Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALBERTINA PEDROSO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO CUMULAÇÃO LIVRANÇA HIPOTECA TERCEIROS | ||
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Data do Acordão: | 05/16/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Não existe cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes, quando a execução é fundada no título executivo extrajudicial constituído pela livrança completado, quanto ao terceiro devedor, pelo documento que titula a constituição da hipoteca sobre o imóvel dado em garantia, e pelo seu registo. II - O processo sumário emprega-se nas execuções baseadas num dos títulos que as alíneas do n.º 2 do artigo 550.º do CPC elencam, e concretamente na alínea c) que se refere às que sejam fundadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor. III - Independentemente do valor da obrigação vencida e da existência de outros obrigados pelo título executivo que sejam terceiros relativamente ao imóvel dado em garantia do cumprimento da obrigação, a “execução hipotecária” segue a forma de processo comum sumário. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 882/17.7T8ENT-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1] ***** Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:I – Relatório 1. BB - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA S.A., por apenso aos autos de execução sumária que contra si e outros executados foram movidos por BANCO CC, S.A., deduziu embargos de executado, invocando, para além do mais, a excepção de erro na forma de processo. 2. Por despacho saneador-sentença proferido em 12.12.2018, veio aquela excepção a ser julgada procedente e, em consequência, foi declarado nulo todo o processo executivo, tendo os executados sido absolvidos da instância. 3. Inconformado com esta decisão, o Banco embargado apresentou o presente recurso de apelação que terminou com as seguintes conclusões[3]: «10. Ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º do CPC, emprega-se a forma sumária às execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida garantida por hipoteca ou penhor. 11. Assim, quaisquer execuções em que haja garantia real sobre o bem a penhorar, ou seja, quando haja sido constituída uma garantia real sobre a obrigação, a execução deve seguir a forma sumária, independentemente até do valor da quantia exequenda. 12. Ora, no requerimento executivo apresentado pelo Exequente é precisamente isso que se verifica, porquanto o ora Recorrente apresentou um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida (a livrança) garantida por hipoteca (o documento particular autenticado de constituição de hipoteca genérica). 13. Não se verificando nenhuma das excepções do n.º 3 do mencionado artigo – como é o caso – a presente execução segue a forma de processo sumário, tal como indicado no requerimento executivo. 14. Por outro lado, também não existe cumulação de execuções ao abrigo do disposto no artigo 709.º do CPC, pelo que é inaplicável o disposto no n.º 5 da mencionada disposição. 20. O referido documento particular de constituição de hipoteca é necessariamente complementado pela livrança que é o título executivo constitutivo da obrigação pecuniária vencida, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC. 21. Estas duas realidades – livrança garantida por hipoteca genérica – formam um título complexo. 25. De tudo quanto vem dito é igualmente possível concluir que não se trata de um caso de cumulação de execuções, permitida ao abrigo do disposto no artigo 709.º do CPC. 34. Assim, não tendo o Exequente procedido à cumulação de execuções, porquanto não deduziu uma pluralidade de pedidos executivos, conforme supra se pretendeu demonstrar, não é aplicável à presente acção executiva o disposto no n.º 5 do artigo 709.º do CPC, mas sim o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º do CPC. 36. É, portanto, aplicável ao processo em apreço, a forma de processo sumária, sendo legalmente dispensada a citação prévia, devendo o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho saneador que absolveu os executados da instância, substituindo-o por outro que declare não verificada a excepção dilatória de erro na forma do processo, prosseguindo o processo os seus demais trâmites». 4. Não foram apresentadas contra-alegações. 5. Observados os vistos, cumpre decidir. ***** II. O objecto do recurso. Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Assim, vistos os autos, a única questão colocada para apreciação no presente recurso é a de saber se existe ou não erro na forma de processo sumário indicada pelo Banco Exequente, a justificar a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento executivo e a absolvição dos executados da instância. ***** III – FundamentosIII.1. – De facto A tramitação processual e a factualidade considerada relevante para a decisão do recurso, que ao abrigo do disposto nos artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4, do CPC, extraímos dos presentes autos e do processo executivo[5], é a seguinte: 1. No dia 12 de Março de 2017 o Banco exequente instaurou contra DD, “EE - Sociedade de A…, S.A.”, “BB - Sociedade Imobiliária, S.A.” e FF, a acção executiva de que os presentes autos constituem apenso, peticionando o pagamento da quantia total de € 1.723.507,16 acrescida dos respectivos juros e demais despesas previstas até efectivo e integral pagamento. 2. No requerimento executivo, o exequente indicou na menção: à forma, “acção executiva”; à espécie, “execução sumária”; ao título executivo, “livrança”; ao valor da execução, “1.723.507,16 €”; e à finalidade da execução, “pagamento de quantia certa – dívida civil”. 3. Nas “declarações complementares” o exequente referiu que «a executada "BB - Sociedade Imobiliária S.A." é parte nos presentes autos em virtude da constituição de hipoteca a favor do aqui exequente, sobre o imóvel sua propriedade». 4. Nos “factos” o exequente aduziu, para o que ora importa considerar, que: «I. O ora Exequente é portador da seguinte livrança subscrita pela Sociedade "EE - Sociedade de A…, S.A." e avalizada pelos ora executados DD e FF, preenchida da seguinte forma: A) Livrança n.º 500905479151584737: 1. Preenchida pela importância de € 1.706.558,67 (um milhão, setecentos e seis mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), vencida em 2017/01/13 (Título executivo - Doc. 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzido); 2. A referida Livrança encontra-se associada ao contrato de empréstimo CLS n.º 275246241, celebrado em 01/08/2016, cujo incumprimento sucessivo e reiterado determinou nos termos contratualmente previstos, a respectiva resolução e o consequente preenchimento da mesma - Docs. 2 e 3 que se juntam e se dão por reproduzidos. 3. Nos termos do contrato de empréstimo CLS n.º 27524641, o ora Exequente acordou em conceder à Sociedade Executada, a solicitação expressa desta, um financiamento inicial no montante de € 1.663.215,00. O referido montante destinou-se a fazer face a "necessidades pontuais de tesouraria". Os demais executados prestaram o respectivo aval, autorizando expressamente o ora Exequente a proceder ao preenchimento da Livrança, nos termos contratualmente estabelecidos (Cláusula 15.1 do Doc. 2). 4. A importância titulada pela livrança não foi paga, sequer parcialmente, na data do seu vencimento nem até à presente data, não obstante interpelação efectuada para o efeito. (…) V. Da garantia hipotecária: 1. Para garantia do integral pagamento de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela executada "EE - Sociedade de A…, S.A." perante o Exequente, a Executada "BB - Sociedade Imobiliária, S.A." constituiu, por documento particular autenticado, no dia 10/04/2014, hipoteca unilateral e com efeito abrangente sobre o seguinte imóvel: - prédio urbano, composto de um piso, destinado a armazém e escritório, com área descoberta, com tudo o que o compõe, sito no lugar de Samora Correia, freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …º da freguesia de Samora Correia (cfr. Doc. 4 – Escritura de “Constituição de Hipoteca" - que se junta e se dá por reproduzido). 2. A mencionada hipoteca encontra-se respectivamente registada a favor do Exequente pela AP. … de 2014/04/10, com o montante máximo assegurado de € 2.683.835,60 (dois milhões, seiscentos e oitenta e três mil, oitocentos e trinta e cinco euros e sessenta cêntimos) - cfr. Doc. 5 que se junta e se dá por reproduzido». 5. O exequente juntou ainda com o requerimento executivo, o documento particular autenticado, datado de 10.04.2014, intitulado “CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA” no qual, DD, outorgou na qualidade de ADMINISTRADOR ÚNICO e em representação da “BB - Sociedade Imobiliária S.A”, e declarou, para o que ora importa, que: «constitui a favor do BANCO CC, S.A., … hipoteca voluntária sobre o IMÓVEL supra identificado … para garantia do pagamento pontual: a) Das responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade comercial sua acionista única, denominada “EE – SOCIEDADE DE A…, S.A. … perante o mesmo BANCO até ao limite de 2.110.000,00 (dois milhões cento e dez mil euros) em capital, em euros ou em divisas, provenientes de garantias bancárias prestadas ou a prestar pelo BANCO a seu pedido, créditos documentários, operações cambiais à vista ou a prazo, operações de derivados de cobertura de risco, empréstimos de qualquer natureza, aberturas de crédito sob a forma de conta corrente, livranças, letras e seus descontos, avales em títulos de crédito, fianças, débitos devidos em virtude da utilização de quaisquer cartões de pagamento, de crédito ou de débito, e de financiamentos concedidos pela permissão da utilização a descoberto de contas de depósitos à ordem, de operações de locação financeira, mobiliária ou imobiliária e de quaisquer operações de factoring, empréstimos obrigacionistas e emissões de papel comercial, até ao indicado limite… sendo o montante máximo de capital e acessórios de 2.683.835,60 euros. 3º) Que a hipoteca é constituída por tempo indeterminado, com a máxima plenitude legal, devendo subsistir enquanto se mantiverem quaisquer obrigações ou responsabilidades, presentes ou futuras, que assegura, independentemente e sem prejuízo de quaisquer outras garantias especiais, reais ou pessoais, existentes ou a constituir a favor do Banco (…). 8º) Que a sociedade que representa é totalmente dominada pela sociedade “EE – SOCIEDADE DE A…, S.A. estando por isso numa relação de grupo, nos termos do artigo 488º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, e, nessa medida, tem capacidade para a celebração da presente hipoteca, por força das instruções vinculantes que recebeu para o efeito da sua acionista única (…). 9º) Que os documentos, seja de que natureza for, em que EE – SOCIEDADE DE A…, S.A., figure como devedora e que, porventura, se encontrem em conexão com o presente contrato … dele ficarão fazendo parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do artigo 707.º do Código de Processo Civil.». 6. O exequente juntou ainda com o requerimento executivo, para além da livrança, o contrato de empréstimo acima referido - do qual consta em anexo o montante da operação, o prazo de vencimento e a utilização do capital -, e a cópia das cartas registadas expedidas para interpelação de todos os executados em 04.01.2017, com a comunicação do vencimento da livrança e a discriminação de todos os montantes que totalizam o valor do respectivo preenchimento. 7. Na acção executiva, consta o auto de penhora do prédio urbano acima identificado, elaborado em 21.03.2017, e, após o mesmo as cartas expedidas para citação dos executados. ***** III.2. – O mérito do recursoNa decisão recorrida concluiu-se que na situação em presença se verifica a «excepção dilatória de erro na forma no processo que, por não permitir o aproveitamento dos actos já praticados, determina a nulidade de todo o processado, nos termos do disposto no artigo 193º, n.º1 e 2 do Código de Processo Civil», aduzindo-se o seguinte: «No que concerne à execução relativa ao título “livrança” e atento o valor da acção (€1.723.507,16), a forma de processo aplicável é a ordinária e uma vez que se trata de título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor excede o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância (cf. artigo 550º, n.º1. al. d) do Código de Processo Civil). Já quanto à execução que se funda em documento particular de constituição de hipoteca, a forma de processo a seguir é a sumária e na medida em que se trata de título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca (cf. artigo 550º, n.º1. al. c) do Código de Processo Civil). Dispõe, quanto a este aspecto, o artigo 709º, n.º5 do Código de Processo Civil onde, sob a epígrafe “Cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes” se estatui que quando ocorra cumulação de execuções que devam seguir forma de processo comum distinta, a execução segue a forma ordinária. No caso dos autos, atendendo a que se cumularam execuções que deveriam seguir formas de processo diferentes, a forma de processo a seguir deveria ter sido a ordinária, o que não sucedeu, já que os autos seguiram a forma de processo sumária. (…) Assim, por considerar que com a errada aplicação de forma de processo sumário aos presentes autos houve uma efectiva diminuição das garantais dos Executados, deverão ser anulados todos os actos praticados no âmbito da acção executiva, a qual deverá (re)começar, ab initio, com a prolação de despacho liminar». Dissente o Banco exequente, muito em suma das razões elencadas, aduzindo não ter procedido à cumulação de execuções, não tendo deduzido uma pluralidade de pedidos executivos, formando o referido documento particular de constituição de hipoteca, necessariamente complementado pela livrança que é o título executivo constitutivo da obrigação pecuniária vencida, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, um título complexo. Assim, conclui, não é aplicável à presente acção executiva o disposto no n.º 5 do artigo 709.º do CPC, mas sim o preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º do CPC, sendo aplicável ao processo em apreço, a forma de processo sumária. Procedemos deliberadamente ao extenso elenco das incidências processuais relevantes para a decisão do presente recurso, precisamente porque dele logo ressumbra que na situação em presença não estamos perante uma cumulação de execuções fundadas em títulos executivos diferentes, como entendeu a primeira instância, mas sim perante uma única acção executiva fundada em título extrajudicial, com pluralidade de executados, cuja legitimidade decorre da assumpção por banda destes da obrigação de cumprimento do contrato de empréstimo que a livrança junta aos autos titula. Vejamos. É consabido que a acção executiva tem na sua base a existência de um título, pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos, não podendo as partes constituir títulos executivos para além dos legalmente previstos (artigos 10.º, n.ºs 5 e 6, 53.º a 55.º e 726.º, n.º 3, a contrario, todos do CPC). O título executivo é, portanto, “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla executio sine titulo”[6]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo[7]. Porém, o título executivo não se confunde com a causa de pedir na acção executiva, pois esta é um facto e o título executivo é o documento ou a obrigação documentada[8]. Na verdade, os “títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”, sendo “constitutivo da relação obrigacional quando a obrigação tem no acto documentado a sua fonte” e “certificativo da obrigação quando, procedendo a constituição da dívida de um outro acto, o título apenas confirma a existência dela”. Concluindo, “o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista, quer não”[9]. Ou, por outras palavras, o título executivo é “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”[10]. Revertendo o que vem de afirmar-se ao caso em presença temos que, dos documentos assinados pelo(s) executado(s) - posto que só estes podem ser título executivo -, tem de constar a obrigação pelo(s) mesmo(s) assumida por forma a que possa ser dispensável o processo declaratório, isto ainda que quando a obrigação exequenda seja complexa, como acontece na constituição da garantia hipotecária relativamente aos títulos de crédito, nos quais se inclui a livrança, o título executivo também o possa ser. De facto, em várias situações o legislador veio admitir a existência jurídica de títulos executivos complexos, a par dos títulos simples. Conforme é sabido, estamos perante títulos executivos simples quando a obrigação esteja incorporada num só documento ou num conjunto de documentos de idêntica natureza (de que constitui exemplo ilustrativo a execução fundada em várias letras de câmbio ou cheques, situação em que cada um dos títulos incorpora uma das prestações exequendas e todos eles juntos titulam a globalidade do crédito reclamado pelo exequente); e perante títulos executivos complexos quando a obrigação exequenda exija cumulativamente vários documentos para a sua demonstração, podendo tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para demonstração da existência do crédito exequendo (a título meramente exemplificativo deste tipo de título complexos, veja-se o título executivo previsto pelo artigo 15.º n.ºs 1 e 2 do Novo Regime do Arrendamento Urbano). No caso vertente, basta atentar no teor do requerimento executivo para verificar que o exequente, ora apelante, para além de apresentar o título de crédito simples que a livrança dada à execução constitui, o qual goza de literalidade e autonomia, alegou igualmente a relação subjacente à posse legítima daquele título executivo, invocando a concessão de um empréstimo à sociedade devedora EE – SOCIEDADE DE A…, S.A., que subscreveu a livrança dada à execução, bem como as garantias de cumprimento que ao cumprimento do mesmo foram prestadas: as garantias pessoais, decorrentes do aval prestado pelos co-executados, pessoas singulares, mediante o qual autorizaram expressamente o Banco exequente a proceder ao preenchimento da livrança, nos termos contratualmente estabelecidos; e a garantia real, prestada pela sociedade co-executada aqui embargante, por via da hipoteca voluntária constituída sobre o imóvel que veio a ser penhorado, para garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade comercial sua accionista única, denominada “EE” perante o mesmo BANCO até ao limite de 2.110.000,00€, designadamente, as provenientes de empréstimos de qualquer natureza e livranças (o sublinhado é nosso e retira-se do documento acima transcrito). Não existe, portanto, cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes, nos termos consentidos pelo artigo 709.º do CPC, pensado especialmente para os casos de cumulação de execuções assentes em título judicial e execuções fundadas em outro título, porquanto na espécie, a execução é fundada no título executivo extrajudicial constituído pela livrança completado, quanto ao terceiro devedor, pelo documento que titula a constituição da hipoteca sobre o imóvel dado em garantia, e pelo seu registo. Efectivamente, conforme esclarece RUI PINTO[11] em anotação ao indicado preceito, «com o disposto no n.º 1 quer dizer-se que o exequente pode deduzir num mesmo processo uma pluralidade de pedidos executivos contra o devedor ou grupo litisconsorcial pretendendo que todos sejam contemporaneamente procedentes. Trata-se, pois, de um regime especial de cumulação simples de execuções». No caso em apreço, não se trata de cumular contra o terceiro uma outra execução mas sim de afirmar a sua legitimidade na deduzida acção executiva. De facto, esta encontra-se não só substantivamente assegurada por via do artigo 818.º do CC - o qual sob a epígrafe “execução de bens de terceiros”, estabelece que “o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito” -, como também processualmente justificada, por via do disposto no artigo 54.º, n.º 2, do CPC, que confere ao credor por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro, o direito de fazer seguir a execução directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia. Assim sendo, e decorrendo cristalinamente da livrança dada à execução e dos documentos juntos com o requerimento executivo que o Banco credor comunicou expressamente ao devedor e aos garantes o vencimento da dívida e o preenchimento da livrança, discriminando as quantias em dívida e indicando a data para procederem ao pagamento respectivo, em face do disposto nos artigo 817.º e 818.º do Código Civil[12], é óbvio concluir que não tendo a obrigação sido voluntariamente cumprida, o credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar os bens de terceiro que estejam vinculados à garantia do crédito. Deste modo, não sofrendo dúvidas em face dos indicados preceitos legais, que o exequente podia instaurar directamente a execução contra o terceiro, sociedade embargante, porque a dívida cujo cumprimento coercivo pretende obter por via da presente execução para pagamento de quantia certa, está garantida por bem que a esta pertence, na sequência da hipoteca voluntária sobre o imóvel constituída pelo contrato acima referido (artigo 712.º do CC), que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor do imóvel hipotecado (artigo 686.º do CC), resta saber se a mesma podia ou não seguir a forma sumária, com a consequência de primeiro ser realizada a penhora do bem e só depois a citação dos executados. Pensamos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa. Efectivamente, a presente execução foi instaurada sob a forma sumária tendo como título executivo uma livrança subscrita pela Sociedade "EE - Sociedade de A…, S.A." que se encontra associada ao contrato de empréstimo CLS n.º …1, celebrado em 01/08/2016, cujo incumprimento sucessivo e reiterado, na alegação do Banco exequente, determinou nos termos contratualmente previstos, a respectiva resolução e o consequente preenchimento da livrança. Mas, o contrato de empréstimo subjacente à livrança dada à execução tem dupla garantia: a pessoal, já que o título cambiário foi avalizado pelos também executados DD e FF, e a real, decorrente da garantia hipotecária que abrange as responsabilidades da devedora provenientes tanto do incumprimento do empréstimo como do não pagamento da livrança. Ora, de acordo com o preceituado no artigo 54.º do CPC, que rege sobre os desvios à regra geral da legitimidade, e concretamente do seu n.º 2, «a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser demandado o devedor». Mas segue directamente, como? Responde-nos o artigo 550.º do CPC, que abre o Capítulo III relativo ao processo de execução, regulando a forma de processo comum para pagamento de quantia certa, estabelecendo no seu n.º 1, que pode ser ordinário ou sumário, para no n.º 2, afirmar que o processo sumário emprega-se nas execuções baseadas num dos títulos que as suas alíneas elencam, e concretamente na alínea c) que se refere às que sejam fundadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor. Conforme referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[13], «emprega-se o processo sumário nas execuções comuns para pagamento de quantia certa quando o título executivo seja um dos referidos no n.º 2 (…) e estejam verificadas as condições dos n.ºs 2 e 3. Estas condições são as seguintes: (…) – Estar a obrigação pecuniária, quando constante de título extrajudicial, vencida e garantida por hipoteca ou penhor (n.º 2-c), pois se assim for emprega-se o processo ordinário». Por seu turno, RUI PINTO[14] salienta que «a solução prevista na al. c) do n.º 2, consagra uma espécie de execução hipotecária ou pignoratícia. Esta solução não existia no anterior artigo 812.º-C. Em termos simples, a solução é esta: seja qual for o montante da obrigação exequenda, qualquer credor com hipoteca ou penhor passou a poder executar o devedor sem aviso. Em tese geral, este favor creditoris é absolutamente constitucional, ao decorrer do próprio postulado intrínseco da execução: a parte ativa não pretende ter um direito mas exerce já um direito, demonstrado no título executivo. (…) Na verdade, o favor creditoris é, afinal, a expressão em sede de atos materiais da natureza forçada da execução ínsita no art. 817.º CC. Por outro lado, a vantagem da penhora sem citação prévia dada ao credor com hipoteca ou penhor estará de acordo com o princípio da pars conditio creditorum, pois se estes credores chegam mais cedo e com maior proteção processual aos bens, outros credores poderão sempre intervir por reclamação de créditos». Também NUNO LEMOS JORGE[15] pronunciando-se a respeito da opção do legislador em diferenciar a forma de processo aplicável em função do título executivo, considera que a mesma «parece assentar em boas razões. O desenho do processo executivo nunca esqueceu que há títulos que oferecem mais segurança do que outros, sendo maior a necessidade de intervenção do juiz aqui e menor ali». Daí que, prossiga, afirmando que, para além da sentença e da decisão arbitral, é razoável a escolha pelo legislador da forma sumária «quando se tratar de um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor». Mas, dir-se-á, na situação em presença, o bem especialmente afectado ao cumprimento da obrigação não é da devedora nem dos avalistas, mas sim de terceiro. Poderão também estes executados serem citados apenas após a penhora do imóvel sobre o qual foi constituída a garantia? Afigura-se-nos que sim. Efectivamente, o legislador pretendeu sujeitar à forma sumária as acções executivas fundadas em título executivo extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca. Não o fez por desatenção mas sim de caso pensado, havendo o intérprete de presumir que consagrou as soluções mais acertadas, de acordo com o n.º 3 do artigo 9.º do CC. Conforme refere o último autor citado «a própria constituição da garantia envolve um compromisso estreito do devedor (e do garante, quando não seja o devedor) para com a obrigação, oferecendo um grau apreciável de segurança quanto à existência desta». No caso em apreço, se a garantia hipotecária abrange a livrança dada à execução, o título complexo assim formado beneficia do grau de segurança que o legislador entendeu ser o suficiente para que o credor possa avançar com a penhora sem prévio aviso aos devedores. Pelo exposto, concluímos que independentemente do valor da obrigação vencida e da existência de outros obrigados pelo título executivo que sejam terceiros relativamente ao imóvel dado em garantia do cumprimento da obrigação, a “execução hipotecária” segue a forma de processo comum sumário. Em conformidade, e sem necessidade de ulteriores considerações, a apelação procede com a consequente revogação da decisão recorrida, e o prosseguimento dos embargos para apreciação das demais questões que ficaram prejudicadas pela decisão recorrida. Vencida, a Apelada/embargante suporta as custas devidas, na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade e o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC. ***** III.3. – Síntese conclusivaI - Não existe cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes, quando a execução é fundada no título executivo extrajudicial constituído pela livrança completado, quanto ao terceiro devedor, pelo documento que titula a constituição da hipoteca sobre o imóvel dado em garantia, e pelo seu registo. II - O processo sumário emprega-se nas execuções baseadas num dos títulos que as alíneas do n.º 2 do artigo 550.º do CPC elencam, e concretamente na alínea c) que se refere às que sejam fundadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor. III - Independentemente do valor da obrigação vencida e da existência de outros obrigados pelo título executivo que sejam terceiros relativamente ao imóvel dado em garantia do cumprimento da obrigação, a “execução hipotecária” segue a forma de processo comum sumário. ***** IV – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos embargos. Custas pela embargada. ***** Évora, 16 de Maio de 2019 Albertina Pedroso [16] Tomé Ramião Francisco Xavier (tem voto de conformidade do Exm.º Adjunto que não assina por não se encontrar presente). _______________________________________________ [1] Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1. [2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier. [3] Que para evitar desnecessária repetição se restringem às necessárias para a compreensão do objecto do recurso, expurgando-se das referências à doutrina e jurisprudência cujo lugar é o corpo das alegações, e ainda das que se referem à tramitação processual relevante, que oportunamente será elencada. [4] Doravante abreviadamente designado CPC. [5] Cujo seguimento electrónico foi solicitado pela ora Relatora ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC. [6] Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando CHIOVENDA. [7] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58. [8] Cfr. Ac. STJ de 05.05.2011, proferido no processo n.º 5652/9.3TBBRG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [9] Cfr. ANTUNES VARELA et Alii, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1985, págs. 78 e 79. [10] Cfr. Ac. STJ de 19-02-2009, proferido no processo n.º 07B4427, e disponível em www.dgsi.pt. [11] In Código de Processo Civil Anotado, volume II, Almedina, 2018, pág. 436. [12] Doravante abreviadamente designado CC. [13] In Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 479. [14] In Obra citada, pág. 26. [15] No estudo intitulado A reforma da acção executiva de 2012: um olhar sobre o (primeiro) projecto, in JULGAR - N.º 17, Coimbra Editora, pág. 79. [16] Texto elaborado e revisto pela Relatora. |