Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | SUSANA FERRÃO DA COSTA CABRAL | ||
| Descritores: | CABEÇA DE CASAL REMUNERAÇÃO TRÂNSITO EM JULGADO | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário:
O despacho que aprecia e decide que o cabeça de casal, pelo exercício das suas funções, tem direito a uma remuneração fixa e a uma remuneração variável correspondente a 7% dos rendimentos da herança, não sendo impugnado, transita em julgado e torna-se imutável quanto às questões aí decididas. Por conseguinte, não é possível reapreciar o direito do cabeça de casal a receber tais remunerações, nem no despacho que concretiza o valor dos 7%, nem no recurso deste despacho. | ||
| Decisão Texto Integral: | 134/13.1TBSRP-N.E1
* * Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, 1. Relatório: No presente inventário, instaurado por óbito de AA, os interessados BB e CC interpuseram recurso do despacho proferido a 09-05-2025 (Ref. citius 353521025). O despacho recorrido decidiu que conforme referido no despacho de 25-09-2024 a remuneração do cabeça de casal previa uma remuneração variável correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança, sem prejuízo de acerto proporcional ao exercício de funções pelo cabeça de casal por período inferior a uma no, calaculado a essa mesma taxa, pelo que considerando o valor das receitas referentes ao período de funções do cabeça de casal, este deveria ser pago a título de remuneração variável no montante de 5877,30€, acrescido de IVA à taxa legal e autorizou o levantamento de tal montante. O recurso interposto pelos Recorrentes termina com as seguintes “CONCLUSÕES”: A. Em 19/6/2022, no seguimento do despacho que faz fls 19/6/2022 (Refª 32707457) para que fosse nomeado um terceiro para o exercício das funções de cabeça de casal, devia a secção indicar um administrador judicial que manifestasse a sua concordância para o exercício de tais funções, contra o pagamento de uma remuneração anual de €2.000,00 – o que foi feito, pela secção de processos. B. Após, devia a secção notificar os interessados, tendo logo ali ficado consignando que o silêncio dos interessados, seria interpretado como aceitação da pessoa que viesse a ser indicada – o que aconteceu, com a indicação pela secção do Dr. DD. C. Como decorre de forma clara e inequívoca do referido despacho, as funções de cabeça de casal a desempenhar pelo Dr. DD, tinham unicamente como contrapartida o pagamento de uma remuneração anual de 2.000,00€ e nada mais. D. Inexiste qualquer direito do Dr. DD, quanto à remuneração variável no montante de 5.877,30€, acrescido de IVA à taxa legal, que, diga-se, lhe foi atribuída indevidamente pelo tribunal “a quo”. E. Com efeito, o Dr. DD, não tem direito a receber pelo exercício das suas funções, qualquer remuneração variável correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança. F. Acresce que, a remuneração do cabeça-de-casal que havia sido acordada pelos interessados aquando da nomeação para o cargo do Dr. EE, não é aqui aplicável, nem o Dr. DD, sucede na posição. O ali acordado pelos interessados a propósito da remuneração a pagar ao Dr. EE, nem o demais ali acordado pelos interessados relacionado com tal nomeação e remuneração do Dr. EE, é transmissível para a pessoa do Dr. DD G. A remuneração devida ao cabeça de casal Dr. DD, assenta no douto despacho de 19/6/2022 (Refª 32707457), donde de forma clara e inequívoca decorre que a remuneração da pessoa (terceiro) que viesse e ser indicada pela secção, para o exercício do cargo, o que aconteceu na pessoa do Dr. DD, tinha como contrapartida o pagamento/recebimento da remuneração anual de 2.000,00€. H. Destarte, ao contrário do que foi decidido no despacho recorrido, inexiste qualquer direito do Dr. DD, a receber qualquer remuneração variável, correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança. * Não foram apresentadas contra-alegações. Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * Questão a decidir: Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos dos artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso importa apreciar e decidir se é devida ao cabeça de casal - um terceiro ao processo de inventário, nomeado pelo Tribunal, com o acordo dos interessados - para além da remuneração fixa, uma remuneração variável, correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança. * 2. Fundamentação 1. Fundamentação de facto: São relevantes os seguintes factos, que resultam do despacho recorrido e da consulta dos autos: 1. Na ata de audiência de interessados, com nomeação e compromisso de honra de cabeça de casal, datada de 15-03-2017, foi por todos os interessados acordado: - a nomeação do Dr. EE como cabeça de casal. - com a concordância deste, a sua remuneração, a suportar pelos rendimentos da herança, da seguinte forma: 1- Remuneração fixa no valor de € 2000,00, a título de honorários, a qual será paga com a nomeação; 2- Entrega de uma provisão para despesas, no montante € 500, 00, a qual será paga com a nomeação; 3- Remuneração variável correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança, sem prejuízo de acerto proporcional ao exercício de funções pelo cabeça de casal por período inferior a um ano, calculado a essa mesma taxa. A taxa de remuneração variável poderá ser revista pelos interessados, a pedido do cabeça de casal nomeado, em função do trabalho a realizar. 2. Por despacho de 19-06-2022 o Tribunal julgou procedente o pedido de escusa do dr. EE e determinou que, atendendo ao litigio existente entre as partes que inviabilizava o exercício do cabecelato por qualquer Interessado e visto que todos manifestaram o seu acordo para que fosse terceiro a exercer tais funções, a secção indicasse administrador judicial que manifestasse a sua concordância ao exercício de tais funções nestes autos, contra o pagamento de uma remuneração anual de €2.000,00. 3. Em 12-07-2022, a secção de processos, indicou o Dr. DD, que aceitou o cargo, o que não teve oposição dos interessados, 4. O cabeça-de-casal DD foi nomeado no dia 28-03-2023 (ref.ª citius: 33386106). 5. Por requerimento de 31-05-2024 (ref.ª citius: 2765520), o cabeça de casal peticionou que o Tribunal autorizasse o levantamento da conta bancária da herança das remunerações fixa e variável anuais acordadas, acrescidas de IVA à taxa legal. 6. Em sede de contraditório, o interessado/recorrente BB (ref. 2789297) sustentou que o cabeça de casal apenas tinha direito a uma remuneração fixa anual de 2.000,00€ e que, independentemente deste pagamento, deveria prestar contas anualmente. 7. Foi então decidido, por despacho proferido a 25-09-2024 (ref.ª citius: 34734620), que: “ (…) tal dever (de prestar contas) não depende do pagamento de qualquer remuneração ao cabeça de casal, cargo este que, aliás, em regra, é gratuito – cfr. artigo 2094.º do Código Civil. No entanto, após despacho de 19-06-2022 (ref.ª citius: 32707457), foi fixado um acréscimo na sua remuneração no valor anual de 2.000,00€ com início no ano de 2018, tendo, atualmente, o cabeça de casal direito 2.000,00€ anuais e, ainda, ao valor da remuneração variável correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança fixado na diligência de 15-03-2017. Desta forma, autoriza-se o cabeça de casal a proceder ao levantamento do montante de 2.000,00€ da conta bancária da herança, correspondente à sua remuneração anual fixa, não se autorizando, para já, o levantamento do valor da remuneração variável, porquanto tal dependerá da realização da prestação de contas onde serão indicados os rendimentos anuais da herança a ter em consideração para fixar tal remuneração.”. 8. Os interessados e o cabeça de casal foram notificados deste despacho e nada disseram. 9. Por sentença proferida a 10-03-2025 foram dadas como provadas as seguintes receitas, posteriores à nomeação do cabeça-de-casal: ⎯ 10.000,00€, a título de venda de cortiça (sinal); ⎯ 58.020,00€, a título de venda de cortiça (remanescente); ⎯ 139,56€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 1.957,65€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 4.062,37€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 3.388,85€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 345,47€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 4.867,20€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 1.180,27€, a título de subsídios IFAP; Sendo as seguintes receitas anteriores à referida nomeação: ⎯ 208,05€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 1.336,16€, a título de subsídios IFAP; ⎯ 1.077,92, a título de subsídios IFAP; ⎯ 6.944,43€, a título de subsídios IFAP; * 2.2. Apreciação do recurso: No despacho recorrido o Tribunal considerou que, conforme despacho de 25-09-2024, o cabeça de casal tinha direito a receber “uma remuneração variável correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança, sem prejuízo de acerto proporcional ao exercício de funções pelo cabeça de casal por período inferior a um ano, calculado a essa mesma taxa”, pelo que, atendendo a que as receitas a considerar – referentes ao período de exercício de funções do cabeça-de-casal – perfaziam um total de 83.961,37€, fixou a título de remuneração variável o montante de 5.877,30€, acrescido de IVA e autorizou o cabeça de casal a levantar o referido valor da conta bancária da herança. Os Recorrentes pretendem a revogação deste despacho, sustentando que: • a remuneração variável foi acordada entre os interessados aquando da nomeação do dr. EE e apenas para este, no contexto que então se apresentava; • o acordado quanto à remuneração do dr. EE não se transmitiu, nem é transmissível ao dr. DD; • a única remuneração devida ao dr. DD, pelo exercício de funções de cabeça de casal é a remuneração anual de € 2000,00, fixada no despacho de 19/06/2022, valor que este aceitou para exercer o cargo. Não assiste razão aos recorrentes. A questão do direito à remuneração variável do dr. DD pelo exercício de funções de cabeça de casal foi expressamente apreciada e decidida no despacho de 25-09-2024, proferido na sequência do requerimento apresentado pelo cabeça de casal de 31-05-2024 e após pronúncia dos interessados, designadamente do Recorrente. Neste despacho de 25-09-2024, o Tribunal decidiu que o cabeça de casal tinha direito a: “2.000,00€ anuais e, ainda, ao valor da remuneração variável correspondente a 7% dos rendimentos anuais da herança fixado na diligência de 15-03-2017.”. No despacho agora recorrido, o Mmo. Juiz reconheceu o assim decidido e limitou-se a aplicar a percentagem já definida para a retribuição variável devida ao cabeça de casal, calculando com base nas receitas apuradas a remuneração variável, e a autorizar o levantamento do valor assim apurado. Este despacho nada decidiu sobre a existência do direito à remuneração variável, mas apenas deu execução ao já decidido no despacho de 25-09-2024. E assim tinha de ser. Com efeito, nos termos do artigo 613.º, n.º 1 e 3 do CPC, proferida decisão sobre determinada questão no processo, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa. Por outro lado, a decisão que apreciou o direito à remuneração variável foi a decisão de 25-09-2024, à qual os interessados não reagiram e que, por isso, transitou em julgado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 628.º do CPC. A decisão sobre se é devida a remuneração variável tornou-se, por isso, imutável. Como refere o Prof. Rui Pinto in Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias1 – “Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais. Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão. No entanto, se o conteúdo da decisão é inalterável quanto ao órgão que a produziu, apenas o será para as demais instâncias, quando sobrevier o trânsito em julgado, nos termos do artigo 628.º. Aí, a decisão alcança um segundo nível de estabilidade alargada, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (cf. artigo 620.º), ou mesmo fora dele, perante outros tribunais (cf. artigo 619.º).”. Em suma, o direito do cabeça de casal a receber uma remuneração variável, para além da remuneração fixa, foi decidido pelo Tribunal no despacho de 25-09-2024, não podendo agora o recorrente pretender reabrir uma questão já definitivamente decidida e que não impugnou no momento próprio. No limite, os Recorrentes poderiam discutir o montante da remuneração variável, mas não a existência do direito, que se encontra consolidada pelo caso julgado. O argumento dos recorrentes de que no despacho de 19-06-2022 já o Tribunal tinha determinado que só era devida a remuneração (fixa) anual de €2.000,00, não procede. Primeiro, porque o facto de o Tribunal propor uma remuneração fixa não impedia que fosse, após, também fixada uma remuneração variável, o que aliás sucedeu na sequência de um requerimento do próprio cabeça de casal. Segundo, porque a decisão posterior de 25-09-2024 é que se debruçou expressamente e determinou a existência e extensão da remuneração variável, a este cabeça de casal. Finalmente, mal se compreenderia que, no mesmo inventário, para o exercício das mesmas funções, se aplicassem critérios remuneratórios distintos, sem qualquer fundamento objetivo. Concluindo, improcedem totalmente os argumentos invocados pelos recorrentes para abalar o despacho recorrido que se limitou a executar um despacho anterior que determinou o pagamento ao cabeça de casal quer de uma remuneração fixa, quer de uma remuneração variável e que adquiriu força de caso julgado, tendo criado na esfera jurídica do cabeça de casal o direito à remuneração variável. Por todo o exposto, improcede o recurso, confirmando-se a decisão proferida. * Vencidos no recurso deverão os recorrentes suportar as custas do mesmo (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, do Código de Processo Civil). * 3. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção deste Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes. • Registe e notifique. * Évora, 10 de dezembro de 2025 Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora) Manuel Bargado (1.ª Adjunto) Sónia Moura (2.º Adjunta)
_________________________________________ 1. Revista Julgar On line, novembro de 2018, pág. 3 acessível em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf↩︎ |