Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
35/25.0T8STB-A.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: RESPOSTA
ARTICULADOS
ADMISSÃO
EXCEPÇÕES
DOCUMENTOS
CONTRADITÓRIO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário elaborado pela relatora:

I- O articulado em que a Autora, por iniciativa própria, responde às exceções deduzidas na contestação, deve ser admitido, quer por força do princípio da economia processual previsto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, quer porque o contraditório sobre as exceções sempre lhe teria de ser facultado, seja em audiência prévia, seja no início da audiência final, ou por iniciativa do juiz mediante prolação de despacho ao abrigo do poder/dever de gestão processual e da flexibilização ínsita à adequação formal.


II- Nada impede que no articulado de resposta às exceções da contestação, seja também impugnada prova documental junta na contestação, sejam requerida a junção de documentos e pedida a condenação do Réu como litigante de má-fé.


III- A litigância de má-fé não só pode ser oficiosamente decretada pelo tribunal, como pode ser pedida por qualquer das partes, em qualquer momento do processo e em qualquer peça processual.

Decisão Texto Integral: P. 35/25.0T8STB-A.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


AA, representada por sua mãe, ao abrigo do regime maior acompanhado, BB, intentou ação declarativa com processo comum, contra Município de Setúbal, pedindo que seja decretado que o contrato de trabalho em questão nos autos é um contrato sem termo, e que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e o Réu condenado a:


- reintegrá-la, sem prejuízo da categoria profissional e da antiguidade;


- a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que vier a ser proferida, que de novembro de 2024 até janeiro de 2025 (inclusive) ascendem à quantia de 1232,73€, e, ainda, os seguintes créditos laborais:

• retribuição de ferias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de cessação, no montante de €186,70

• subsídio de ferias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de cessação, no montante de €186,70

• subsídio de natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de cessação, no montante de €186,70


- a pagar-lhe, também, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 6000,00€.


Alegou, em súmula, que celebrou com o Réu um contrato de trabalho sem termo, cuja cessação ocorreu por iniciativa do Réu, mas de modo ilícito por não ter sido invocada qualquer justa causa nem ter sido interposto procedimento disciplinar.


Perante a frustrada tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, o Réu veio oferecer a sua contestação.


A Autora respondeu.


O Réu veio exercer o contraditório perante tal resposta.


Em 26-03-2025, foi prolatado despacho que admitiu a resposta à contestação, bem como os documentos juntos com a mesma.


Foi fixado à ação o valor de € 7.792,83.


-


O Réu interpôs recurso do mencionado despacho, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:


«A. Atendendo a que, na Contestação, o Réu não deduziu defesa por exceção, limitando-se a defender-se por impugnação, não haveria lugar a contraditório nos termos do artigo 60.º, n.º 5 do CPT, à vista do que não poderia ter sido admitido pelo Tribunal a quo o articulado de ‘Resposta à Contestação’ .


B. Em virtude da admissão do articulado, a decisão recorrida viola o artigo 60.º, n.º 3 em conjugação com o n.º 5 do mesmo artigo, ambos do CPT, o artigo 3.º, n.º 3 do CPC (princípio do contraditório) e artigo 4.º do CPC (princípio da igualdade de armas).


Caso assim não entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite


C. Mesmo na hipótese de se admitir que o Réu deduziu defesa por exceção nos termos em que o Tribunal a quo o faz, não poderia a decisão de que se recorre ter admitido o articulado sem ter dado por não escritos todos os novos factos alegados pela Autora em sede do articulado de resposta, na medida em que os mesmos extravasam o contraditório permitido por lei.


D. Assim, a decisão interlocutória viola o disposto no artigo 60.º, n.º 5 do CPT, no artigo 3.º, n.º 3 do CPC (princípio do contraditório) e no artigo 4.º do CPC (princípio da igualdade de armas).


NESTES TERMOS,


E nos demais de Direito que os Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência:


a) Ser revogada a decisão interlocutória que admitiu a ‘Resposta à Contestação’ deduzido pela Autora; Ser o articulado em causa declarado inadmissível; e ser ordenado o seu desentranhamento dos autos.


Ou, caso assim não se entenda (o que, por mero dever de patrocínio se equaciona)


b) Ser parcialmente revogada a decisão interlocutória que admitiu a ‘Resposta à Contestação’ deduzido pela Autora; e serem declarados por não escritos todos os factos novos constantes do articulado.»


-


Contra-alegou a Autora, propugnando pela improcedência do recurso.


-


A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.


-


Recebido o apenso do recurso no Tribunal da Relação, foi aberta vista ao Ministério Público que emitiu parecer favorável à procedência do recurso.


Não foi oferecida resposta.


O recurso foi mantido e, depois de elaborado projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir.


*


II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, cumpre apreciar se a resposta à contestação não deveria ter sido (total ou parcialmente) admitida.


*


III. Matéria de Facto


A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para o qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, bem como os demais elementos que constam dos autos que sejam relevantes para a apreciação da questão sub judice.


*


IV. Enquadramento jurídico


Como já referimos, a questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se a resposta à contestação não deveria ter sido (total ou parcialmente) admitida.


Apreciemos, pois.


Estamos no âmbito de um processo declarativo comum, ao qual se aplicam as normas previstas nos artigos 49.º e 54.º a 78.º-A do Código de Processo do Trabalho.


Nesta forma de processo apenas são admissíveis, por regra, dois articulados: a petição inicial e a contestação.


Contudo, o legislador viabilizou a apresentação, em certas circunstâncias, de outros articulados: resposta à contestação e articulados supervenientes.


Dispõe o artigo 60.º do mencionado compêndio legal:

1 - Se o valor da causa exceder a alçada do tribunal e tiver havido reconvenção, pode o autor responder à respetiva matéria no prazo de 15 dias.

2 - Independentemente do valor da causa, pode, igualmente, o autor responder à contestação, no prazo de 10 dias, se o réu tiver usado da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 398.º do Código do Trabalho.

3 - Não havendo reconvenção, nem se verificando o disposto no número anterior, só são admitidos articulados supervenientes nos termos do artigo 588.º do Código de Processo Civil ou para os efeitos do artigo 28.º do presente Código.

4 - A falta de resposta à reconvenção tem o efeito previsto no artigo 574.º do Código de Processo Civil.

5 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.

No caso que se aprecia, não foi deduzido pedido reconvencional, nem está em causa a situação prevista no n.º 2 do aludido artigo 60.º.


Todavia, a leitura da contestação permite-nos concluir que o Réu apresentou defesa por exceção.


Designadamente, alegou que o contrato de trabalho cessou por caducidade ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 343.º, alínea b), do Código do Trabalho e artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 290/2009, de 12 de outubro, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a Autora prestar o seu trabalho; e que se está perante uma situação de abuso de direito, por a Autora pretende fazer valer-se de uma circunstância que há muito conhecia e tinha aceitado, contradizendo a sua conduta anterior.


As invocadas situações, que foram preenchidas pela alegação de factos, impedem o efeito jurídico dos factos articulados pela Autora, daí constituírem exceções perentórias – cf. artigo 576.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.


Ademais, foi apresentada com a contestação, e em obediência ao estipulado no artigo 63.º, n.º 1, do Código do Trabalho, prova documental.


Ora, a Autora apresentou um articulado de resposta à contestação que contempla:


- resposta à prova documental oferecida com a contestação;


- resposta às exceções da caducidade do contrato e do abuso de direito;


- apresentação e junção de prova documental;


- pedido de condenação do Réu como litigante de má fé.


O tribunal a quo admitiu tal articulado, com apoio na seguinte fundamentação:


«Na resposta apresentada, a autora pronuncia-se quanto ao teor de documentos juntos pelo réu na contestação, máxime impugnando o seu teor e a sua força probatória. Por outro lado, respondeu ainda ás exceções arguidas pelo réu na contestação, ainda que não expressamente identificadas como tal e a saber: (i) a cessação do contrato de trabalho por caducidade, com fundamento da impossibilidade superveniente absoluta e definitiva da trabalhadora prestar o seu trabalho; e (ii) o abuso de direito da autora, o qual sempre terá de ser conhecido, ainda que nenhum pedido expresso tenha sido deduzido pelo réu a este propósito na contestação.


Não havendo lugar a audiência prévia, conforme se decidirá, ao abrigo do direito ao exercício do contraditório, cfr. art.º 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável por via do art.º 1.º, n.º 2 al. a), do CPT a autora poderia apresentar resposta no início da audiência final, mas tendo-o feito desde logo por escrito, o mesmo deverá ser aproveitável, sob pena de repetição inadmissível de atos, o que seria contrário ao princípio da economia processual.


Pelo exposto, admite-se a resposta ao abrigo do direito ao exercício do contraditório, bem como os documentos juntos pela autora, o que se insere no exercício desse mesmo direito e sempre seria admissível ao abrigo do disposto pelo artigo 423.º, n.º 2, do CPC.»


Desde já adiantamos que o despacho em crise não merece censura.


Vejamos.


As exceções deduzidas na contestação teriam sempre direito de resposta ao abrigo do n.º 5 do artigo 60.º do Código de Processo do Trabalho.


Tal resposta poderia ser apresentada na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.


Nos presentes autos foi dispensada a audiência prévia – cf. despacho saneador datado de 26-03-2025.


Logo, tal resposta poderia ser oferecida no início da audiência final.


Todavia, a Autora, antecipando-se, apresentou tal resposta por escrito.


Tal contraditório escrito, porém, ainda que não tenha previamente sido proferido despacho nesse sentido, não se nos afigura que deva ser recusado, quer atendendo ao princípio da economia processual previsto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, quer porque as circunstâncias dos autos justificariam que ao abrigo do poder/dever de gestão processual e da flexibilização ínsita à adequação formal, tivesse sido proferido um despacho a convidar a Autora a apresentar um articulado de resposta à contestação antes da realização da audiência final.2


Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 05-03-2024 (Proc. n.º 16762/23.4T8PRT-A.P1)3, no qual se escreveu:


«O articulado em que o autor por iniciativa própria, de forma espontânea, exerce o contraditório relativamente à matéria de exceção alegada pelo réu na contestação deve ser admitido, até porque, se não fosse essa iniciativa do autor, o contraditório referente a tal exceção sempre lhe teria que ser facultado, seja em sede de audiência prévia, seja no início da audiência final, ou, inclusive, por iniciativa do juiz ao abrigo dos poderes/deveres de gestão processual e de adequação formal.»


Acresce que a peça processual apresentada pela Autora também constitui um exercício do contraditório relativamente aos documentos juntos com a contestação, o que é possível atento o disposto nos artigos 415.º, 443.º a 446.º do Código de Processo Civil.


Além disso, foi requerida a junção de prova documental, o que é viabilizado pelos artigos 63.º, n.º 1 e 423.º do Código de Processo Civil.


Por fim, podia a Autora aproveitar o articulado de resposta à contestação para alegar a litigância de má-fé por parte do Réu e formular o consequente pedido condenatório, pois esta figura jurídica não só pode ser oficiosamente decretada pelo tribunal, como pode ser pedida por qualquer das partes, em qualquer momento do processo e em qualquer peça processual - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2023 (Proc. n.º 4349/20.8T8LRS-C.L1.S1).4


Resta-nos ainda referir que na peça processual sob análise não são acrescentados novos factos que ultrapassem o âmbito da resposta às exceções, a introdução e apresentação da prova documental ou a motivação relativa à peticionada condenação do Réu como litigante de má-fé.


Em suma, não havia fundamento para rejeitar, total ou parcialmente, a resposta à contestação oferecida pela Autora.


Assim sendo, sufragamos a decisão recorrida e, consequentemente, improcede o recurso apresentado.


Custas do recurso pelo recorrente – artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


V. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pelo recorrente.


Notifique.


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Sumário elaborado pela relatora:


(…)


Évora, 10 de julho de 2025


Paula do Paço


Emília Ramos Costa


Mário Branco Coelho

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎

2. Cf. Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, A compensação e admissibilidade de um articulado de resposta nas formas de processo em que não é admissível reconvenção, em especial no processo laboral, pág. 10, consultável em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2021/03/20210331-JULGAR-A-compensa%C3%A7%C3%A3o-e-a-admissibilidade-de-um-articulado-de-resposta-Manuel-Bianchi-Sampaio-2.pdf↩︎

3. Acessível em www.dgsi.pt.↩︎

4. Idem.↩︎