Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | PESSOA COLECTIVA RESPONSABILIDADE CRIMINAL MASSA INSOLVENTE ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA LEGITIMIDADE PARA RECORRER CÁLCULO | ||
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Data do Acordão: | 12/03/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) os poderes de representação do administrador da insolvência circunscrevem-se aos efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência, da qual são afastados os órgãos sociais. Nos restantes aspectos, particularmente os criminais, a representação da insolvente continua a pertencer aos seus órgãos sociais, gerentes ou administradores. ii) a declaração de insolvência de uma sociedade não a faz desaparecer, mantendo a sua personalidade jurídica e a sua capacidade judiciária. E são os seus órgãos que respondem pela matéria crime. iii) as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (artigo 5.º do CSC), a declaração de insolvência da sociedade é causa da sua dissolução (artigo 141.º do CSC), mas a sociedade só se considera extinta pelo registo do encerramento da liquidação (artigo 160º, n. 2 do mesmo CSC e art 3º, n. 1, al. t) do CRC, Código do Registo Comercial. iv) mesmo após a sua extinção, “o respectivo património responde pelas multas e indemnizações em que aquela for condenada” – artigo 127º, n. 2 do Código Penal. v) assim, o administrador de insolvência não representa no processo penal a sociedade insolvente arguida, sendo esta representada pelos representantes legais existentes à data da declaração de insolvência, mantendo-se os mesmos em funções após aquela declaração nos termos do disposto no art. 82.º, n.º 1 do CIRE. vi) a celebração pelo administrador da insolvência do contrato de mandato forense só pode transmitir os poderes de que dispunha, os relativos à defesa do activo e da recuperação do passivo da massa insolvente referidos nos artigos supra citados. vii) como meros participantes processuais, o administrador de insolvência e os intervenientes no processo de insolvência têm legitimidade processual face à al. d) do nº 1 do artigo 401º do C.P.P. para virem discutir os pontos de carácter patrimonial que os afectam directamente, designadamente têm legitimidade para se insurgirem em sede de recurso contra o apuramento dos factos e a condenação cível da arguida insolvente! Mas não têm legitimidade para discutir a pena criminal imposta. viii) é algo ousado que quem não tem um interesse directo, concreto e próprio na discussão da pena criminal tenha a possibilidade de discutir a pena através de um sofisma que faz equiparar “pena criminal” a “débito contabilístico”. Isto é, logicamente, a equiparação de “pena criminal” e “débito contabilístico” assenta numa falácia lógica de falsa analogia, conhecida falácia indutiva, assumindo a similitude das duas realidades para permitir a aplicação do regime de um ao falso analógico. ix) as penas criminais a impor às pessoas colectivas, se em alguns casos diversas das impostas aos cidadãos comuns, assumem-se - com nuances particularistas - como integradas no unificado objectivo penal dos fins das penas, como consequências jurídicas do crime, sendo a pena de multa penal uma pena principal de natureza pecuniária. x) a reivindicação de que «afastando-se a legitimidade do Administrador de Insolvência para recorrer da pena de multa a que a Sociedade em Liquidação foi condenada, põe-se em causa a função do Administrador de Insolvênca consistente em prover à conservação e frutificação dos direitos da insolvente, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica – artº 55º, nº 1, b) do CIRE» corresponde à vindicação de que o direito penal e os fins das penas não são aplicáveis às pessoas jurídicas, designadamente às sociedades e que a existência do administrador de insolvências é razão suficiente para que as penas sejam equiparadas a débitos comerciais. xi) O facto “representação de uma sociedade” não expõe necessariamente uma representação jurídica, podendo referir-se a uma “representação” de facto. xii) a ausência de um valor nos factos provados não encerra, por si, insuficiência factual se esses factos permitem uma decisão por simples raciocínio aritmético. (sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo Central Criminal de Portimão- correu termos o processo comum colectivo supra numerado pelo qual são arguidos: - J…, divorciado, com a profissão de médico, residente na Rua …, portador do cartão de cidadão n.º …, emitido pelo Estado Português. - M…, divorciada, com a profissão de farmacêutica, residente na …, portadora do cartão de cidadão n.º …, emitido pelo Estado Português. - "Farmácia …, Unipessoal Lda – Em Liquidação", sociedade por quotas, com sede na Rua …, portadora do NIPC …, Estes foram pronunciados pela prática, em co-autoria material e concurso efectivo: - o arguido J… como co-autor material, na forma consumada e em concurso efectivo na prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal e de um crime de falsificação de documento (agravado), p. e p. no artigo 256.º, n.ºs 1 alíneas a), d) e e), 3 e 4, por referência aos artigo 255.º, alínea a) e 386.º alínea a), todos do Código Penal. - a arguida M… como co-autora material, na forma consumada e em concurso efectivo na prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal e de um crime de falsificação de documento (agravado), p. e p. no artigo 256.º, n.º 1 alíneas a), d) e e) e 3, por referência aos artigos 255.º, alínea a), 386.º, alínea a) e 28.º, n.º 1, todos do Código Penal. - a arguida "FARMÁCIA…, UNIPESSOAL LDA – EM LIQUIDAÇÃO" como co-autora material, na forma consumada e em concurso efectivo na prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 11.º, n.º 2, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal e de um crime de falsificação de documento (agravado), p. e p. no artigo 11.º, n.º 2, 256.º, n.º 1 alíneas a), d) e e) e 3, por referência aos artigos 255.º, alínea a), 386.º, alínea a) e 28.º, n.º 1, todos do Código Penal. * A Administração Regional de Saúde do Algarve formulou em Pedido de Indemnização Civil peticionando a condenação solidária dos demandados J…, M… e "FARMÁCIA …, UNIPESSOAL LDA – EM LIQUIDAÇÃO", a pagarem à ARS do Algarve o montante de 74.026,95 € (setenta e quatro mil e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal de juros civis, desde a data da notificação do presente pedido de indemnização até integral pagamento. * O tribunal recorrido veio, por acórdão de 6 de Março de 2019, a decidir julgar o despacho de pronúncia parcialmente procedente, e, em consequência, condenou: * o arguido J…: - Pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - Pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, previsto e punido pelos artigos 256º, n.º 1, alínea a) d) e), n.º 3 e n.º 4, do Código Penal na pena de 3 (três) anos; - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares acabadas de indicar, condenamos o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual suspendemos na sua execução por igual período de tempo sujeita ao pagamento, solidário, do Pedido de indemnização civil no mesmo prazo através de depósito nos autos. * a arguida M…, - Pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), a pena de 4 (quatro) anos de prisão; - Pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, previsto e punido pelos artigos 256º, n.º 1, alínea a) d) e) e n.º 3, do Código Penal a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses ; - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares acabadas de indicar, condenamos a arguida na pena única de 5 (cinco) anos de prisão a qual suspendemos na sua execução por igual período de tempo sujeita ao pagamento, solidário, do Pedido de indemnização civil no mesmo prazo através de depósito nos autos. * a arguida «Farmácia …, Unipessoal, Lda – em Liquidação», - Pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), a pena de 550 dias de multa; - Pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, previsto e punido pelos artigos 256º, n.º 1, alínea a) d) e) e n.º 3, do Código Penal a pena de 300 dias de multa; - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares acabadas de indicar, condenamos a arguida na pena única de 700 (setecentos) dias de multa à razão diária de 100 (cem) euros, o que perfaz um total de €70.000,00. Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenou: Os arguidos/demandados J… e M… no pagamento, solidário, à demandante ARS do Algarve, a título de indemnização por danos patrimoniais, da quantia de € 52.314,20 (cinquenta e dois mil trezentos e catorze euros e vinte cêntimos), acrescida dos juros de mora, às taxas legais dos juros civis, vencidos e vincendos, desde a notificação até integral pagamento; A arguida/demandada «Farmácia …, Unipessoal, Lda. – Em liquidação» no pagamento, solidário, à demandante ARS do Algarve, a título de indemnização por danos patrimoniais, da quantia de € 24.676,34 (vinte e quatro mil seiscentos e setenta e seis euros e trinta e quatro cêntimos) acrescida dos juros de mora, às taxas legais dos juros civis, vencidos e vincendos, desde a notificação até integral pagamento; Absolveu os demandados do restante pedido. Condenou os arguidos na taxa de justiça de 6 (seis) U.C. e nas demais custas do processo. Condenou os intervenientes nas custas do pedido de indemnização civil em razão do decaimento, sem prejuízo das isenções a que estão sujeitos. * Inconformados, interpuseram recurso: - arguida MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE FARMÁCIA …, UNIPESSOAL, LDA, - G…, Lda. NIPC …, com sede em …, e - JR… NIF …, casado, com domicílio em …, com as seguintes conclusões: A. O Acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova, no que toca aos pontos de facto (98), (105) e (125), uma vez que da prova produzida e aliás da conjugação dos pontos de facto provados, impõe-se a alteração destes pontos de facto. B. No ponto (98) foi dado como provado que A arguida M… pelo menos no período temporal compreendido entre os anos 2010 e 2014 foi proprietária (conjuntamente com o seu marido e ora arguido J…) das farmácias “…” e “Farmácia … Unipessoal Lda – Em Liquidação”. C. Mais à frente, foi dado como provado, também que, (105) No início do ano de 2010, os arguidos J… e M…, por si e esta última também na qualidade de representante da sociedade “Farmácia …, Unipessoal, lda – Em Liquidação” desenvolveram um esquema fraudulento com vista a locupletarem-se indevidamente com montantes monetários à custa do Serviço Nacional de Saúde. D. Foi igualmente dado como provado que (99) A Farmácia …, Unipessoal, Lda – em Liquidação foi constituída em 02.02.2011. E. Se a Sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda – em Liquidação foi constituída em 02.02.2011, e o esquema fraudulento teve lugar a partir do início de 2010 em tanto a Farmácia “…” como na Farmácia …, não pode ser considerado provado que a arguida M… foi proprietária entre 2010 e 2014 da “Farmácia …, Unipessoal Lda – Em Liquidação”, F. Não se pode considerar assente que no início do ano de 2010, a arguida M… na qualidade de representante da sociedade “Farmácia …, Unipessoal, lda – Em Liquidação” desenvolveu um esquema fraudulento. G. A Sociedade só passou a ter existência jurídica no dia 02.02.2011, mais de um ano após ter sido iniciado os factos em causa. H. O ponto de facto 98 deverá ter a seguinte redacção: A arguida M… é farmacêutica (com inscrição activa na Ordem dos Farmacêuticos desde 10 de Julho de 1987) e pelo menos no período temporal compreendido entre os anos 2010 e Fevereiro de 2011 foi proprietária (conjuntamente com o seu marido e ora arguido J…) da farmácia “…” sita na … da farmácia ”…”, sita na Rua …. A partir de Fevereiro de 2011 continuou a explorar até 2014, enquanto proprietária (conjuntamente com o seu marido), a referida farmácia “…” e a partir de então a farmácia ”…” passou a ser explorada pela Sociedade “Farmácia …, Unipessoal, lda, com sede na Rua …. A arguida M… foi durante este período de tempo a sendo directora Técnica da Farmácia … e teve o poder de direcção, ainda que não técnica da Farmácia de …. I. O ponto de facto 115 deverá ter a seguinte redacção: No início do ano de 2010, os arguidos J… e M…, desenvolveram um esquema fraudulento com vista a locupletarem-se indevidamente com montantes monetários à custa do Serviço Nacional de Saúde. A partir de Fevereiro de 2011 a arguida M…, desenvolveu o referido esquema fraudulento, também na qualidade de representante da sociedade “Farmácia …, Unipessoal, lda. J. O ponto de facto n. 125. dá como provado que o arguido J… em concertação de esforços e ideias com a arguida M…, esta última por si e em representação da sociedade Unipessoal, Lda.” Prescreveu um conjunto de receitas médicas, em que o valor total da comparticipação do SNS apurado e do inerente prejuízo para o Estado foi de € 52.314,20. K. O ponto de facto devia distinguir qual o valor total das comparticipações indevidas feitas por meio da Farmácia Porches, quais foram feitas por meio Farmácia …, antes de constituída a Sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda. e quais foram feitas por meio Farmácia …, já depois de constituída a Sociedade. L. A decomposição deste valor, salientando quais os valores que dizem respeito ao prejuízo causado directamente pela arguida M… e os que dizem respeito ao prejuízo causado pela arguida M… em nome e no interesse colectivo da Sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda., terá determinante relevo, na determinação do valor da indemnização civil, mas também, na determinação da medida da pena da arguida Sociedade. M. O ponto de facto 125, deverá, pois, ter a seguinte redacção Em termos globais, no período temporal compreendido entre os anos 2010 a 2013, o arguido J… em concertação de esforços e ideias com a arguida M…, esta última por si e em representação da sociedade Unipessoal, Lda.” prescreveu um conjunto de receitas médicas que abaixo se discriminam, em que o valor total da comparticipação do SNS apurado e do inerente prejuízo para o Estado foi de € 52.314,20 (cinquenta e dois mil, trezentos e catorze euros e vinte cêntimos), correspondente à comparticipação daquele no pagamento das receitas em causa, sendo que deste valor total correspondem € 27.637,86, a comparticipações em receitas comunicadas por intermédio da Farmácia …, a € 3.643,13 a comparticipações em receitas comunicadas por intermédio da Farmácia … antes do dia 02.02.2019 e € 21.033,21 a comparticipações em receitas comunicadas por intermédio da Farmácia … depois do dia 02.02.2019 . N. Pelo crime de burla qualificada, ambos os arguidos singulares foram condenados a uma pena de Prisão que representa 50% da pena máxima prevista para o crime em causa - pena de Prisão de 4 anos (suspensa). O. A arguida Sociedade foi condenada a uma pena de multa de 550 dias, o que representa 57,29% da pena máxima prevista na moldura penal aplicável. P. Pelo crime de falsificação de documento agravada, o arguido J… foi condenado a uma pena de Prisão que representa 60% da pena máxima prevista para o crime em causa e a arguida a uma pena de Prisão que representa 50% da pena máxima prevista. Q. Pelo mesmo crime, a arguida Sociedade foi condenada a uma pena de multa de 300 dias, o que representa 50% da pena máxima prevista na moldura penal aplicável. R. As penas aplicadas à arguida Sociedade não tomaram em conta os critérios que a lei penal manda tomar, violando, assim, os artigos 90º-B, 71º e 90-D do Código Penal. S. O artigo 90º-B do Código Penal, estabelece um paralelo entre a pena de prisão do agente singular que comete o crime em nome e no interesse colectivo da Pessoa Colectivo, com o fim ligar a pena em que o agente singular é condenado e aquela em que a pessoa colectiva é, uma vez que estarão em causa, os mesmos factos, culpa e ilicitude. T. Se a agente singular for condenada pela prática de outros factos e crimes, para além daqueles que foram perpetrados em nome, e no interesse da Pessoa Colectiva, que a medida da pena da pessoa colectiva seja equivalente – através do critério do nº 1 do artigo 90º-B do Código Penal – e menos ainda, superior. U. Para o cálculo do cúmulo das penas, o Tribunal a quo, atribuiu à arguida Sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda. uma pena de multa 100 dias superior à pena equivalente a que a arguida singular foi condenada. V. No cálculo da medida da pena da arguida Sociedade, impõe-se que seja tido em conta que a arguida singular praticou os factos que conduziram a esta condenação não só “em representação” da Sociedade Farmácia …, mas também em nome próprio. W. Os valores dos prejuízos causados pelos crimes/benefícios indevidos e a quem são estes prejuízos/benefícios imputáveis deve ter reflexo no cálculo da medida das penas. X. Se o total do valor das comparticipações indevidas é € 52.314,20 e deste valor € 3.643,13 dizem respeito a comparticipações indevidas pagas à Farmácia … antes da Constituição da Sociedade e € 27.637,86 dizem respeito a comparticipações indevidas pagas à Farmácia …, o valor imputável à Sociedade arguida é de € 21.033,21, que corresponde a praticamente 40%. Y. Nos termos do nº 4 do artigo 90º-B a pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º. Z. O do nº 1, do artigo 71º do CP, a determinação da medida da pena (...) é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2, que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (...) AA. Se o prejuízo/benefício ilegítimo com causa nos actos praticados “ao abrigo” da Sociedade Farmácia Sousa Pires representa 40% do valor total – ao passo que o valor prejuízo/benefício ilegítimo alcançado em “nome próprio” foi de 60%, a medida da pena não pode deixar de tomar em conta esta proporção. BB. Sendo certo que o benefício económico indevido não chegou a reflectir-se na arguida sociedade, que foi declarada insolvente por sentença proferida a 19.08.2013. CC. Se considerarmos que a arguida M… foi condenada a uma pena de Prisão de 4 anos (48 meses) pela prática de um crime de burla qualificada, a arguida Sociedade não deveria ser condenada a uma pena de multa superior a 192 dias (40% de 480 dias de multa). DD. Se considerarmos que a arguida M… foi condenada a uma pena de Prisão de 2 anos e seis meses (30 meses) pela prática de um crime de falsificação agravada, a arguida Sociedade não deveria ser condenada a uma pena de multa superior a 120 dias (40% de 300 dias de multa). EE. Tomando o cúmulo jurídico em que a arguida M… foi condenada, de cinco anos (60 meses) de prisão, então a Sociedade Farmácia … não deve ser condenada a mais de 240 dias de multa (40% de 600 dias) FF. O artigo 71º do Código Penal manda, ainda, atender às necessidades de prevenção e as necessidades de prevenção especial para a arguida Sociedade, que não mais estará sob o controlo da arguida M…, que nunca mais praticará actos em nome e no interesse colectivo desta Sociedade, são inexistentes, justificando a absolvição da arguida Sociedade. GG. Caso não se absolva a arguida, deverá ser a pena de multa substituída por prestação de caução de boa conduta, que tendo em conta que a pena de multa não deverá superar os 240 dias o valor não deverá ser superior a € 24.000,00 (240 dias x € 100,00), por um prazo não superior a 2 anos. HH. O Tribunal a quo, no cômputo dos valores indevidamente comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, atendeu aos valores que o foram por meio da Farmácia …, mas não aos valores que o foram pela Farmácia …, enquanto titulada directamente pela arguida M…, que, como já se viu, ascendem a € 3.964,24. II. O valor a que a arguida sociedade deve ser solidariamente condenada a pagar, deverá ser o valor resultante da dedução ao valor total de € 52.314,20, dos valores de € 27.637,86 e € 3.964,24, o que totaliza o valor de € 21.033,21. JJ. O Acórdão recorrido violou os artºs 90º-B, 90º-D e 71º do Código Penal devendo esta ser parcialmente revogada e substituído por Acórdão que absolva a Sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda.. KK. Caso assim não se entenda, que seja substituído por Acórdão que condene a arguida Farmácia …, Unipessoal, Lda. à pena total (em cúmulo jurídico) de 240 dias de multa, à taxa diária de € 100,00 por dia, substituída por caução de boa conduta de valor não superior a € 24.000,00 pelo período de 2 anos. LL. O valor do pedido de indemnização civil a que foi solidariamente condenada a pagar, deverá, no caso da Sociedade, ser reduzido a € 21.033,21, (vinte e um mil trinta e três euros e vinte e um cêntimos). Nestes termos deverá ser dado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, ser o Acórdão recorrido parcialmente revogado e substituído por Acórdão que absolva a arguida Farmácia …, Unipessoal, Lda. ; caso assim não se entenda ser o Acórdão recorrido parcialmente revogado e substituído por Acórdão que condene a arguida Farmácia …, Unipessoal, Lda. à pena total (em cúmulo jurídico) de 240 dias de multa, à taxa diária de € 100,00 por dia, substituída por caução de boa conduta de valor não superior a € 24.000,00 pelo período de 2 anos. * Respondeu o Digno Procurador junto do Tribunal da Comarca de Faro concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida, concluindo: 1- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1. 2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”. 3- São as conclusões que fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal. 4- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais. 5- A recorrente não tem antecedentes criminais. 6- No que respeita ao "erro notório na apreciação da prova”, invocado pela recorrente, vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que ele apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias”. Erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova. 7- Analisado o douto Acórdão recorrido não se deteta qualquer erro notório, nem nenhum dos outros vícios previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal. 8- Deve manter-se a toda a matéria de facto dada como provada no Douto Acórdão. 9- A arguida impugna a medida da pena e diz a propósito da medida da pena: o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade(...). Mas, para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente”. 10- Ou ainda como se diz no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:” II - Culpa e prevenção constituem o binómio que preside à determinação da medida da pena, art. 71.º, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP. III - Dentro deste limite, a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, in www.dgsi.pt, Proc. nº 315/11.2JELSB.E1.S1, 1-7-2015. 11- Sucede que os factos cometidos pela arguida são graves, provocaram alarme social e existem imperativos de prevenção geral e especial a salvaguardar. 12- Teve o Tribunal “a quo” em linha de conta para a escolha e medida da pena aplicada à arguida todos os critérios referidos nos artigo 90º-B, 90º-D e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena única de 700 dias de multa à razão diária de 100 euros, o que perfaz 70.000 € (setenta mil euros), em sintonia com a culpa do arguido, e sem ter olvidado a sua ressocialização. 13- Não padece o Douto Acórdão de nenhum vício ou nulidade, dos previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, tendo sido respeitados os preceitos legais aplicáveis atinentes ao Direito Europeu, Constitucional e Criminal. 14- Deve o Douto Acórdão manter-se, na íntegra. * A Exmª. Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer defendendo a manutenção do decidido. Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal. Em 03-10-2019 lavrou-se o seguinte despacho preliminar: Recurso próprio, tempestivo e recebido na forma devida. * Reclamaram os recorrentes deste despacho para a Conferência, como segue: 4. Com o devido respeito, os Recorrentes não podem concordar, nem se conformam com a interpretação defendida na decisão sumária, não devendo o recurso ser rejeitado quanto ás penas impostas à Sociedade …, Unipessoal. * B - Fundamentação: B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. O Ministério da Saúde é o departamento governamental que tem por missão definir e conduzir a política nacional de saúde, garantindo uma aplicação e utilização sustentáveis dos recursos. Mais se provou: 146. Os arguidos não possuem antecedentes criminais.147. Filho único de um casal de professores de Olhão, o arguido J… beneficiou de um processo educativo normativo e de um adequado contexto socio-familiar familiar em Faro, local onde passou a sua infância e adolescência. Realizou um trajecto escolar regular, entrou para a Faculdade de Medicina em Lisboa, terminando este curso em 1978. V… fez a especialização clínica na área da saúde pública e medicina familiar, entre Lisboa e Faro, ingressando como médico no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 1982. Trabalhou mais de 30 anos em Centros de Saúde no Algarve, a maior parte do tempo em …, onde chegou a ser Director e também exerceu clínica privada num consultório na cidade de …. Em 2014 e na sequência deste processo judicial foi afastado do SNS mas ainda não se aposentou, estando agora a trabalhar como clínico em regime de prestação de serviços. No campo familiar é de referir que V… casou aos 24 anos com a co-arguida M… mas não tiveram filhos biológicos, vindo a adoptar dois irmãos, o P… e a Mar…, hoje com 33 e 30 anos de idade, sendo o arguido avô de 2 netos. Após um longo matrimónio o arguido divorciou-se em 2015, referindo um outro relacionamento afectivo. À data dos factos que estão na origem deste processo (2010/13) V… ainda estava casado com a co-arguida C…, mas mencionou ter-se mantido sempre afastado das farmácias de … e …, cuja propriedade e gestão pertenceu em exclusivo à sua ex-mulher. No presente o arguido reside sozinho num apartamento de tipologia T2 na cidade de …, habitação registada em nome da ex-mulher, com a qual tem despesas mensais da ordem dos 600 euros. Mantêm contactos regulares com os filhos e com a ex-mulher, embora sobretudo por assuntos relacionados com a sua neta de 5 anos. J… tem 66 anos de idade e refere encontrar-se a aguardar a sua aposentação do SNS mas mantêm-se profissionalmente activo, trabalhando em regime de prestação de serviços para empresas privadas de saúde. Recebe cerca de 20 €/hora, já esteve ao serviço alguns meses em unidades de saúde nos Açores e agora presta trabalho como médico na região do Alentejo, apresentando um quadro económico equilibrado. Indivíduo sociável e de bom trato pessoal, J… tem como hobby a leitura e colaborou durante cerca de 3 anos numa rubrica semanal na Costa d’Oiro, uma antena de rádio de inspiração católica em …. Este processo judicial teve um impacto negativo na actividade laboral de J…, mas o arguido continuou a exercer a sua profissão de médico. Quando confrontado com os factos e o teor da acusação neste processo, J… revela noção dos bens jurídicos em causa e compreende a intervenção do sistema de justiça, mas não identifica na actividade clínica qualquer comportamento que tenha consubstanciado a prática de um ilícito criminal. 148. Oriunda de um meio familiar da classe média da cidade de Faro, a arguida M… é filha única de um professor do ensino secundário e de uma doméstica, tendo crescido na capital algarvia numa envolvente familiar normativa, enquadrada por uma boa situação económica. A arguida teve um percurso escolar adequado, terminou o ensino secundário no Liceu e estudou na Escola do Magistério Primário durante cerca de 2 anos, sem concluir esta formação. Aos 22 anos optou por entrar para o curso de Farmácia na Universidade Clássica de Lisboa, licenciando-se em 1987. Após um estágio no Hospital de Faro M… esteve em Barcelona 1 ano e especializou-se em farmácia hospitalar no Algarve, só abrindo a sua Farmácia … em … por volta de 1990. Posteriormente a arguida instalou um posto de venda de medicamentos na freguesia de …, que passou depois a ser a Farmácia …, gerindo estes dois estabelecimentos até ao ano de 2014, altura em esta actividade cessou por falência do negócio, após a realização de obras de ampliação da farmácia de …, um investimento avultado que endividou M…. Durante cerca de 5 anos e em paralelo com esta actividade, a arguida também foi docente no Instituto Piaget em …. Nesta fase mais recente a arguida ainda trabalhou cerca de um ano na farmácia … (entretanto adquirida pela Farmácia A…), depois ficou sem trabalho e ainda recebeu subsídio de desemprego até se reformar no princípio deste ano. No plano familiar M… contou sempre com o apoio incondicional dos seus progenitores, ambos já falecidos, casou em 1976 com o médico J…, co-arguido neste processo, vivendo inicialmente na zona de Faro antes de se fixarem no concelho de …. Adoptaram 2 filhos, P…. e Mar…, dois irmãos hoje já com 33 e 30 anos de idade, sendo a arguida avó de 2 netos. A arguida divorciou-se por mútuo acordo em 2015 após conhecimento de uma relação extra-conjugal do marido que já durava há alguns anos. À data dos factos que estão na origem deste processo (2010/13) M… ainda estava casada com o co-arguido e era proprietária de duas farmácias, em … e …. No momento presente a arguida tem a cargo a sua neta L…, de 5 anos, numa moradia em …, habitação registada em nome do ex-marido. Mantêm contactos regulares com os filhos e com o ex-marido, embora com este sobretudo sobre assuntos relacionados com a sua neta. M… está aposentada desde o início deste ano com uma pensão de 760€, mas recebe também uma quantia mensal superior a 1.100€ do Montepio Nacional da Farmácia, o que lhe permite ter uma situação económica relativamente estável, ainda que pague a prestação da casa ao banco e outros encargos relacionados com a falência. Este processo teve um impacto significativo junto de M…, com reflexos negativos na imagem social e profissional da arguida. Atenta a sua formação e experiência de vida pessoal e laboral, M… revela noção dos bens jurídicos em causa protegidos por lei, mas não identifica na sua prática profissional qualquer conduta que tenha consubstanciado a prática de um ilícito penal. *** B.1.2 - Factos não provados. Que a arguida M… tenha sido a Directora Técnica da Farmácia de … em todo o período compreendido nos anos de 2010 a 2013. *** B.1.3 - E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto: «Dispõe o artº 374º, nº 2 do CPP, na parte em que estabelece os requisitos da fundamentação da decisão da matéria de facto, que “a fundamentação” deve conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos (…) que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Sabendo-se que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, os recorrentes suscitaram as seguintes questões: a) A invocação de parcial erro notório na apreciação da prova dos factos dados como provados em 98, 105 e 125 – conclusões A a M; b) A medida da pena da arguida sociedade - conclusões N a GG; c) O valor da indemnização a pagar pela sociedade arguida - conclusões HH a LL. Por despacho inicial do relator foi decidido que os três recorrentes tinham legitimidade e interesse em recorrer quanto a parte das matérias tratadas no recurso, isto é, a matéria de facto e de natureza civil, patrimonial, mas que não tinham legitimidade e representação para discutir em recurso a matéria das penas impostas, pelo que o recurso foi parcialmente rejeitado quanto às penas impostas à “Sociedade …, Unipessoal”. Os recorrentes reclamaram nos termos já constantes do relatório. E por aqui se impõe começar a análise dos autos. * B.2 – Questão prévia - A reclamação pela não aceitação de recurso quanto à medida da pena da sociedade arguida. B.2.1 – Os recorrentes/reclamantes são a (1) Massa insolvente da sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda, (2) G…, Lda., NIPC…, e (3) JR… NIF …, intervenientes no processo de insolvência. E a arguida Massa insolvente surge representada pelo administrador judicial. Ora, face ao estatuido no artigo 82.º ns. 1 e 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo Dec-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, os órgãos sociais do devedor mantêm-se em funcionamento após a declaração de insolvência e durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir: a) As acções de responsabilidade que legalmente couberem, em favor do próprio devedor, contra os fundadores, administradores de direito e de facto, membros do órgão de fiscalização do devedor e sócios, associados ou membros, independentemente do acordo do devedor ou dos seus órgãos sociais, sócios, associados ou membros; b) As acções destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência; c) As acções contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente. E, nos termos do disposto no art. 81º, ns. 1 e 4 do mesmo Código da Insolvência, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, o qual assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. Daqui decorrem, de forma transparente, duas consequências: que os poderes de representação do administrador da insolvência circunscrevem-se aos efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência, da qual são afastados os órgãos sociais; e que nos restantes aspectos, particularmente os criminais, a representação da insolvente continua a pertencer aos seus órgãos sociais, gerentes ou administradores. Esta é posição unânime da jurisprudência, de que é exemplo claro e suficientemente explícito o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-06-2014 (proc. 2140/06.3TAAVR-A.C1, sendo relatora a Desemb. Elisa Sales) quando fundamenta nos seguintes termos: «Portanto, após a declaração de insolvência da sociedade e até à sua extinção, existe um período na vida útil da sociedade em que coexistirão duas entidades que validamente a representam, cada uma no seu campo de intervenção específico, que não se sobrepõem. Desta forma é ajustado afirmar que são os órgãos societários pré-existentes à extinção que representam a sociedade e não o nomeado administrador da insolvência por ser dado assente que a declaração de insolvência de uma sociedade não a faz desaparecer, mantendo a sua personalidade jurídica e a sua capacidade judiciária. E são esses órgãos que respondem pela matéria crime. E aqui é bem necessário ter presente que o recurso à previsão do nº 1 do art. 127º do Código Penal para fazer analogia entre a morte da pessoa singular e a pessoa colectiva não é já viável dada a previsão legal hoje muito precisa quanto à extinção da pessoa colectiva. Assim, “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras”, nos termos do artigo 5.º do CSC (Código das Sociedades Comerciais), a declaração de insolvência da sociedade é causa da sua dissolução (artigo 141 do CSC), mas a sociedade só se considera extinta “mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação” nos termos do artigo 160º, n. 2 do mesmo CSC e art 3º, n. 1, al. t) do CRC (Código do Registo Comercial). E, mesmo após a sua extinção, “o respectivo património responde pelas multas e indemnizações em que aquela for condenada” – artigo 127º, n. 2 do Código Penal. E, assim, o administrador de insolvência não representa no processo penal a sociedade insolvente arguida, sendo esta representada pelos representantes legais existentes à data da declaração de insolvência, mantendo-se os mesmos em funções após aquela declaração nos termos do disposto no art. 82.º, n.º 1 do CIRE. E como o administrador apenas assume a representação para os efeitos de carácter patrimonial que digam respeito à insolvência, a celebração por si do contrato de mandato forense só pode transmitir os poderes de que dispunha, os relativos à defesa do activo e da recuperação do passivo da massa insolvente referidos nos artigos supra citados. Logo, a Massa insolvente não está aqui representada como arguida. Ora, o nosso Código de Processo Penal, na versão temporária em vigor, apresenta na sua Parte I e no correspondente Livro I, sob a designação de sujeitos do processo como sendo o juiz e o tribunal, o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal, o arguido e o seu defensor, a vítima, o assistente e as partes civis. Ou seja, os recorrentes/reclamantes não cabem em qualquer das indicadas qualidades de “sujeitos do processo”, sequer a arguida “Massa insolvente” que aqui apenas surge representada pelo administrador da insolvência para efeitos meramente patrimoniais relativos a esse processo de insolvência. São, pois, os recorrentes meros participantes processuais com poderes limitados. Mas pretendem discutir também a pena aplicada à arguida. Essa a questão a resolver. * B.2.2 – Como meros participantes processuais não lhes é vedado ter legitimidade processual. Isto é, ninguém negou aos recorrentes a legitimidade para virem discutir os pontos de carácter patrimonial que os afectam directamente. E muito menos os afirmámos partes civis que obviamente não são. Tanto assim é que o processo seguiu para conferência para tratar de conhecer de questões suscitadas pelos recorrentes e que foram aceites pelo despacho liminar, as de pendor exclusivamente patrimonial que cabem nos poderes de acção do administrador da insolvência. Recentremos a questão. É explícito o artigo 401.º do C.P.P., com a epígrafe «Legitimidade e interesse em agir» na afirmação de que: 1 - Têm legitimidade para recorrer: Este artigo é de enorme relevância na consagração das figuras da legitimidade (subjectiva) para recorrer e do interesse em agir, enquanto pressuposto objectivo no âmbito do recurso. Também assume enorme relevância na delimitação dos poderes recursivos de cada um dos sujeitos e dos participantes processuais. Dele decorre que as várias alíneas do nº 1 vão restringindo a área de actuação de quem tem legitimidade para recorrer, desde o Ministério Público, cuja possibilidade subjectiva para o recurso em nada se vê limitada e até ultrapassa o que seria naturalmente expectável numa pura ordem processual penal acusatória (“ainda que no exclusivo interesse do arguido”) e para o qual se prefigura o interesse em agir como única limitação possível, seguindo-se o arguido e o assistente com plena legitimidade quanto às decisões – e apenas essas – que “contra eles” são proferidas. Da mesma limitação (o “contra cada uma” das partes civis) sofrem, as partes civis, mas aqui com maior restrição pois que nem quanto à totalidade dos pedidos cíveis podem pugnar. E acaba aqui a delimitação da legitimidade recursiva dos “sujeitos processuais”. Os próximos possíveis actores no processo são todos meros “participantes ou intervenientes processuais” e cabem todos na al. d) do nº 1 do preceito. São «aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias» e os que «tiverem a defender um direito afectado pela decisão». O caso dos autos diz respeito à segunda parte desta alínea. Por isso que a parte do recurso que foi aceite por este tribunal não partiu do pressuposto que os recorrentes eram partes civis. Esta é conclusão tirada pelos reclamantes nos pontos 4 a 7 da sua reclamação mas que não corresponde ao dito por este tribunal. A expressão utilizada pelo tribunal no despacho foi “interessados meramente civis”, expressão que, não sendo errada, se admite sofrer de alguma imprecisão. Os reclamantes nem sequer são partes civis, se o fossem seriam sujeitos processsuais, algo que se disse já não serem. Assim, como meros participantes processuais e não partes civis, tinham legitimidade para se insurgirem em sede de recurso contra o apuramento dos factos e a condenação cível da arguida insolvente! E o tribunal respondeu afirmativamente a essa questão, admitindo parcialmente o recurso. E através do saber se o seu invocado direito tinha sido “afectado pela decisão”. Ou seja, através da segunda parte da al. d) do nº 1 do artigo 401º do C.P.P. Também respondeu negativamente à mesma questão da legitimidade – e com base na mesma alínea - mas quanto à pena criminal imposta. Desta forma o despacho afirmou que os recorrentes não tinham – nem têm - legitimidade, enquanto meros participantes processuais e à luz da previsão da al. d) indicada para vir discutir a pena criminal. Desta forma, a primeira barreira para a aceitação do recurso quanto à pena criminal - ainda em sede de legitimidade – é o esclarecer o que seja ter sido “afectado pela decisão”. Gonçalves da Costa (Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, Almedina, 1988, pag. 414) é claro na sua delimitação desta alínea d): «v.g., o defensor nomeado poderá recorrer da decisão que fixa a remuneração referida no artigo 66º, 5; o detido nos termos e para os fins dos arts. 116º-2 e 254°, al. b, quando não seja arguido ou assistente, que esses têm já reconhecida a sua legitimidade no artigo 401°-1, al. b, poderá recorrer da decisão que ordene a detenção». Vinício Ribeiro, por seu turno, anota (Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 2008, pag. 873) que esta alínea d) «consagra um direito de recurso para aqueles – que podem ser meros intervenientes processuais (testemunhas. Peritos, etc.) – que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código (v. g. artigo 116.°, nº, 1 e 2 e artigos 513.° e ss. – exempIos fornecidos por José Gonçalves da Costa, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina. 1989. Pág. 413) ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão (costuma ser apontado pela doutrina o caso do defensor nomeado relativamente à sua remuneração – artigo 66º, nº 5; mas também pode recorrer a instituição bancária, embora mero interveniente processual acidental, afectada por decisão proferida no âmbito do segredo bancário).» Tem-se entendido em sede de tentativa de conceptualização que “ser afectado pela decisão” é ser directamente afectado pela decisão. Logo, a questão – neste ponto concreto – consiste em saber se os recorrentes foram afectados pela decisão. Na parte aceite do recurso os recorrentes foram afectados directamente pela decisão na medida em que a condenação com natureza civil cível fez acrescer o passivo da massa insolvente, razão pela qual foi parcialmente aceite o seu recurso. E quanto à pena os recorrentes não foram afectados directamente. É que, note-se, os recorrentes não foram condenados nestes autos. Neste processo penal aplicou-se uma pena que, enquanto realidade jurídica em nada afecta os credores da insolvência. Só a expressão monetária da pena escolhida se reflecte indirectamente na massa insolvente. Um relance pelos artigos 90º-A a 90º-M do Código Penal dá-nos uma ideia clara da diversidade das penas criminais aplicáveis às pessoas colectivas e a noção clara de que se deve impor a ideia de que deve ser vedado a qualquer “interessado” - que não sejam o Ministério Público e o assistente (limitado pelo concreto interesse a invocar) – vir discutir uma pena criminal com base na ideia de que uma pena de multa é equivalente a um débito contabilístico. É claro que a arguida Massa Insolvente Farmácia … foi directamente afectada pela decisão na medida em que foi condenada numa pena de multa, mas não tem poderes de representação adequados à prossecução deste propósito. O administrador de insolvência não tem poderes de representação para – pela arguida – vir discutir a pena imposta. E se tivesse nunca seria aceite a sua legitimidade pela al. d) do artigo 401º do C.P.P. mas sim pela al. b) do preceito, como arguida. Desta forma e em síntese conclusiva, os recorrentes não têm legitimidade, à luz da al. d), do n. 1 do C.P.P. para discutir a pena imposta à arguida já que esta os não afecta directamente. Tal pena é acto que apenas os afecta indirectamente e não por referência à sua qualidade intrínseca de “pena criminal” mas sim enquanto débito contabilístico. * B.2.3 – A possibilidade de recorrer da pena criminal imposta em determinado processo é tema que já foi muito glosado e que, com origem histórica numa visão radical do princípio da oficialidade, ainda hoje - mesmo nas posições mais abertas às interpretações actualistas - centra em exclusivo a controvérsia sobre a possibilidade de discutir a pena criminal na figura do assistente, como se torna claro nos acórdãos do STJ após a prolação do Assento n.º 8/99 que atestou: «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir». Reproduzamos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2009 (proc. 09P0579, rel. Cons. Souto de Moura): II – (…) a realização dos fins das penas é de interesse público, e está ao serviço, mesmo no caso dos crimes semi-públicos e particulares, de toda a comunidade. Não é uma pretensão que se identifique só ou prevalentemente com o interesse da vítima, do ofendido, ou de quem os represente. Daí que, desse carácter público do ius puniendi, se tenha que fazer eco o próprio processo penal. (…) Isto dito para o assistente por maioria de razão se aplica a intervenientes processuais que não foram condenados nos autos nem pretendem em concreto a defesa de interesses comunitários relativos à pena, sim interesses contabilísticos redutíveis ao processo de insolvência. Ora, se o assistente – um sujeito processual com mais amplos poderes do que meros participantes processuais - se vê compelido a “demonstrar um concreto e próprio interesse em agir” para poder recorrer da fixação da natureza e medida da pena criminal imposta nos autos, é algo ousado – pelo menos é original - que quem não tem um interesse directo, concreto e próprio na discussão da pena criminal tenha a possibilidade de a discutir com base num enviesar, num envesgar, de conceitos através de um sofisma que faz equiparar “pena criminal” a “débito contabilístico”. Isto é, logicamente a equiparação de “pena criminal” e “débito contabilístico” assenta numa falácia lógica de falsa analogia, conhecida falácia indutiva, assumindo a similitude das duas realidades para permitir a aplicação do regime de um ao falso analógico. Porquanto é isso que os recorrentes reclamam: a natureza de “pena criminal” do quantitativo condenatório é desprezável; na sua visão não passa esse quantum de pena de uma realidade económica expressa em moeda com um significado contabilístico negativo e significado económico ruinoso para o acordado na insolvência. E aqui, com o respeito que é devido a participantes processuais que se viram numa situação que pode ser comercialmente compreensível na sua parcial surpresa (já que não era de todo inesperada), não se pode abrir a porta a situações da vida real societária e comercial que tornariam letra morta o disposto no artigo 401º do C.P.P. e colocariam qualquer um a discutir penas em recursos avulsos com fundamentos que não dizem directamente respeito aos fins das penas, sim à contabilidade societária. Pense-se, por exemplo, em casos que em termos de redução a conceitos e situações jurídicas se equiparam ao caso sub iudicio: - o merceeiro do bairro que vem insurgir-se contra a pena imposta ao vizinho que o impede de pagar a dívida que este tem no seu estabelecimento; - o vendedor de veículos automóveis que cede a viatura para um test drive a um potencial comprador “acelera” que, logo após, é apanhado pelo radar de uma força policial em excesso de velocidade que, possesso pelo risco corrido, vem insurgir-se contra a branda pena aplicada; - o mesmo exemplo mas com a variante de o comprador “emprestar” o veículo a companheiro alcoolizado. Aqui o limite é a nossa imaginação que, o relator confessa, não abunda. Assim, não é possível – por falta de legitimidade – a um interveniente em processo de insolvência vir discutir a pena criminal imposta. * B.2.4 – A situação exposta na sua reclamação sob 18º a 20º, a representação da sociedade arguida pós extinção – se existente – não foi colocada em primeira linha ao tribunal recorrido pelo que não pode agora este tribunal estar a decidir um recurso com base em factos que desconhece ou a reiniciar o julgamento em segunda instância de matérias que deveriam ter sido devidamente esclarecidas antes da decisão sob recurso. De qualquer forma quer-nos parecer que a situação dos reclamantes se agravaria caso já tivesse ocorrido a situação de extinção societária. Quanto aos restantes motivos de inconformidade o que ressalta da posição dos recorrentes nos autos é simples: não querem a pena, não porque isso os afecte directamente ou porque esteja mal determinada, mas apenas porque isso aumenta o passivo. Isso é patente em várias expressões da sua reclamação. Note-se: 9. Os Recorrentes defenderam a sua legitimidade no Recurso da Decisão condenatória, tanto na parte civil, como na parte penal, justificando que: i. A condenação da arguida Farmácia …, Unipessoal, Lda – em Liquidação, vem afectar directamente o património em que consiste a Massa Insolvente desta Sociedade, em primeira linha, e em segunda linha o principal credor da arguida JR… e bem assim, a Sociedade que se tornará titular da totalidade da Sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda., a Sociedade Comercial por Quotas G…, Lda. ii. A condenação da arguida Sociedade reflecte-se unicamente a nível patrimonial, responsabilizando-a pelo pagamento de um valor total de € 94.676,24, sendo € 70.000,00 referente à pena de multa e € 24.676,24 a indemnização civil. iii. A multa a que a arguida Sociedade foi condenada e o montante de indemnização civil a que foi condenada a pagar solidariamente, afectarão directamente o património da Sociedade Farmácia …, Unipessoal, Lda., que presentemente constitui a massa insolvente da Sociedade, administrada pelo Administrador Judicial; irá reflectir-se já no acervo da Sociedade após o encerramento do processo de insolvência, que está eminente, afectando por isso o património de uma Sociedade titulada por uma nova sócia, que aderiu a um plano de insolvência no pressuposto de uma situação patrimonial à data estabilizada e que esta condenação vem agora por em causa; e afectará a capacidade da Sociedade recuperada poder reembolsar o seu principal credor JR…, que promoveu o referido plano de Insolvência, com pressupostos que a decisão recorrida, veio agora por em causa 12. A pena aplicada à Farmácia …, Unipessoal, Lda – em Liquidação tem inegável natureza patrimonial, não obstante ser manifestação do ius imperii estatal, afectando, por isso, os direitos dos Recorrentes. 13. É que, a aplicação da pena, quando fosse concretizada, iria já afectar a Recuperada Farmácia …, Lda, sob nova gerência e cujo capital acabou detido por outras entidades, que aliás foram credoras da Farmácia …, Unipessoal, Lda – em Liquidação, 14. E que tomaram a decisão de recuperação da empresa com base em pressupostos que não incluíam a condenação da Sociedade em Liquidação neste processo. Fica evidenciada a supra dita equiparação da pena criminal a passivo contabilístico. Mas fica também evidenciada a falta de interesse em agir. Esta questão da falta de interesse em agir deixa de ter relevo na medida em que se concluiu já inexistir legitimidade dos reclamantes para recorrer. Mas não queremos deixar os argumentos aduzidos na reclamação sem resposta para se não criar a ideia de improcedência por razões formais. Digamos que no entender dos reclamantes a multa penal resulta numa excessiva onerosidade com o efeito consequencial de o negócio proposto no processo de insolvência pelo credor de segunda linha se revelar insatisfatório. Será um caso de a obrigação se tornar, após a sua constituição (o quem nem sequer é um dado assente), excessivamente onerosa para o devedor, restando este numa situação de saber se ele continua ou não vinculado ao seu cumprimento, situação discutível quanto ao saber se a excessiva onerosidade da obrigação pode constituir causa de liberação, total ou parcial, do devedor. Logo, na visão dos reclamantes discutir a pena tem a enorme vantagem de ser a primeira via para reduzir a “obrigação” excessivamente onerosa, pelo menos. Temos assim cumprido o ciclo pretendido pelos reclamantes: Pena criminal = Débito = Dívida = Passivo = Onerosidade = Legitimidade do administrador de insolvência para discutir a pena criminal = Exclusão ou diminuição da Pena. Mas então é para isto que servem as penas? Para serem reduzidas, subordinadas, a conceitos contabilísticos? Societas delinquere potest é assunção clara e inegável do actual ordenamento penal português, vd o artigo 11º do Código Penal, princípio com tendência a aprofundar-se e a alargar-se no concreto judiciário. E nas várias teorias que se perfilam, as pessoas colectivas são capazes de acção e culpa (“Responsabilidade penal das sociedades e dos seus administradores e representantes”, Germano Marques da Silva, Verbo, 2009, 162 a 204). De outra banda, as penas criminais a impor às pessoas colectivas, se em alguns casos diversas das impostas ao cidadão comum, assumem-se - com nuances particularistas - como integradas no unificado objectivo penal dos fins das penas, como consequências jurídicas do crime, sendo a pena de multa penal uma pena principal de natureza pecuniária. A este propósito é muito claro o artigo 90º-A do Código Penal. E tendo tal presente, para além da memória dos critérios de escolha e determinação das penas a impor – aqui às pessoas colectivas, ditas pessoas jurídicas em contraposição com as pessoas físicas - fica algo deslocada a reivindicação de que (reclamação em 15) «afastando-se a legitimidade do Administrador de Insolvência para recorrer da pena de multa a que a Sociedade em Liquidação foi condenada, põe-se em causa a função do Administrador de Insolvênca consistente em prover à conservação e frutificação dos direitos da insolvente, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica – artº 55º, nº 1, b) do CIRE.» Isto corresponde à vindicação de que o direito penal e os fins das penas não são aplicáveis às pessoas jurídicas, designadamente às sociedades e que a existência do administrador de insolvências é razão suficiente para que as penas sejam equiparadas a débitos comerciais. E significa, em termos teoréticos que a época do homo economicus saiu da idade da ditadura e passou à idade do totalitarismo, com a devida vénia a Hannah Arendt. É claro que esta visão das coisas, transposta para as pessoas físicas – que também podem ser declaradas insolventes - no que às penas diz respeito, abre possibilidades até aqui inimagináveis. Já vemos arguidos condenados, pessoas físicas, a correr em direcção aos processos de insolvência – depois de se desfazerem formalmente de bens vários – com o intuito de convencer os administradores de insolvência a irem aos processos-crime peticionar o desaparecimento das penas de multa e outras com o argumento do prejuízo directo e evidente para a massa insolvente, seja pelo aumento do passivo (multas e custas), seja pela impossibilidade de fazer acrescer o activo (a pena de prisão, por exemplo). E as consequências serão assombrosas. A mais simples reside no clássico punitur quia peccatum est. Hoje, como se sabe, o pecado está desacreditado e o punitur vai a caminho. Recordemos de forma simples e resumida que os fins das penas são um objectivo comunitário claro e que “as respostas dadas ao longo de muitos séculos ao problema dos fins da pena – seja pela ciência do direito penal, seja pela teoria do Estado ou pela própria filosofia – reconduzem-se a duas (rectior, a três) teorias fundamentais: as teorias absolutas, de um lado, ligadas essencialmente às doutrinas da retribuição ou da expiação; as teorias relativas, de outro lado, que se analisam em dois grupos de doutrinas: as doutrinas da prevenção geral, de uma parte, as doutrinas da prevenção especial ou individual, de outra parte” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, pag. 44). A pena surge como instrumento de retribuição, expiação, reparação ou compensação do mal do crime ou como instrumento de prevenção, como “instrumento político-criminal destinado a actuar (psiquicamente) sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efectividade da sua execução … forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.” (idem, pags. 50-51). Em nenhuma das variantes se prefigura a contabilidade de uma insolvente e um acordo de insolvência para a sua transmissão como critério determinante da escolha e medida da pena a ser peticionada por interveniente a quem o Código de Processo Penal não reconhece legitimidade – nem interesse em agir – para pretender alterar a pena, desprezando em absoluto os seus fins. Por outro lado, se o Ministério Público, titular da acção penal, se mostra desinteressado na alteração da pena imposta, que valor mais alto esgrimem os reclamantes para sustentar a sua posição? O “inesperado” débito resultante da pena num processo que se fez anunciar! É pouco! Razões que conduzem ao indeferimento da reclamação. * B.3 – A matéria de facto B.3.1 - As contradições e ilogicidades apontadas pelos recorrentes centram-se em aspectos particulares da redacção dada aos factos provados em 98º, 99º, 105º e 125º, invocando-se apenas os próprios termos da decisão recorrida. Ou seja, há – na perspectiva dos recorrentes - uma pura e simples invocação de erro notório na apreciação da prova patente por si na leitura do texto da decisão recorrida. Aliás há dois pontos de facto que se estabelecem como instantes de insatisfação dos recorrentes, um dizendo respeito à concatenação dos factos 98º, 99º e 105º, outro que diz respeito à titularidade dos valores referidos no ponto 125º. Esses dois pontos serão analisados em sequência. O primeiro ponto é apresentado pelos recorrentes como um real “erro notório na apreciação da prova”, aquele que se oferece como “o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum”. No caso e na sequência da própria alegação dos recorrentes constata-se que nos factos provados 98º, 99º e 105º se afirma: 98. A arguida M… é farmacêutica (com inscrição activa na Ordem dos Farmacêuticos desde 10 de Julho de 1987) e pelo menos no período temporal compreendido entre os anos de 2010 a 2014 foi proprietária (conjuntamente com o seu marido e ora arguido J…) das farmácias «…», sita na Rua … e «Farmácia …, Unipessoal Lda – Em Liquidação», com sede na Rua da … sendo Directora Técnica da Farmácia … e tendo o poder de direcção, ainda que não técnica, na Farmácia de …. 99. A «Farmácia …, Unipessoal, Lda – Em Liquidação» é uma sociedade por quotas que desde a sua constituição (ocorrida no dia 02/02/2011) e até à presente data tem como gerente e única sócia a arguida M…, sendo o objecto daquela o seguinte: «comércio a retalho de produtos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, cosméticos e de higiene.» 105. Neste contexto, desde data não concretamente apurada mas que se situa no início do ano de 2010, os arguidos J… e M…, por si e esta última também na qualidade de representante da sociedade «Farmácia …, Unipessoal, Lda – Em Liquidação», desenvolveram um esquema fraudulento com vista a locupletarem-se indevidamente com montantes monetários à custa do Serviço Nacional de Saúde. Parece, assim, que a redacção dos factos 98º e 105º ficaria exposta a um vício de facto de conhecimento oficioso. Mas não nos surge como evidente que se trataria de um erro notório na apreciação da prova, sim de uma possível contradição insanável entre factos provados, designadamente entre o facto provado sob 98º [«é uma sociedade por quotas que desde a sua constituição (ocorrida no dia 02/02/2011)» e os factos provados sob 99º [«e esta última também na qualidade de representante da sociedade «Farmácia Sousa Pires, Unipessoal, Lda»] e 105º [«entre os anos de 2010 a 2014 foi proprietária (conjuntamente com o seu marido e ora arguido José Pires) das farmácias «Porches», sita na Rua Direita, n.º 9, R/c, em Porches e «Farmácia Sousa Pires, Unipessoal Lda»] Assim – e não estando em dúvida a data de constituição da sociedade – a matéria em causa só apresenta um problema de redacção para evitar a atribuição de uma representação jurídica de uma sociedade ainda não constituída, como bem sugerem os recorrentes. Mas será esse o problema? Em lado algum os factos referem uma representação jurídica, sim uma “representação” da sociedade. Logo, a questão transita para outra sede: será que o termo “representante” constante do facto 99ª se limita e tem que ser entendido exclusivamente como “representação jurídica”? Apesar de não parecer haver nos autos – e desde o seu início - grande preocupação com o Código das Sociedades Comerciais (CSC) e com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE - (Dec-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março), certo é que o termo “representante” também pode ser entendido como abrangendo “representantes de facto”. Note-se que o CIRE se refere a “administradores, de direito ou de facto” quando o termo administradores é habitualmente um conceito de direito. E outras normas se referem a esta dicotomia, ainda no CIRE quando no artigo 49º, n. 1, al. c) se “refere a “administradores, de direito ou de facto”, assim como o artigo 227º do Código Penal que prevê a insolvência dolosa e expressamente se refere a “quem tiver exercido de facto a respectiva gestão ou direcção efetiva”. Trata-se do conhecido problema dos “gerentes (ou “administradores”) de facto”, muito discutido na jurisprudência portuguesa, principalmente a propósito do RGIT. Desta forma a questão central passa a ser a distinção entre a gestão ou a adminstração ou a gerência de direito ou de facto, sendo irrelevante a terminologia utilizada. Relevante será o encarar o termo como uma mera questão terminológica que encerra a questão central: agiu-se de iure em termos de enquadramento legal no cumprimento dos formalismos societários ou agiu-se de facto além desses formalismos? A questão deve ser tratada infra a propósito do último ponto a abordar, o quantum indemnizatório. Agora resta concluir que, encarado o termo “representante” numa mera perspectiva de acção de facto nem há erro notório na apreciação da prova, nem contradição insanável entre factos provados. E, assim sendo, não existe qualquer contradição na existência de uma “representação de facto” de uma sociedade que só posteriormente será constituída. Aliás a este respeito tenha-se presente o artigo 19º, ns. 2 e 3 do CSC quanto à assunção de obrigações societárias antes da sua constituição. O problema com os indicados factos surge na medida em que há uma nítida confusão entre “farmácias” e a “propriedade de farmácias”. A designação das farmácias é clara: farmácia “…” e “…”. A propriedade é coisa distinta e é aí que surge posteriormente a sociedade com a firma “Farmácia …, Unipessoal, Ldª”, com o acrescento “Em liquidação” a ajudar à confusão (esta matéria inclui-se na análise do quantum indemnizatório a analisar no último ponto). Mas daqui não decorre a existência de um erro notório na apreciação da prova ou contradição entre factos provados pelo que improcedente se mostra a primeira razão de desacordo dos recorrentes. Quanto à confusão entre farmácias e sua propriedade – principalmente quanto ao facto 98º - é fácil a sua compreensão, não se justificando qualquer alteração factual, como se verá infra. * B.3.2 – O segundo ponto de descontentamento dos recorrentes aponta para a necessidade de desdobrar os valores do facto provado sob 125 em função das despesas feitas ou na farmácia de … ou na de …, esta em duas parcelas consoante a comparticipação (o acto ilícito que a tal levou) tenha ocorrido antes ou depois da constituição da sociedade, isto na versão dos recorrentes. O facto provado 125 reza: 125. Em termos globais, no período temporal compreendido entre os anos de 2010 a 2103, o arguido J… em concertação de esforços e ideias com a arguida M…, esta última por si e em representação da sociedade «Farmácia …, Unipessoal Lda» prescreveu o conjunto de receitas médicas que abaixo se discriminam, em que o valor total da comparticipação do SNS apurado e do inerente prejuízo para o Estado, foi de € 52.314,20 (cinquenta e dois mil trezentos e catorze euros e vinte centimos), correspondente à comparticipação daquele no pagamento das receitas em causa. A seguir, mas no âmbito do mesmo facto provado, segue-se uma extensa tabela com a identificação de utentes, receitas, datas e valores, com identificação das farmácias – … e … – onde se processou a suposta despesa e sequente comparticipação. Ora, analisando a referida tabela não podemos deixar de concordar com os recorrentes: se as supostas despesas para o Estado estão referidas na tabela por referência a duas farmácias não pode o texto supra do facto 25 reportar todas as comparticipações a uma só farmácia. Mas será isso que ocorre? Não nos parece! A confusão supra referida tem efeitos sequenciais. Não que a redacção do facto esteja errada, mas gera natural confusão pois uma leitura apressada dirá que toda a despesa foi feita ou é referente à farmácia … quando aquilo que o facto refere é que o arguido … prescreveu o conjunto de receitas médicas que abaixo se discriminam… e a farmácia com a nova firma apenas surge pela necessidade de introduzir a conduta da arguida no acto ilícito como representante da dita farmácia. Isto é, há uma vírgula a menos (a seguir a “Ldª”) e um facto a mais (a representação pela arguida) no mesmo suposto facto único, o 125º, a gerar confusão e a implicar posteriores operações aritméticas. Mas, realmente, não há um vício de facto, ocorrendo antes a explanação de um facto múltiplo que, por si, é insuficiente e que exige posteriores raciocínios aritméticos, que se poderiam evitar se estivessem já incluídos no facto provado 125º. Dito de forma mais específica, a tabela de valores inclui as despesas relativas às duas farmácias quando apenas uma delas é arguida e demandada cível pelo que para apurar dos factos relativos a essa farmácia, a …, haverá que muito concretamente apurar o montante global das comparticipações que nela tiveram origem, sem olvidar que o conjunto de todas as comparticipações – de ambas as farmácias – são factos essenciais à imputação dos factos a ambos os arguidos, pessoas físicas, enquanto a responsabilidade da arguida farmácia … se limita aos valores processados aos seus balcões, sendo irrelevantes os valores processados na farmácia …. Duas realidades, portanto, a resultar do mesmo facto. Além disso aquela inclusão (dos valores parcelares que conduzem ao total) faria acrescer a vantagem de não esquecer, no momento da decisão final, que nem todas as despesas podem ser imputadas a uma só farmácia. Logo, pergunta imediatamente sequente se impõe: esqueceu-se o tribunal dessa realidade? A resposta é negativa. O tribunal quando conhece do pedido cível condena os arguidos J… e M… solidariamente num montante igual, 52.314,20 € (que corresponde ao montante global do facto 125º), mas reduz a condenação da arguida «Farmácia …, Unipessoal, Ldª» ao valor de 24.676,34 €, correspondente às duas parcelas indicadas pelos recorrentes, 3.643,13 € a somar a 21.033,21 €. Isto demonstra que não existe no facto 125º um vício de facto que corresponderia a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas apenas uma incompletude do raciocínio necessário à decisão final, aqui expresso num razoamento aritmético. A decisão o atesta! Preferível seria que a acusação tivesse incluído no facto os valores indicados pelos recorrentes, que melhor permitiriam uma explanação dos factos de forma mais clara e sistemática, facilitando o trabalho do tribunal e de quem lê a decisão, mas os elementos constantes da tabela ali incluída no facto 125º contêm todos os elementos que permitem a indicada raciocinação (sem prejuízo de se reconhecer o excelente trabalho na dedução da acusação, claramente difícil). Isto é, a ausência de um valor nos factos provados não encerra, por si, insuficiência factual se os elementos já constantes dos factos provados permitem uma decisão segura. Dito de forma diversa, a necessidade de operar um raciocínio aritmético não significa uma insuficiência factual. É, portanto improcedente a segunda razão de inconformidade dos recorrentes, na medida em que os valores que pretendem incluir no facto 125º se deduzem por simples cálculo aritmético. * B.4 – O valor da indemnização Neste ponto a argumentação dos recorrentes assenta em parte relevante nos raciocínios já anteriormente por si expressos a propósito da pena, concretizados nas conclusões HH, II e LL, como segue: HH. O Tribunal a quo, no cômputo dos valores indevidamente comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, atendeu aos valores que o foram por meio da Farmácia …, mas não aos valores que o foram pela Farmácia …, enquanto titulada directamente pela arguida M…, que, como já se viu, ascendem a € 3.964,24. II.O valor a que a arguida sociedade deve ser solidariamente condenada a pagar, deverá ser o valor resultante da dedução ao valor total de € 52.314,20, dos valores de € 27.637,86 e € 3.964,24, o que totaliza o valor de € 21.033,21. LL. O valor do pedido de indemnização civil a que foi solidariamente condenada a pagar, deverá, no caso da Sociedade, ser reduzido a € 21.033,21, (vinte e um mil trinta e três euros e vinte e um cêntimos). A pretensão dos recorrentes assenta na ideia de que a farmácia e a sociedade “…” não são responsáveis pelos actos praticados pela gerente e responsável técnica em data anterior à constituição da sociedade unipessoal. Haveria assim três parcelas do valor global constante do facto provado sob 125 que, segundo os recorrentes e o tribunal recorrido seriam: - um total de 52.314,20 € para os valores de ambas as farmácias; - uma parcela de 27.637,86 € para os valores processados através da farmácia …; - uma parcela de 3.643,13 € para os valores processados através da farmácia … antes da formal constituição da sociedade “farmácia …, Unipessoal”; - uma parcela de 21.033,21 € para os valores processados através da farmácia… após a formal constituição da nova sociedade proprietária. Daqui resultaria que a sociedade Farmácia …, Unipessoal, Ldª, apenas seria responsável – e esse seria o limite da sua condenação – por um montante de 21.033,21 €, correspondendo os 3.643,13 a uma responsabilidade directa da arguida M…. Haveria, em consequência deste reconhecimento, de alterar a condenação dessa sociedade arguida, reduzindo a condenação cível de 24.676,34 € para os indicados 21.033,21 €. Este raciocínio olvida duas realidades. Desde logo que a arguida M… não processou as comparticipações em nome próprio mas sim em nome – necessariamente – de uma farmácia pois que se assim não fosse estaríamos face a um crime impossível: o Estado não comparticipa medicamentos fornecidos pessoalmente por licenciados em farmácia. Isto é, a arguida M… agiu através de uma farmácia – forma vinculada de actuação ilícita - de que era gerente e proprietária. E, no caso, a farmácia por si escolhida foi a farmácia …. Poderia ter escolhido a outra de que também era proprietária (facto provado 98º, na afirmação de que os arguidos, médico e farmacêutica, eram proprietários das duas farmácias antes da constituição da sociedade “Farmácia …, Unipessoal, Ldª”). Fez, pois, uma opção de gestão jurídicamente vinculante. Depois, que a arguida ao processar as receitas e as comparticipações através da farmácia … estava a agir como representante de direito dessa farmácia, mesmo sabendo como não podia deixar de saber, que iria ser constituída uma nova sociedade que assumiria a propriedade da farmácia. Ou seja, a arguida era à data representante de direito de ambas as farmácias e poderia vincular qualquer delas (facto provado 98º - «A arguida M… (…) e pelo menos no período temporal compreendido entre os anos de 2010 a 2014 foi proprietária (conjuntamente com o seu marido e ora arguido J…) das farmácias «…», sita na Rua … e «… Farmácia …,Unipessoal Lda – Em Liquidação», com sede na Rua da …, sendo Directora Técnica da Farmácia … e tendo o poder de direcção, ainda que não técnica, na Farmácia de …»). E vincular enquanto representante de direito, que não apenas de facto, até ao dia 01-02-2011. É claro que aqui, como supra se afirmou, o único facto que deve ser melhor explicitado é que a farmácia, antes de pertencer à nova sociedade se não designava como “Farmácia …, Unipessoal” e muito menos em liquidação, mas já era identificada como farmácia …. E quanto à nova sociedade o facto 99º é claro na afirmação de que a «Farmácia S…, Unipessoal, Lda – Em Liquidação» “é uma sociedade por quotas que desde a sua constituição (ocorrida no dia 02/02/2011) e até à presente data tem como gerente e única sócia a arguida M……”. Ou seja, quer antes quer depois da constituição da nova sociedade a arguida M… tinha poderes de direito para vincular ambas as sociedades proprietárias da farmácia … e fazê-las processar a comparticipação. Por isso não se pode raciocinar, como o fazem os recorrentes, como se tivesse existido um hiato temporal e jurídico antes da constituição da sociedade «Farmácia …, Unipessoal, Lda – Em Liquidação» de que a arguida gerente fosse pessoalmente responsável. Ela agiu em nome e representação das sociedades proprietárias da farmácia …, vinculando-as. E mesmo que assim não fosse – o tal conveniente e imaginado vazio temporal e jurídico – a nova farmácia responderia pelas dívidas contraídas porquanto a sua gerente de direito a partir de 02-02-2011 teria agido como gerente de facto da novel sociedade de que a arguida viria a ser a única representante de direito. Aqui é de notar que, com excepção de duas receitas com datas de 2010, em Maio e Novembro, (receitas 344 780 694 e 334 532 260, de M…, referidas na tabela do facto 125 a fls. 4.379, 38 do acórdão recorrido), todas as receitas têm datas de Janeiro e de Fevereiro de 2011, imediatamente antes da constituição formal da nova sociedade. E, também por isso, mesmo que faltasse a representação de direito sempre a actuação de facto da arguida M… – futura gerente da nova sociedade – a vincularia. Por isso que bem andou o tribunal recorrido ao incluir no montante do pedido cível as quantias processadas antes da constituição da nova sociedade. É, assim, improcedente o último motivo de insatisfação dos recorrentes. *** C - Dispositivo: Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal de Relação de Évora em: i. - declarar improcedente a reclamação apresentada; ii. - negar provimento ao recurso. Custas por cada um dos recorrentes com 6 (seis) Ucs de taxa de justiça. (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado). Évora, 03 de Dezembro de 2019 João Gomes de Sousa (relator) António Condesso |