2013/11/18 - 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00, que perfaz o total de 1.000,00 euros - data da decisão: 2014/01/08 - data trânsito julgado: 2014/02/07 - data de extinção: 2018/01/14 - (...) - tribunal judicial -unidade orgânica: 1º juízo espécie de processo: processo sumário (artº 381º cpp) (pn) n.º processo: (…); e. 1 crimes(s) de condução sem habilitação legal - norma legal incriminadora: p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do decreto-lei n.º 2/98 de 3 de janeiro - data da prática: 2016/09/16 - 6 meses e 0 dias de prisão, substituída por 180 horas de trabalho - data da decisão: 2017/06/26 - data trânsito julgado: 2017/09/11 - data de extinção: 2018/12/23 - c.rainha - jl criminal (extinto) - espécie de processo: processo comum (tribunal singular) (pn) n.º processo: (…); f. 1 crimes(s) de furto qualificado - norma legal incriminadora: p.p. pelos artigos 203º e 204º nº 2 al. e), ambos do c. penal - data da prática: 2011/06/11 - 2 anos, 0 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 2 anos, 0 meses e 0 dias - data da decisão: 2014/06/30 - data trânsito julgado: 2014/09/15 - data de extinção: 2016/12/05 - tribunal judicial da comarca de leiria - unidade orgânica: c.rainha - jl criminal (extinto) - espécie de processo: processo comum (tribunal singular) (pn) n.º processo: (…); MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: A factualidade considerada provada resultou da convicção do tribunal formada a partir do conjunto de toda a prova produzida em audiência de julgamento, havendo que referir: • Das declarações dos arguidos; • Da prova testemunhal; • Da prova documental; • Da prova pericial Das declarações do arguido (...) Declarou, em síntese, que as notas apreendidas as encontrou no chão nas (...), estavam embrulhadas no chão, apanhou-as e colocou-as na carteira. No dia 27 de Dezembro era o dia do seu aniversário completava 18 anos de idade. Vivia nas (...) e só estudava, era sustentado pela sua mãe que trabalhava numa fábrica ou num lar de idosos. Conhecia o arguido (...) pois namorou com uma prima dele há cerca de 2 anos. Encontrou o (...) num café nas (...) onde tinham combinado encontrar-se e onde estava também o outro indivíduo, o qual já conhecia. Este tinha veículo automóvel que aceitou fazer o transporte até ao (…). Foram àquele local por iniciativa sua, pois desde logo se disponibilizou para pagar as despesas de transporte e as despesas no bar de alterne. Ainda nas (...) entregou uma das notas falsas ao individuo condutor do veículo automóvel de marca “Honda”. No bar entregou outra das notas falsas ao arguido (...) quando este foi abordado pelas senhoras do bar. Este teve a nota na mão e depois a teria entregue à senhora depois dos serviços sexuais que lhe prestou. A senhora que lhe prestou serviços sexuais e a quem entregou a outra nota que ainda tinha em seu poder, agarrou-a e colocou-a dentro de uma carteira onde estavam mais notas. Declarações do arguido (...) Declarou, em síntese, que todos os factos que constam da acusação são verdadeiros, com excepção do seu conhecimento sobre a nota ser falsa. A nota foi-lhe entregue pelo (...) no bar de alterne quando as senhoras o abordaram, colocou-a no bolso de imediato e só voltou a pegar na nota quando a entregou à senhora depois do serviço sexual que lhe prestou. Foi o arguido (...) que teve a ideia de se deslocarem àquele local, pois ele fazia anos e disse que pagava a despesas de todos. O outro individuo que conduziu o veículo automóvel das (...) até (...) também recebeu uma nota que lhe foi entregue pelo (...). Quando lhe disseram que a nota era falsa ficou no bar pois nada sabia sobre esse assunto. Da Prova testemunhal: Da testemunha de acusação: Depoimento de (…), vive em união de facto, 39 anos de idade, militar da GNR a prestar serviço no Posto da GNR de (…). Disse conhecer o arguido (...) apenas dos factos e não conhece o arguido (...). Declarou, em síntese, que confirma o auto de noticia e apreensão, o conteúdo e a assinatura. No local a proprietária do estabelecimento apresentou 3 notas de € 50 que eram falsas pois tinham o mesmo numero de séria e não tinham marca de água. Foi dito que as notas foram entregues a raparigas por serviços sexuais. O (...) disse que a nota que tinha sido a (...) que lhe entregou e no acto de entrega disse que a nota era falsa. Foi no posto e em conversa informal. Foi antes de o constituir arguido e não estava detido. Depoimento de (…), casada, 31 anos de idade, Auxiliar de Imobiliária, residente em Lisboa. Disse conhecer os arguidos, não tem qualquer relação familiar ou parentesco. Declarou, em síntese, que foi há cerca de 2 anos. Foi o outro senhor que lhe deu uma nota de € 50 e apercebeu-se que a nota estava estranha. Foi ao bar onde estava uma máquina em que detectou que a nota era falsa. Depois já não consegui falar com o rapaz pois já tinha ido embora. A nota era de papel mais grosso era de textura grossa. A nota foi entregue antes do acto. Colocou-a numa carteira e logo ficou com a sensação que era uma nota anormal. Decorridos cerca de 20 a 30 minutos voltou a ver a nota e passou-a na máquina, tendo assinalado que era falsa. Depoimento de (…), casada, 40 anos de idade, Bailarina, residente em (…). Disse não se lembrar dos arguidos, reconhecendo o arguido mais novo pelo seu sorriso, nada a impedindo de dizer a verdade. Declarou, em síntese, que não se recorda da data acha que foi o ano passado. Não se recorda qual dos arguidos, mas acha que foi com o (...). Recebeu uma nota de 50€ e não deu qualquer troco. Um deles foi apanhado e não disse nada apenas baixou a cabeça. Os outros dois fugiram. Quando a outra moça disse que a nota que recebeu era falsa, decidiu ir à máquina e verificou que era falsa também. Guardou a nota na bolsa e não teve qualquer percepção de que era falsa. Na bolsa tinha mais dinheiro e não tinha outra nota de € 50. A pessoa que ficou detida não foi o que foi com a testemunha para o quarto. Depoimento de (…), solteira, Empregada de Andares, residente em (…). Disse não conhecer os arguidos porque na altura trabalhava na (…) e foi lá que os conheceu; não tem qualquer relação familiar ou de parentesco com os arguidos. Declarou, em síntese, que foi há mais de uma nota. Trabalhava na (…) e conheceu os arguidos. Foi o (...) que propôs a testemunha dançar para ele e pagou com uma nota de € 50. Uma das colegas desconfiou que as notas eram falsas e a sua também era. No momento não notou que era falsa mas depois sim. A nota foi à máquina era falsa. Normalmente pede o dinheiro antes e depois dança. Guardou a nota numa bolsa onde não tinha outras notas. Não houve troco. Depoimento de (…), solteiro, 59 anos de idade, Empregado de Mesa, residente em (…). Disse conhecer o arguido, são colegas de trabalho desde Agosto de 2019. Declarou, em síntese, que é colega de trabalho do arguido (...). Não assistiu aos factos. O que sabe foi o (...) que lhe contou. Trabalha com o (...) desde Agosto de 2019. Trabalha e estuda. Todos tem uma boa ideia sobre o (...), Não há reclamações sobre o seu trabalho. Pessoa integrada na sociedade. Sabe que vive em casa dos sogros. Da prova documental - Auto de notícia, fls. 2 a 5; - Auto de apreensão, fls. 9; - Notas a fls. 49; - Relatório, fls. 87; - CRC, fls. 97 a 116. Da prova pericial: - Relatório de exame laboratorial de fls. 50. EXAME CRÍTICO DAS PROVAS A prova dos factos objectivos descritos na acusação resulta das declarações dos arguidos, dos depoimentos das testemunhas de acusação, conjugados com a prova documental e pericial. Quanto aos arguidos (...) e (...), das suas declarações resulta que tiveram na sua posse notas falsas e que as colocaram em circulação quando as utilizaram para efectuar pagamentos de serviços sexuais numa casa de “alterne”, em (...). Estes factos foram confirmados pelas testemunhas de acusação, as quais logo desconfiaram que a nota era falsa, o que confirmaram através de mecanismo próprio para o efeito existente no estabelecimento nocturno. Das declarações dos arguidos resulta que não tinham conhecimento de que as notas eram falsas, pois apenas o souberam após terem efectuado o pagamento. A versão apresentada pelo arguido (...) não se mostra coerente nem integrável nas regras de experiência. As notas por si encontradas, estariam embrulhadas e como tal teria de as desembrulhar para ver o seu valor e o seu estado, atitude própria de quem encontra notas no chão por mero acaso. Ao tomar esta acção, o arguido (...) teve a possibilidade e a capacidade de verificar que as notas não eram verdadeiras, pois sentiu o mesmo que as senhoras sentiram quando as receberam – papel mais grosso que o habitual, que as levaram a verificar da sua validade. Resulta do exame pericial que se trata de impressão offset em papel e impressão analisados e que revelaram a falsidade da nota. Estes elementos básicos de uma nota não passam despercebidos ao comum dos cidadãos, pelo que o arguido (...) sabia que as notas eram falsas. E este facto transmitiu-o ao arguido (...) no momento em que lhe entregou a nota para pagar os serviços sexuais que veio a receber. Este facto resulta de declaração deste arguido ao militar da GNR, a qual prestou em conversa informal antes de ser constituído arguido, face ao teor do auto de notícia de fls. 2 e o termo de constituição de arguido de fls. 7. Quanto à falsidade das notas, dúvidas não restam que o são face ao teor do relatório do exame pericial realizado no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, de fls. 50 e ss. Assim e em relação aos factos subjectivos vertidos na acusação, os arguidos tiveram conhecimento de que as notas eram falsas, depois de as terem recebido, mas mesmo assim decidiram coloca-las em circulação. Os depoimentos das testemunhas de acusação mostraram-se descritivos, coerentes, de boa memória, revelando conhecimento directo dos factos, com relato firme sem dúvidas nem hesitações, pelo que o tribunal lhes atribui credibilidade.” 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à impugnação da matéria de facto. Embora não expressamente nomeado pelo recorrente, o arguido impugna os factos provados à luz do vício do erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP), fazendo-o na parte referente aos factos que relevam para o tipo subjectivo de crime. Ou seja, considera não ter resultado suficientemente demonstrado em julgamento e a sentença não explicar devidamente que tivesse tido conhecimento da falsidade da nota de 50,00 € por si utilizada no bar dos factos. Sintetizando a argumentação, sempre segundo o recorrente, na sentença justificou-se o facto provado "os arguidos bem sabiam que as notas que usaram como meio de pagamento não eram verdadeiras e tinham proveniência ilegal, por não terem sido emitidas pelo competente banco emissor", no que a este arguido respeita, apenas com base no depoimento do militar da GNR, (...), na parte em que referiu que "o (...) disse que a nota que tinha sido o (...) que lhe entregou e no acto de entrega disse que a nota era falsa. Foi no posto e em conversa informal. Foi antes de o constituir arguido e não estava detido". Sempre na sua alegação, é esta a única fundamentação do ponto de facto provado em causa, e, tratando-se de prova não valorável, ficariam assim por demonstrar os factos do dolo. Por tudo, enfermaria a sentença do aludido vício que, como se sabe, é uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum (…) perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dando conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74). Olhando a sentença, constata-se efectivamente que, em relação ao recorrente, como (única) justificação da demonstração positiva dos factos que relevam para o tipo subjectivo pode apenas ler-se: “Estes elementos básicos de uma nota não passam despercebidos ao comum dos cidadãos, pelo que o arguido (...) sabia que as notas eram falsas. E este facto transmitiu-o ao arguido (...) no momento em que lhe entregou a nota para pagar os serviços sexuais que veio a receber. Este facto resulta de declaração deste arguido ao militar da GNR, a qual prestou em conversa informal antes de ser constituído arguido, face ao teor do auto de notícia de fls. 2 e o termo de constituição de arguido de fls. 7.” Dos factos provados, do modo como o episódio de vida em apreciação se encontra descrito na sentença, parece ainda resultar que o recorrente terá tido um contacto visual com a nota em causa apenas no interior do bar e por breves momentos. Ou seja, a ser invalidada a prova apreciada positivamente pelo tribunal na vertente questionada no recurso, aparentemente ficará por justificar o ponto de facto impugnado, já que essa justificação não se retira do texto da sentença. Importa, pois, saber se a prova em causa configura um tipo de prova livremente valorável pelo juiz de julgamento. Ou seja, se é prova lícita a declaração confessória de arguido em conversa informal, tida perante órgão de polícia criminal no interior do posto policial, para onde foi conduzido por existir suspeita da prática do crime (do crime “confessado”), e antes da sua constituição como arguido. Em processo penal vigora o princípio da legalidade da prova, sendo admissíveis as provas não proibidas por lei (art. 125.º do CPP). No campo das ilegalidades de prova é pacífico distinguir entre provas proibidas e provas admissíveis mas obtidas fora das formalidades legais. Nestas, podem ainda distinguir-se (omissões de) formalidades reparáveis e irreparáveis. Serão proibidas as provas obtidas “mediante uma compressão dos direitos fundamentais em termos não consentâneos com a autorização constitucional, ainda que aparentemente a prova seja admissível e apenas tenham sido violadas as formalidades processuais necessárias para a levar a cabo” (Conde Correia, Contributo para a análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, 1999, p. 159). O art. 32.º da CRP trata das garantias do processo criminal, preceituando no nº1 que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa. O nº 8 fere de nulidade todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações. A Constituição cria ainda “um amplo catálogo de direitos fundamentais, concretizadores da ideia de dignidade da pessoa humana e cuja restrição obedece a mecanismos pré definidos e muito restritivos (art. 18º da CRP)” (Conde Correia, loc. cit. p. 157). A prova por declaração de arguido relaciona-se intimamente com o direito ao silencio. E o direito ao silêncio é a “primeira e imediata expressão da liberdade” (Dá Mesquita, A Prova do Crime e o Que se Disse Antes do Julgamento, 2011, p. 555). Em processo penal, o arguido pode reservar-se ao silêncio no exercício de um direito reconhecido nos arts. 61º, nº1, al. d), 132º, nº 2, 141º, nº 4, a), e 343º, n. 1, do CPP e considerado como de tutela constitucional implícita. O aproveitamento de provas obtidas através do arguido pressupõe também que tal não contenda com o princípio nemo tenetur se ipsum accusare. A Constituição não contém uma consagração expressa do direito à não auto-incriminação, mas também aqui se entende que o nemo tenetur configura um princípio constitucional implícito ou não escrito. A sua origem radica na alteração do modelo processual penal, do inquisitório para o acusatório, da mutação da posição do arguido de objecto de prova para sujeito do processo, (Augusto Silva Dias, Vânia Costa Ramos, O Direito à não inculpação no processo penal e contra-ordenacional português, 2009). O nemo tenetur reconhece a todo o imputado da prática de um crime o direito ao silêncio e a não produzir prova em seu desfavor. O direito ao silêncio configura “o núcleo do nemo tenetur” e “os seus titulares são o arguido e o suspeito” (Augusto Silva Dias, Vânia Costa Ramos, loc. cit., p. 20). O suspeito, na definição do art. 1º, al. e) do CPP, é toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar. As garantias de defesa do processo criminal “começam muito antes da constituição formal de arguido” (Paulo Sousa Mendes, Estatuto de Arguido e Posição Processual da Vítima, RPCC, Ano 17º, p. 603). O suspeito não é, ainda, um sujeito processual, com um estatuto específico, mas “goza já de certos direitos, a saber: seja qual for a origem e a consistência da suspeita, não pode, em caso algum, ser obrigado a fornecer provas ou a prestar declarações auto-incriminatórias” (Paulo Sousa Mendes, loc. cit.). Sousa Mendes alerta para as cautelas necessárias na interpretação do art. 250.º, n.º8 do CPP, que prevê que os órgãos de polícia criminal possam pedir ao suspeito informações relativas a um crime, mas “sem prejuízo do disposto no art. 59º” – obrigatoriedade de constituição de arguido e direito ao silêncio. “O problema é garantir que o Ministério Público e, sobretudo, as polícias não caiam na tentação de ouvir como “testemunhas” aqueles indivíduos que já são suspeitos da prática do crime investigado, ocultando-lhes que gozam de um privilégio contra a auto-incriminação (que é reconhecido às próprias testemunhas, nos termos do art. 132.º, n.º2), na mira não tanto de lhes extorquir uma inadvertida confissão, que não teria qualquer valor em juízo (art. 357º, nº1, al. b)), mas antes de forçá-los a indicar provas materiais que os investigadores não conseguem descobrir pelos seus próprios meios. E a tentação será ainda maior se pensarmos que, uma vez obtidas as provas, se está sempre a tempo de fazer a constituição de arguido, quando já nada mais houver para perguntar!...” (loc. cit. p. 604). Mas, mesmo que se defenda que o direito ao silêncio nasce apenas no momento em que o arguido é constituído nessa qualidade (assim, Adriana Ristori, Sobre o silêncio do Arguido no Interrogatório no Processo Penal Português, p. 104), o seu exercício em concreto – pelo arguido, como arguido – não poderia deixar de silenciar, apagando, tudo o que fora por ele declarado anteriormente no processo. Referimo-nos, sempre e só, a declaração (anterior ou posterior) como meio de prova a se, e, não, a outros contributos probatórios do arguido, que convocam outras noções e outras soluções, fora do objecto do presente recurso. Verifica-se como que um efeito expansivo do exercício do silêncio. A falta de constituição atempada de arguido gera a ineficácia – contra o declarante – das eventuais declarações auto-incriminatórias (art. 58.º, n.º5 do CPP) e até a impossibilidade de aproveitamento de toda a declaração, com perda de tudo o que não pudesse ser obtido na falta da prova nula (via art. 126.º, nºs 1 e 2-a) do CPP). “A consagração de uma norma com o conteúdo do art. 126º representou não só a continuação como o culminar do respeito pela integridade pessoal e pela dignidade humana ao nível do processo penal”. Como norma processual fundamental, “dela dimanam irradiações susceptíveis de iluminar caminhos para além das áreas por ela directamente cobertas” (Figueiredo Dias, Costa Andrade, Supervisão, Dieito ao Silencio e Legalidade da Prova, 2009, p. 29). Dá Mesquita lembra que “mesmo no período em que era admitida a tortura na fase preparatória, o arguido não era obrigado a depor no julgamento” (loc. cit., p. 555). Aceita que “existindo suspeita de crime, as instâncias formais de controlo e, em particular, os órgãos de polícia criminal podem comunicar com o arguido, mas os cânones dessa comunicação têm, sob pena de ilicitude processual, de respeitar os corolários legislativos da prorrogativa contra a auto-incriminação em particular específicos deveres de informação e respeito da liberdade do arguido”. (…) A formulação de perguntas para exclusivos fins processuais ou no quadro de medidas de dupla função não constitui um comportamento processual indevido, desde que se respeitem os deveres procedimentais decorrentes da prerrogativa contra a auto-incriminação. A constituição como arguido constitui o principal dever prévio à aludida interacção comunicacional (arts. 58º, nº1, als a), c), d), e 59º, nº1 do CPP), a qual compreende subsequentes deveres de informação (art. 58º, nº 2 do CPP), num quadro de exigências em que o direito português se apresenta particularmente rigoroso no contexto comparado. Apenas a violação dos deveres correlativos à prerrogativa contra a auto-incriminação contamina as provas obtidas em virtude das respectivas declarações”. O mesmo autor destaca “a liberdade de declaração como condição absoluta de valoração”, exemplificando, pela negativa, os casos “em que a polícia se dirige ao futuro arguido, que se apresenta como suspeito, e, sem o advertir, coloca-lhe subtilmente questões a que ele vem a responder num quadro de intimidação ou de engano” (loc. cit., pp 572/3). Em análise à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, João Gomes de Sousa lembra que “o T.E.D.H., reconhecendo que a obtenção de prova em violação do direito ao silêncio do arguido e do direito de não contribuir para a sua própria incriminação são standards normativos internacionais reconhecidos e que estão no cerne da noção de processo equitativo tal como garantido pelo artigo 6º da Convenção, centrou a razão de ser de tais princípios, entre outros, na protecção do acusado contra um constrangimento abusivo por parte das autoridades a fim de evitar erros judiciários. Em particular, o direito de não contribuir para a sua própria incriminação assenta na ideia de que a acusação deve fundar a sua argumentação sem recorrer a métodos de coerção ou opressão contra a vontade do acusado – Saunders c. UK de 17-12-1996 (§ 68) e Heaney and McGuinness c. UK de 21-12-2000 (§ 40). Visa-se “resguardar a “integridade judicial” (…), assim como a necessidade de desencorajar condutas policiais ilícitas que constituam uma violação de um direito protegido pela Convenção (o “constrangimento abusivo” por parte das autoridades), a suscitar sempre graves dúvidas quanto à equidade do processo (o “deterrence efect”)” (Em Busca Da Regra Mágica - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a universalização da regra de exclusão da prova - o caso Gäfgen v. Alemanha, Revista Julgar nº 11, Maio-Agosto 2010, pags. 21 e segs). O núcleo irredutível do nemo tenetur reside na não obrigatoriedade de contribuir para a auto-incriminação através da palavra, no sentido de declaração prestada no processo e para o processo. A auto-incriminação, a existir, tem de ser livre, voluntária e esclarecida. É apenas esta dimensão do nemo tenetur que nos interessa aqui. No respeitante aos contributos probatórios provenientes daquilo que se ouviu dizer ao arguido, e antes disso ao suspeito ainda não constituído arguido, várias situações se podem configurar na prática. Estas situações diversas não são necessariamente passíveis de uma mesma e única solução, tudo dependendo das concretas circunstâncias do caso e do eventual (des)respeito dos direitos fundamentais a que se fez alusão. Refere Carlos Adérito Teixeira a propósito do “relato de agentes dos OPC sobre afirmações do arguido – tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc – de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova produzidas sobre a égide da oralidade (interrogatórios, acareações, reconhecimentos descritivos, etc.) e que não o devessem ser; bem como no âmbito das demais diligências, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação pro-activa, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc.) que tenham autonomia técnico-jurídica e fenoménica julgo constituir depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela das normas referenciadas.” (Carlos Adérito Teixeira, Depoimento Indirecto e Arguido, Revista do Cej, 1º semestre 2005, n.º 2) Mas já no que respeita a declarações, “quando se trate de “declarações informais” prestadas no contexto de “declarações formais” reportadas ao arguido”, refere o mesmo autor que “de duas uma, ou estão no auto respectivo – e o arguido foi legalmente ouvido – ou não estão e, devendo estar, padecem de vício que inquina a sua utilizibilidade como prova. Ou seja, ou estão no processo e existem para a prova ou, devendo estar e não estando, também não existem e nem subsistem por outra via (extra-processual)”. E é esta a situação que ocorre aqui. Voltando ao caso, apresenta-se como processualmente incontroverso que, no momento em que a autoridade policial ouve o arguido “informalmente” no posto policial, obtendo esta “confissão” sobre o seu conhecimento da falsidade da nota bancária, existiam já indícios de que ele poderia ser um dos autores do crime em investigação. Pois foi essa suspeita o determinante na decisão de o conduzir ao posto policial. Com efeito, lê-se no exame crítico da prova que o militar da GNR referiu que “o (...) disse que a nota que tinha sido a (...) que lhe entregou e no acto de entrega disse que a nota era falsa. Foi no posto e em conversa informal.” Acompanha-se assim, entre outros, o acórdão do TRE de 04.06.2013 (Rel. Gomes de Sousa), na parte em que se considerou, como consta do sumário: “2. O meio de prova “declarações de arguido” tem que ser veiculado através de um “interrogatório” previsto nos artigos 140-º- a 144-º do CPP. O meio de prova “declarações de arguido” não pode ser veiculado por “conversas informais”. 3. O formalismo dos interrogatórios de arguido é uma questão central no próprio valor do meio de prova, uma vinculação à forma querida pelo legislador, produto ou resultado de uma evolução histórica processual que concluiu ser este formalismo do interrogatório a melhor forma de acautelar direitos. 5. Se o meio de prova “declarações de arguido” não cumpre a regra da “tipicidade de interrogatório” de arguido e surge através, de “conversa informal” ocorre o vício processual da inexistência do meio de prova “declarações de arguido”. 6. Mas as forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, o que cria situações de facto de fronteira e de difícil solução. 7. Quando o ainda não arguido não foi constituído arguido, podendo considerar-que que há motivo para tal, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal qualquer declaração daquele não pode ser utilizada como prova.” O ponto de facto impugnado – o de que o recorrente tinha conhecimento da falsidade da nota bancária em causa – não pode assim encontrar justificação probatória no depoimento do militar da GNR, na parte em que se refere que este o terá ouvido dizer ao arguido, em conversa informal. E retirado este excerto de fundamentação do exame crítico da prova - eliminadas as referências a esta “conversa informal” - fica por compreender como logrou o julgador então obter a demostração dos factos do dolo, relativamente à pessoa do arguido recorrente. Ou seja, a sentença não explica suficientemente como se comprovaram em julgamento os factos do dolo do arguido (...), como se antecipou e justificou logo de início. Impõe-se, assim, explicar devidamente a formação da convicção do tribunal de julgamento, agora sem apelo à prova em causa, prova esta eliminada em recurso porque indevidamente valorada em primeira instância. Por tudo, procede-se à anulação da sentença por deficiente fundamentação da matéria de facto (art. 379º, nº 1-a) do CPP), devendo a sentença ser reformulada nesta parte, corrigindo-se as deficiências apontadas, ou seja, reavaliando a prova remanescente quanto ao arguido recorrente e daí retirando as consequências que legalmente se impuserem (quanto ao arguido recorrente). 4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, anulando-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que supra a nulidade detectada, nos termos referidos. Sem custas Évora, 22.09.2020 (Ana Barata Brito) (Carlos Berguete) |