Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
311/15.0PBPTG.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: FURTO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Data do Acordão: 10/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – O que caracteriza (e que justifica) a verificação da agravante qualificativa do furto, prevenida na al. f) do n.º1 do artigo 204.º do Código Penal, não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas, isso sim, a circunstância de o espaço fechado (no sentido de não acessível ao público) estar conexionado com uma habitação ou com um estabelecimento comercial ou industrial.

II - A esta luz, a subtração, pelo arguido, de uma carteira, que se encontrava num “escritório” situado no interior de um estabelecimento comercial (de venda de combustíveis), ainda que tal “escritório” não estivesse fechado (com a respetiva porta fechada), integra a prática do crime de furto qualificado previsto no artigo 204º, nº 1, al. f), do Código Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - RELATÓRIO.

Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº 311/15.0PBPTG, da Comarca de Portalegre (Portalegre - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1), mediante pertinente sentença, o tribunal decidiu nos seguintes termos:

“a) Condenar o arguido A, como autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, al. f), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;

b) Condenar o arguido A, como autor material de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão;

c) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido A. na pena única de dois anos e três meses de prisão;

d) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (reduzida a metade, atenta a confissão);

e) Condenar o arguido no pagamento dos honorários devidos pelo patrocínio oficioso”.

Inconformado com a sentença condenatória, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1 - A douta decisão de primeira instância condenou, para além do mais, o arguido A, como autor da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artº 203º, nº 1, 204º nº 1 al. f) do C.P., na pena única de 2 anos de prisão.

2 - O tribunal formou a sua convicção com base na confissão integral e sem reservas que o arguido fez dos factos, e nas fotografias que se encontram juntas aos autos, onde é possível visualizar o arguido a praticar os factos descritos em ambas as acusações.

3 - Com o devido respeito, que é muito, não perfilhamos deste entendimento porquanto, no caso vertente, não se encontra preenchido o tipo objetivo de ilícito de que o arguido vinha acusado, atenta a prova produzida, que assentou nas declarações do arguido e nas fotografias juntas aos autos.

4 - O arguido confessou a prática de um furto.

5 - O arguido não entrou em espaço fechado ou vedado, entendido este como o lugar «que se encontra com o acesso fisicamente vedado por uma construção humana (porta, arame, portão ou sebe), não sendo suficiente que ele se encontre reservado ao uso por determinadas pessoas».

6 - Das fotos juntas aos autos a fls. 11 e 12 e que servem de suporte da motivação da decisão de facto da douta sentença, é visível que o local onde o arguido entra está aberto, sem qualquer obstáculo a impedir o seu acesso.

7 - Quando o arguido percorre o trajeto até à casa de banho, olha para o interior do escritório, de cuja foto é visível a luz que provém do seu interior, o que permite com segurança concluir que o espaço se encontrava aberto, ou seja, não fechado.

8 - Imprescindível para a condenação do arguido nos termos da douta acusação pública era que o espaço/local em causa estivesse fechado, o que não se verificou, como as fotos ilustram.

9 - Por conseguinte, inexistindo entrada do arguido em espaço fechado, facto objetivo cuja ocorrência e prova se tornava imprescindível para a procedência da douta acusação pública, não pode a douta sentença condenar o arguido como autor de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º nº 1 al. f) do Código Penal, sob pena de ilegalidade e erro de condenação, que sobreveio.

10 - Ao invés, por não existir espaço fechado com o alcance penalmente tutelado pelo normativo supra, os factos praticados pelo arguido subsumem-se na previsão do crime de “furto simples”, previsto no artigo 203 do Código Penal, não se verificando in casu qualquer outro elemento objetivo qualificativo enunciado nas diversas alíneas do nº 1 e do nº 2 do artigo 204º do Código Penal.

11 - Deveria, assim, o respeitoso Tribunal a quo ter pugnado pela aplicação do artigo 358º do CPP, alterando a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, que estão provados e se subsumem à previsão do artigo 203º do Código Penal.

12 - Incorreu, assim, a douta sentença a quo em erro de aplicação e interpretação, para além do mais, das normas jurídicas dos artigos 203º e 204º, nº 1, al. f), do Código Penal, e 358º do Código de Processo Penal.

13 - Face ao que se impõe revogar a douta decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que condene o arguido recorrente como autor material e na forma consumada de um crime de furto previsto e punido pelo artigo 203º do Código Penal, o qual se encontra em concurso efetivo com o crime de ofensa à integridade física, na pena única corretamente determinada em função do crime de furto simples praticado pelo arguido, assim se fazendo a acostumada Justiça”.

O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, entendendo que deve manter-se na íntegra a sentença recorrida, e concluindo nos seguintes termos (em transcrição):

“1. O arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art.º 203.º, nº 1, 204.º, nº 1, al. f), do Código Penal, e um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única conjunta de 2 anos e 3 meses de prisão efetiva;

2. Não conformado com a condenação, recorreu o arguido, pugnado pela sua condenação por um crime de furto simples e não pelo crime de furto qualificado;

3. O arguido confessou de forma integral e sem reservas os factos de que era acusado, tanto assim é que tal consta expressamente na ata da audiência de julgamento, com a menção “Perguntado pela Mmª Juiz de Direito, disse que tal confissão é de livre vontade, fora de qualquer coação, integral e sem reservas”, sem a oposição da Ilustre Defensora Oficiosa do Recorrente;

4. Feita uma confissão integral e sem reservas, o Tribunal, se a aceita, tem de aceitar a veracidade dos factos constantes da acusação sem lhe ser lícito discutir a prova, e aplicar a lei aos mesmos;

5. A confissão dos factos - integral e sem reservas - tem como consequência, por um lado, o reconhecimento, por parte do arguido, da prática dos factos que lhe são imputados (todos os factos), e, por outro lado, que os reconhece tal como lhe são imputados, sem quaisquer condições ou alterações (ou seja, nos precisos termos que são imputados na acusação);

6. A confissão integral e sem reservas implica, não só a aceitação dos factos imputados, mas também a dimensão normativa que lhes é dada;

7. O que caracteriza e justifica a qualificativa do artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do CP, não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas sim a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com certo estabelecimento comercial ou industrial;

8. O espaço onde o arguido entrou - o escritório da ofendida - integra o estabelecimento comercial, pelo que mesmo que a porta estivesse aberta, o mesmo introduziu-se, ilegitimamente, nesse espaço e daí furtou a carteira da ofendida;

9. Pelo que nada há a censurar em sede da subsunção dos factos ao Direito efetuada pelo Tribunal a quo.

Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida nos seus precisos termos”.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também pela total improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta.

Efetuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente, e acima enunciadas, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, é apenas uma a questão que vem suscitada no presente recurso: saber se está (ou não) preenchida, in casu, a circunstância qualificativa do furto prevista no artigo 204º, nº 1, al. f), do Código Penal.

2 - A decisão recorrida.
A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):

“A) Factos Provados
Discutida a causa provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 30 de Outubro de 2015, pelas 18 horas, o arguido entrou, com dois amigos, nas instalações das bombas de combustível Prio, sitas na Avenida Francisco Fino, n.º 72, em Portalegre;

2. Aí, deslocou-se à casa de banho e quando saiu entrou no escritório de ML, que não é espaço aberto ao público, e, de dentro da mala da mesma, retirou uma carteira da mesma, contendo os seus documentos pessoais e a quantia de € 1.720,00 em dinheiro;

3. Ao sair do escritório da mesma, o arguido escondeu a carteira no interior da sua camisola e saiu do estabelecimento comercial com a mesma escondida na roupa, tendo-se deslocado para o interior do veículo de marca Nissan, modelo Almera, com a matrícula ---QO, onde deixou a carteira escondida debaixo do tapete no banco de trás, atrás do banco do condutor, e voltou para o interior do estabelecimento comercial, para junto dos amigos, onde voltou a ir à casa de banho e a espreitar de novo para dentro do escritório da ofendida;

4. Após, o arguido e os amigos dirigiram-se para Espanha, sendo que o arguido retirou o dinheiro de dentro da carteira e ficou com o mesmo, tendo deitado a carteira pela janela do veículo, na zona de Arronches, onde a mesma veio a ser recuperada por elementos policiais, por indicação do arguido;

5. O arguido bem sabia que a carteira e o dinheiro não lhe pertenciam e que atuava sem o conhecimento e contra a vontade da sua legítima proprietária;

6. O arguido bem sabia que o escritório da ofendida era um local não livremente acessível ao público e mesmo assim não se coibiu de entrar;

7. Com a sua conduta, causou o arguido um prejuízo à ofendida no valor de € 1.720,00 (mil setecentos e vinte euros);

8. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei penal e mesmo assim não se coibiu de a praticar;

9. No dia 24 de Março de 2015, pelas 20 horas, no estabelecimento comercial Continente, área desta comarca, o arguido e outro indivíduo, cuja identidade não foi possível apurar, levaram do interior do estabelecimento comercial uma garrafa de Vodka, marca Smirnoff e uma garrafa de Bailys, sem as pagar e ficaram no exterior do mesmo a ingerir bebidas alcoólicas, cerveja, que haviam pago;

10. Pelas 20 horas e 17 minutos o ofendido RG, que é segurança no referido estabelecimento comercial, saiu do interior mesmo, dirigindo-se ao arguido, que ainda se encontrava no exterior do mesmo e confrontou-os com o furto das garrafas, que viu que o arguido A. havia retirado da zona da cintura;

11. O arguido A. dirigiu-se ao ofendido, agarrando-o pelo braço, sendo que o ofendido se tentou libertar, afastando o arguido de si;

12. O arguido, ato contínuo, desferiu uma bofetada na face do ofendido e depois desferiu-lhe um pontapé, atingindo-o na zona da coxa;

13. O ofendido tentou puxar o arguido para o interior do estabelecimento comercial, no sentido de pedir auxilio, e o arguido, nessa ocasião, desferiu-lhe murros e pontapés;

14. Após ter cessado as agressões ao ofendido, em virtude de ter sido imobilizado por testemunhas, o arguido voltou a dirigir-se ao arguido e agarrou-o pela fita que o mesmo trazia ao pescoço, fazendo com que o mesmo começasse a sufocar e a ficar com falta de ar;

15. O arguido só parou com a sua conduta porque foi impedido de continuar pelas testemunhas;

16. Com a conduta supra descrita, causou o arguido no ofendido dores e lesões, nomeadamente uma pequena ferida no lábio, hematoma no olho esquerdo, diversas escoriações na face e pescoço e “pequena equimose periocular à esquerda”, lesões que determinaram 4 dias de doença;

17. O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito concretizado de atingir a saúde e bem-estar do ofendido, o que quis, bem sabendo que a sua conduta era adequadas a causar dores e ferimentos, como efetivamente causou;

18. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e mesmo assim não se coibiu de as praticar;

19. O arguido foi confiado à guarda dos avós desde tenra idade;

20. O processo de desenvolvimento psicossocial decorreu num ambiente familiar marcado pelas vicissitudes económicas, as preocupações do quotidiano, centradas na subsistência. Esta situação de instabilidade foi agravada pelo falecimento do avô quando teria seis anos de idade, continuando a viver com a avó que nunca se constituiu como figura de autoridade;

21. A família não se constituiu como um suporte, sendo desestruturada e com alguns elementos com ligação ao sistema de justiça;

22. O percurso escolar do arguido foi irregular, tendo completado o 6º ano de escolaridade com diversas retenções;

23. Posteriormente completou o 9º ano de escolaridade enquanto se encontrava detido no estabelecimento prisional de Elvas, através do programa novas oportunidades;

24. A partir dos 15 anos, o arguido manteve um estilo de vida errante, com consumos de haxixe que ainda mantém, bem como de bebidas alcoólicas de forma abusiva, sem regras nem horários e, sobretudo, sem qualquer figura de autoridade para o controlar;

25. A nível afetivo, o arguido teve diversos relacionamentos, predominando uma perspetiva de oportunidade com aparente fragilidade ao nível afetivo;

26. Tem um filho com cerca de 2 anos com o qual mantém relacionamento ocasional;

27. Há cerca de um ano concretizou nova união de facto com a atual companheira;

28. Reside atualmente com a companheira num quarto emprestado, em casa de um amigo;

29. A situação económica do arguido é vulnerável, visto não ter qualquer fonte de rendimento;

30. Atualmente encontra-se desempregado, está inscrito no Centro de Emprego de Portalegre, sendo auxiliados por uma avó da companheira que lhes faculta as refeições;

31. Revela algumas competências pessoais, nomeadamente de empatia, comunicação e capacidade para reconhecer os seus erros, ainda que de forma ambivalente;

32. Na atitude e discurso mantidos pelo arguido é, contudo, possível verificar que estas alterações são operadas por motivações extrínsecas, mais propriamente pelo receio da punição;

33. É possível ainda observar um discurso pouco normativo, com um registo de funcionamento focalizado num sistema de regras e valores marginal, não normativo, compatível com um funcionamento pró-delinquencial;

34. Assume o consumo regular de haxixe e, por vezes, o abuso de bebidas alcoólicas, estas apenas socialmente;

35. Não mantém qualquer atividade estruturada, nem se integra em contextos estruturantes;

36. Acompanha em geral com grupo de pares com comportamentos desviantes;

37. O arguido apresenta dificuldades em efetuar um raciocínio crítico face aos factos do presente processo, não se verificando o reconhecimento do dano causado, porque assume o mesmo como necessário;

38. No meio de residência existe uma imagem negativa do arguido e também alguma hostilidade perante o seu comportamento;

39. O arguido foi condenado, em 05-06-2003, pela prática, em 16-08-2002, de um crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €2,25;

40. O arguido foi condenado, em 13-11-2003, pela prática, em 10-02-2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,00;

41. O arguido foi condenado, em 12-03-2004, pela prática, em 15-11-2002, de um crime de roubo, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por três anos;

42. O arguido foi condenado, em 21-12-2004, pela prática, em 25-04-2003, de um crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €2,50;

43. O arguido foi condenado, em 08-06-2005, pela prática, em 03-09-2003, de um crime de furto simples, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos e seis meses;

44. O arguido foi condenado, em 30-05-2006, pela prática, em 2004, de um crime de furto simples e cinco crimes de furto qualificado, na pena de seis anos de prisão;

45. O arguido foi condenado, em 15-12-2006, pela prática, em 11-07-2004 e 11-08-2004, de um crime de furto simples e um crime de furto qualificado, na pena de vinte meses de prisão;

46. O arguido foi condenado, em 04-02-2013, pela prática, em 09-03-2012, de um crime de ofensa à integridade simples, na pena de sete meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade;

47. O arguido foi condenado, em 22-04-2013, pela prática, em 21-04-2013, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €5,00;

48. O arguido foi condenado, em 09-07-2014, pela prática, em 30-04-2014, de três crimes de injúria agravada, na pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade;

49. O arguido foi condenado, em 19/10/2015, pela prática, em 30/12/2014, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade.

Com interesse para a discussão da causa, inexistem factos não provados.

B) Motivação

O Tribunal formou a sua convicção com base na confissão integral e sem reservas que o arguido fez dos factos. Considerando que os factos em causa são desfavoráveis ao arguido, se os admitiu como verdadeiros é inteiramente verosímil que correspondam à verdade. Acresce que se encontram juntas aos autos fotografias onde é possível visualizar o arguido a praticar os factos descritos em ambas as acusações.

Quanto às condições pessoais do arguido, o Tribunal valorou o teor do relatório social junto aos autos, conjugado com as declarações do próprio arguido.

No que se refere aos antecedentes criminais, considerou-se o teor dos certificados juntos aos autos”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.
Alega-se, na motivação do recurso, que, no caso vertente, não se encontra preenchida a circunstância qualificativa do furto prevista no artigo 204º, nº 1, al. f), do Código Penal, atenta a prova produzida, que assentou nas declarações confessórias do arguido e nas fotografias juntas aos autos, porquanto o arguido não entrou em “espaço fechado”, entendido este como o lugar “que se encontra com o acesso fisicamente vedado por uma construção humana (porta, arame, portão ou sebe), não sendo suficiente que ele se encontre reservado ao uso por determinadas pessoas”.

Cabe decidir.

Com base na confissão do arguido (integral e sem reservas) e nas fotografias juntas aos autos (fls. 10 a 16) - que visualizámos -, é inquestionável que o local onde o arguido entrou, e do qual retirou a carteira da ofendida, não estava “fechado”, no sentido de ter a porta fechada.

Assiste, assim, inteira razão ao recorrente, quando alega, na motivação do recurso, que a porta (do local onde o arguido entrou) estava aberta.

Contudo, a Mmª Juíza, na sentença revidenda, não disse o contrário, nem deixou pressuposta a ideia contrária, nem raciocinou, quando qualificou juridicamente os factos, com base no pressuposto de que a porta do espaço em causa estivesse “fechada”.

Em primeiro lugar, a Mmª Juíza deu apenas como provado, e muito bem, que “o arguido entrou, com dois amigos, nas instalações das bombas de combustível Prio, sitas na Avenida Francisco Fino, nº 72, em Portalegre” (facto nº 1), e que, uma vez aí, “deslocou-se à casa de banho e, quando saiu, entrou no escritório de ML, que não é espaço aberto ao público” (facto nº 2) - tendo sido desse “escritório” que o arguido retirou e levou consigo a carteira da ofendida ML.

Em segundo lugar, e já no tocante à qualificação jurídica dos factos, a Mmª Juíza deixou consignado na sentença recorrida (sublinhado nosso): “atenta a factualidade provada, que damos aqui por reproduzida, não há dúvidas de que a conduta do arguido preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de furto, dado que, nas circunstâncias supra descritas, retirou do interior de um estabelecimento comercial uma carteira (e respetivo conteúdo) que não lhe pertencia, agindo contra a vontade do seu legítimo dono. Mais se provou que agiu com dolo. Preenche ainda a qualificativa prevista no art.º 204º, nº 1, al. f), do CP, já que o bem (carteira) foi subtraído do interior de um estabelecimento comercial”.

Por último, e perante o que acaba de expor-se, dificilmente se compreende o alcance do alegado na motivação do presente recurso.

É que, por um lado, existe total consonância entre a decisão fáctica tomada pelo tribunal a quo e a interpretação da prova que está explanada na motivação do recurso (os bens em causa foram retirados pelo arguido do interior de um “escritório” - da ofendida ML -; esse “escritório” estava situado nas instalações de umas bombas de combustível; esse “escritório” tinha uma porta; essa porta, quando o arguido aí entrou, não estava fechada - estava aberta -; tal “escritório” não é um espaço aberto ao público, ou seja, não é um espaço ao qual os clientes das aludidas bombas de combustível possam livremente aceder). Por outras palavras: o arguido não entrou num “espaço fechado” (a porta não estava fechada), mas entrou, isso sim, num espaço (num “escritório”) que não é um espaço aberto ao público (como foi dado por assente na sentença sub judice, no facto provado nº 2, o arguido “entrou no escritório de ML, que não é espaço aberto ao público”).

Por outro lado, a Mmª Juíza não qualificou o crime de furto por o arguido aceder a um “espaço fechado”, mas antes por o arguido ter subtraído o bem (a carteira da ofendida) “do interior de um estabelecimento comercial”.

Dispõe o artigo 203º, nº 1, do Código Penal: “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Por sua vez, prescreve o artigo 204º, nº 1, al. f), do mesmo diploma legal: “quem furtar coisa móvel alheia, introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar, será punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.

No crime de furto temos, pois, como elementos do tipo objetivo, o objeto da ação típica, que é a “coisa móvel alheia”, a ação típica, que é a “subtração”, fazendo parte do tipo subjetivo, por sua vez, o dolo e “a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa”.

Quanto à qualificativa do furto prevista no artigo 204º, nº 1, al. f), do Código Penal (disposição legal ao abrigo da qual o ora recorrente foi condenado), entendemos que aquilo que caracteriza (e que justifica) a verificação dessa agravante qualificativa do furto não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas, isso sim, a circunstância de o espaço fechado (no sentido de não acessível ao público) estar conexionado com uma habitação ou com um estabelecimento comercial ou industrial.

O que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e/ou o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados.

Na verdade, existe um reduto de mais-valias, com alcance e significância próprios e atendíveis, ligado ao espaço físico dedicado à habitação e/ou ao estabelecimento comercial ou industrial (e suas dependências contíguas e/ou fechadas/reservadas), que o legislador entendeu ser tal reduto merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico tutelado pela incriminação do furto.

A esta luz, a subtração, pelo arguido, da carteira em questão, que se encontrava num “escritório” situado no interior de um estabelecimento comercial (de venda de combustíveis), ainda que tal “escritório” não estivesse fechado (com a respetiva porta fechada), integra a prática do crime de furto qualificado previsto no artigo 204º, nº 1, al. f), do Código Penal.

É que, esse “escritório”, no qual o arguido se introduziu para retirar a carteira da ofendida, tem nítida conexão com o conceito de estabelecimento comercial e seus espaços fechados, tal como, a nosso ver, esse conceito se deve depreender do preceituado no artigo 204º, nº 1, al. f), do Código Penal.

Na realidade, o arguido entrou em espaço fechado (situado no interior de um estabelecimento comercial e não acessível ao público), e dele retirou a carteira da ofendida (com os documentos pessoais da mesma e com a quantia de 1.720 euros).

Por conseguinte, a questão de saber se a porta do aludido “escritório” estava aberta ou estava fechada é, para efeitos de qualificação do crime de furto, totalmente irrelevante (essa questão é abundantemente discutida na motivação do recurso, mas, como acima explanámos, trata-se de assunto sem fundamento válido, porquanto, nesse ponto, todos estamos de acordo: quer o recorrente, quer o tribunal a quo, quer este tribunal ad quem entendem, sem margem para dúvida, que a porta em causa estava aberta).

Com efeito, e repete-se, o espaço onde o arguido entrou (o “escritório” no qual a ofendida tinha a sua carteira), é parte integrante de um estabelecimento comercial (um posto de venda de combustíveis), pelo que, mesmo estando aberta a porta desse “escritório” (como estava), é de entender que o arguido se introduziu, ilegitimamente, nesse espaço e daí furtou a carteira da ofendida.

O facto de a porta do “escritório” em causa estar aberta, e com o devido respeito por diferente opinião, não afasta a ilegitimidade do arguido ter entrado nesse espaço, uma vez que o mesmo, sendo integrante de um estabelecimento comercial, não estava aberto ao público.

Posto tudo o que precede, o presente recurso é de improceder, mostrando-se corretamente efetuada, na sentença revidenda, a qualificação jurídica dos factos.

III - DECISÃO.

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 25 de outubro de 2016

João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares