Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | PAULO AMARAL | ||
| Descritores: | DANOS MORAIS INDEPENDÊNCIA DOS TRIBUNAIS | ||
| Data do Acordão: | 04/15/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | O facto de ter sido arbitrada, por danos morais, uma indemnização de 100 num caso não proíbe que seja arbitrada uma indemnização de 150 num caso de menor gravidade; os valores arbitrados não são vinculantes e não impedem que um tribunal fixe um valor superior àqueles, não havendo tabelas nesta matéria. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 162/19.3T8VRS.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora (…) propôs a presente ação declarativa com processo comum, emergente de acidente de viação, contra “(…) – Companhia de Seguros, S.A.” pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe € 41.944,53, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 16 de Julho de 2018 até efetivo e integral pagamento. Alegou, para tanto, que foi vítima de um acidente de viação causado por um condutor de um veículo segura na Ré. * A R. contestou defendendo a improcedência da acção.* O processo seguiu os seus termos e, depois da audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte:Julga-se a ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e, em consequência: A) Decido condenar a ré/seguradora no pagamento ao autor da quantia total de € 15.944,53 (quinze mil, novecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), discriminada da seguinte forma: i. A quantia de € 144,53 (cento e quarenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais, sobre a qual se vencerão juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; ii. A quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, a título de danos corporais; iii. A quantia de € 800,00 (oitocentos euros), a título de danos não patrimoniais, pela perda do direito ao gozo das suas férias; iv. Sobre as quantias referidas em ii. e iii. vencer-se-ão juros, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento; B) Absolver a ré do demais peticionado. * Desta sentença recorre a R. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.* O A. contra-alegou e recorreu subordinadamente. Neste defendeu a condenação da R. no pagamento de uma indemnização por danos morais no valor de € 40.000,00.* A R. contra-alegou neste recurso defendendo a sua improcedência.* A R. defende que a prova produzida nos presentes autos impõe que a matéria de facto constante do ponto 23. e parcialmente do ponto 29. seja eliminada da matéria de facto “provada” e dada como “não provada”.São estes os factos em questão: 23. O tratamento no Hospital de Faro prolongou-se do dia 26.04.2017 até à noite do dia 27.04.2017. 29. Na sequência do sinistro, por causa das lesões sofridas e pelo período de 2 (dois) meses, o autor ficou limitado no exercício das suas tarefas diárias e de higiene e de exercer as suas atividades desportivas, como andar de bicicleta, nadar ou jogar futebol. Em relação ao primeiro ponto, cremos que a posição da recorrente não é a de dar todo o facto 23 por não provado. Com efeito, a sua posição baseia-se no documento emitido pelo Hospital de Faro (que foi junto com a p.i.) onde consta que o A. foi admitido às 15h24m do dia 26 de Abril de 2017 e teve alta às 22h41m do mesmo dia. Ou seja, a ser procedente esta impugnação, não nos parece que ela implique que se dê tal facto, na sua totalidade, como não provado mas sim provado com diferente conteúdo. Tendo isto em mente, não há dúvidas que o documento hospitalar refere aqueles momentos como sendo o da admissão e o da alta. Por outro lado, este facto tal como foi dado por provado foi alegado no art.º 16.º da p.i. sendo certo que ele foi expressamente impugnado nos art.ºs 43.º a 45.º da contestação. Por este motivo, não se podia dá-lo por provado com base em acordo das partes. Além do documento, temos o depoimento do próprio A. que confirma que teve alta no mesmo dia (mesmo que já durante a noite) do acidente; ou seja, não ficou de um de dia para o outro. Aliás, é bem possível que o alegado no citado art.º 16.º seja um lapso, fruto, eventualmente, de uma incorrecta leitura do relatório da urgência. Assim, altera-se o facto n.º 23 no sentido defendido pela recorrente. * Quanto ao outro ponto, a recorrente defende que a sua redação deve ser esta:«Na sequência do sinistro, por causa das lesões sofridas e pelo período de 2 (dois) meses, o autor ficou limitado no exercício das suas tarefas diárias e de exercer as suas atividades desportivas, como andar de bicicleta, nadar ou jogar futebol». Apenas se quer que se retire a referência às tarefas de higiene. Também aqui o depoimento do A. se revela importante uma vez que ele próprio afirma que teve dificuldades mas só nos primeiros 10 dias depois do acidente. Como nota a recorrente, «uma coisa são as limitações (e sua previsível duração) que as testemunhas-médicas entendem como razoável em face das lesões do Autor, outra muito distinta – e que para aqui interessa – é, efectivamente, que limitações é que o Autor sentiu e durante quanto tempo». Assim, é procedente esta impugnação. * A matéria de facto (com as alterações decorrentes do exposto) é a seguinte:1. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula (…) mostra-se transferida para a ré seguradora através da apólice n.º (…). 2. No dia 26 de abril de 2017 o autor encontrava-se em Portugal na companhia da sua esposa (…), no gozo das suas férias anuais. 3. Nesse mesmo dia, pelas 14:40 horas, o autor e a sua esposa, circulavam de bicicleta, pela EN 125, no sentido Vila Real de Santo António/Altura. 4. No local por onde circulavam a EN 125 é constituída por duas faixas para cada sentido de transito, com traço descontínuo entre elas. 5. Após terminar a EN 125, o autor acedeu à rotunda, passando a circular nela pela faixa da direita, no espaço assinalado na via como sendo destinado à circulação de bicicletas. 6. O que fez com intenção de aceder à EN 122, em direção a Altura que correspondia à 3.ª saída da rotunda. 7. Enquanto a sua esposa circulava alguns metros mais atrás. 8. Na rotunda, apresentava-se o sinal B1, o que obrigava a ceder a passagem a todos os veículos que ali circulassem. 9. Entretanto, pela faixa da esquerda da EN 125, no mesmo sentido de trânsito, (…) conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a chapa de matrícula (…). 10. O qual lhe pertence. 11. Ao entrar na rotunda, o (…) passou a circular pela faixa interior da mesma. 12. O que fez com intenção de aceder à 2.ª saída da rotunda, seguindo em direção a Altura, pela EN 125. 13. O que fez a uma velocidade certamente superior à legalmente permitida para aquele local. 14. E sem atender aos outros utentes da via, nomeadamente o autor que já aí circulava e havia percorrido mais de metade da rotunda. 15. Ao aperceber-se da presença do veículo do autor, o condutor do veículo segurado na ré efetuou manobra de travagem, deixando rastos no asfalto com 13,60 m, com início na parte interior da rotunda e terminando junto ao início da 2.ª saída da rotunda. 16. Não conseguindo evitar a colisão, ao Km 150,8, com o espelho lateral direito do seu veículo na parte frontal esquerda do veículo conduzido pelo autor. 17. Quando o autor se encontrava a 3,7 m do início da berma do seu lado direito e a 4,3 m sinal J1, direção da via de saída (Olhão/Tavira), perto do início da 2.ª saída da rotunda, na faixa de rodagem mais à direita da mesma rotunda. 18. Nessa sequência, o autor perdeu o controle da sua bicicleta, e foi projetado pelo ar, indo cair, desamparado, no asfalto, com incidência do ombro e anca esquerdos. 19. Em virtude do impacto da colisão o espelho lateral do veículo seguro na ré se soltou. 20. O condutor da viatura segurada praticou todos os atos descritos supra de modo livre e conscientemente, bem sabendo da sua ilicitude, o que não o impediu de praticar esses factos. 21. O autor teve de ser transportado de ambulância para o hospital, primeiro o de Vila Real de Santo António, sendo posteriormente transferido dali para o Hospital de Faro (acordo). 22. Neste hospital foi-lhe diagnosticada uma fratura (fechada) da clavícula esquerda. 23. O tratamento no Hospital de Faro prolongou-se do dia 26.04.2017 até à noite do mesmo dia 26.04.2017. 24. Na sequência do sinistro, o autor viu as suas férias em Portugal serem interrompidas. 25. Regressando logo que foi possível à Alemanha com a sua companheira, a (…). 26. Onde a partir de 15.05.2017 prosseguiu o tratamento dos ferimentos sofridos, na Orthopaedicum Paderborn (Clínica da Ortopedia) em Paderborn, Alemanha, onde lhe foram diagnosticados: - fratura da clavícula esquerda; - fratura da 7. costela esquerda, com contusão do tórax; - contusão da coluna vertebral; e, - hematoma no flanco esquerdo. 27. O tratamento posterior esteve a cargo do médico Dr. (…). 28. Segundo o seu atestado médico datado de 07.08.2017 o Dr. (…) tratou o Autor nas seguintes datas : 15.05.2017, 06.06.2017, 21.07.2017, de 24.07. – 07.08.2017 diariamente, a 08.08.2017 e a 16.11.2017. 29. Na sequência do sinistro, por causa das lesões sofridas e pelo período de 2 (dois) meses, o autor ficou limitado no exercício das suas tarefas diárias e de exercer as suas atividades desportivas, como andar de bicicleta, nadar ou jogar futebol; 30. Com restrições de movimento do ombro. 31. E dificuldades em levantar ou carregar pesos e dores. 32. Em consequência das suas lesões, decorrentes do sinistro em causa, o autor ficará a padecer de um encurtamento de 3 cm do ombro esquerdo e artrose na articulação do ombro e desenvolvimento de pseudoartrose. 33. Em virtude dessas sequelas o autor ficará a padecer de dificuldade em levantar pesos. 34. E, ocasionalmente, dores e sensibilidade na zona da lesão. 35. Como consequência da lesão, o autor teve de suportar os seguintes custos emergentes do sinistro em causa: a) custo do relatório do Dr. (…) de 23.06.2017, no valor de € 47,22 (quarenta e sete euros e vinte e dois cêntimos); b) custo do relatório do Dr. (…) de 09.02.2018, no valor de € 30,00 (trinta euros); c) custo da participação de acidente da GNR, no valor de € 67,31 (sessenta e sete euros e trinta e um cêntimo). 36. Através de firma de advogados, o autor enviou missiva à ré, datada de 27 de junho de 2018, peticionando uma indemnização no valor total de € 9.944,53 (nove mil, novecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), fixando um prazo para o efeito até 15 de julho de 2018. 37. Em resposta, a ré declinou assumir qualquer responsabilidade do seu segurado pelo sinistro. * Em relação à matéria de Direito, o que está em discussão é o montante de € 15.000,00 por danos não patrimoniais, que foi a indemnização fixada na sentença.Defende a R. que este valor e demasiado, que é superior ao devido. Por seu turno, o A., no seu recurso subordinado, defende que a indemnização fixada é miserabilista; a isto a R. responde no essencial com a argumentação já expendida no seu recurso de apelação. * Começaremos por arredar um argumento apresentado pela R.. Esta alega que, «caso tivesse sido realizada a dita operação, os (poucos) danos permanentes que resultaram provados nem sequer existiriam».Isto porque foi dito em julgamento que se o A. tivesse sido operado logo, a fractura não se manteria. Esgrima a este respeito com o facto de o A. não ter requerido a realização de prova pericial, sendo que esta é o único meio de prova que permite «garantir a isenção e exactidão necessárias, ao mesmo tempo que fornece ao Julgador elementos (quase matemáticos) para uma decisão que se quer justa e adequada». O tribunal, precisamente por causa disto (cfr. p. 6 da sentença), baseou-se na prova testemunhal, isto é, nos depoimentos dos médicos que assistiram o A. no serviço de urgência, bem como no depoimento do médico que acompanhou o A. já na Alemanha. Sendo o valor probatório destes dois meios de prova igual (nos termos dos artigos 396.º e 389.º, ambos do Cód. Civil), cremos que o argumento em nada altera os dados da questão. Por isso, daqui não podemos retirar qualquer conclusão quanto aos danos indemnizáveis, designadamente, quanto à sua menor relevância. * A sentença recorrida citou diversos casos decididos pela jurisprudência.Reproduzimos por nos parecer útil para melhor ter em conta as posições das partes nesta matéria: «Ac. do STJ de 18-09-2012, em que é relator Azevedo Ramos entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 41 anos de idade à data do acidente, ficou com uma IPP equivalente a 2%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando algum esforço suplementar, sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7, teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto; «Ac. do STJ de 28-06-2012, em que é relator Sérgio Poças, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 46 anos de idade à data do acidente, foi sujeita a internamentos hospitalares com exames médicos, passou a apresentar dificuldades de flexão e extensão da coluna e rigidez do ombro esquerdo com abdução a 90º, esteve cerca de um mês impedida de fazer a sua vida diária e profissional, sofre um quantum doloris de grau 2 e IPP de 6 pontos, deixou de fazer caminhadas e cultivo do campo e sente frustração, passando a ser ríspida com os familiares; «Ac. TRG, de 10-07-2018, em que é relatora Eugénia Cunha, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 71 anos de idade à data do acidente. Após o embate foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical e onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias. Regressou novamente à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio. E aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas. Viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar. No momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um enorme susto. A data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28-08-2013.Em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo). As lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 103 dias. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual. E sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa escala de 1/7; «Ac. TRE, de 17-11-2016, em que é relatora Florbela Moreira Lança, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado que sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9.º arco costal direito, recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores. Na recuperação das lesões efetuou 30 sessões de fisioterapia. Sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7. Passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol. Terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia. Na sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas; «Ac. TRG, de 11-05-2010, em que é relator Henrique Andrade, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 7.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 61 anos à data do acidente, que sofreu, em consequência do acidente, vários ferimentos na cabeça, fratura da bacia, traumatismo da anca direita e fratura dos ramos isqui-ileopúbicos direitos; por via dessas lesões, passou a sofrer dores, passando a tomar medicamentos para lhe atenuar essas dores; esteve internado no serviço de ortopedia do Hospital de Braga entre 22-11-2006 e 30-11-2006; regressou então a casa onde ficou acamado, praticamente imóvel, por causa das dores intensas na bacia; viu-se obrigado a andar de muletas durante dois meses; desde a data do acidente que jamais deixou de ter dores na bacia, que o incomodam e obrigam a tomar medicação para tolerar essas dores; tem, por via dessa lesão na bacia, dificuldades em arranjar posição para dormir; o que lhe afeta negativamente o sono, o descanso e o lazer; no momento do acidente o Autor passou por enorme pânico e teve medo de morrer e, nos meses que se lhe seguiram, sofreu dores intensas, angústias, temores e medos, a que acrescem dores por que passa e só consegue atenuar com medicação; foi-lhe atribuída uma I.P.G. de 2% e um quantum doloris de grau 4, na escala de 0 a 7». * Não podemos deixar de concordar com a R..Em todos os casos citados, os danos são bem maiores que os sofridos pelo A. no acidente que aqui se discute. Estamos a falar de perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical; sujeição a internamentos hospitalares com exames médicos, dificuldades de flexão e extensão da coluna e rigidez do ombro esquerdo com abdução a 90º, cerca de um mês impedido de fazer a sua vida diária e profissional; internamentos sucessivos, etc., etc.. Em nenhum destes casos foi fixada uma indemnização de montante superior a € 10.000,00. Tudo isto é bem diferente do que se passa no nosso caso. Escreve a R. a este propósito: «O Autor tem actualmente sessenta e sete anos de idade (e, portanto, à data do acidente, tinha sessenta e quatro anos). «O Autor é reformado e já o era à data do acidente. «O acidente não implicou qualquer período de internamento do Autor, pois o Autor teve alta médica no próprio dia do acidente. «As lesões do Autor não implicaram também que este ficasse totalmente dependente da ajuda de terceiros (cfr. alínea d) dos factos não provados). «O Autor sempre conseguiu tomar duche e fazer sozinho a sua higiene diária, sem necessidade de ajuda de terceiros. «O Autor apenas precisou de ajuda para se vestir e despir nos primeiros dez dias. «O Autor não precisou de fazer qualquer medicação especial. «O Autor não foi submetido a qualquer intervenção cirúrgica. «O Autor, conforme referiu em sede de declarações de parte, cerca de duas semanas após o acidente, conseguiu conduzir a sua caravana, durante sete dias, na viagem de regresso à Alemanha (não obstante alegar dores fortíssimas). «O único dano permanente que resultou do acidente para o Autor foi o encurtamento de três centímetros do ombro esquerdo e artrose na articulação do ombro e desenvolvimento de pseudoartrose. «A única consequência adveniente dos referidos danos permanentes é a dificuldade do Autor em levantar pesos e, ocasionalmente, dores e sensibilidade na zona da lesão». Resumindo, o A. sofreu um dia no hospital, no serviço de urgência; pelo período de 2 meses, autor ficou limitado no exercício das suas tarefas diárias e de exercer as suas atividades desportivas, como andar de bicicleta, nadar ou jogar futebol, com restrições de movimento do ombro e dificuldades em levantar ou carregar pesos e dores. Em consequência das suas lesões, decorrentes do sinistro em causa, o autor ficará a padecer de um encurtamento de 3 cm do ombro esquerdo e artrose na articulação do ombro e desenvolvimento de pseudoartrose. Por causa disto o autor ficará a padecer de dificuldade em levantar pesos. E, ocasionalmente, dores e sensibilidade na zona da lesão. Ponderados os diversos casos (incluindo o nosso), e uma vez que foram eles que fundamentaram a decisão recorrida, temos de perguntar: como se pode fixar uma indemnização de € 15.000,00 por danos morais ao A.? É notório que as suas lesões e os seus padecimentos são francamente inferiores aos sofridos pelas vítimas dos acidentes descritos naqueles acórdãos. Podemos afirmar, para que não haja lugar a dúvidas, que não há qualquer semelhança, ao nível dos danos, entre o nosso caso e os outros. Por isso, também não temos dúvidas em afirmar que a indemnização deve ser fixada em montante inferior (o que vale dizer que o A. não tem nenhuma razão no seu recurso subordinado). * A R. invoca o art.º 8.º, n.º 3, Cód. Civil (nos termos do qual, o «julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito») para afirmar que é «por demais evidente que, em obediência ao disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, ao caso vertente deveria ter sido arbitrada uma indemnização substancialmente inferior à que foi arbitrada pelo Tribunal da Relação de Évora no acórdão acima citado».Não é bem assim. Admitimos sem esforço (o que resulta já do que antecede) que, perante o conjunto de casos que o tribunal recorrido teve presente para a decisão, o valor da indemnização não é coerente com os ditos casos. Seguindo-se a valoração tomada sobre cada um deles, nunca o resultado seria o que foi. Mas isto só quer dizer que o valor achado está errado no âmbito dos casos apontados e tomando estes como referências vinculativas. Mas nada impede que os € 15.000,00 sejam a indemnização justa, a devida. Com efeito, levar o argumento da R. até às últimas consequências (com o objectivo «de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito») implica um esvaziar da independência do juiz, de cada juiz. As orientações jurisprudenciais sobre determinadas matérias não impedem que outros tribunais (ou até o mesmo tribunal) tomem decisão diferente em casos análogos (cfr. Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 10.ª ed, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 311-313) nem impede que um juiz, nem que seja só um, também tome uma decisão discordante da orientação jurisprudencial dominante, sob pena de a sua independência decisória ser gravemente coartada (veja-se o exemplo descrito por Castro Mendes em «Nótula sobre o artigo 208.º da Constituição Independência dos juízes», in Estudos Sobre a Constituição, vol. III, Liv. Petrony, Lisboa, 1979, p. 658). E se isto é assim para questões de ordem geral, por maioria de razão será para decisões concretíssimas como são as que aqui tratamos. O facto de ter sido arbitrada uma indemnização de 100 num caso não proíbe que seja arbitrada uma indemnização de 150 num caso de menor gravidade. Os valores arbitrados não são vinculantes e não impedem que um tribunal fixe um valor superior àqueles. Não há tabelas nesta matéria. Ponto é que haja um mínimo de compatibilidade entre os critérios e valores habituais na jurisprudência e os novos casos que vão surgindo. Daí que entendamos que, perante o dano objectivamente apresentado pelo A., o valor indemnizatório fixado na sentença recorrida nos pareça superior ao devido. Optamos por o reduzir mas não em termos proporcionais (os tais critérios «quase matemáticos») em relação aos fixados noutras situações. Acrescentamos apenas que não podemos deixar de ter em conta que o acidente se deu num país estrangeiro, onde o A. estava a passar férias, o que causa sempre uma sensação de insegurança – o que, por si só, também é um dano. Assim, parece-nos justo o valor de € 10.000,00. * Pelo exposto:I- julga-se parcialmente procedente o recurso da R. em função do que se revoga a condenação no valor de € 15.000,00 pelos danos morais e antes se condena a R. no pagamento da indemnização, a este título, de € 10.00,00. II- julga-se improcedente o recurso do A.. III- No mais mantém-se a sentença recorrida. Custas do recurso da R. por esta e pelo A. em partes iguais. Custas do recurso do A. por este. Évora, 15 de Abril de 2021 Paulo Amaral Rosa Barroso Francisco Matos |