Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1779/14.8TAPTM.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – A injúria não pode confundir-se com a indelicadeza, com a falta de polidez, com a grosseria, comportamentos que relevam não mais do que falta de educação.
II – O carácter injurioso de determinada palavra, frase ou acto, está fortemente dependente do lugar, do ambiente em que ocorre, das pessoas entre as quais ocorre, do modo como ocorre; está dependente, até, da classe social do arguido e do ofendido, do respectivo grau de educação e de instrução, do seu relacionamento, dos seus hábitos de linguagem.
III – Em conformidade com as proposições anteriores, não comete o crime de injúria o arguido, Presidente de uma Cooperativa, que numa assembleia desta, perante a insistência do assistente, «de forma descontextualizada e provocadora», reiterando «insinuações» anteriores, em questionar o destino de determinada quantia, mesmo depois de tal explicação lhe ter sido outorgada, insistindo que a explicação «não correspondia à verdade», lhe dirige as expressões «você é burro», «não percebe nada disto», «não sabe ler».
IV – As referidas expressões, configurando embora um modo impróprio, mesmo grosseiro e deseducado de replicar, por parte do arguido, dirigido embora, em sentido crítico, mais à conduta obstinada do assistente do que à sua (do assistente) auto-estima e auto-avaliação, não podem ter-se como lesivas da respectiva honra e consideração.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1779/14.8TAPTM.E1

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I

1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, BB, foi pronunciado pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de injúria, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no artigo 181.º n.º 1, do Código Penal (CP) e, de par, foi demandado pelo assistente, CC, pela quantia indemnizatória de € 2.000.

2 – O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos.

3 – Precedendo audiência de julgamento, com alteração não substancial dos factos, a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido, por sentença de 24 de Junho de 2016, decidiu absolver o arguido do crime por que vinha acusado e do pedido de indemnização civil por que fora demandado.

4 – O assistente interpôs recurso da sentença.
Precedendo aperfeiçoamento, extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso tem por objecto a sentença que absolveu o arguido por um crime de injúrias, p. e p. no art.º 181º do C.P.
B) Mais absolvendo o arguido no pagamento de € 2.000,00 ao recorrente a título de indeminização cível por danos morais.
C) Crê o recorrente que foram incorretamente julgados TODOS os pontos dos factos dados como não provados, razão pela qual,
D) O Recorrente impugna (cumprindo os requisitos do disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do C.P.P) os factos que o Tribunal julgou não provados, por considerar que, quanto aos mesmos, existe prova bastante e suficiente, para que os mesmos (factos) sejam dados como provados.
(…)
X) Devendo o Tribunal "ad quem" revogar o douto acórdão de que ora se recorre, substituindo o mesmo por Decisão que estabeleça um quadro fáctico de acordo com o pretendido pelo presente recurso e, consequentemente, proferida Decisão que condene o arguido pela prática do crime de injúrias.
No entanto,
Y) Caso assim não se entenda, sempre se dirá que existe erro notório na apreciação da prova – art. 410 nº 2 al. c) do CPP, porquanto, conforme já se referiu considerou o Tribunal a quo provado que:
- Nesse circunstancialismo, e quando, em seguida, usou da palavra, o arguido dirigiu-se ao assistente dizendo “você é burro”, “não percebe nada disto”, “não sabe ler”.
E «não provado» que:
- O arguido actuou com o claro propósito de, perante terceiros, denegrir a imagem do assistente, formulando um juízo sobre a sua pessoa, ofensivo da sua honra e consideração.
- Pretendendo, nessa medida, atingir o seu bom nome, reputação e idoneidade moral.
- Com a consciência e a intenção de ofender a honra e a dignidade pessoal do assistente. O que quis.
Z) Fundamentando esta decisão, por ter havido, segundo o entendimento do tribunal a quo sucessivas provocações e insinuações por parte do próprio assistente relativamente à direcção da Cooperativa e, indirectamente, à pessoa do aqui arguido, enquanto seu presidente.
Assim,
AA) Entendendo que as afirmações proferidas, pelo arguido BB devem ser entendidas, não como injuriosas, mas como incluídas num contexto de discórdia e desentendimento (…).
BB) Consideramos tal posição incorrecta, uma vez que, da conjugação intrínseca e extrínseca de toda a prova produzida naquela sede, impunha-se uma decisão diferente da proferida pelo tribunal “a quo”.
CC) Expressões como “você é burro”, “não percebe nada disto”, “não sabe ler”, proferidas pelo arguido contra o Assistente têm um significado, inequivocamente, ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, e quanto a nós “situando-se muito para além da mera violação das regras de cortesia e de boa educação e a atingindo já o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em Sociedade’’- in Ac. da Rel. do Porto de 14-3-2007, procº nº 0616784, in www.dgsi.pt).
DD) Mais se dirá que que as expressões utilizadas no contexto em que foram proferidas não lhes retira o carácter injurioso que objectivamente possuem.
EE) De facto é o oposto, pois que, daquelas acusações o que resulta é que aquelas palavras – Você é burro - foram proferidas na sequência de questão colocada pelo Assistente – tendo este explicado a razão de tal pergunta – em Assembleia por forma a serem escutadas por todas as pessoas que ali se encontravam, como efectivamente sucedeu, com intenção de atingir o assistente na sua honra e consideração social, o que conseguiu, querendo enxovalhá-Io, vexando-o e insultando-o publicamente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
FF) Concluímos, desta forma, que o Tribunal a quo andou mal e, em erro evidente.
GG) Tanto mais que, não se percebe qual a relevância do propalado “contexto de discussão ou desentendimento”, até porque as injúrias são sempre ou quase sempre, na normalidade dos casos, proferidas num “contexto de discussão ou desentendimento”, sendo assim que, a seguir-se tal entendimento, como refere o assistente, (…) tal equivaleria a descriminalizar o crime de injúria, uma vez que, como se disse, mal se compreende que as injúrias não sejam proferidas no âmbito de uma discussão”. in Ac. da Rel. do Guimarães de 11-06-2008, proc.º nº 217/08-1, in www.dgsi.pt).
HH) No entanto e apesar de, in casu, as expressões utilizadas pelo arguido o terem sido em ambiente de tensão, “desse facto apenas é possível concluir que quem as proferiu, visou atingir a sua honra. “É isso que indicam as «regras da experiência comum» (corpo da norma do art. 410 nº 2 do CPP).
II) Assim, salvo o devido respeito, estamos perante um erro notório na apreciação da prova, devendo assim, a matéria de facto passar a descrever-se conforme infra:
- O arguido actuou com o claro propósito de, perante terceiros, denegrir a imagem do assistente, formulando um juízo sobre a sua pessoa, ofensivo da sua honra e consideração.
- Pretendendo, nessa medida, atingir o seu bom nome, reputação e idoneidade moral.
- Com a consciência e a intenção de ofender a honra e a dignidade pessoal do assistente.
- O que quis.
- Sabia que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
JJ) E, consequentemente, o arguido ser condenado por um crime de injúria p. e p. pelo art. 181 nº 1 do código Penal.
KK) No entanto, mesmo que não se considere o supra aludido sempre se dirá que o estão preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do crime de injúrias,porquanto:
LL) Como é entendimento que uniformemente vem sendo seguido pela jurisprudência e pela doutrina, para o efeito de preenchimento do elemento subjectivo deste ilícito, não releva o resultado típico, isto é, que o ofendido se tenha sentido humilhado ou tenha sofrido com o facto, pois que o crime de injúria se enquadra na categoria dos crimes de perigo e não de dano.
MM) Por outro lado, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado ou sequer que haja previsto o perigo, bastando a consciência da genérica perigosidade da sua conduta ou do meio de acção previstos na norma incriminadora. - In www.dsgi.pt, acórdão nº 169/10.6GFVFX.L1-3 de 24-04-2013 do Tribunal da Relação de Lisboa.
NN) A verificação dos elementos do crime em causa basta-se com o carácter objectivamente injurioso dos factos imputados ou das expressões proferidas pelo agente.
OO) Ou seja, é suficiente, para que o crime se tenha por verificado, que os factos imputados ou as expressões proferidas revistam carácter injurioso, nos termos acima delineados, atentas as regras de experiência comum e de normalidade social.
PP) Do ponto de vista subjectivo, o crime de injúria surge configurado como um crime doloso, não se exigindo, todavia, uma especial intenção de injuriar mas apenas a consciência, por parte do agente, de que os factos imputados ou as expressões proferidas são ofensivos da honra e consideração da pessoa visada ou objectivamente idóneos a produzir esse resultado (cfr art.°s 181.° e 14.° do Código Penal). – in www.dgsi.pt, acórdão nº 163/13.5GBELV.E1 de 10/05/2016 do Tribunal da Relação de Évora.
QQ) No caso dos autos resultou provado ter o arguido proferido o palavras "Burro" dirigidos ao assistente. Tal expressão, que significará alguém que se considera ter falta de inteligência. = ESTÚPIDO, TOLO, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/burro [consultado em 02-09-2016], é indiscutivelmente susceptível de causar ofensa e tristeza a quem é dirigida.
RR) Assim, concluindo, no caso dos presentes autos, que o arguido bem sabia que ao proferir tais expressões ofendia a dignidade da assistente e, mesmo assim, quis fazê-lo, o que determina que se considere estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de lícito criminal em causa, impondo-se a sua condenação. - Acórdão nº 163/13.5GBELV.E1 de 10/05/2016 do Tribunal da Relação de Évora.
SS) Deste modo, deverá o Tribunal "ad quem" revogar a douta Sentença de que se recorre, proferida pelo tribunal “a quo”, substituindo-a por decisão que condene o arguido pela prática de um crime de injúrias, p. e. p. pelos artigos 181º, n.º 1 do Código Penal.
TT) Consequentemente deverá o pedido de indemnização civil proceder.
UU) Nos presentes autos o Recorrente só peticionou a ressarcibilidade de danos de natureza não patrimonial.
VV) No caso cremos que resultou provado, dos depoimentos supra transcritos, que, na sequência do comportamento do arguido/demandado, o ora Assistente/Demandante sentiu-se humilhado e envergonhado.
WW) Ora, face ao acima exposto, só pode ser de concluir-se que os danos sofridos pelo demandante foram de tal maneira graves que são indiscutivelmente relevantes, pelo que são indemnizáveis nos termos legais.
XX) Mostrando-se a a quantia peticionada em sede de Pedido de Indemnização Cível, razoável, satisfazendo os fins subjacentes à determinação da mesma, à luz da equidade e, ainda, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494.º do CC, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam os correspondentes sofrimentos, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
YY) Devendo, portanto, o arguido ser condenado no valor peticionado pelo Recorrente, acautelando, os danos não patrimoniais sofridos, como tal, concedendo a procedência total ao pedido de indemnização civil do Assistente.
Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência ser alterada a matéria de facto dada como provada e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença na parte em que absolve o Arguido, condenando-o pelo crime de injúrias como é de JUSTIÇA!
Mais deverá ser a Douta Sentença revogada, substituindo-a por outra que condene o Arguido/Demandado ao pagamento da quantia peticionada a título de indemnização civil por danos não patrimoniais.»

5 – O recurso foi admitido, por despacho de 15 de Setembro de 2016.

6 – O arguido respondeu ao recurso.
Defende a confirmação do julgado.
Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:
(…)
XXIV Resumindo, como supra se demonstrou não há quaisquer indícios de que o Recorrido tenha pretendido achincalhar a pessoa do Recorrente, nem que as expressões proferidas tenham atingido direito à honra e consideração do Recorrente de forma a reclamar a intervenção do direito penal, pelo que sempre terá que se considerar que se não encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de injúria de que o Recorrido vinha acusado, pelo que se impunha a sua absolvição.
XXV Resultando provado que o Recorrido não cometeu qualquer facto típico, ilícito e culposo, razão pela qual foi absolvido do ilícito que lhe havia sido imputado, necessariamente se impõe considerar improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, ora Recorrente, absolvendo-se o Recorrido do mesmo».

7 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em primeira instância respondeu, defendendo que o recurso merece parcial provimento.
Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:
(…)

8 – Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto defende que o recurso deve ser rejeitado, por incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 412.º, do Código de Processo Penal (CPP).

9 – Atento o teor das conclusões da minuta recursiva, o objecto do recurso reporta a saber (i) se a sentença revidenda padece de vício de procedimento, (ii) se a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e/ou em erro de jure, na operação subsuntiva.
Questão prévia, suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, é a de saber se o recurso deve ser rejeitado, por incumprimento do disposto no artigo 412.º n.º 1, do CPP.
II

10 – Quanto à questão suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto afigura-se – ressalvado o muito e devido respeito – que, mesmo não sendo modelares (em concisão, no cumprimento da regras contida no artigo 412.º n.º 1, do CPP), mesmo após o determinado aperfeiçoamento, as conclusões da motivação recursiva não deixam de concretizar (mesmo se de modo prolixo) «o onde e o porquê se decidiu mal e o como se devia ter decidido» (no dizer de Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, em «Recursos Penais», Rei dos Livros, 8.ª edição, 2011, pág.111).

11 – Por outro lado, não se vê que a norma resultante do disposto nos artigos 417.º n.os 2 e 3 e 420.º n.º 1 alínea c), do CPP, comine a rejeição do recurso nos casos, como o presente, de incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 412.º, do CPP, figurando-se que a rejeição do recurso se estabelece, tão-apenas, para os casos de inobediência ou desrespeito pelos comandos contidos nos n.os 3 e 4 do mesmo preceito.

12 – Termos em que o recurso desmerece a pretextada rejeição.

13 – Sem embargo, figura-se irregular o cumprimento dado pelo recorrente ao ónus especificatório definido nos n.os 3 e 4 do referido artigo 412.º, do CPP.

14 – Para cumprimento de tal dever de colaboração, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova, pois que só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.

15 – As provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.

16 – Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.

17 – Em resumo, no caso, o falado incumprimento, pelo recorrente, do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º, do CPP, não pode deixar de obstar à apreciação (pelo menos na dimensão de uma análise pontual) nesta instância, da divergência levada, pelo recorrente, em sede de erro de julgamento sobre a matéria de facto.

18 – A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo apreciou a matéria de facto nos seguintes termos:
«Da discussão da matéria de facto, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido BB exerce, há cerca de 23 anos, o cargo de Presidente da Direcção da Cooperativa DD, com sede na Rua …., no ….
2. O assistente CC exerceu, por período não concretamente apurado e até ao ano de 2013, cargos de direcção da mesma Cooperativa.
3. No dia 29.07.2014, no período compreendido entre as 18:45 e as 22:30, teve lugar uma Assembleia-Geral Extraordinária da Cooperativa DD, nas instalações da Junta de Freguesia do …, com a ordem de trabalhos restrita à apresentação de propostas técnicas para a reparação dos terraços em 16 blocos de apartamentos, reparação esta já anteriormente aprovada.
4. Na aludida Assembleia, cujos trabalhos decorreram sob um ambiente de alguma tensão, participaram mais de 60 cooperantes.
5. Tal como já sucedera em anteriores Assembleias, desde 2013, o assistente, de forma descontextualizada e provocadora, insinuou que a Cooperativa era detentora da importância de € 670.000,00, questionando a direcção sobre o destino de tal avultada quantia monetária.
6. O que causou, como em anteriores situações, indignação dos presentes, na medida em já havia sido aprovada, pelos cooperantes, em anterior Assembleia e por inexistência de fundos, a celebração de empréstimo bancário para financiar as obras nos terraços.
7. E tal como em anteriores Assembleias, foi explicado aos cooperantes presentes que a rubrica onde se incluía tal verba respeitava às entradas efectuadas pelos novos cooperantes aquando da realização de contratos-promessa de compra e venda de habitações, não pertencendo, por conseguinte, à Cooperativa DD.
8. O que o assistente insistiu não corresponder à verdade.
9. Nesse circunstancialismo, e quando, em seguida, usou da palavra, o arguido dirigiu-se ao assistente dizendo "você é burro", "não percebe nada disto", "não sabe ler".
10. O que despoletou um sorriso da parte do assistente.
11. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
Provaram-se, ainda, os seguintes factos relativos à situação pessoal do arguido BB:
12. O arguido é reformado, auferindo uma reforma mensal no valor de € 1.400,00.
13. Exerce, ainda, o cargo, não remunerado, de Presidente da Cooperativa DD.
14. Reside com a esposa e a filha, em casa própria.
15. Suporta uma prestação mensal no valor de € 85,00 a título de empréstimo bancário contraído com vista à respectiva aquisição.
16. Suporta uma prestação mensal no valor de € 350,00 a título de empréstimo bancário contraído para aquisição de veículo automóvel.
17. Tem as despesas normais do agregado familiar.
18. Estudou até ao 9° ano de escolaridade.
19. Não tem antecedentes criminais.
20. É tido como uma pessoal calma, educada e respeitadora.
III. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, desde logo os que estão em contradição com os que foram dados como assentes, sendo certo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria.
Designadamente, não se provou que:
21. O arguido actuou com o claro propósito de, perante terceiros, denegrir a imagem do assistente, formulando um juízo sobre a sua pessoa, ofensivo da sua honra e consideração.
22. Pretendendo, nessa medida, atingir o seu bom nome, reputação e idoneidade moral.
23. Com a consciência e a intenção de ofender a honra e a dignidade pessoal do assistente.
24. O que quis.
25. Sabia que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
26. O assistente sentiu-se envergonhado e profundamente desonrado com as expressões injuriosas que lhe foram dirigidas pelo arguido.
27. O assistente é pessoa de bem, educada, sensível, recatado.
28. O comportamento do arguido causou no assistente profundo desgosto, tristeza, angustia, medo e inquietação.
IV. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
(…)

19 – Importa, desde logo, dar nota, de ofício e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP.

20 – Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.

21 – Tendo por referência a douta alegação recursiva, não se verifica a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como não se verifica o pretextado erro notório na apreciação da prova, desde logo na medida em que, como exigido no n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, não resultam do texto da sentença recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», antes se constatando (na manifestação de uma divergência relativamente à prova produzida e à convicção da Mm.ª Juiz sobre os elementos probatórios corridos em audiência), que o recorrente invoca, por um lado, um erro de julgamento da matéria de facto (uma divergência de convicção relativamente à prova produzida) e, por outro lado (naquilo que se centra em saber se a expressão «burro», que, comprovadamente, o arguido dirigiu ao assistente, configura o tipo objectivo do crime de injúria acusado), alega um erro de julgamento da matéria de direito.

22 – Como se deixou editado acima, nos §§ 13 a 17, a questão da divergência manifestada pelo recorrente relativamente à matéria de facto, em sede de erro de julgamento, não pode ser apreciada nesta instância com a amplitude de um conhecimento especificado e pontual.

23 – Sem embargo, mesmo ex abundanti, revista a prova produzida na audiência de julgamento levada na instância (particularmente no cotejo das declarações ali produzidas pelo arguido e pelo assistente, contraditórias sobre os factos e sobre as intenções, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas, também contraditórios, passando a consistência ou inconsistência dos relatos que só pode ser concluída a partir da proximidade, da contiguidade), à míngua da imediação e da oralidade de que a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido beneficiou, a tese sustentada, fundamentadamente, na sentença, nos termos e âmbito do disposto, maxime, nos artigos 374.º n.º 2 e 127.º, do CPP, mesmo que se não possa ter como imposta, tem de ter-se por consentida pela prova na audiência levada em primeira instância.

24 – Com efeito, as declarações prestadas pelo arguido, de par com os depoimentos das testemunhas …, secretária da mesa da assembleia geral da Cooperativa, …, cooperante e membro da direcção, e …, mulher do arguido, presidente da mesa da assembleia, presentes no momento dos factos, credibilizam a tese da Defesa, figurando-se lacunar e faccionário seja o depoimento do assistente, seja o depoimento das testemunhas que o abonaram.

25 – Ora, sob análise e valoração, neste Tribunal ad quem, das provas produzidas no Tribunal recorrido, a convicção ora formada sobre os factos sob julgamento (seja quanto aos que devem considerar-se como provados, seja no que respeita aos que devem ter-se como não provados) não diverge daquela que a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo alcançou e exprimiu na decisão recorrida.

26 – E assim, precedendo ponderação e convicção autónomas e autonomamente formuladas, nesta instância recursória, e tudo sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e mesmo pelos termos, modelo e modo de impugnação, inerentes ao recurso sub indice.

27 – Termos em que, nesta parcela – e sem qualquer desdouro para o esforço argumentativo do recorrente –, o recurso não pode lograr provimento.

28 – O punto nodens da questão estará em saber se os factos sedimentados, como provados, nos §§ 1 a 11, da sentença revidenda – em assembleia geral da Cooperativa que ambos integram e de que o arguido é director, perante sessenta cooperantes e em ambiente de tensão, depois de o assistente, como em outras ocasiões precedentes, de forma descontextualizada e provocadora, ter insinuado que a Cooperativa era detentora de 670 mil euros e inquirido sobre o destino que lhes foi dado, causando a indignação dos presentes, por a questão já ter sido clarificada, insistindo o recorrente em que tal explicação não correspondia à verdade, o arguido dirigiu-se ao assistente dizendo «você é burro», «não percebe nada disto», «não sabe ler», o que despoletou um sorriso por parte do assistente – configuram o tipo objectivo do crime de injúria p. e p. nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 181.º, do CP.

29 – O n.º 1 do artigo 181.º, do CP persegue «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração».

30 – Está em causa o direito ao bom nome e reputação que consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem.

31 – Na lição do Prof. Beleza dos Santos, «a honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ter um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração, ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos, de o não julgar um valor negativo» (em «Algumas Considerações Jurídicas sobre Crimes de Difamação e de Injúria», na Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), ano 92.º, pág. 166) – vale por dizer que o bem jurídico honra traduz uma presunção de respeito, por parte dos outros, que decorre da dignidade moral da pessoa, sendo o seu conteúdo preenchido, basicamente, pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros.

32 – Está em causa, mais do que tudo, a pretensão de se não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.

33 – Como assim, não pode considerar-se penalmente relevante a mera susceptibilidade pessoal.

34 – E não pode confundir-se a injúria com a indelicadeza, com a falta de polidez, com a grosseria, comportamentos que relevam não mais do que na dita falta de educação.

35 – Uma conduta pode ser censurável em termos éticos, de relação, até profissionais, e não ser censurável em termos penais, pois que não integra a tipicidade de qualquer crime, designadamente do crime contra a honra aqui em questão.

36 – Por outro lado, tem de reconhecer-se a relatividade que envolve a acção típica, pois que, à luz do que vem de expor-se, o carácter injurioso de determinada palavra, frase ou acto, está fortemente dependente do lugar, do ambiente em que ocorre, das pessoas entre as quais ocorre, do modo como ocorre; está dependente, até, da classe social do arguido e do ofendido, do respectivo grau de educação e de instrução, do seu relacionamento, dos seus hábitos de linguagem.

37 – Vejam-se, a respeito, com particular relevo, A. SILVA DIAS, «Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias», 1989, pp. 17/18; OLIVEIRA MENDES, «O Direito à Honra e a sua Tutela Penal», 1996; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, «Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal de Imprensa Português», RLJ ano 115.º, pp. 100 e segs.; LUÍS OSÓRIO, «Notas ao Código Penal Português», vol. III, anotação aos arts. 407.º e segs.; NUNO ALBUQUERQUE E SOUSA, «A Liberdade de Imprensa», no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (BFDUC), Suplemento, Vol. XXVI, pp. 179 e segs.; JOSÉ DE FARIA COSTA, «A informação, a honra, a crítica e a pós-modernidade (ou os equilíbrios instáveis do nosso desassossego)», na Revista Portuguesa de Ciência Criminal (RPCC), ano 11.º, fasc. 1.º, pp. 144 e segs. e no «Comentário Conimbricense do Código Penal», Parte Especial, Tomo I, 1999, pp. 629 e segs. Vd. também BERNARD BEIGNIER, «L’Honneur et le Droit», LGDJ, Paris, 1995; JESÚS GONZÁLEZ PÉREZ, «La Dignidad de la Persona», Civitas, 1986; XAVIER O’CALLAGHAN, «Libertad de expresión y sus límites: honor, intimidad e imagen», Ed. Revista de Derecho Privado, Madrid, 1991; SANTIAGO SANCHEZ GONZALEZ, «La Libertad de Espresion», Marcial Pons, Madrid, 1992; AURELIA MARIA ROMERO COLOMA, «Los derechos al honor y la intimidad frente a la libertad de expresión e información. Problemática procesal.», Serlipost, Barcelona, 1991; MAITE ÁLVAREZ VIZCAYA, «Libertad de expresión y principio de autoridad: el delito de desacato», Bosch, Barcelona, 1993; MANUEL JAEN VALLEJO, «Libertad de expresión y delitos contra el honor», Colex, 1992; CARLOS-JAVIER RODRIGUEZ GARCIA, «Contingencias varias de jurisprudencia e honra», Dykinson, SL, Madrid, 1994; ALFONSO CARDENAL MURILLO e JOSE L. SERRANO GONZALEZ DE MURILLO, «Proteccion Penal del Honor», Univ. Estremadura, Civitas, 1993; CLEMENTE GARCIA GARCIA e ANDRES GARCIA GOMEZ, «Colision entre el derecho a la intimidad y el derecho a la informacion y opinion. Su proteccion juridica», Murcia, 1994; BORIS LIBOIS, «Ethique de L’Information – Essai sur deontologie journalistique», Ed. Univ. Bruxelles, 1994.


38 – Precedendo refutação de uma «concepção fáctica de honra» bem assim de uma «concepção normativa de honra» de um «conceito normativo-social de honra» e também de um «conceito normativo-pessoal de honra», antes subscrevendo uma «concepção dual de honra» sublinhava o Professor José de Faria Costa [no Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1.ª edição, 1999, pp. 606 e segs., e 2.ª edição, 2012, pp. 908 e segs. (910/911)]:
«§ 14 Em face destas dificuldades, não surpreende que a doutrina dominante tempere a concepção normativa com uma dimensão fáctica (concepção dual): a honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. Na sintética formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, o que se protege “é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora (Träger) de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência (Geltung) deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade. Fundamento essencial da honra interior e, desta forma, núcleo da capacidade de honra do indivíduo, é a irrenunciável dignidade pessoal (Personenwürde) que lhe pertence desde o nascimento e cuja inviolabilidade a Lei Fundamental reconhece no art. 1 (...). Da honra interior decorre a pretensão jurídica, criminalmente protegida, de cada um a que nem a sua honra interior nem a sua boa reputação exterior sejam minimizadas ou mesmo totalmente desrespeitadas” (BGH, 18-11-1957, JZ 1958 617).
«§ 15 Uma conclusão que, acentue-se desde já, é a única compatível com a nossa própria lei. Na verdade, e ao contrário do que acontece noutras legislações, o ordenamento jurídico-penal português, na linha da tradição anterior e, sobretudo, em inteira consonância com a ordem constitucional, alarga a tutela da honra também à consideração ou reputação exteriores. Forma de perceber as coisas que é posta em destaque e salientada por Figueiredo Dias quando escreve: “a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico ‘honra’, que o faça contrastar com o conceito de ‘consideração’ (...) ou com os conceitos jurídico-constitucionais de ‘bom nome’ e de ‘reputação’. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da ‘honra’ ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito quer puramente fáctico, quer — no outro extremo — estritamente normativo” (Figueiredo Dias, RLJ 115° 105)».

39 – Adiante, expendeu o Professor José de Faria Costa (Direito Penal Especial, Coimbra Editora, 2004, pp. 104/105) nos seguintes termos:
«O facto de a honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. Uma prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais - de limites extraordinariamente baixos - que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra. E a explicação para tal “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, para uma certa perda da sua importância relativa, pode justificar-se, segundo cremos, de diferentes modos e por diferentes vias. Por um lado, julgamos poder afirmar-se uma sua verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até algumas décadas estavam misturados com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que chamamos honra. Referimo-nos a valores como a privacidade, a intimidade ou a imagem, que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa, a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem - tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal».

40 – Importa, a respeito, ter presente o disposto no artigo 18.º n.º 2, da Constituição:
«A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».

41 – Vale por convocar o carácter subsidiário ou fragmentário do direito criminal com ratio de intervenção limite na ordenação social.

42 – E aditar que a ofensa à honra e consideração não pode ser perspectivada em termos estritamente subjectivos, isto é, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra – na perspectiva interior/exterior – para que a ofensa exista.

43 – Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido, as relações entre eles, entre outros aspectos.

44 – Neste sentido e perspectiva, escrevia já o Professor Beleza dos Santos, (ob. cit., pág. 167), citando Jannitti Piromallo, que «os crimes contra a honra ofendem um sujeito, mas não devem ter-se em conta os sentimentos meramente pessoais, senão na medida em que serão objectivamente merecedores de tutela».

45 – O direito ao bom-nome e reputação, com consagração constitucional (artigo 26.º, da Lei Fundamental) conflitua, amiúde, com o princípio constitucional da liberdade de expressão (artigo 37.º, da CRP), que traduz o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento a que se consente a amplitude da emissão de juízos desfavoráveis, criticas, embora com os limites, designadamente, decorrentes do respeito devido à honra e dignidade do interlocutor ou visado.

46 – Estes direitos ao bom-nome e reputação e à livre expressão, que têm, em princípio, igual valor não podem ser entendidos em termos absolutos e, em caso de conflito, têm de ser harmonizados nas circunstâncias concretas.

47 – Figura-se que, no sopeso de tais direitos e valores, é de acolher, data venia, a jurisprudência trazida no acórdão, do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 12 de Junho de 2002 (processo 333/02, disponível, como os mais citandos, em www.dgsi.pt), e reiterado no acórdão, do mesmo TRP, de 24-02-2016 (processo 719/14):
«É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente prejudicada por outra, por exemplo, pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função.
O facto de estarem presentes outras pessoas não interfere com o conteúdo e alcance das expressões dirigidas pela arguida à assistente. Essas expressões valem por si e não pelo número ou qualidade das pessoas que as presenciaram.»

48 – De resto, a jurisprudência dos tribunais superiores (respigando apenas a mais recente) tem acentuado o falado princípio da intervenção mínima, mesmo que sobre a sensibilidade (ou mesmo a susceptibilidade daquele visado com os epítetos ditos injuriosos), no entendimento de que não integram o tipo objectivo do ilícito em questão as expressões «palhaço» [acórdãos, do TRP, de 19-12-2007 (processo 0745811), de 9-9-2009 (processo 564/07), de 13-6-2012 (processo 18/11), de 24-2-2016 (processo 719/14)), «camelo» [acórdão, do TRP, de 9-9-2009 (processo 564/07)], «abutre» [acórdão, do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), de 17-12-2013 (processo 635/10)], «maluco» [acórdão, do TRP, de 17-12-2005 (processo 0515154)], «bêbado», «deficiente» [acórdão, do TRP, de 20-4-2016 (processo1171/13)], «chavalo» [acórdão, do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 10-7-2014 (processo 1205/13)], «fascista», «ditador» [acórdão, do Tribunal da Relação de Évora (TRE), de 7-2-2017 (processo 216/14)].

49 – Tudo para referir que, também neste particular, a sentença revidenda não merece censura ou reparo.

50 – Retomando o caso sub indice e a (frieza distanciada) da materialidade apurada – e sem qualquer desdouro para a sensibilidade e para o esforço argumentativo do recorrente –, numa assembleia de uma cooperativa em que o assistente insiste, «de forma descontextualizada e provocadora», reiterando «insinuações» anteriores, em questionar o destino de determinada quantia, mesmo depois de tal explicação lhe ter sido outorgada, insistindo que a explicação «não correspondia à verdade», as expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido – «você é burro», «não percebe nada disto», «não sabe ler», configurando embora um modo impróprio, mesmo grosseiro e deseducado de replicar, por parte do arguido, dirigido embora, em sentido crítico, mais à conduta obstinada do assistente do que à sua (do assistente) auto-estima e auto-avaliação, não podem ter-se como lesivas da respectiva honra e consideração – sendo ademais significativo o «sorriso» em que se traduziu a reacção do assistente às palavras do arguido.

51 – Não se verifica, pois, um agir ilícito, por parte do arguido.

52 – A inverificação de tal ilicitude previne a condenação do arguido no pedido de indemnização civil (art. 483.º, do CC), pelo que, também neste particular, a decisão revidenda não merece qualquer censura.

53 – Termos em que o recurso não pode lograr provimento, pois a sentença recorrida desmerece qualquer suprimento ou reparo.

54 – O decaimento total no recurso impõe a condenação do recorrente assistente em custas, nos termos e com os critérios fixados nos artigos 515.º n.º 1 alínea b) e 518.º, do CPP, e no artigo 8.º e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciários e nos estritos termos de tal benefício.
III

55 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo assistente, CC; (b) condenar o recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

Évora, 13 de Julho de 2017
António Manuel Clemente Lima (relator)
Alberto João Borges (adjunto)