Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
785/24.9T8ORM.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
DOMÍNIO PÚBLICO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: São os tribunais administrativos - e não os tribunais comuns - os competentes para julgar um litígio que envolve uma entidade pública, no exercício de poderes públicos, e em que esteja em causa a qualificação de bens como pertencentes ao domínio público e actos de delimitação destes, com bens de outra natureza.
Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

Os AA. instauraram a presente Acção contra o R. Município de Ourém pedindo que seja declarada a inexistência de dominialidade pública do caminho sito em Local 1, freguesia da ..., concelho de Ourém, com início na Rua 1 (confrontante a sul com o prédio dos Autores), desenvolvendo-se o seu leito no sentido nascente/poente.

Alegam que o R. Município de Ourém embargou uma obra de construção de um muro de vedação que os AA. estavam a efectuar em relação a um seu prédio, alegando que o muro confinaria com a via pública, nomeadamente com o referido caminho e que tal caminho não será público, mas sim particular, na medida em que servirá apenas os donos de um determinado prédio.

O R. Município de Ourém deduziu a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Juízo Local civil do Tribunal Judicial de Ourém argumentando que o que está em causa é a dominialidade de um caminho, em que como entidade pública, intervém no exercício da sua esfera pública e não administrativa, e deveria correr termos num Tribunal Administrativo.

Os AA., vieram responder a esta excepção, impugnando a mesma.

Foi proferida decisão que declarou procedente a excepção dilatória, invocada pelo R. Município, de incompetência absoluta deste Juízo local civil do Tribunal de Ourém, em razão da matéria para julgar a presente acção e absolveu o R. Município da instância.

Desta decisão, recorreram os Autores e formulam as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Os Autores ao formular o pedido de reconhecimento de que determinado caminho é privado, e ainda que o demandado seja uma pessoa coletiva de direito público, estamos circunscritos a uma causa de pedir e pedido real, pedido, que em está em causa matéria exclusivamente de direito privado.

2. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo realizou uma interpretação errónea do preceituado no artigo 4.º, n.ºs 3 e 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

3. Os Recorrentes não se conformam com a douta sentença proferida nos presentes autos, pelo que apresenta o respetivo recurso.

4. De acordo com o disposto nos artigos 212º. e 211º. da Constituição da República Portuguesa, os tribunais administrativos e fiscais têm competência para o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, enquanto os tribunais judiciais têm uma competência residual – exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

5. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do ETAF, os Tribunais Administrativos e Fiscais têm competência para “administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” ou, na última versão, “nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.

6. Para aferir da competência de um tribunal, deve atender-se à natureza da pretensão formulada ou do direito para o qual o demandante pretende a tutela jurisdicional e ainda aos factos jurídicos invocados dos quais emerge aquele direito, ou seja, ao pedido e à causa de pedir.

7. É a estrutura da causa como configurada pelo Autor que determina a competência material de um Tribunal.

8. As situações concretas que não sejam passíveis de integração na sua previsibilidade típica dos n.ºs 1 e 2.º do ETAT estarão excluídas da competência material daqueles Tribunais.

9. É este o caso em apreço.

10. Os Autores peticionaram que seja «(…) declarada a inexistência de dominialidade pública sobre o caminho acima melhor identificado em 9.º»

11. Vale isto por dizer que os Autores não pedem que seja reconhecida a dominialidade pública do caminho, antes pelo contrário.

12. Por outro lado, o Tribunal de Conflitos quando foi chamado a dirimir divergências de atribuições mútuas de competência vem mantendo que as ações reais não se incluem em qualquer das hipóteses constantes do supramencionado art.º 4.º do ETAF.

13. A douta sentença do Tribunal é fundamentada com base no Acórdão do Tribunal de Tribunal de Conflitos de 22-11-2023, processo nº 13/23, in www.dgsi.pt.

14. No entanto, no caso sobre o qual versa esse Acórdão, a Autora, Município, pretendia defender o seu domínio Público.

15. No caso sub judice, os Autores querem defender o domínio privado que sempre existiu naquela serventia.

16. E mesmo que assim não fosse, o entendimento de que as ações onde se procure, no todo ou na parte, dirimir questões relativas à dominialidade de caminhos é da competência dos tribunais judicias comuns é predicado pelo labor jurisprudencial.

17. A origem da jurisprudência maioritária cujo objeto do litígio se debruce sobre a classificação dos caminhos, esta advém, maioritariamente -senão mesmo na totalidade – de tribunais judicias comuns e não da jurisdição Administrativa e Fiscal.

18. Veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 15/19.5T8VLC.P1, datado de 25 de outubro de 2023 (disponível em www.dgsi.pt), o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 1292/20.4T8CTB.C1, datado de 23 de janeiro de 2024, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 358/21.8T8EPS-B.G1.S1, datado de 29 de novembro de 2022, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 142/14.5TBMTR.G1, datado de 26 de junho de 2017.

19. Todos eles foram julgados na jurisdição dos tribunais comuns.

20. A incompetência absoluta em razão de matéria foi analisada, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 29 de novembro de 2022.

21. Nesse processo, a exceção foi decidida em primeira instância, onde se decidiu pela competência dos tribunais comuns.

22. Também o STJ já decidiu no mesmo sentido, isto é, que a competência material para a presente ação é dos tribunais comuns.

23. Pelo que, não se verificando quando exceção de incompetência absoluta, nos termos e para os efeitos dos artigos 96.º do Código de Processo Civil, deve revogar-se a sentença em recurso.

24. Assim, o Tribunal a quo, ao sentenciar a incompetência absoluta em razão da matéria, violou as seguintes disposições legais – artigo 211.º, n.º 1, 212.º, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa, artigo 64.º do CPC, artigo 4.º, n.º 1 do ETAF e artigo 40.º n.º 1 da Lei N.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ).

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação, e ser revogada a sentença proferida, proferindo-se acórdão que declare a competência dos tribunais judiciais comuns em razão da matéria, com as legais consequências.

Assim fazendo esse Tribunal a costumada JUSTIÇA!»

Nas contra-alegações o Réu concluiu da seguinte forma:

«1. Os Autores alegam nas suas conclusões do recurso que o “Tribunal a quo, ao sentenciar a incompetência absoluta em razão da matéria, violou as seguintes disposições legais – artigo 211.º, n.º 1, 212.º, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa, artigo 64.º do CPC, artigo 4.º, n.º 1 do ETAF e artigo 40.º n.º 1 da Lei N.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ).” (conclusão 24 das Alegações);

2. E chegam a esta conclusão porque partem da premissa de que “Os Autores ao formular o pedido de reconhecimento de que determinado caminho é privado, e ainda que o demandado seja uma pessoa coletiva de direito público, estamos circunscritos a uma causa de pedir e pedido real, pedido, que em está em causa matéria exclusivamente de direito privado.” (conclusão 1 das Alegações);

3. Todavia, e salvo o devido respeito, os Autores nunca formularam tal pedido!!!

4. Pois, como consta da sua Petição Inicial e da aliás douta Sentença recorrida, o pedido que formularam foi o de “declaração de inexistência de dominialidade pública sobre o caminho”, (v. art. 1.º e pedido), em ação declarativa de simples apreciação negativa com processo comum;

5. Assim, o que os AA. intentaram foi a presente ação declarativa de simples apreciação negativa com processo comum, nos termos do art. 10.º, n.º 3 alínea a) in fine CPC, a qual tem por objeto: “a declaração de inexistência a dominialidade pública do leito de um caminho sito em freguesia de ..., concelho de Ourém…” dirigida contra o Município de Ourém, enquanto titular do domínio público municipal (cfr. art. 1.º PI);

6. Portanto, estamos perante uma situação distinta daquela em que um particular pede a um tribunal que outro particular reconheça que um caminho pertence ao domínio público (cfr. Acórdão do STA Tribunal de Conflitos de 07.07.2009, P. 08/09);

7. Ou daqueloutra situação em que está em “discussão a propriedade de um prédio, ou seja, saber se o prédio pertence à população [do Pereiro] ou ao domínio privado do Réu Município” (cfr. o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 2023-02-15, P. n.º 014/21);

8. Como se depreende do pedido e da causa de pedir a relação jurídica administrativa disputada é tipicamente de direito administrativo, porquanto respeita à existência da titularidade do domínio público no referido caminho;

9. Ainda para mais, os Autores propuseram tal pedido em sede de uma ação declarativa de simples apreciação negativa, a qual com a sua estrutura típica, em face ao pedido deduzido, implica necessariamente a discussão de factos e posições jurídicas enquadradas pelo Direito Administrativo, inelutavelmente, pois respeitam ao estatuto jurídico de um bem do domínio público!

10.Assim, a jurisdição comum é incompetente para o objeto da presente ação, por dele ser materialmente competente a jurisdição administrativa, pelo que não merece censura o julgamento da exceção de incompetência absoluta do tribunal, e a consequente absolvição do Réu Município da instância com as consequências legais (cfr. art. 212.º/3 CRP e art. 4.º/1 al. o) ETAF, conjugado com os arts. 64.º e 278.º/1 al. a) CPC);

Termos em que, com o douto suprimento do Venerando Tribunal da Relação de Évora, deve ser julgado improcedente o presente recurso, e mantida a sentença recorrida.»

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra.

2 – Objecto do recurso.

Questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso:

Saber se é o tribunal comum ou o administrativo o materialmente competente para julgar a acção onde (na sequência de um embargo de obra pelo município com base na classificação de um caminho como público) é pedido a declaração de inexistência de dominialidade pública desse caminho.

3 - Análise do recurso.

O recorrente insurge-se contra o entendimento da decisão que, julgou incompetente em razão da matéria, o tribunal comum, para apreciar uma acção contra o Município de Ourém, onde se pede a declaração da inexistência de dominialidade pública de um caminho.

Nos termos do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito da jurisdição previsto no artigo 4.º do ETAF:

Artigo 4.º

Âmbito da jurisdição

1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;

b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;

d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;

e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;

f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;

g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;

h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;

i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;

j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;

k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;

l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias;

m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;

n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;

o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores. (...).

Assim, o conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais” vem legalmente consagrado na alínea o) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), sendo certo que o n.º 1 deste artigo 4.º contém ainda uma série de alíneas nas quais se exemplificam situações abrangidas pelo âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, sempre com base no critério da relação jurídico-administrativa, considerado um conceito- quadro mais amplo, do que o estabelecido no regime anterior à reforma de 2002 (com entrada em vigor em 1.01.2004), estabelecendo agora que, todos os litígios que versam sobre uma relação administrativa que não seja expressamente atribuído por lei a outra jurisdição , caem no seu âmbito.

Donde, importa saber se o litígio que é trazido ao conhecimento do Tribunal é, enquadrável no conceito de relação jurídico-administrativa.

Vejamos:

Como sabemos, a competência em razão da matéria deve ser aferida de acordo com a configuração da acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, fixando-se no momento da propositura da acção (cf. artigo 5.º, n.º 1 do ETAF).

Numa síntese feliz, podemos ler no Acórdão do STA, de 28/10/2009, proc. 0484/09; “O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos. Em sentido subjetivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa coletiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objetivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter “administrativo” da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa.”

Ainda sobre o conceito, diz-nos J.C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 55/56: «na falta de clarificação legislativa do conceito constitucional de relação jurídica administrativa deve entender-se que tem o sentido tradicional de relação jurídica administrativa, correspondente a relação jurídica pública, “em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”. E continua, obra citada, 150: «(…) ao implicar a aplicação da cláusula geral, vai trazer para os tribunais administrativos a competência para conhecer da impugnação dos atos de qualificação dominial, que são atos administrativos, quer se trate de atos de classificação, quer de afetação (vide M. Caetano, Manual II, 8ª ed., pág. 850 e segs)., bem como as ações relativas a questões de delimitação do domínio público com outros domínios que são questões de direito administrativo. Na realidade sempre se entendeu que um dos privilégios inerentes à propriedade pública, em comparação com a propriedade privada, é o poder da Administração de delimitar unilateralmente o domínio público (M. Caetano, obra cit., pág. 856) (…). As razões de exclusão, no anterior ETAF, estavam ligadas à ideia de que tudo o que respeitava à propriedade devia ser julgado perante os tribunais judiciais, por desconfiança relativamente aos tribunais administrativos e pela pressuposição da limitação dos seus poderes; são por isso razões que deixaram de justificar o desvio relativamente ao critério substancial de definição do âmbito da jurisdição administrativa.” No mesmo sentido, Ana Raquel Gonçalves Moniz, em O domínio Público: o critério e o regime jurídico da dominialidade, Almedina, 2006, 531 e segs. e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira em CPTA e ETAF anotados, vol. I, Almedina, reimpressão da edição de Nov. de 2004, págs. 35/36.

Em suma: Cremos que a apreciação de litígios que envolvam uma entidade pública, no exercício de poderes públicos, e em que esteja em causa a qualificação de bens como pertencentes ao domínio público e actos de delimitação destes, com bens de outra natureza, mostra-se actualmente incluída no âmbito da jurisdição administrativa.

Aliás como se lê no Ac. Tribunal de Conflitos Lisboa de 22 de Novembro de 2023, Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza: « Aliás, diríamos que é esse o seu campo próprio, atento a natureza pública do bem objecto dessa relação jurídica e o consequente estatuto de direito público (administrativo) desse bem, também denominado «estatuto de dominialidade».

Portanto, se bem que tais questões não estejam expressamente referidas no nº1 do artº4º do ETAF, o certo é que deixaram de integrar as alíneas deste preceito que respeitam à delimitação negativa da jurisdição e que integram os seus nº2 e 3.

E não existindo, hoje, qualquer outra norma que as exclua do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, elas cairão, necessariamente, no âmbito da cláusula geral do artº1º nº1 do ETAF, verificados os demais pressupostos da relação jurídica administrativa.»

Pois bem, no nosso caso, está em causa, a reação a um acto administrativo de embargo de obra, por construção de um muro de vedação, que segundo o Município põe em causa um caminho que, o município considera comum, no exercício de um poder público, a que o Município está vinculado, consubstanciado no dever de verificação da conformidade das obras dos particulares aos interesses comuns, as quais integram o domínio público do Estado, situação que indicia um litígio tangente a uma relação jurídica administrativa.

A situação envolve uma entidade pública, no exercício de poderes públicos (exercício do ius auctoritas e o poder discricionário que caracterizam a gestão pública correspondente aos embargos) e versa sobre a qualificação de um bem alegadamente pertencente ao domínio público.

Significa isto, pois, que o litígio em discussão nos presentes passará por apreciar e decidir se a ocupação do Arruamento pelos AA. é ou não abusiva, invadindo a afetação pública e o interesse público subjacente à dominialidade.

Tanto basta, para, como supra referimos, concluir pela competência dos tribunais administrativos.

E nem se diga como fazem os recorrentes que esta situação apenas por ser uma acção de simples apreciação negativa – se distingue daquela em que se pede o reconhecimento de que um caminho pertence ao domínio público. Independentemente da forma como é posta a acção – simples apreciação negativa o de condenação – a questão a analisar é no essencial coincidente.

Em suma:

Acompanhamos deste modo a decisão recorrida, ao concluir que os tribunais comuns são incompetentes, em razão da matéria, para o julgamento da presente ação, cabendo aquela competência aos tribunais administrativos.

Improcedem assim todas as conclusões em sentido contrário da recorrente, sendo de manter a decisão recorrida.

Sumário:

(…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente -artigo 527.º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil.

Elisabete Valente

António Marques da Silva

Filipe Aveiro Marques