Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS DE CAMPOS LOBO | ||
Descritores: | DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO VALOR PROBATÓRIO | ||
Data do Acordão: | 05/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - Nada obsta a que o tribunal atenda/considere as declarações do coarguido, em momento de apreciação e ponderação da prova. II - Tem-se por pacífico que se vem aceitando que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de coarguido, sobre factos desfavoráveis a outro, sendo cristalino, pensa-se, que a lei não só não proíbe essa valoração como indica em vários preceitos que ela deve ocorrer – artigos 146º e 343º, nº 4, do C. P. Penal. III - Por outro lado, nota-se que da norma consagradora do impedimento dos coarguidos testemunharem - artigo 133º, nº 1, alínea a), do diploma em referência - não resulta a proibição de valoração, mas sim a proibição de aquisição do conhecimento probatório do coarguido, salvo no caso previsto no nº 2, na forma do testemunho. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1. No processo nº 601/22.6JALRA da Comarca de Santarém – Juízo Central Criminal de Santarém – Juiz 3, realizado o julgamento, foi proferido Acórdão, condenando, B, como coautor material, em concurso efetivo de 2.Inconformados com o decidido, recorreram ambos os arguidos questionando a decisão proferida, sendo que, em termos interlocutórios, foi igualmente interposto recurso pelo arguido A. 3.Na sequência de tal intento recursivo foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação, em 26 de setembro de 2023 – fls. 948 a 1006 – que conhecendo das questões suscitadas pelo arguido A - nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPPenal por não realização de acareação (recurso interlocutório); nulidade insanável por força de disposto nos artigos 119º a 122º do CPPenal decorrente da violação do plasmado no artigo 355º do CPPenal, face à não leitura / reprodução, em audiência, das declarações do coarguido; inconstitucionalidade da interpretação permitindo a valoração das declarações prestadas anteriormente por arguidos e coarguidos sem que a leitura seja admitida e reproduzida em audiência, violando o fixado nos artigos 355º, 356º, nº 9, 357º, nº e do CPPenal, 32º da CR e 6º da CEDH; nulidade do despacho de fls. 272 e 273 que determinou as buscas domiciliárias e não domiciliárias, face ao estatuído nos artigos 120º e 379º, nº1, alínea c) do CPPenal, determinando que toda a prova daqui decorrente seja prova proibida não passível de utilização de acordo com o disposto no artigo 126º do CPPenal; nulidade prevista no artigo 126º, nº 3 do CPPenal, decorrente da obtenção de prova mediante intromissão nas telecomunicações, decidiu: 4. Em cumprimento do determinado, o tribunal de 1ª instância, reabriu a audiência de discussão e julgamento onde foram reproduzidas as declarações prestadas pelo arguido B perante o Mmo. JIC, em 8 de julho de 2022, efetuou outras diligências que entendeu por pertinentes, após o que proferiu novo Acórdão que, como do mesmo transparece e se assume em despacho prévio, mantém (…) intacta a redação original na parte não alterada, mantendo também, ainda assim, todo o texto relativo às questões já analisadas e decididas no Acórdão deste Tribunal da Relação em 26 de setembro de 2023. 5. O arguido A, reagiu a este propalado pelo Tribunal a quo, interpondo recurso, o qual não foi admitido, por extemporâneo, por força do despacho com a Referência Citius 95527004 que, tendo sido objeto de Reclamação, foi mantido na sequência de decisão proferida neste Tribunal da Relação, em 19 de fevereiro de 2024 – Processo nº 601/22.6JALRA-D.E1 – e do Tribunal Constitucional, em 18 de março de 2024. 6. Ante todo este historial processual, importa assim repescar os articulados recursórios dos arguidos, sendo que relativamente ao arguido A, face ao já anteriormente decidido e definitivamente consolidado, apenas se reproduzem as conclusões relativas aos aspetos ainda em ponderação: (transcrição) i)Recurso do Acórdão – arguido A 7.O Digno Mº Pº, nas suas respostas aos recursos, opina em sede de conclusões: (transcrição) Resposta ao recurso do arguido A (Acórdão) * Por tudo o que vai exposto, consideramos que a decisão recorrida não violou as disposições legais e constitucionais invocadas pelo recorrente, nem tão pouco fez qualquer interpretação de normas em desconformidade com a constituição, ou aplicou normas inconstitucionais.Deve, pois, o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida. Contudo, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA. Resposta ao recurso do arguido B (Acórdão) * Por tudo o que vai exposto, consideramos que a decisão recorrida se mostra correta e acertada, e não violou qualquer das disposições legais invocadas pelo recorrente.Deve, pois, o recurso interposto pelo arguido ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida. Contudo, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA. 8. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal), oportunamente, emitiu parecer pronunciando-se nos seguintes termos: Tudo ponderado, somos de parecer que os recursos não devem obter provimento[1]. O arguido A, veio apresentar resposta, sufragando, no fundo, todo o seu anterior posicionamento. 9. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir, sempre consignando que, neste momento, apenas e só quanto às vertentes não tratadas anteriormente, por via do fixado Acórdão deste Tribunal, de 26 de setembro de 2023 – fls. 948 a 1006, 7º volume. II – Fundamentação 1.A decidir Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do mesmo complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95. 2. Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido considerou: (transcrição dos aspetos com pertinência para os pontos em discussão) i)Acórdão Factos provados e não provados * Parte III- (Apenso 5- 75/22.1GBVNO)16. No dia 7-3-2022, entre as 23h30 e as 03h45m, na Rua do Registo Civil, 5, em Fátima, os arguidos, em comunhão de esforços e vontades deslocaram-se junto da sede da Associação M, onde se encontra instalado um estabelecimento comercial de bebidas. 17. Ali, com recurso a uma chave de fendas, o arguido B forçou a abertura da porta de vidro de entrada, após o que, ambos os arguidos penetraram naquele local, 18. De seguida, percorreram as várias divisões do referido estabelecimento e apoderaram-se dos seguintes objetos: - Uma máquina de tabaco avaliada em €100,00, contendo 12 maços de tabaco no seu interior; - Uma caixa registadora no valor de €55,00 e contendo no seu interior a quantia de €120,00 em numerário; - Uma caixa de rebuçados Dr. Bayar no valor de €10,00; - Uma caixa de pastilhas, no valor de €5,00 - Uma caixa de isqueiros, no valor de €50,00 - 20 raquetes Pongori, no valor de €200,00 - 4 caixas de bolas tibar, no valor de €129,87 - Uma caixa de primeiros socorros, no valor de €40,00 - O veículo de matrícula (…..), de marca Toyota, modelo Hiace, propriedade daquela associação. 19. Para tanto, os arguidos acederam às chaves de acesso às referidas máquinas e veículo, que ali se encontravam guardadas num chaveiro, 20. Após, os arguidos abandonaram o local na posse do veículo da Associação e dos demais objetos, fazendo-os seus. 21. E transportaram todos estes bens e veículo para a residência do arguido A, localizada na rua (…..), onde o arguido B também pernoitava. 22. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de aceder ao interior do estabelecimento comercial da Associação M e daí retirar e fazer seus os objetos acima referidos, bem sabendo que os mesmos lhes não pertenciam. 23. Os arguidos conheciam as características do estabelecimento supra referido, bem sabendo que acediam ao seu interior danificando a porta de entrada, e que agiam contra a vontade do seu proprietário. * Parte IV (112/22.0PBTMR (601/22.6JALRA) e Apensos 1, 2 e 3)24. Entre o dia 7-3-2022, seguramente depois das 3h45, e a 1h00 do dia 21-3-2022, o arguido B, em comum acordo com o arguido A, retirou as chapas de matrícula que se encontravam nos veículos acima mencionados, em 4 e 18 supra, de marca Fiat e Toyota, propriedade de L e da Associação M, respetivamente. 25. E colocaram no: a. Veículo «Fiat», as chapas de matricula (…..), acima referidas em 10, pertença de N; e b. «Toyota Hiace» as chapas de matriculas (…..). 26. Na sequência de decisão que tomaram em conjunto, no dia 26/03/2022 pela 01H00, ao volante dos dois veículos, com as referidas matrículas apostas, os arguidos dirigiram-se à Rua 13 de fevereiro, na cidade de Tomar, aproximaram-se da viatura «Hyundai H100» com a matrícula (…..) pertencente a J, ali estacionada, 27. Ato contínuo, fazendo uso de ferramenta que transportavam consigo, retiraram as respetivas chapas de matrícula afixadas na frente e traseira da aludida viatura, apoderando-se das mesmas. 28. Dirigiram-se ainda à Rua Carlos Pereira, na cidade de Tomar, aproximaram-se da viatura «Fiat 199», com a matricula (…..), pertencente a V. 29. Ali, fazendo uso de ferramenta que transportavam consigo, retiraram as chapas de matrícula afixadas na frente e traseira desta viatura, apoderando-se das mesmas. 30. De seguida, dirigiram-se em conjunto até à Rua Rodrigues Simões, em Tomar e aproximaram-se da viatura «Ford Fiesta», com a matricula (…..), pertencente ao pai de R, D. 31. Ali, fazendo uso de uma máquina de aparafusar marca «Einhell» perfuraram o depósito de combustível deste veículo e pelo orifício retiraram do seu interior todo o combustível existente no depósito, apoderando-se do mesmo. 32. Nesta rua encontrava-se igualmente estacionada a viatura de matricula (…..) pertencente a E. 33. Ao avistarem a referida viatura, logo os arguidos decidiram retirar o combustível existente no seu depósito. 34. Assim, fazendo uso da máquina de aparafusar marca «Einhell» perfuraram o depósito de combustível deste veículo e pelo orifício começaram a retirar do seu interior o combustível existente no depósito, a fim de se apoderarem do mesmo. 35. No local compareceu uma brigada da PSP que intercetou os dois arguidos, quando se encontravam a retirar o combustível do interior do depósito desta viatura. 36. Na referida ocasião, no interior da viatura Toyota Hiace em que se fazia transportar o arguido B, os arguidos detinham uma espingarda de marca Sarsilmaz, modelo cobra, de calibre 12 GA, com o numero de série KB108049, com coronha baquelite, de percussão central, de 1 cano, de 7 tiros, com funcionamento de repetição, com depósito de carregamento, com um comprimento total de 47 cm, em razoável estado de conservação, apta a disparar, de municiamento posterior, que na altura continha 5 cartuchos de 12mm; 37. Os arguidos detinham ainda duas navalhas com lâminas de 8,5 cm e 7,2 cm; uma arma de alarme, três munições de arma de fogo marca Winchester, calibre 6,35mm, além de luvas e um gorro. 38. A referida arma de alarme pode ser convertida para disparar munições. 39. Os arguidos quiseram ter na sua posse a referida espingarda, a arma de alarme e as munições apreendidas, conhecendo as características das mesmas e estando cientes que não eram portadores de licença de uso e porte de arma, de qualquer classe. 40. Quiseram assim deter as referidas armas e munições, não obstante saberem que não estavam autorizados por lei a fazê-lo. 41. Os arguidos sabiam, ainda, que não podiam circular nas referidas viaturas com as matrículas dos veículos que não lhes pertenciam. 42. Quiseram, assim, ludibriar as autoridades, obtendo benefícios ilegítimos, colocando em causa a fé pública concedida àqueles documentos, 43. Os arguidos sabiam que os referidos veículos e matrículas não lhes pertenciam. 44. Atuaram com o propósito conjunto de integrar aquelas matrículas e combustível nos seus patrimónios, o que lograram alcançar quanto ao combustível do veículo (…..), só não conseguindo apoderar-se do combustível do veículo de matricula (…..) por terem sido intercetados pela PSP. 45. Os arguidos atuaram ainda contra a vontade dos proprietários dos respetivos veículos. * PARTE V- Apenso 7 - 216/22.9PAENT e NUIPC 223/22.1PAENT46. Em data não apurada entre 25/01/2022 e 10/04/2022, na sequência de plano previamente traçado entre ambos, o arguido A, solicitou ao arguido B que se dirigisse à habitação sita na Rua (…..), no Entroncamento e daí subtraísse as chaves do veículo (…..) e outros objetos de valor. 47. O arguido A conhecia o ofendido C e tinha acesso às chaves da referida habitação por manter uma relação com a ex-mulher daquele, L, partilhando a casa desta, onde residia igualmente o filho do ofendido. 48. Assim, de forma não apurada, o arguido A logrou entrar na posse da chave da habitação do ofendido C, após o que as entregou ao arguido B, indicando-lhe o local onde as chaves da viatura (…..) e os objetos em ouro se encontravam. 49. Na posse da chave da casa do ofendido, o arguido B utilizando-a, abriu a porta e acedeu ao seu interior. 50. Após dirigiu-se à cómoda existente no hall de entrada e daí retirou as chaves da viatura (…..9. 51. Em seguida, e cumprindo as indicações dadas pelo arguido A, o arguido B dirigiu-se à sala de estar, onde dentro de um baú subtraiu moedas de coleção – libras em ouro, de valor não concretamente apurado, mas superior a €102,00. 52. Assim, e já posse das chaves do veículo, entre as 23h55 do dia 8-5-2022 e as 8h00 do dia 9-5-2022, na Rua Nossa Senhora de Fátima, no Entroncamento, os arguidos abeiraram-se do referido veículo mercedes, modelo Citan, de matrícula (…..), avaliado em €19.000,00, cujo usufrutuário é C. 53. E, utilizando a chave da viatura que tinham na sua posse, abriram-no, ligaram o motor e transportaram-no para a residência do arguido A, localizada na rua (…..), na cidade do Entroncamento. 54. Com o que se assenhorearam do mesmo, fazendo-o seu. 55. Após o dia 27/06/2022, o arguido B transportou a viatura para a Travessa João Augusto da Rosa, no Bairro das Manteigueiras em Setúbal, local onde a parqueou e onde veio a ser recuperada no dia 07/07/2022, pelas 18h30m. 56. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intenções, com o propósito concretizado de fazer seus os objetos em ouro e as chaves do veículo existentes no interior da habitação do ofendido, conhecendo as características da habitação onde, de comum acordo e com conhecimento do arguido A, o arguido B se introduziu, bem sabendo que a mesma não lhes pertencia e que acediam ao seu interior contra a vontade do seu legítimo proprietário. 57. Os arguidos sabiam que o veículo tinha o referido valor, e que o mesmo não lhes pertencia. 58. Atuaram contra a vontade do referido dono do veículo e com o propósito conjunto de integrar o referido veículo, como integraram, nas suas esferas patrimoniais. * PARTE VI (Apenso 8 - 245/22.2PAENT)59. Entre as 19h30 do dia 28-5-2022 e as 15h15 do dia 30-5-2022, o arguido B deslocou-se junto da sede das instalações do Campo de Treinos e Arqueiros, da Associação CBE (casa do Benfica do Entroncamento), sita em Nossa Senhora de Fátima, com o intuito de aceder ao seu interior e fazer seus os bens de valor que aí encontrasse. 60. Ali, com recurso a uma chave de fendas e um ferro, o arguido B rebentou a abertura da porta da arrecadação ali existente, após o que se introduziu naquele local. 61. De seguida, o arguido percorreu as várias divisões daquelas instalações e apoderou-se de bestas, flechas, alvos e outros objetos relacionados com aquela atividade, nomeadamente: - Seis setas em madeira com bicos em metal, - Sete arcos e flecha em madeira de diversas marcas, estando um dentro de uma bolsa em tecido verde, - Dois arcos e flecha metálicos de cor preta, - Seis tubos próprios para acondicionar flechas, contendo no seu interior diversas flechas de vários tamanhos, cores e marcas, - Um suporte em madeira com pano branco para acondicionar flechas, - Sete bolsas de transporte de flechas, estando uma delas com cinturão tipo militar de cor verde, - Cinco luvas próprias para a prática de atirador de arco e flecha, - Quatro apoios de proteção de antebraço, para a prática de arco e flecha, - Uma bolsa de marca Skorpion para acondicionar uma besta, - Uma bolsa manufaturada própria para acondicionar arco e flecha com a inscrição “Benfica”, - Uma caixa tipo ferramentas contendo no interior diversos artigos de apoio à atividade de arco e flecha. 62. Tudo com o valor aproximado de €2500,00, e propriedade da referida associação. 63. Após, o arguido B telefonou ao arguido A pedindo-lhe que o fosse buscar ao local, ao que este acedeu, tendo dali saído na posse dos referidos objetos, fazendo-os seus. 64. Em seguida os arguidos transportaram todos os bens acima identificados para residência do arguido A, localizada na rua (…..), na cidade do Entroncamento. 65. O arguido B agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de aceder ao interior das instalações do Campo de Treinos e Arqueiros, da Associação CBE e daí retirar e fazer seus os objetos acima referidos, bem sabendo que os mesmos lhes não pertenciam. 66. O arguido conhecia as características do estabelecimento supra referido, bem sabendo que acedia ao seu interior danificando a porta de entrada, e que agia contra a vontade do seu proprietário. 67. O arguido A atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que os objetos que transportava para a sua habitação provinham da prática de um crime contra o património praticado pelo arguido B e que com a sua atuação assegurava a posse ilícita dos objetos para si e para o arguido B, o que quis e logrou alcançar. * PARTE VII (Das buscas)68. No dia 5-7-2022, pelas 9h00, na referida residência, num anexo, os arguidos tinham ali instalada uma Estufa para produção e cultivo de canábis, completa em pleno funcionamento, com dimensões 240cmLx200cm A, contendo ali: - Doze plantas de cannabis adultas com cerca de 90 cm de altura, com o peso bruto 711,74 gramas, correspondente ao peso líquido de 134,300 gramas de canábis (fls/sumid) com um grau de pureza de 1,7%, correspondente a 45 doses diárias individuais, - Sete ventoinhas pequenas de marca CE, - Uma ventoinha de pé de marca Taurus, - Um transformador de marca agrolite, - Dois refletores metálicos com respetivas lâmpadas de 600 W acopladas, - Um sensor de medição de temperatura e humidade, - Seis extensões elétricas de diversas cores e tamanhos, - Cinco ventiladores/ extratores de marca Vents, com as inscrições VK200 e VK150, - Cinco tubos flexíveis em alumínio próprios para exaustação. 69. Na mesma divisão, os arguidos possuíam: - Duas estufas desmontadas com os respetivos acessórios, lonas, tubos metálicos e peças em plástico de ligação, - Seis transformadores de cor preto, marca Agrolite de 600 W- Dois sensores digitais de temperatura e humidade sem marca, - Uma caixa e respetiva embalagem com líquido no seu interior de enraizante natural “marca compo”, - Um frasco de marca Bang-x5 cannaboom, 75 ml, - Uma manga flexível em alumínio, - Seis refletores com casquilho acoplado para lâmpadas de 600 W, com quatro lâmpadas, - Uma caixa de papelão de marca Grotek, contendo seis embalagens plásticas dessa marca, duas de marca Plagron, duas saquetas marca compo (enraizante natural) e uma outra, com substância desconhecida, - Um filtro metálico com cerca de 300 mm de diâmetro, - Um ventilador de marca Vents, VK 150 de cor branco, - Um transformador de marca ETI, de 250 W, - Um holofote de aquecimento marca DMX-ADDRESS de 240 W, - Quatro temporizadores elétricos de marca VDL, - Uma estrutura em madeira com rede isolante, própria para estufa de germinação, - Sete torneiras distribuidoras de humidade de cor preta de marca Volvt 3, - Duzentos e setenta e nove vasos plásticos de diversos tamanhos, formas e cores e vinte vasos de cor vermelha, pequenos, próprios para germinação inicial de planta, - Noventa e duas bases para vasos de diversos cores e tamanhos, - Um molho de canhas próprias para sustentar crescimento de plantas, - Uma caixa de papelão contendo 813,23 gramas (peso bruto) de folhas da planta cannabis já secas, correspondente ao peso líquido de 519,300 gramas de canábis (fls/sumid) com um grau de pureza de 8,6%, correspondente a 893 doses diárias individuais. 70. Os arguidos destinavam o produto estupefaciente apreendido, em parte ao consumo, em parte à venda e cedência a terceiras pessoas que os procurassem para o efeito. 71. Os objetos identificados em 68. e 69. eram utilizados pelos arguidos para cultivar e preparar a canábis para posterior venda aos consumidores que os procuravam. 72. No referido anexo, os arguidos guardavam ainda os seguintes objetos: - Uma arma de fogo espingarda de caça calibre 12, canos laterais, marca Robust Saint Etien, com o nº de fabrico 805190, no interior de bolsa de cor verde, propriedade do ofendido Eduardo Ventura Marques. Aí foram encontradas também três armas de fogo antigas de carregar pela boca. 73. Por seu turno, no quarto frente às escadas, dentro do móvel, possuíam 8 cartuchos calibre 12 GA, no escritório, 14 cartuchos de calibre 12 GA e, na dispensa da cozinha, num móvel 23 cartuchos daquele calibre. 74. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e vontades, conhecendo a qualidade, quantidade e natureza do produto estupefaciente que detinham, cultivavam, preparavam e destinavam em parte à venda a consumidores indiferenciados que o procurassem para o efeito, de forma a auferir da vantagem económica resultante da diferença existente entre o preço de compra e preço de venda de tais produtos estupefacientes, o que conseguiram. 75. Os arguidos quiseram deter as referidas armas de fogo e cartuchos, conhecendo as características das mesmas e estando cientes que não eram portadores de licença de uso e porte de arma de qualquer classe. 76. Não obstante, quiseram tê-las na sua posse, não obstante saberem que não estavam autorizados por lei a fazê-lo. * PARTE VIII – Dos Autos Principais 601/22.6JALRA77. No dia 27/06/2022, em hora não concretamente apurada entre as 02h30m e as 05h30m, os arguidos A e B, em comunhão de esforços e vontades, mediante plano previamente traçado, introduziram-se na habitação do ofendido E, sita na Rua (…..), Entroncamento, com o intuito de daí subtraírem os objetos de valor que encontrassem. 78. Para tanto, os arguidos, após colocarem capuzes e passa montanhas para cobrir o rosto, e após verificarem que a porta da marquise de acesso à garagem se encontrava aberta, lograram introduzir-se no interior da habitação através da mesma. 79. No interior da habitação encontrava-se no seu quarto a filha do ofendido, H, nascida a 27/10/1978, pessoa com défice cognitivo acentuado, imediatamente percetível a quem com a mesma contacte. 80. Após acederem ao interior da habitação, os arguidos dirigiram-se ao quarto da ofendida H, entraram no mesmo, tendo esta gritado por socorro. 81. Em seguida, um dos arguidos mandou a ofendida H calar-se, lançou-lhe a mão à boca, tapando-a e disse-lhe que a espetava com uma faca se não se calasse. 82. Após, os arguidos, utilizando fita adesiva preta, amarraram os pulsos e tornozelos da ofendida H e colocaram-lhe fita adesiva na boca e à volta da cabeça e do pescoço, com o intuito de a impedir de gritar e dali se ausentar. 83. E, ato contínuo, percorreram todas as divisões da habitação, subtraindo e apoderando-se dos seguintes objetos: - Uma espingarda caçadeira, calibre 12, Benelli, Raffaelo 121, com o n.º de série F112157, - Uma espingarda caçadeira, calibre 12, Manufrace Sainte-Etienne, Robust, com o n.º de série 805190/222, - Dez mil euros em numerário que se encontrava no quarto do ofendido E dentro de um saco de plástico, - Dois televisores LED Samsung, um de 40 polegadas e outro de 37 polegadas, - Um telemóvel da ofendida H de cor branca, - Um telemóvel pequeno de cor preta, - Um fio em ouro amarelo com medalha em ouro amarelo, de valor desconhecido. 84. Objetos que colocaram no interior do veículo Mitsubishi Pajero com a matrícula (…..), azul. 85. Após o que se ausentaram do local, levando-os consigo no veículo do ofendido. 86. Os objetos subtraídos, no qual se inclui o valor monetário, ascendem ao valor aproximado de €28.000. 87. No local, os arguidos deixaram a ofendida H amarrada em cima da cama, por tempo indeterminado. 88. Pelas 05h45, o ofendido E chegou a casa, vindo do trabalho, e deparou-se com o portão da garagem aberto, as divisões da casa remexidas e a sua filha amarrada em cima da cama. 89. Como consequência direta da ação dos arguidos, a ofendida H sofreu grande transtorno emocional, e vários eritemas nos pulsos, tornozelos e na região cervical direita. 90. No dia 06/07/2022, pelas 07h00, no interior da residência dos suspeitos, sita na Rua (…..), no Entroncamento, no cumprimento de mandado de busca domiciliária no Processo 112/22.0PBTMR, foram apreendidos os seguintes objetos: - Na garagem fechada, o veículo do ofendido E Mitsubishi Pajero matrícula (…..), - Na cozinha a chave do referido veículo, - Num anexo, a espingarda caçadeira Manufrace Sainte-Etienne, Robust, com o n.º de série 805190/222, - Dois passa-montanhas no anexo, - No anexo, a televisão Samsung LED de 40 polegadas do ofendido e um rolo de fita adesiva preta, já usado. 91. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que ao fazer uso de força sobre o corpo da ofendida H, amarrando os seus membros superiores e inferiores e amordaçando-a, a constrangiam a tolerar a subtração do dinheiro e demais objetos que lograram subtrair do interior da habitação, atuando contra a sua integridade física. 92. Os arguidos agiram ainda com o propósito concretizado de aceder ao interior da habitação dos ofendidos e daí retirarem e fazerem seus os objetos acima referidos, bem sabendo que os mesmos lhes não pertenciam. 93. Os arguidos conheciam as características da residência supra referida, bem como sabiam que, com a conduta supra descrita, agiam contra a vontade do seu proprietário. 94. Ao amarrarem a ofendida e abandonarem o local após a subtração dos objetos do interior da residência dos ofendidos, mantendo-a manietada, quiseram os suspeitos ainda deter H no período e circunstâncias acima descritas e impedi-la de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-a presa no seu quarto, contra a sua vontade, enquanto andavam pela casa e se escapavam para longe da mesma, mesmo após se terem ausentado da habitação. 95. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 96. No Certificado de Registo Criminal do arguido A nada consta. 97. À data dos factos, A vivia com a ex-namorada e o filho maior dessa na cidade do Entroncamento, em habitação pertença da mesma. Segundo o próprio, a sua manutenção era assegurada através do trabalho que desenvolvia enquanto promotor imobiliário freelancer, cujos proveitos, apesar de variáveis, oscilavam entre 1000 e os cercas de 1200€ líquidos mensais. 98. O arguido reside no domicilio da namorada atual, de quem agora sobretudo depende. Do apurado, o relacionamento de ambos será caraterizado pela normatividade. 99. Natural de Coimbra, a socialização de A decorreu no seio da família de origem, sendo o mais novo de uma fratria de três irmãos. O agregado dispunha de condições socioeconómicas favoráveis, resultantes da atividade do pai do arguido, gerente na área de construção civil. 100. Não obstante os progenitores falecidos, a dinâmica familiar vivenciada na infância e adolescência foi descrita como harmoniosa. 101. Em termos escolares, concluiu o 12º ano do ensino secundário e aquando da maioridade iniciou o seu percurso laboral nas empresas do genitor, onde permaneceu até 2015. A partir de então, estabeleceu-se por conta própria na comercialização de terrenos e imóveis, atividade que desempenhava por todo o país, negócio que pretende vir a retomar. 102. A casou aos 23 anos de idade, tendo-se divorciado 13 anos depois. Do matrimónio nasceram duas filhas, ora com 36 e 32 anos de idade. 103. Posteriormente, manteve outras ligações amorosas, numa das quais também resultou uma filha menor comum, mantendo contactos regulares com as três descendentes. 104. Não aduz problemáticas de saúde e/ou aditivas relevantes, nem registos com o sistema de justiça penal. 105. No decurso do estatuto coativo aplicado tem demonstrado uma atitude consentânea com os pressupostos e deveres intrínsecos. 106. A companheira do arguido é empregada de bar, auferindo o vencimento mensal de aproximadamente € 1.200,00. 107. A casa onde vivem é arrendada, sendo a renda mensal de € 400,00. 108. O arguido declarou contribuir com € 150,00/€ 200,00 mensais para a filha mais nova. 109. No certificado de registo criminal do arguido B consta: i.uma condenação, datada de 26.06.2001, pela prática, em 06.09.1998, de um crime de furto simples na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 20.000$00 (processo nº 160/00); ii.uma condenação, datada de 27.09.2002 e transitada em julgado em 13.11.2002, pela prática, em 03.02.2002 e 07.02.2002, de dois crimes de furto qualificado consumado, de um crime de furto qualificado tentado e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 3 anos de prisão, cuja execução se suspendeu por 5 anos, posteriormente declarada extinta nos termos do artº 57º, nº 1, do CP (processo nº 46/02); iii.uma condenação, datada de 09.03.2004 e transitada em julgado em 30.03.2004, pela prática, em 28.02.2003, de um crime de tráfico de estupefaciente (artº 21º do DL 15/93, de 22.01), na pena de 4 anos e 10 meses de prisão (processo nº 19/03); iv.uma condenação, datada de 29.10.2009 e transitada em julgado em 28.12.2009, pela prática, em 06.10.2009, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00, posteriormente convertida em 40 dias de prisão (processo nº 886/09); v.uma condenação, datada de 03.12.2010 e transitada em julgado em 14.06.2011, pela prática, em 24.08.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (processo nº 648/08); vi.uma condenação, datada de 19.09.2012 e transitada em julgado em 22.10.2012, pela prática, em 18.09.2010, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período (processo nº 237/10); vii.uma condenação, datada de 22.11.2013 e transitada em julgado em 07.01.2012, pela prática, em 06.10.2012, de um crime de tráfico de estupefaciente (artº 25º do DL 15/93, de 22.01), na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período (processo nº 186/12); viii.no processo nº 186/12, foi feito o cúmulo jurídico da pena aí aplicada e da pena aplicada no processo 237/10, tendo, por decisão de 29.05.2015, transitada em julgado em 11.11.2015, sido aplicada a pena única de 4 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, com regime de prova, extinta nos termos do artº 57º do CP por despacho de 07.02.2020; ix.uma condenação, datada de 11.11.2014 e transitada em julgado em 15.12.2014, pela prática, em 04.08.2003, de dois crimes e furto qualificado e de um crime de recetação, na pena única de 4 anos de prisão (processo nº 158/13); x.uma condenação, datada de 09.12.2015 e transitada em julgado em 22.01.2016, pela prática, em 19 e 17.01.2013, de dois crimes de furto simples, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão (processo nº 9/13); xi.no processo nº 9/13, foi feito o cúmulo jurídico das penas aí aplicadas e da pena aplicada no processo 158/13, tendo, por decisão de 23.05.2016, transitada em julgado em 23.06.2016, sido aplicada a pena única de 5 anos de prisão. 110. À data dos factos imputados a B nos presentes autos, este encontrava-se desempregado e temporariamente incapacitado para desenvolver trabalhos fisicamente exigentes, na sequência de ter sofrido um acidente de trabalho (queda de uma árvore) em dezembro de 2019, que implicou a necessidade de intervenção cirúrgica e fisioterapia, daí resultando algumas sequelas e limitações físicas. 111. O arguido desenvolvia, há cerca de 2 anos, tarefas esporádicas de manutenção numa quinta do coarguido, em moldes vinculativos informais e precários. Nesse contexto refere ter recaído em comportamentos de natureza aditiva, que já anteriormente haviam influenciado negativamente a sua vivência, estando inerentes aos seus antecedentes criminais e prisionais. 112. O arguido refere um percurso de toxicodependência interpolado, iniciado com o consumo de haxixe com cerca de 15/16 anos, progressivamente estendido à heroína e à cocaína. Numa primeira reclusão debelou o consumo de heroína por meios terapêuticos, que não mais retomou, referindo um período de 10 anos de abstinência. Posteriormente registou recaídas nos consumos de haxixe e principalmente de cocaína, aos quais atribui instabilidade comportamental. 113. Segundo o próprio, embora já tivesse sido acompanhado pela Comissão de Dissuasão da Toxicodependência de Setúbal, algures em 2013/2014, nunca em meio livre recorreu à intervenção dos serviços de saúde competentes ao nível do tratamento das adições. Atribui tal postura ao facto de anteriormente considerar esse acompanhamento desnecessário. 114. B dispõe de perspetivas de enquadramento e suporte familiar proporcionadas pela mãe, cujo agregado integrou maioritariamente ao longo da vida e ao qual já havia alegadamente regressado, à data da mais recente detenção. A mãe, com 65 anos de idade, vive sozinha em Canha – Montijo, numa habitação arrendada, implantada em meio rural e sem incidência de delinquência ou toxicodependência, distante daquele onde o arguido cresceu e desenvolveu anteriormente as suas redes de sociabilidade desviante (Alcácer do Sal). A mãe, que trabalhou até recentemente no ramo agrícola, encontra-se em situação de pré-reforma por incapacidade física, auferindo a esse título uma pensão de cerca de 400,00 €. 115. A mãe manifesta uma atitude crítica face aos comportamentos do arguido e o apoio desta constitui um aspeto favorecedor da reinserção do mesmo, ainda que nem sempre se tenha revelado eficaz / persuasivo para efeitos da respetiva adesão à intervenção terapêutica. 116. Em termos laborais, o arguido não formula projetos de empregabilidade imediatos, priorizando a conclusão do tratamento à toxicodependência em curso. Ainda assim, desde que esteja abstinente, não antevê especiais dificuldades de empregabilidade, tendo em consideração a experiência laboral acumulada anteriormente em diversos ramos de atividade. 117. Relativamente aos dados mais relevantes do percurso existencial anterior de B, salienta-se que o mesmo é oriundo de um agregado com dinâmica disfuncional atribuída ao alcoolismo paterno, permanecendo exclusivamente a cargo da mãe e sem contactos com o pai desde a separação dos pais, ocorrida quando o próprio teria cerca de 15 anos de idade. Com a mãe manteve sempre um relacionamento de respeito e afeto, ainda que as dificuldades económicas tivessem impelido esta familiar a afastar-se faseadamente para outros locais do país por razões laborais, permanecendo o arguido sozinho em Alcácer do Sal, com supervisão distanciada. 118. O arguido apresenta um baixo perfil de competências académicas e profissionais. O seu percurso escolar pautou-se por motivação reduzida e absentismo, tendo desistido dos estudos durante a frequência do 2.º ciclo. Posteriormente concluiu esse grau de ensino em meio prisional. Iniciou o seu percurso laboral com 16 anos de idade, caracterizando-se o mesmo pelo exercício de diversas atividades laborais pouco diferenciadas nas áreas da manutenção fabril, da construção civil, da pastelaria e da agricultura, maioritariamente em moldes de vinculação precária e com alguma descontinuidade, sobretudo em fases de maior instabilidade, provocada pela problemática aditiva. 119.O arguido manteve diversos relacionamentos afetivos/maritais, aparentemente pouco funcionais/consistentes, o último findo em moldes conflituosos. Destas relações resultou o nascimento de três filhos, com idades atuais compreendidas entre os 15 e os 8 anos, relativamente aos quais o próprio tem vindo a exercer uma parentalidade pouco responsável. 120. Apesar de manifestar apreensão relativamente ao desfecho dos autos, apresenta uma postura resignada e responsável perante a resolução da sua situação jurídica. Proclama expectativas de reinserção responsável, assentes na debelação dos hábitos aditivos, na integração laboral, na priorização da dinâmica familiar em detrimento de contextos de risco e na assunção de uma parentalidade mais efetiva. 121.Na sua narrativa, a atividade criminal surge contextualizada e atribuída fatidicamente à toxicodependência, numa postura tendencialmente desresponsabilizante e desagravada. Contudo, contrariamente ao constatado em fases anteriores da sua vivência, atualmente refere-se consciente da necessidade de debelar consistentemente esta problemática e motivado para tal, a fim de suplantar défices psicoemocionais. Daí ter concordado com o internamento em comunidade terapêutica. 122. Considerou os consumos de cocaína suprimidos desde a reentrada em meio prisional, embora assumindo fragilidades pontuais face ao consumo de haxixe. 123. Enquanto permaneceu em meio prisional evidenciou competências relacionais, apesar de ter registado algumas medidas disciplinares pela posse de artigos proibidos (especialmente bebida alcoólica artesanal), que o próprio contextualizou em dinâmicas internas decorrentes da anterior interação problemática com o coarguido, até à colocação deste em OPHVE. Revelou motivação para rentabilizar o período de reclusão de forma construtiva e valorizadora, tendo frequentado o 3.º ciclo com interesse e aproveitamento, apesar de alguns défices de assiduidade. Participou ainda num programa específico de tratamento prisional com vista ao desenvolvimento de competências pessoais e sociais designado por “Programa de Motivação para o Tratamento dos Comportamentos Aditivos”, com interesse e assiduidade. 124. No contacto estabelecido com a responsável pela Comunidade Terapêutica “Sol Nascente”, aferiu-se que a sua integração na mesma está a decorrer sem anomalias. 125. Em termos familiares, a atual situação jurídica do arguido foi percecionada com surpresa, embora não tivesse implicado consequências que extravasem o âmbito emocional. A mãe do arguido revelou regozijo relativamente à perspetiva da sua institucionalização para fins terapêuticos e revela-se disponível para colaborar, quer neste processo, quer na sua reinserção social, em geral. 126. O arguido B confessou a essencialidade dos factos que lhe eram imputados, declarando-se arrependido e querendo mudar de vida. 127. O arguido B está a frequentar um programa de tratamento à sua adição, composto por quatro fases, estando por ora na primeira fase. Está bem adaptado à instituição e ao grupo que a integra, sendo muito ativo e disponível nas tarefas. 3.2. Matéria de facto não provada De entre os factos alegados na acusação, não se provaram os factos acima não descritos e os factos contrários aos factos que se deram como provados ou por estes prejudicados, sendo certo que o Tribunal se debruçou especificadamente sobre cada um deles. 2.2. Motivação da Decisão de Facto (transcrição): A convicção do Tribunal Coletivo para considerar provados e não provados os factos acima descritos teve por base a análise crítica e conjugada da prova produzida em julgamento.
2.3. Da matéria a decidir A título de questão prévia, nota esta que foi abordada já no anterior Acórdão deste Tribunal da Relação, e dimensão não enfrentada por qualquer dos arguidos recorrentes, e por se poder revelar, eventualmente, a existência de vício de conhecimento oficioso, cumpre um debruce sobre o caminho seguido pelo tribunal recorrido, quanto à vertente relativa às condições pessoais e situação económica dos aqui agentes, traço importante para escolha e determinação da medida da pena – artigo 71º, nº 1, alínea c) do CPenal -, tanto mais que se exibe como um dos segmentos em dissídio, trazidos por ambos os arguidos recorrentes. * A) Arguido A Em pregresso, cabe salientar que o arguido recorrente A socorre-se de linha invocativa que, salvo melhor e mais avisada opinião, aponta para a existência de uma flagrante contradição. Na verdade, defendendo o arguido recorrente que não há prova bastante que sustente os factos dados como provados, que tudo se bastou com a aceitação da versão exibida pelo coarguido B – no caso em análise a convicção do Tribunal para considerar provados e não provados os factos, teve por base a confissão integral e sem reservas do arguido B – deixando antever o entendimento de que não foi produzida prova cabal e suficiente dos factos que se lhe imputam e determinantes da sua condenação, vem depois questionar diversos segmentos respeitantes às penas que lhe foram aplicadas, quer em termos de dosimetria, quer em questões do tipo / modalidade. Ora, considerando, aquele, inexistir base para configuração de qualquer crime, não faz qualquer sentido falar em pena, seja ela qual for. Falhando o pressuposto necessário para imposição de uma sanção, naturalmente que não haverá que extrair quaisquer consequências jurídicas de crime, como seja a pena e, dentre as possíveis, qual a que possa ser mais adequada. Conquanto, atente-se então ao primeiro segmento recursivo delineado - motivação da decisão de facto com base nas declarações do coarguido B. Neste conspecto, pese embora o arguido recorrente não o invoque com cristalina nota, surgindo este mote recursivo algo difuso quanto aos arrimos legais em que se segura, crê-se que há uma ínvia intenção de questionar / impugnar a matéria de facto dada como provada. Por outra banda, nesse propósito, o aqui arguido recorrente, apenas e só se atém em questionar o relevo que o tribunal a quo conferiu às declarações do coarguido B que, como decorre da motivação elaborada, confessou os factos - confirmou o que dissera antes em primeiro interrogatório judicial, em que admitiu os factos (praticados por si e pelo coarguido), excluindo as amas de fogo antigas, de carregar pela boca, que não sabe como foram parar à quinta (…) manteve na íntegra as suas declarações, dizendo que está arrependido, que quer mudar de vida e que os factos se deveram ao consumo de estupefacientes (…) depois de serem reproduzidas em audiência de julgamento essas suas declarações, e após lhe ser perguntado se as mantinha ou queria alterar ou esclarecer, o arguido B continuou a admiti-las e a manter o seu conteúdo, reiterando o seu arrependimento e o envolvimento do coarguido A nos moldes anteriormente feitos, explicando, mesmo a instâncias da defesa deste coarguido, como começaram ambos a praticar os crimes de furto e como eram divididos os objetos que assim advinham à posse de ambos. O recurso sobre matéria de facto apresenta duas vias de invocação: - indicação dos vícios da revista alargada, a coberto do artigo 410º, nº 2 do CPPenal, por simples referência ao texto da decisão recorrida; - alegação de erros de julgamento por referenciação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. No primeiro caso está-se na presença de vícios de conhecimento oficioso e ao recorrente cabe apenas a sua alegação, aliás, não essencial (pois que são os vícios extremos e em absoluto não tolerados pela ordem jurídica), na segunda situação impõe-se ao recorrente o cumprimento do ónus de impugnação especificada contido nos números 3 e 4 do artigo 412º do CPPenal. Ou seja, neste domínio, o recurso não é um novo julgamento, mas sim um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. O recurso surge como remédio jurídico[5]. E a razão para tal parece bem evidente. A apreciação da prova no julgamento realizado em 1ª instância beneficiou de claras vantagens de que o tribunal de recurso não dispõe: a imediação e a oralidade. E constitui uma manifesta impossibilidade que a segunda instância se substitua, por inteiro, ao tribunal recorrido, através de um novo julgamento. Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma revisão de toda a convicção criada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível. Exige-se-lhe que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade racional, uma impossibilidade probatória, um exercício arbitrário, um raciocínio leviano e superficial, uma violação de regras de experiência comum, uma ostensiva errada utilização de presunções naturais. Ou seja, necessário se mostra a demonstração não do mero relativo possível, mas sim a absoluta evidência de que outra convicção é a imperativa conclusão. Dito ainda de outra forma, cabe configurar e evidenciar que, face a todo o contexto probatório, a convicção a assumir só pode ser outra / diferente / diversa da tida pelo tribunal recorrido. Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente elencar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, como o estabelece o artigo 412º, nº 3, do CPPenal: - indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; - indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; - indicação das provas que devem ser renovadas. A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. Por sua vez, a particularização das «concretas provas» só se satisfaz com a enunciação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a indicação das provas que devem ser renovadas implica o elenco dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda. Relativamente às duas últimas individuações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, tal deve ser feito com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, tal como decorre do plasmado nos nºs 4 e 6 do artigo 412º do CPPenal. Nesta dimensão, importa salientar que (v)isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações[6]. Visitando todo o instrumento recursivo, exubera confortadamente que não prima o mesmo pelo rigor / justeza / precisão no cumprimento das máximas supra enunciadas e extraídas do disposto nas diversas alíneas integradoras do nº 3 do artigo 413º do CPPenal, mostrando-se aquele falho na observância cabal e inequívoca das supra enunciadas tês exigências. Com efeito, e logo no que concerne à primeira - indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – o arguido recorrente apela a referências como (…) essencialmente, aos pontos 1 a 25, 27,29, 31, 33, 34, (na parte que também atribui ao arguido A o acto de o próprio ter retirado as matrículas e o combustível), 36, 37 e 39 (no que se refere à posse conjunta das armas e navalhas) 46 a 54; 77 a 87, 90, da matéria provada, não sendo decididamente claro quanto ao que pretende apontar relativamente aos mesmos e se só a estes ou também a outros. Ou seja, não transparece de forma inequívoca, face ao uso do vocábulo essencialmente, se está em causa questionar estes pontos e / ou outros, e relativamente aos que enuncia qual é efetivamente a dimensão / traço da discórdia. Fica, assim, por entender que, e o quê deveria ser entendido como provado e não provado. Seguindo, apure-se do segundo vetor a observar nesta forma impugnativa - indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. O arguido recorrente, em todo o seu articulado recursivo, como se adiantou, limita-se a denunciar o suporte do decidido que, em muito, se socorreu das declarações do coarguido, através da mera referência (…) a valoração como meio de prova das declarações de um arguido em detrimento de outro, importa averiguar se, à luz dos critérios que presidem ao exame crítico da prova, deve ser ou não confirmado o juízo formulado pelo Tribunal «a quo» sobre os factos constitutivos da nas suas motivações responsabilidade criminal do arguido que não confessou integralmente os factos, com base primordial nas declarações do primeiro, sem dissecar, ainda que singelamente, as mesmas, por forma a delucidar alguma fragilidade / debilidade / tibieza. Prosseguindo nesse trajeto, confronta-as com a sua visão, para concluir que o tribunal recorrido não andou bem neste vetor. Sopesando toda esta alegação, o que perpassa, com toda a diafaneidade, é apenas e só uma leitura diferente daquela que o tribunal fez, em matéria de prova produzida sem se dar o efetivo e cabal cumprimento às exigências que dimanam desta forma de impugnação factual. Como bem o reconhece o arguido recorrente, nada obsta a que o tribunal atenda / considere as declarações do coarguido, em momento de apreciação e ponderação da prova. Tem-se por pacífico que se vem aceitando que nada proibe a valoração como meio de prova das declarações de coarguido, sobre factos desfavoráveis a outro, sendo cristalino, pensa-se, que a lei não só não proíbe essa valoração como indica em vários preceitos que ela deve ocorrer – artigos 146º e 343º nº 4 do CPPenal -, notando-se que da norma consagradora do impedimento dos coarguidos testemunharem – artigo 133º nº 1, alínea a) do diploma em referência - não resulta a proibição de valoração, mas sim a proibição de aquisição do conhecimento probatório do coarguido, salvo no caso previsto no nº 2, na forma do testemunho[7]. Consigna-se, também, que a terceira exigência fixada para esta forma de impugnação, em nenhum momento assola como verificada no instrumento recursivo. Por último, e congeminando toda a decisão propalada, nomeadamente o trajeto encetado em termos de fundamentação da matéria de facto, a supra dita afirmação de que seria obrigatória e inelutável outra conclusão, não se prefigura. Na realidade exala como explicativo do caminho seguido pelo tribunal a quo, neste matiz (…) a confissão do arguido B - que se dispôs ao contraditório -, sujeita à livre apreciação do Tribunal e conjugada com os demais elementos de prova, mostrou-se convincente, mesmo quando imputou a autoria de factos ao coarguido (…) não se viu qualquer animosidade ou sentimento de vingança que pudesse fazer crer que o arguido B quisesse incriminar injustificadamente o arguido A (…) o arguido depôs de modo sincero e com verdade (…) no carro onde o arguido A seguia aquando da detenção estavam chapas de matrícula furtadas, o que contraria a sua versão de nada ter que ver com chapas de matrículas. Na quinta são encontrados vários objetos ligados à prática de vários dos furtos descritos nos autos e / ou produto dos mesmos (por exemplo, um passa montanhas num quarto do primeiro andar da moradia principal e a chave do Mitsubishi na gaveta do móvel da respetiva cozinha, i.e., a casa onde morava o acamado pai do arguido A), incluindo o Mitsubishi Pajero que, pela sua dimensão, não estaria guardado sem que ambos os arguidos soubessem. Sendo certo que a testemunha H não teve dúvidas em atribuir a dois homens a autoria dos factos. As explicações dadas pelo arguido A para os factos em que admitiu ter tido alguma participação – ainda que aligeirando a sua responsabilidade – não colhem, levantando as perplexidades referidas supra na sua descrição, seja na não destruição das plantas de canábis (afinal, a fonte da alegada supremacia do arguido B e que facilmente seria eliminada), seja na não oposição a que fossem guardados na quinta objetos furtados, seja no inusitado e arriscado simples acompanhamento a Alcácer do Sal quando sabia que o arguido ia vender esse produto estupefaciente (…) na reabertura da audiência, o arguido A afirmou ter expulsado o coarguido B várias vezes da sua quinta, entrou em contradição com as declarações prestadas no julgamento inicial, em que afirmara que foi passivo e que não queria exaltar o B pois este tinha um ascendente sobre si. Não se expulsa (ou não se consegue expulsar facilmente) uma pessoa que não se quer exaltar e que tem um ascendente. Se se expulsa uma pessoa porque não se quer mais a sua presença na sua propriedade, qualquer troca de fechaduras impede o seu regresso. Mesmo que tivesse tido conhecimento de que o coarguido queria furtar combustível apenas quando chegou ao local, não se entende tê-lo acompanhado à uma hora da manhã e não se ter ausentado do local quando constatou qual era afinal o seu propósito: praticar furtos. (…) se em sede de julgamento o arguido A admitiu que já antes tinha na quinta umas plantas de canábis, que destinava ao consumo e por vezes partilhava com amigos, e que até investiu com o arguido B na construção da estufa, em primeiro interrogatório demarcou-se da canábis, dizendo nada ter a ver com isso. O que ainda mais descredibiliza as suas declarações, nesta parte contraditórias (…) uma explicação bastante razoável e plausível para o acesso à casa de C é o facto de o arguido A viver então com a ex mulher do ofendido, tendo sido explicado que o filho menor de ambos (ofendido e dita cidadã), que vivia com a mãe, tinha a chave da casa daquele. Tanto que quem foi a casa do ofendido teria essa chave já que não foi forçada qualquer abertura (…) valoraram-se positivamente as declarações do arguido B, seja na parte em que se incriminou, seja na parte em que incriminou o coarguido, o qual, repete-se, teve a faculdade de o poder contraditar. Todo este descritivo, ao que se crê, apresenta-se de robustez bastante, ilustrando que toda a ponderação levada a efeito é uma possibilidade aceitável / verosímil / lógica / congruente e, nessa sequência, sem qualquer mácula. Desta feita, o que parece exultar de todo o recurso em exame é, como se adiantou, uma visão / anúncio diferente de toda a prova produzida e do valor / peso a conferir à mesma. Ora, ao que se cogita, transluz que é jurisprudência consolidada dos nossos tribunais superiores, que a atribuição de credibilidade, ou não, a prova por declarações ou testemunhal, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar, se for contrária às regras da experiência comum e lógica[8], sendo que nada impede que o julgador possa atribuir credibilidade a parte de um depoimento ou declarações e não a atribuir noutro vetor[9]. Com efeito, neste circunspecto, há que chamar à colação o princípio enformador do processo penal, princípio da livre apreciação da prova. O tribunal ouviu, avaliou, ponderou e decidiu. E todo esse processo foi seguido de um modo sustentado, lógico, racional e justificado, não resultando de uma mera opção arbitrária, caprichosa, descuidada e / ou insensata. Sopesando toda a parte decisória relativa à fundamentação da matéria de facto, e como acima já se fez notar e se reproduziu em pormenor, transparece, pensa-se, que está devidamente explicada a razão para o tribunal a quo ter dado como provados os factos que permitiram apontar ao arguido toda a panóplia criminal que conduziu à sua condenação. Ante tal, e sem necessidade de outras considerações, sucumbe este vetor recursivo. Por mera conjetura – o arguido recorrente nunca o aduz nem refere – se é intento avocar o vício impresso no artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPPenal – erro notório na apreciação da prova -, cabe imediatamente dizer que nada há que o ilustre. As máculas decisórias prevenidas nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, em que a sua indagação pode ocorrer a requerimento ou oficiosamente, impõe um debruce na decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[10]. Ora, visitando todo o percurso decisório tomado, tal como supra se anunciou, nada ressalta que transparentemente desenhe a falha referida. Mostra-se irrefragável que configura o dito vício, a saber: o erro sobre facto notório incluindo os factos históricos de conhecimento geral; a ofensa às leis da natureza (vg. considerar provado um facto física ou mecanicamente impossível); a ofensa às leis da lógica (vg. incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova); ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos[11]. Aqui estão incluídas todas as situações que se assumam como casos de erro (…) evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta (…) também todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada[12]. Tem-se igualmente entendido na jurisprudência configurar tal noção, tudo o (…) que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa” (…) aquele erro de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta[13]. Versando sobre o tipo de desenho em exame, e porque o arguido recorrente assenta o seu desacordo / desagrado na circunstância de o tribunal a quo ter valorado, em muito, as declarações do coarguido B, o que está antes em presença é, como se disse, um enfrentamento diferente quanto à prova produzida. Ora, considerando toda a decisão recorrida não emerge erro notório na apreciação da prova, entendido como aquilo que se mostre evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e resulte do texto da decisão conjugado com as regras da experiência comum. Por seu turno, de toda a motivação executada, não desponta qualquer nota / traço / sinal que enuncie inconsistência / incongruência / fragilidade / irracionalidade, mostrando-se clara / elucidativa / esclarecedora toda a fundamentação. Um apontamento, também, quanto à invocada / alegada possível contradição existente relativamente aos pontos 90 e 97 da matéria provada - No dia 06/07/2022, pelas 07h00, no interior da residência dos suspeitos, sita na Rua (…..), no Entroncamento (…) À data dos factos, A vivia com a ex-namorada e o filho maior dessa na cidade do Entroncamento, em habitação pertença da mesma – aspeto que, de igual forma o arguido recorrente nunca enfrenta de modo inequívoco, mormente por via da sua integração / enquadramento legal. O que aparentemente pode desenhar uma contradição, considerando todo o enquadramento factual exercitado e toda a situação, claramente a afasta. Com efeito, no primeiro segmento apela-se à residência no sentido de local como respeitante aos arguidos e por estes utilizado nessa configuração de espaço ligado aos mesmos e onde estes têm domínio; o segundo vetor prende-se antes com o espaço onde aquele desenvolvia a sua vida familiar e íntima, em determinado momento, circunstância esta que não anula / impede a coexistência de uma outra residência. Deste modo, ao que se pensa, não existe qualquer contradição, sendo antes uma complementação. Assim sendo, também aqui baqueia o posicionamento do arguido recorrente. * Seguindo, importa um olhar sobre a suscitada questão da verificação de concurso aparente relativamente aos crimes de subtração de documento e de falsificação de documento.Esta modulação recursória, no entender do arguido recorrente, assenta basicamente em linha argumentativa - (…) foi condenado pela prática de três crimes de subtração de documento, na forma consumada e de um crime de falsificação de documento, reportando-se esta questão às chapas de matrícula (…) tendo os arguidos subtraído chapas de matrícula verdadeiras, que não foram por estes alteradas, tenham cometido em simultâneo o crime de falsificação de documento (…) a manter-se a ideia de que o recorrente praticou três crimes de subtração de documento, exige o bom Direito que se subsuma esta realidade ao concurso aparente de crimes por estarmos perante uma progressão criminosa em que o crime final – falsificação de documento – consome os crimes anteriores, sob pena de se violar o princípio ne bis in idem, consagrado pelo artigo 29.º, n.º 5 da CRP. (…) a falsificação de documento era o escopo da subtração de documento, e consumados os dois tipos legais de crimes, como se intercetam e se complementam, estamos perante uma unidade fáctico-jurídica subsumível a um só tipo legal de crime. Igualmente neste circunspecto, como adiante se verá, parece que se incorre em silogismo sem o menor respaldo, pretendendo o arguido recorrente elaborar em trajeto sem qualquer adesão à efetiva dimensão dos factos provados e sua integração jurídica. Num primeiro patamar cabe dizer que transparece da leitura do plasmado no artigo 259º do CPenal - Danificação ou subtracção de documento e notação técnica – que o bem jurídico que aqui se pretende salvaguardar não reside na segurança do tráfico jurídico-probatório em geral, mas, sim, na faculdade probatória enquanto bem jurídico individual e disponível que a titularidade do documento confere[14]. Por seu turno, entendimento que se tem vindo a revelar como pacífico, no crime de falsificação de documento o bem jurídico protegido que se acautela é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental, assumindo-se como fim proteger a segurança relacionada com os documentos, tendo em conta as duas funções que o documento pode ter - perpetuação que todo o documento tem em relação a uma declaração humana e garantia, pois cada autor do documento tem a garantia de que as suas palavras não serão desvirtuadas e apresentar-se-ão tal qual como ele em certo e determinado momento, local e circunstâncias as expôs[15]. Ante tal, resulta claro, crê-se que estão em causa bens definitivamente distintos a reclamar proteção. Importa, ainda, soletrar, que em termos de chapas de matrícula se está ante documento com igual força à de um documento autêntico, pelo que comete o crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. pelo artigo 256º nºs 1 alínea b) e 3 do CPenal, com referência ao artigo 255º alínea a) do mesmo complexo legal, o arguido que apõe numa viatura automóvel as chapas de matrícula correspondentes a uma outra, com o objetivo de não ser detetado na posse do veículo furtado[16]. Com efeito, ao ser colocada em certo veículo, uma outra chapa que a ele não corresponde, mas sim a um outro, é patente e óbvio que se está a atribuir uma identificação diferente daquela que respeita à matrícula e, por outro lado, há um claro benefício ilegítimo visado que é o de circular por forma a mais dificilmente ser detetado, enganando as autoridades. Mais, ao que se vem defendendo, para o preenchimento do tipo, não é necessário que o arguido tivesse efetivamente circulado na via pública com as chapas de matrícula de outro veículo, bastando que o agente aja com "intenção" de obter benefício ilegítimo, ainda que o mesmo se não venha a verificar[17]. Os arguidos recorrentes, ao colocarem em veículos as matrículas relativas a outros que não àqueles a que as mesmas correspondiam, naturalmente que alteraram / adulteraram / corromperam a informação adstrita às ditas matrículas, passando, por essa forma, a fazer constar uma outra realidade que não era efetivamente a existente. Assim sendo, facilmente se deteta estar patente o crime de falsificação de documentos apontado. Em jeito pouco sólido, e em último reduto, vem o arguido recorrente afirmar que a falsificação de documento era o escopo da subtração de documento, e consumados os dois tipos legais de crimes, como se intercetam e se complementam, estamos perante uma unidade fáctico-jurídica subsumível a um só tipo legal de crime. Salvo melhor e mais avisada opinião, não se apoia esta linha argumentativa. Como se viu atrás estão em causa bens jurídicos distintos quando ponderados os preceitos incriminadores em presença. De outra banda, tanto quanto se pensa, o índice de unidade ou de pluralidade das diversas determinações volitivas apenas se pode consubstanciar na forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, considerando fundamentalmente a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente, o seu desígnio criminoso e o circunstancialismo onde todo o histórico factual operou[18], assumindo-se que qualquer pluralidade de factos externamente separáveis conforma uma ação unitária quando os diversos atos e momentos parciais acabam por responder a uma única resolução volitiva desde que se encontrem tão ligados no tempo, espaço e envolvência que, para um observador não interveniente são percecionados / tidos como uma unidade natural. Note-se, também, e contrariamente ao pugnado pelo arguido recorrente, neste tipo de quadros, nunca poderá o intérprete limitar-se a verificar o âmbito da intenção que caracteriza e domina o primeiro delito, para poder fixar as incriminações de atividades que, pela sua punição, ficam consumidas. Deve, em simultâneo, tomar em conta a violação efetiva e concreta de bens jurídicos que aquele primeiro delito abrange e aquela a que a ação posterior acarreta, sendo aqui primordial, pensa-se, considerar / ponderar a existência ou não de diversidade de ofendidos. Por fim, diga-se só há lugar à consunção quando o conteúdo do ilícito e da culpa duma ação típica inclui outro facto ou, por outra forma, outro tipo, de maneira que a condenação por um expressa já exaustivamente o desvalor de todo o evento lex consumens derogat legi consumptae, ou seja, quando não se lesiona nenhum outro bem jurídico e o dano não se amplia quantitativamente para além do já ocasionado. Olhando a todo o recorte factual em presença, ao que se congemina, não traduz, o mesmo, estes cambiantes. Na realidade, os arguidos, onde se inclui o arguido recorrente, ao que transparece, em momentos distintos subtraíram as diversas chapas de matrícula, das quais se apoderaram e guardaram para, posteriormente e em circunstâncias completamente distintas das primeiras as virem a usar - anote-se, por exemplo, as chapas de matricula (…..), retiradas em 11/12 de fevereiro de 2022 foram usadas em março de 2022 e em viatura que já havia sido furtada entre 21 e 24 de janeiro de 2022[19], o que claramente denota a inexistência de qualquer quadro de uma unidade fáctico-jurídica subsumível a um único tipo criminal e, nesse ensejo, qualquer violação do brocardo ne bis in idem. Assim é de sucumbir, também, neste traço, a linha seguida pelo arguido recorrente. * Prosseguindo considere-se agora a vertente das penas impostas.Como diretriz primeira saliente-se que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo e que sobreleve de todo o espetro decisório. Por outro lado, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu na decisão de primeira instância nesta vertente. Com efeito, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram sedimentadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei. Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida em primeira instância, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada[20]. Há assim que cotejar tais linhas com o trazido pelo arguido recorrente e o narrado na peça decisória, neste particular trecho. Para o arguido recorrente (…) no que respeita aos crimes para os quais está prevista a pena de multa, como por exemplo o furto simples, o acórdão não especifica os fundamentos que presidiram à escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa que também é aplicável ao crime, ou seja, o acórdão não especifica porque é que a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição quanto ao Recorrente, como se afere dos artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do CP (…) também, não especifica os fundamentos que presidiram à decisão da medida da pena concreta de cada um dos crimes em concurso efetivo, não referindo expressamente os fundamentos da medida da pena de cada um dos crimes, de harmonia com o disposto no artigo 71.º do CP, quanto aos critérios e aos fatores de determinação da medida da pena (…) no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, o acórdão não especifica os fundamentos que presidiram à escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa que também é aplicável ao crime (pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias); ou seja, o acórdão não especifica porque é que a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição quanto ao Recorrente, como se afere dos artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do CP, fazendo notar em sede de motivações – o que não reafirma nas conclusões – (…) no caso concreto (…) as penas individualmente consideradas e a unitária serem excessivas e denotarem um desequilíbrio entre a função de tutela dos bens jurídicos e a defesa do agente do crime. O Acórdão em sindicância, a sustentar a solução encontrada para cada uma das penas parcelares, adianta (…) no caso em apreço, na pena a aplicar a cada arguido ter-se-ão em conta os critérios determinativos constantes dos arts. 70º e 71º do CP, designadamente o grau de intensidade do ilícito penal praticado, considerando-se a respetiva natureza e o dolo dos arguidos na modalidade de dolo direto (…) no que tange aos crimes de furto e roubo, o valor dos bens e que se trata de crimes que causam intranquilidade social (…) no caso, reforçada quanto ao crime de roubo, cometido com violência exercida contra uma pessoa com um défice cognitivo evidente para qualquer cidadão que com a mesma contacte e que dificilmente conseguiria fazer frente aos arguidos ou impedi-los de conseguirem apoderar-se dos bens existentes na habitação. E essa atitude altamente censurável é ainda acentuada com o facto de a vítima H ter ficado amarrada, cerceada na sua liberdade, já mesmo depois de os arguidos terem abandonado a residência com os bens subtraídos, sendo perfeitamente desproporcionado que ainda tenham cometido o crime de sequestro (…) crime de tráfico, ponderar-se-á que se trata de cannabis, i.e., de uma droga leve, e que, apesar das vendas feitas, não estamos perante um caso de uma organização considerável, sendo as quantidades apreendidas ainda num patamar não elevado (…) quanto a cada um dos arguidos, ter-se-á em consideração que (…) O arguido A não tem antecedentes criminais (…) tem apoio familiar e hábitos de trabalho, estando inserido socialmente (…) Porém, assumiu em Tribunal uma conduta em que procurou imputar ao coarguido a prática dos (poucos) factos em que admitiu ter alguma intervenção, eximindo-se praticamente de qualquer culpa, fazendo-o com justificações manifestamente inverosímeis, que não colheram e que revelaram uma personalidade desresponsabilizante, sem qualquer interiorização dos (muitos) factos cometidos e que se provaram e com manifesta falta de sentido crítico. Podendo, na ótica do arguido recorrente, considerar-se que o tribunal a quo no exame e ponderação de todos os cambiantes seguiu uma fórmula abrangente e talvez de menos rigor para uma imediata e clara perceção do raciocínio elaborado, a verdade é que há uma justificação / fundamentação bastante e suficiente, permitindo compreender o percurso tomado. Diga-se que quanto à questão do não uso da pena de multa em todos os quadros que a mesma poderia ter sido usada, o aresto em análise cita (…) nos termos do art. 70º do CP, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que ela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (…) quanto ao arguido A, não se olvida que o mesmo não tem antecedentes criminais. Todavia, nestes autos não será condenado apenas por um ou dois crimes, sendo o número de crimes assinalável, com um ilícito global muito elevado. Ilícito esse que o arguido não interiorizou, antes se desresponsabilizando e procurando demarcar-se do outro arguido, com falta de sentido crítico. Estas circunstâncias fazem com que o Tribunal Coletivo considere que, também quanto ao arguido A, a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (…) contrapondo as circunstâncias que abonam e desabonam quanto a cada arguido, o Tribunal Coletivo julga que não existe razão para se diferenciar o quantum de cada pena no que concerne aos crimes cometidos em coautoria, a ambos imputados. Neste vetor, salvo melhor e mais avisada opinião, está devidamente explicada a razão pela qual se não optou, in casu, por penas de multa. Com efeito, em caso de alternatividade, é míster que se ponderem as razões de prevenção especial (carência de socialização do arguido) e que simultaneamente fique salvaguardado o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, sendo que todo o recorte factual que se exibe, com práticas várias e de diversos componentes criminais que só terão cerceado com a detenção do arguido recorrente a que se associa uma evidente postura de desresponsabilização e de um quase ausente pendor crítico, a pena de multa não tem a menor potencialidade para acautelar os fins mínimos que orientam uma punição. Atente-se, então, às diversas penas parcelares. O Tribunal a quo, como se disse, utilizando uma abrangente abordagem, ao que se pensa, em certos quadros, e considerando o acervo fundamentador de que se socorreu, optou por penas que se reputam, na verdade de exageradas e de certo modo pouco entendíveis, como adiante se aponta. Na situação respeitante à Parte I – furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 2, alínea e) do CPenal – num leque de pena de 1 mês a 5 anos de prisão, considera-se que face aos bens em causa e seu valor e considerando a solução encontrada para os factos respeitantes à Parte III, em muito semelhantes, e integradores do mesmo ilícito, uma pena mais próxima da mediania possível – 2 anos e 6 meses de prisão -, se mostra mais adequada e equilibrada. Relativamente à Parte II – crime de subtração de documento p. e p. pelo artigo 259º, nº 1 do CPenal – cujos contornos não exibem grandes diferenças relativamente aos mesmos crimes que integram a Parte IV -, não se vislumbrando por isso o que levou o tribunal recorrido a impor, no primeiro caso 6 meses de prisão e nos outros dois casos, 4 meses de prisão por cada um, entende-se que será de aplicar àquele, também, a pena de 4 meses de prisão. Quanto a todas as outras situações, considerando todo o contorno factual que as mesmas encerram e, bem assim, as molduras penais correspondentes, e a já dita englobante fundamentação utilizada, entende-se não deverem ser objeto de qualquer intervenção. Considere-se então a pena única encontrada. Reza o tribunal a quo, neste patim recursivo, (…) (a) pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, sem poder porém exceder 25 anos (…) (n)o caso concreto, o limite mínimo é de prisão de 5 anos e 6 meses e o limite máximo de 25 anos de prisão em função do máximo legal (já que a soma das penas parcelares dos arguidos totaliza 25 anos e 4 meses para o arguido Pedro e 27 anos e 3 meses para o arguido Paulo) (…) considerando todos os referidos circunstancialismos, acima enunciados em sede de determinação das penas concretas e que aqui se dão por reproduzidos, julga-se adequada e proporcional a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão para cada um dos arguidos, a qual não admite suspensão nos termos do artº 50º, nº 1, do CP. Sempre salvaguardando, melhor e mais avisada opinião, o tribunal recorrido foi muito parco, para dizer ausente, na enunciação do que avaliou / ponderou / considerou para encontrar a pena única decorrente de cúmulo jurídico. Apelando à moldura abstrata e a um majestático anúncio todos os referidos circunstancialismos não faz um efetivo esforço explicativo relativo à solução que preconiza, parecendo não detetar a exigência expressa no artigo 375º, nº 1 do CPPenal. Todavia, e considerando todo o espetro factual existente, devidamente sedimentado e aceite, há que apurar da pena única, sobre a mesma congeminar e, nessa senda, concluir que se apresenta a mesma, ao que se crê, e como se verá, de manifesto exagero. Esta deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do agente e das diversas penas parcelares, sendo por isso necessário que se obtenha uma visão integrada dos factos, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto, a maior ou menor autonomia, a frequência da comissão dos delitos, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento[21]. Impõe-se o equacionar, em conjunto, a pessoa do autor e os delitos individuais, de modo que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve sempre refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência, sendo que na valoração da personalidade do agente deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si[22]. Há a reter, também, que não emergindo do ordenamento penal português o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem o da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo seu conjunto, este visto não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto os factos e a personalidade do agente[23]. Releva, ainda, a ponderação do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[24]. Toda esta métrica, reclama, por isso, que se fundamente a opção a tomar, por forma a que a medida da pena do concurso não surja como fruto de um ato intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário, pese embora aqui, o dever de fundamentação não assuma nem o rigor nem a extensão dimanados do artigo 71º, podendo, todavia, os fatores enumerados no nº 2 deste inciso servir de mote enformador. Debruçando um olhar no caso sub judice, em termos de pena principal, agora com os ajustes decorrentes das alterações das sobreditas penas parcelares, tem-se como moldura abstrata a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão a 24 (vinte e quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão[25]. O quadro em presença revela algumas preocupações em termos de prevenção geral, face aos diversos crimes perpetrados, onde se inclui um crime de roubo com particulares contornos de desrespeito pelo outro, passível de forte censura social. Ressalta que o arguido recorrente, incorrendo em diversas práticas criminosas, com abraçamento em diferentes tipos criminais, que se foram desenrolando até haver intervenção policial, esquematiza um estar pouco empático e acrítico, que mais se evidencia ante toda a postura processual tomada, tentando transferir quase toda a responsabilidade para o seu coarguido. A par, a circunstância de não exibir antecedentes criminais, estar profissional e familiarmente inserido, usufruir de apoio familiar e ter hábitos de trabalho, havendo notas que poderão anunciar tudo ter ocorrido em período conturbado, mas circunscrito. Concatenando todos estes traços ponderativos, uma pena única algo superior ao mínimo possível, situada no patim dos 8 anos de prisão parece ajustada. * B) Arguido BEste arguido recorrente, tal como atrás se fez menção, apenas se insurge relativamente à dosimetria das diversas penas aplicadas e consequente medida da pena única. Ao que se julga, mostra-se despiciendo renovar todas as considerações supra levadas a cabo quanto à intervenção do Tribunal ad quem em matéria punitiva, o afirmado relativamente aos crimes, de furto qualificado que integra a Parte I, e de subtração de documento referido na Parte II que aqui também valem, impondo-se a respetiva redução. O aqui arguido recorrente, em defesa do seu posicionamento, (…) a medida da pena aplicada se mostra absolutamente excessiva (…) poderia o Tribunal Colectivo ter em alguns dos crimes aplicado pena de multa, e no cúmulo jurídico efectuado poderia ter aplicado uma pena inferior (…) as penas parcelares aplicadas aos diversos crimes deveriam ter sido fixadas nos seu mínimos (…) o arguido interiorizou o desvalor das suas condutas, assumiu a responsabilidade pelos seu actos e reconheceu a prática dos mesmos através da confissão e mostrou sincero arrependimento (…) admitiu a prática dos crimes, sendo que esta postura confessória, contribuiu para a descoberta da verdade material e para que a justiça fosse feita. De outra banda, o tribunal recorrido, quanto a este arguido, para além do atrás tratado, aduz em particular (…) tem já um passado criminal considerável, com nove condenações, das quais avultam condenações pela prática de crimes de furto, simples e qualificado, de tráfico de estupefacientes, de detenção de arma proibida, ou seja, de natureza similar a alguns dos crimes praticados e em apreço nestes autos (…) um percurso de toxicodependência, com evidentes consequências no plano laborar, instável, agravado pelo acidente que sofreu (…) tem apoio familiar – da mãe - e está a fazer tratamento à sua adição na comunidade onde está a cumprir a medida de coação, onde tem tido um comportamento sem reparos (…) confessou a essencialidade dos factos vertidos na acusação. Fê-lo colaborando, de forma muito relevante, para a boa decisão da causa e para a descoberta da verdade material, e revelou uma atitude de grande dignidade, declarando o seu arrependimento em moldes que evidenciaram sinceridade. Para afastar a imposição da pena de multa, nos quadros criminais que o permitiriam (…) o passado criminal do arguido B não permite que se equacione a aplicação da pena de multa. Esta já não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora, ante todo este conjunto de razões é por demais evidente que não só é injustificável a aplicação de penas parcelares correspondentes ao mínimo legal estabelecido, estando já as soluções encontradas muito próximas dessas balizas - aliás como cristalinamente reconhece o arguido ainda que em alguns dos crimes a pena aplicada se situe próxima do mínimo -, como a escolha da pena de multa nas situações possíveis não satisfaz minimamente as finalidades que as penas visam alcançar. Reitere-se e sublinhe-se, o arguido recorrente exibe já um passado criminal ilustrativo de dificuldades em se nortear pelas regras de bem viver que não se compagina com a aplicação de penas, no caso em apreço, situadas no marco do mínimo legal possível e, bem assim, com recurso à pena de multa. Todavia, e ponderando todo o palco factual onde se move a decisão em sindicância, crê-se que relativamente ao crime de furto qualificado p.e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e) do CPenal – Parte VI – pelo qual o arguido recorrente foi condenado, atentando aos valores e bens em causa e porque se não vislumbra grandes diferenças relativamente a outros – Parte I, pena agora fixada, Parte III -, nem o tribunal recorrido o logrou minimamente demonstrar, entende-se ser de fixar a pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Importa então intervir na pena única, repescando-se, também aqui todo o atrás debitado quer quanto ao percurso tomado pelo tribunal de 1ª instância, de alguma fragilidade / inconsistência justificativa, quer quanto aos motes que importa atender na escolha daquela e, ainda, quanto a sua desproporção. Aponte-se que aqui a moldura oscila, agora, entre 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e 26 (vinte e seis) e 5 (cinco) meses. Tal como se adiantou, está-se perante retrato revelador de preocupações em termos de prevenção geral, face aos diversos crimes perpetrados, onde se inclui um crime de roubo com particulares contornos de desrespeito pelo outro, passível de forte censura social. Ressalta que o arguido recorrente, incorrendo em diversas práticas criminosas, com abrangência em diferentes tipos criminais, que se foram perpetrando até haver intervenção policial, exibe passado criminal de algum significado, elucidativo de dificuldade em se orientar pautado pelo normativo vigente. Em seu abono, o eficazmente sublinhado na decisão revidenda, beneficia de apoio familiar da sua mãe, predispôs-se a enfrentar a sua problemática de consumo de estupefacientes, posicionou-se em tribunal confessando os factos e colaborando, de forma muito relevante, para a boa decisão da causa e para a descoberta da verdade material, e revelou uma atitude de grande dignidade, declarando o seu arrependimento em moldes que evidenciaram sinceridade, variantes estas que fazem crer pela existência de vontade em mudar de vida e tomar rumo de adesão às regras vigentes. Sopesando todos estes traços ponderativos, igualmente aqui, uma pena única algo superior ao mínimo possível, situada no patim dos 8 anos de prisão parece justa e equilibrada.
III – Dispositivo Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal - 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em: 1. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A e em consequência, 2. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B e em consequência, * Sem Custas – artigo 513º, nº 1, a contrario, do CPPenal.* Comunique de imediato ao tribunal recorrido, independentemente do trânsito em julgado da decisão.* (O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, nº 2, do C.P.P.)Évora, 21 de maio de 2024 Carlos de Campos Lobo Renato Barroso Fernando Pina __________________________________________________ [1] Cfr. fls. 930 [2] Neste sentido o Acórdão do STJ de 8/07/2022, proferido no Processo nº 469/21.0GACSC.S1. [3] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/04/2022, proferido no Processo nº 381/20.PCSTB.E1. [4] Como se poderá ver adiante, esta linha de abordagem pode suscitar dificuldades de compatibilização. [5] Neste sentido o Acórdão do STJ de 15/12/2005, proferido no processo 2.951/05 onde se refere “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.” E também o Acórdão do STJ de 10/01/2007, proferido no processo 06P3518, disponíveis em dgsi.pt. [6] Acórdão do STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012. [7] Neste sentido o Acórdão do STJ, de 26/04/2007, proferido no Processo nº 3318/07-9, disponível em www.dgsi.pt. [8] Neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/01/2017, proferido no Processo nº 112/15.6GAPNC.C1 e de 17/05/2017, proferido no Processo nº 430/15.3PAPNI.C1 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/01/2017, proferido no Processo nº 1050/14.5PFCSC.L1-3, disponível em www.dgsi.pt. [9] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14/12/2005, proferido no Processo nº 1559/05-1, disponível em www.dgsi.pt. [10] Neste sentido GONÇALVES, Maia, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; SANTOS, Simas, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121. [11] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição atualizada, 2009, Universidade Católica Editora, p. 1095. [12] GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2ª Edição Revista, 2016, Almedina, p.1275. [13] Ver os Acórdãos do STJ de 12/11/98, BMJ 481, p.325 e de 9/12/98, BMJ 482, p.68. Ainda os Acórdãos do S.T.J de 24/3/2004 proferido no Processo nº 03P4043 e de 3/03/1999, proferido no Processo nº 98P930 e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27/04/.2006, proferido no Processo nº 625/06, disponíveis em www.dgsi.pt.. [14] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4/02/2015, proferido no Processo nº 1190/12.5TACBR.C1, disponível em www.dgsi.pt. [15] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29/2/2012, proferido no Processo nº 21/06.0GAMLD-B.C1, disponível em www.dgsi.pt. Ainda, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 23/11/2010, proferido no Processo nº 269/09.5TACBR.C1, disponível em www.dgsi.pt. - Numa evolução mais recente, a doutrina tem vindo a entender que o bem jurídico do crime de falsificação de documento é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental. Também, MONIZ, Helena, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, p. 680 - O crime de falsificação ou contrafacção de documento é um crime comum, de perigo abstracto e de mera actividade, que tutela o bem jurídico segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório. [16] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3/10/2012, proferido no Processo nº 327/10.3PBVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt. Ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/05/2014, proferido no Processo nº 209/13.7GAFCR-A.C1 e do Tribunal da Relação do Porto, de 8/06/2022, proferido no Processo nº 179/19.8PWPRT.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [17] Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29/01/2014, proferido no Processo nº 55/13.8GBFVN.C1 e de 28/05/2014, proferido no Processo nº 209/13.7GAFCR-A.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. [18] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 12/07/2012, proferido no Processo nº 1718/02.9JDLSB, disponível em www.dgsi.pt. [19] Cfr. pontos 1, 4, 10 e 24. [20] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/05/2009, proferido no Processo nº 09P0484, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler (…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada. [21] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 28/4/2010, proferido no Processo 4/06.0GACCH.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. - I - Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa. II - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). III - A substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo, e como refere Cláudia Santos (RPDC, Ano 16.º, pg. 154 e ss.), as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas. IV - Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. V - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. [22] Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 27/05/2015, proferido no Processo nº 173/08.4PFSNT-C.S1. Ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/01/2010, proferido no Processo nº 561/08.6GBAGD.C1, onde se pode ler Perante o concurso de penas há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos ao arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, vistos na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado, e considerar o fio condutor presente na repetição criminosa (…), disponíveis em www.dgsi.pt. [23] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, pp. 290-292. [24] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 292. [25] Agora atentando à redução das penas parcelares supra aborda |