Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO ABRANTES MENDES | ||||
Descritores: | ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS ABUSO DE DIREITO | ||||
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Data do Acordão: | 11/09/2006 | ||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||
Texto Integral: | S | ||||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||||
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Sumário: | I - Uma deliberação social é abusiva quando, sem violar específicas disposições da lei ou dos estatutos da sociedade, é susceptível de causar aos sócios minoritários um dano, assim se contrariando o interesse social. II – Não é abusiva a deliberação que, assentando em factos verdadeiros não contestados, e susceptível de gerar receios negativos quanto aos resultados do exercício, não se venham a concretizar. III – O facto de em anos anteriores, sem qualquer perturbação da vida económica e societária, não terem sido distribuídos lucros superiores a 50%., releva também no sentido de a deliberação de não distribuição de lucros naquele exercício, prefigurado de problemático, não constituir uma deliberação anti-societária e em prejuízo de sócios minoritários. É antes uma deliberação válida tomada no interesse da sociedade. | ||||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n. 1676/06-3 Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Na acção de condenação com forma ordinária pendente no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Portimão sob o n. 1658/04.7TBPTM que MARIA MANUELA ………………………… move a FURTADO ………………..LDA e MARIA CORREIA………………., veio a autora interpor recurso da decisão absolutória proferida de fls.412 a 424 dos autos. (fls. 428). * Admitido o recurso por despacho de fls. 438, a recorrente apresentaria as competentes alegações em cujas conclusões sustenta, em síntese:
B) Tal não significa, porém, que uma deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia-geral para o efeito convocada não possa estar ferida por abuso de direito. C) Nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea b) do CSC, as deliberações sociais que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, são anuláveis, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos. D) O artigo 334º do Código Civil estabelece que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. E) Atenta a natureza da sociedade por quotas e a função que ela deve desempenhar, impõe-se a obrigatoriedade de distribuir anualmente pelos sócios a totalidade do lucro de exercício distribuível. F) O disposto no artigo 33º do CSC não tem aplicação aos lucros de exercício de 2003 da Primeira R., na medida em que, conforme decorre das alíneas AA), AB), AC) e AD) da Matéria de Facto Assente, a Primeira R. tem preenchida a competente reserva legal, os seus estatutos não prevêem reservas estatutárias, a Primeira R. não tem prejuízos transitados, nem despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento que não estejam completamente amortizadas. G) O resultado líquido do exercício de 2003 da Primeira R. é, assim, susceptível de integral distribuição pelos sócios. H) A obrigação de distribuição do lucro distribuível nasce para a sociedade a partir do momento em que o lucro de exercício esteja determinado, adquirindo, então, o sócio um direito equivalente a um direito de crédito sobre a sociedade. I) A assembleia que delibere a distribuição dos lucros – aplicação dos resultados – apenas determinará as condições do cumprimento dessa obrigação, nomeadamente, o momento a partir do qual a mesma poderá ser exigida pelos sócios. J) Das alíneas F), G), H) I), J), S), T), U) e V) da Matéria de Facto Assente resultam, desde logo, indícios da actuação abusiva da Segunda R. perante a A. no que respeita à convocação da Assembleia-geral em causa, marcando e desmarcando a presença de Notário em Assembleia Gerais da Primeira R. sem a autorização ou sequer conhecimento da outra sócia, ora A. e apenas realizando as Assembleias-gerais da Primeira R. quando, no seu entendimento, se encontram reunidas as condições necessárias. K) Da alínea M) da Matéria de Facto Assente resulta que a Segunda R. justificou a proposta de aplicação de resultados, sumariamente, na previsão de que a rua da farmácia poderia ser objecto de novas obras durante o ano de 2004; nos processos judiciais que correm em tribunal contra a Sociedade; na estratégia da sociedade, nos últimos anos, na aplicação de resultados, de forma a reforçar o respectivo ratio de capitais próprios. L) Das alíneas AH) e AO) da Matéria de Facto Assente resulta que as obras na Rua Direita, durante o ano de 2003, não tiveram qualquer repercussão negativa directa no exercício de 2003. M) Da alínea AP) da Matéria de Facto Assente resulta que os processos judiciais instaurados pela A. contra as RR. não tiveram qualquer repercussão negativa directa no exercício de 2003. N) Da alínea AZ) da Matéria de Facto Assente resulta que a proposta de aplicação de resultados para o exercício de 2003 integra-se naquela que tem sido a política da sociedade de reforçar a respectiva ratio de capitais próprios, porém salienta-se que a “política da sociedade” é aquela que for definida pela Segunda R., na medida em que esta é titular de 90% do capital social da Primeira R.. O) Não há, assim, qualquer fundamento baseado no interesse societário para que o lucro de exercício não seja integralmente distribuído às sócias. P) Se os lucros forem sistematicamente imputados à própria sociedade, os sócios poucas ou nenhumas oportunidades terão de aceder/usufruir dos mesmos, na medida em que esses lucros apenas seriam relevantes em caso de liquidação da sociedade, de amortização da quota ou de alienação da quota, o que não se prevê na Primeira R.. Q) Da alínea AF) da Matéria de Facto Assente resulta que nunca foi deliberado distribuir às sócias da Primeira R. uma quantia superior a 50% do resultado positivo de tais exercícios fiscais, e, por outro lado, da alínea AG) resulta que os resultados transitados da Primeira R. excedem o capital social. R) Assim, verifica-se que, sistematicamente, ano após ano, a Segunda R. tem vindo a negar, abusivamente, à Autora, através do seu voto em assembleia-geral, o direito à distribuição integral aos lucros. S) A deliberação social tomada sobre o ponto dois da ordem de trabalhos da assembleia-geral de 3 de Maio de 2004, apenas com o voto favorável da Segunda R., traduz-se numa situação de clamorosa injustiça, na medida em que não se encontra justificado no interesse societário. T) A deliberação em causa é apropriada para satisfazer o propósito da Segunda R. de conseguir, através do exercício do direito de voto, prejudicar a Autora, sendo, por isso, anulável porque tomada com abuso do direito de voto, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida. * Por seu turno, as demandadas defendem a justeza da decisão recorrida, sustentando nas conclusões das contra alegações apresentadas:1- A deliberação social de distribuição de mais de metade do lucro distribuível relativo a um determinado exercício tem, nos termos da respectiva disciplina legal, carácter constitutivo - tal deliberação constitui o próprio facto de que a lei, causalmente, faz depender o surgimento, na esfera jurídica dos sócios, de um direito ao lucro 2- Porque assim é - e porque o é atenta a ponderação legal atribuído à vontade da maioria do capital na definição do interesse social - a deliberação de afectação de resultados que, pelo seu conteúdo, não constitua os sócios no direito ao recebimento de mais de metade do lucro distribuível do exercício não é susceptível de impugnação por abuso de direito; 3- Só assim não será, em caso limite, na medida em que se possa provar que o facto da integração do valor não distribuído nos capitais próprios da sociedade não constitua um valor, ou interesse para a sociedade - porém, a liquidez (a disponibilidade de massa monetária) constitui, em si mesma, um valor -; 4- Ou na medida em que, por absurdo, se pudesse entender que creditação da sociedade por valores inferiores pudesse corresponder a um qualquer interesse atendível da própria sociedade; 5- Ocorre que, de todo o modo, da deliberação impugnando não se retira qualquer abuso de direito abuso, nos termos das várias hipóteses previstas no Artigo 58° n.2 alínea b). 6- Por um lado, não se mostra, objectivamente, que, com tal deliberação, a Segunda Ré tenha obtido uma qualquer vantagem especial para si ou para terceiros, pois o direito que para si resultou foi, do ponto de vista da sua categoria dos direitos societários, exactamente o mesmo que resultou para a Autora. 7- Assim como, muito menos se mostrou qualquer intenção de obter uma qualquer outra vantagem especial. 8- Por sua vez, também não resultou para a Sociedade ora Primeira Ré um qualquer prejuízo em que a lei não consinta. Pelo contrário, tal "empobrecimento" encontra-se expressamente previsto e autorizado pela lei. 9- Por outro lado, também não se mostra presente qualquer intenção específica de prejudicar a Primeira Ré ou a Autora, nem qualquer prejuízo efectivo para as mesmas. 10- Não ficou provado, nem sequer foi alegado qualquer facto em que se revele qualquer intenção da Segunda Ré em prejudicar a Autora, cabendo a esta a sua prova. 11- Mesmo não estando obrigada a fazê-lo, a Segunda Ré enunciou algumas das motivações que a levaram a votar a aprovação daquela proposta, tendo grande parte das mesmas ficado, à data dos presentes Autos, provados. 12- E porque, das mesmas nada se pode retirar quanto a qualquer intenção de prejudicar a Autora, mostrando-se, em boa parte, irrelevantes para os presentes autos. 13- Tal se ficando a dever não apenas pela sua inexistência como pelo facto, público e notório, que tal deliberação vem, objectivamente, beneficiar a Autora e a Primeira Ré, directa e indirectamente. 14- Para a Sociedade resulta um benefício inequívoco que consiste no aumento da sua capacidade de liquidação, na possibilidade de poder obter melhores condições de pagamento, e, em suma, a sua maior capacidade de gerar lucros. 15- Para os sócios, dentre os quais a Autora, não só pelas vantagens que podem obter através das vantagens que foram obtidas pela Sociedade, como pelo incremento patrimonial a que tiveram direito através da distribuição de lucros relativos ao exercício de 2003 que efectivamente foi deliberada, através da valorização patrimonial das respectivas participações sociais e da sua quota de liquidação. 16- Por sua vez fica ainda clara a inexistência de um qualquer abuso de direito pela própria natureza e estrutura do direito aos lucros. 17 - Verdadeiramente, como foi sustentado, não existe um direito subjectivo aos lucros, mas tão só uma expectativa jurídica em que, havendo lucros distribuíveis, os mesmos venham a ser objecto de uma deliberação de distribuição aprovada pelos sócios. 18- Pelo que cabe sempre à Assembleia deliberar sobre qual o destino a dar a esses lucros, não podendo a Autora arrogar-se de um direito que apenas existe no pressuposto e nos limites de tal deliberação. 19- Existindo apenas um direito subjectivo a que venha a ser deliberada a distribuição de metade do lucro do exercício, o mesmo foi validamente limitado, por uma deliberação aprovada por 90% dos votos correspondentes ao capital social. 20- Por outro lado e quanto ao pedido de condenação das ora Rés ao reconhecimento do direito da Autora a receber a quantia de €7.292, 77 (Sete Mil, Duzentos e Noventa e Dois Euros e Setenta e Sete Cêntimos), deve o mesmo ter-se improcedente, desde logo, porque da anulação da deliberação o mesmo não pode resultar. 21-A considerar-se que a deliberação devesse ser anulada, o que não se concede, tal significaria que tudo se passaria como se a mesma não tivesse tido lugar. 22- O que significa que os sócios teriam que restituir tudo o que lhes tivesse sido entregue a título de distribuição de lucros, pois não teria existido qualquer deliberação nesse sentido, tal como exige o Artigo 31°, n01, do Código das Sociedades Comerciais. 23- Considerando-se, assim, não distribuídos os lucros distribuíveis relativos ao exercício de 2003, cabendo, nos termos do Artigo 31°, n01 ao colectivo de sócios deliberar a sua distribuição. 24- Pelo que os sócios não podem exigir qualquer distribuição de lucros, mesmo lucros de exercício, sem que a mesma tenha sido deliberada. 25- Ou seja, sobre o destino dos bens da sociedade deliberam os sócios, nos termos da lei, não podendo, por isso, ser reconhecido um direito que não existe. * Foram colhidos os vistos legais.* Encontra-se dada como assente a seguinte matéria de facto:
* Estes os factos assentes.Foram colhidos os vistos legais. Tudo visto e ponderado, cumpre decidir: Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art.684.º n.3, 690.º n.3 e 660.º n.2, todos do Código de Processo Civil), a questão essencial a dirimir prende-se, fundamentalmente, com o facto de saber se a deliberação da sociedade Ré que aprovou a proposta constante do ponto 2. da ordem de trabalhos da assembleia geral realizada em 3 de Maio de 2004 [1] , consubstancia ou não a figura de abuso de direito nos termos do disposto no art. 334.º do Código Civil em conjugação com o preceituado no art. 58.º n. 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais. Da leitura da matéria articulada no petitório (art. 467. º n. 1 alínea d) do CPCivil) resulta que as razões invocadas pela demandante no sentido de obter a anulação da deliberação atrás referenciada, assentam no que se acha preceituado no art. 58.º n.1 do Código das Sociedades Comerciais. Importa, no entanto, consignar, de acordo com a factualidade alegada na petição inicial e perante o leque de situações contemplada no preceito legal agora citado, que apenas teremos de apurar, à luz do circunstancialismo dado como assente, se se está ou não perante uma actuação evidenciadora do propósito de prejudicar a sócia ora recorrente Maria Manuela Furtado Guerra [2] . Começando por respigar as doutas considerações feitas pela Ilustre Magistrada “a quo” a propósito da figura de abuso de direito, dir-se-á, complementarmente, que “ em regra, uma deliberação social é abusiva quando, sem violar específicas disposições da lei ou dos estatutos da sociedade, é susceptível de causar aos sócios minoritários um dano, assim se contrariando o interesse social “ – J.M. Coutinho de Abreu, Do abuso de direito, 1983, pg. 136. Com referência ao preceito legal em análise e socorrendo-nos dos ensinamentos de Manuel Carneiro da Frada, in “ Novas perspectivas do direito comercial “, 1988, pg. 322 e 323, diremos que “ No fundo, a discrepância que aqui existe não é entre a deliberação e uma concreta disposição da lei ou do pacto, mas entre aquela e as exigências de equilíbrio no uso de poderes jurídicos e de respeito pela materialidade da regulamentação normativa que o sistema jurídico, enquanto tal, corporiza “. No caso concreto, não sendo de questionar a validade formal da decisão tomada em assembleia geral da sociedade demandada relativamente à não distribuição dos lucros de exercício da sociedade no ano de 2003 (neste particular, não existe qualquer tipo de controvérsia), importa apurar se aquilo que a doutrina tem apelidado de clausula geral enformadora do quadro/regra em matéria de invalidade de deliberações sociais foi ou não violada, sendo de relembrar que, tal como acontece na análise e tratamento conceptual da figura do abuso de direito, também agora aqui se questiona, ainda que numa perspectiva subjectiva (a este propósito, vide o Ac. STJ de 7.01.1993 in CJSTJ, vol I, pg. 9) a normalidade do exercício de um direito previsto nos estatutos da sociedade demandada e também no art. 217.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC). E nem se diga, como o faz com habilidade o ilustre mandatário das RR nas doutas contra alegações apresentadas, que o exercício abusivo do direito não é possível “in casu” à luz do que dispõe o art. 217.º n.1 do CSC ( “ Salvo diferente clausula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro de exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível “ ). É que a interpretação deste preceito não pode ser dissociada do que também se acha determinado pelos art. 21.º n. 1 alínea a) e art. 33.º do mesmo diploma legal, devendo a referência à distribuição de metade do lucro de exercício ser entendida como um mínimo de lucro a que os sócios têm direito a ver distribuído, depois de observadas as demais exigências impostas por lei. Como escreve Abílio Neto, na anotação 2. ao mencionado preceito legal “ Deste modo, apurado pelo balanço anual o lucro da sociedade, uma parte deste lucro irá eventualmente integrar a reserva legal e a outra parte por hipótese se afectará à reserva ou reservas previstas pelo contrato. O remanescente, não havendo necessidade de cobrir prejuízos anteriores ou perdas de capital, será o lucro a distribuir pelos sócios, no todo ou em parte, conforme o que se previr no contrato e os sócios deliberarem nos termos legais “ – Notas práticas ao Código das Sociedades Comerciais, 1989, pg. 308 [3] . Centrando agora a nossa atenção na factualidade provada com vista a aquilatar da bondade da pretensão formulada pela A. tal como, atrás, a desenhámos, entendemos, salvo o devido respeito que a mesma não é susceptível de levar à conclusão de que se tratou de uma deliberação materialmente abusiva, com o propósito de prejudicar a ora recorrente. Na verdade, um primeiro aspecto a reter, prende-se com o facto de a deliberação tomada assentar num conjunto de pressupostos que não deixaram de ser apresentados à Assembleia Geral e que se achavam em consonância com o Relatório de Gestão da sociedade Ré (pontos 12. e 14. da matéria dada como provada). Quer se queira quer não, a proposta e a consequente deliberação que agora é questionada, resultaram de um conjunto de previsões feitas em 3 de Maio de 2004. E se é verdade que a autora ora apelante, logo nessa altura contestaria a posição assumida pela sócia maioritária agora apelada, importa fazer notar que tal contestação, objectivamente, apenas atingiu, ainda que em termos genéricos, a instabilidade e conflitualidade mencionadas no Relatório de Gestão (ponto 17.). Serve isto para dizer que, no fundo, nessa altura, as razões invocadas para propor e fazer aprovar em assembleia geral a não distribuição da totalidade dos lucros de exercício foram: a) a rua da farmácia estar em obras, e o consequente impacto negativo nas respectivas vendas; b) a existência de processos judiciais movidos pela A. e as consequências ao nível de acréscimo de custos a instabilidade e conflitualidade geradas com repercussão no funcionamento da Farmácia Oliveira Furtado; c) a estratégia da sociedade, nos últimos anos, na aplicação de resultados, de forma a reforçar o respectivo ratio de capitais próprios (ponto 14. dos factos provados). Ora, se constitui facto indesmentível que alguns dos receios invocados não se verificariam, nomeadamente, quanto ao às consequências negativas decorrentes das obras e da conflitualidade resultante dos processos judiciais intentados pela demandante Maria Manuela Furtado Guerra, há que não olvidar que os pressupostos em que se alicerçou a proposta e decisão agora contestadas eram verdadeiros. Com isto queremos significar que a figura do abuso de direito, em tal momento, não era susceptível de se configurar, pois, só o futuro é que acabou por dizer que afinal não houve repercussão negativa na vida da sociedade por força das obras existentes na rua onde está situada a farmácia se bem que ao nível dos conflitos judiciais existentes tais prejuízos tivessem acontecido por força da factualidade dada como provada sob os pontos 43. a 45. Importa ainda acrescentar – e tal aspecto parece-nos igualmente importante – que em anos anteriores nunca a sociedade havia distribuído mais de 50 % dos lucros (pontos 28. e 29. dos factos provados) opção esta que nunca merecera oposição da ora apelante. Todo o circunstancialismo agora explanado a par do facto de a proposta de aplicação de resultados para o exercício de 2003 se integrar na política da Sociedade em reforçar a ratio de capitais próprios (ponto 46.), de a solidez financeira permitir melhores condições de pagamento a fornecedores (47.) e de a proposta de aplicação dos resultados prever a possibilidade de terminar o acordo existente entre a Associação Nacional de Farmácias e o Serviço Nacional de Saúde e a necessidade de ser cada uma das farmácias, individualmente, a suportar o atraso das respectivas com participações nos medicamentos (48.) são razões mais do que suficientes para se poder concluir que não houve violação do preceituado no art. 58.º n.1 do Código das Sociedades Comerciais, não se configurando assim o abuso de direito invocado. Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pela A., confirmando, assim, a douta sentença recorrida. Custas pela apelante. Notifique e Registe. Évora, 9 de Novembro de 2006 SERGIO ABRANTES MENDES LUIS MATA RIBEIRO SÍLVIO JOSÉ DE SOUSA _____________________________ [1] No fundo, o que está em causa é a não distribuição pelos sócios da totalidade do resultado líquido de exercício da sociedade Ré no ano de 2003, no montante de € 72.927, 71. [2] Segundo os art. 82.º e 83.º da petição inicial, “ O voto da sócia maioritária, ora segunda R., que não se fundamenta no interesse societário . . . prejudica manifestamente a A. . . . que vê o seu direito aos lucros ser, repetidamente, limitado, sem que haja qualquer justificação plausível “. [3] Interessante se torna fazer notar que na redacção anterior deste art. 217.º, a mesma filosofia de mínimo de lucros distribuíveis pelos sócios se encontrava também acautelada já que se determinava que “ Sem prejuízo de disposições contratuais diversas, os sócios podem deliberar que seja destinada a reservas uma parte não excedente a metade do lucro de exercício que, nos termos desta lei, lhes seja distribuível “. |