Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
41/14.0TBCTX-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 03/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais pode ser requerida em caso de incumprimento ou quando ocorram circunstâncias supervenientes que tornem necessário modificar o anteriormente estabelecido;
II – Se a solução que o recorrente defende para o litígio se baseia em factualidade que não se encontra provada, mostra-se prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 41/14.0TBCTX-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Família e Menores de Santarém

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

(…) requereu, em 12-10-2022, a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais de seus filhos (…), nascido a 27-05-2010 e (…), nascida a 28-11-2011, contra a progenitora destes, (…), requerendo seja fixada a guarda partilhada com residência alternada e cessada a prestação devida pelo progenitor a título de alimentos em benefício dos filhos, pelos motivos que expõe.
Citada, a requerida deduziu oposição.
Procedeu-se à audição das crianças.
Realizou-se conferência de pais, não tendo sido alcançado acordo.
Efetuou-se mediação familiar, da qual não resultou acordo entre os progenitores.
O progenitor veio aos autos, em 08-11-2023, requerer se proceda à redução do montante da prestação devida a título de alimentos em benefício de ambos os filhos para o valor mensal de € 150,00, bem como que a comparticipação nas despesas extracurriculares respeite apenas às que foram acordadas por ambos os progenitores.
A progenitora veio aos autos, em 17-11-2023, apresentar articulado no qual, além do mais, alegou que o progenitor não tem cumprido a obrigação devida a título de alimentos.
O requerente veio aos autos, a 03-12-2023, comunicar que procedeu à redução da prestação devida a título de alimentos para o valor de € 75,00 por cada um dos filhos.
O Ministério Público promoveu se declare o incumprimento nos moldes requeridos.
Por despacho de 17-01-2024, determinou-se o seguinte:
Compulsados os autos verifica-se que os progenitores, em sede de mediação familiar lograram chegar a acordo de início de contatos o qual, posteriormente, vieram relatar se ter frustrado.
Afigurando-se manifestamente ato inútil a continuação da conferência de pais com vista a acordo, a que dada a posição assumida nos autos e refletida em tal relatório não chegaram, dispenso a realização da continuação da diligência mais determinando a notificação dos progenitores para alegar (cfr. artigo 39.º, n.º 4, ex vi do 42.º da Lei n.º 141/2015, de 08SET).
Notificados, os progenitores apresentaram alegações, requerendo o progenitor a redução do montante da prestação devida a título de alimentos para o valor de € 75,00 por cada um dos filhos e mantendo a progenitora a posição anteriormente assumida nos autos.
Foi realizada a audiência final, do decurso da qual o progenitor desistiu do pedido de fixação de residência alternada e requereu o prosseguimento dos autos para apreciação da peticionada redução do montante da prestação devida a título de alimentos, o que foi admitido por despacho constante da ata respetiva, no qual se determinou o prosseguimento dos autos apenas para conhecimento do pedido de alteração da pensão de alimentos.
Foi proferida sentença em 05-07-2024, na qual se decidiu o seguinte:
Termos em que, tudo visto e ponderado, julga-se improcedente a presente ação por não provada e, em consequência, absolvendo a requerida do pedido, decide-se:
i. manter o valor da pensão de alimentos fixada ao progenitor, atualizada a 2023 no valor mensal de € 266,11;
ii. manter a comparticipação nas despesas médicas, medicamentosas e extracurriculares dos menores (as já frequentadas) na proporção de metade, mediante prévia apresentação do comprovativo.
iii. julgar verificado o não pagamento integral da pensão de alimentos, na quantia total de € 2.675,74, correspondente à diferença da pensão de alimentos judicialmente fixada para os dois menores € 532,22 e o valor pago € 150,00 (€ 382,22 x 7 meses) nos meses de dezembro de 2023 a junho de 2024.
Custas pelo Requerente.
Valor: € 30.000,01.
Notifique.
Inconformado, o progenitor recorreu, pugnando pela revogação da decisão recorrida e respetiva substituição por decisão que (1) absolva o recorrente da condenação no incumprimento, (ii) altere a prestação de alimentos para o montante de € 90,00 por cada menor, (3) mantenha as despesas médicas e medicamentosas à razão de metade, (4) determine que as despesas extracurriculares sejam pagas à razão de metade com a concordância do recorrente, terminando as alegações com a formulação das conclusões seguintes:
«A - No âmbito dos presentes autos, foi proferida sentença, no dia 08-072024, que ora se coloca em crise, conforme consta do segmento condenatório o tribunal decidiu, da condenação no incumprimento das responsabilidades parentais.
B - O tribunal a quo fixou o incumprimento das responsabilidades parentais que ora se impugna:
“Nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, recai sobre as partes o encargo do pagamento das custas da ação.
V - DECISÃO
Termos em que, tudo visto e ponderado, julga-se improcedente a presente ação por não provada e, em consequência, absolvendo a requerida do pedido, decide-se:
i. manter o valor da pensão de alimentos fixada ao progenitor, atualizada a 2023 no valor mensal de € 266,11;
ii. manter a comparticipação nas despesas médicas, medicamentosas e extracurriculares dos menores (as já frequentadas) na proporção de metade, mediante prévia apresentação do comprovativo.
iii. julgar verificado o não pagamento integral da pensão de alimentos, na quantia total de € 2.675,74, correspondente à diferença da pensão de alimentos judicialmente fixada para os dois menores € 532,22 e o valor pago € 150,00 (€ 382,22 x 7 meses) nos meses de dezembro de 2023 a junho de 2024.”
C - O recorrente, após o nascimento das filhas gémeas teve um acréscimo fundado e legitimo das suas despesas nas quais se inclui a creche no valor de € 500,00 mensais (por inexistir vaga na rede pública), não deve ser considerado não provado o facto referente à despesa mensal com as filhas gémeas;
D - No que tange aos bens que é proprietário, conforme documento agora junto, o imóvel Sito em Faro (…), registado em regime
E - de compropriedade pelo que aquele não pode dispor dos mesmos como lhe aprouver;
F - O recorrente retira o rendimento mensal de € 1.055,80 e rendimentos prediais de € 918,00 (novecentos e dezoito euros) "O requerente é empresário em nome individual, tem uma empresa de marketing, (…)—(…), Unipessoal, Lda., auferindo um vencimento médio líquido de € 1.055,80 (outubro de 2023) e € 918,00 de rendimentos prediais.”
G - Sendo o valor de € 266,11 (duzentos e sessenta e seis euros e onze cêntimos), a título de pensão de alimentos para cada menor acrescido de despesas médicas, medicamentosas e extracurriculares à razão de metade é desproporcional à capacidade de prestar do recorrente e bem assim às necessidades fundamentais dos menores;
H - O Valor que o recorrente aufere mensalmente é manifestamente insuficiente para garantir o pagamento das despesas das filhas gémeas e dos filhos mais velhos, também menores.»
A progenitora requerida não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público apresentou resposta, pronunciando-se no sentido manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da verificação do incumprimento pelo progenitor da obrigação de alimentos;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da reapreciação do mérito da causa quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais.
A título de questão prévia, cumpre ainda aferir da admissibilidade da junção dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Por acordo homologado em 19-12-2012, no âmbito do Processo de Divórcio por Mútuo Consentimento n.º 9161/2012 da Conservatória do Registo Civil do Cartaxo, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, tendo os menores ficado a residir com a progenitora e fixada uma pensão de alimentos a cargo do progenitor no valor de € 225,00, pensão a atualizar anualmente por aplicação do índice de inflação publicado pelo INE.
Mais foi estabelecido que que as despesas médicas, medicamentosas e extracurriculares seriam suportados por ambos na proporção de 50% para cada um, mediante a prévia apresentação do comprovativo.
2. Em 11-01-2014, autos principais, o requerente intentou contra a progenitora ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, peticionando a fixação de residência alternada. Por decisão de 28-10-2014 foi homologada a desistência da instância.
3. Em 13-10-2022, este apenso, o requerente intentou contra a progenitora ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, peticionando a fixação de residência alternada.
4. Os menores frequentam há anos as seguintes atividades extracurriculares:
a. (…) – futebol (€ 30,00/mês); padel (€ 20,00/mês); curso de inglês (€ 63,00/mês); explicação de matemática (€ 12,50 - 2 x semana = € 100,00/mês de 4 semanas) = € 213,00.
b. (…) – futebol (€ 20,00/mês); padel (€ 20,00/mês); curso de inglês (€ 63,00/mês); explicação de matemática (€ 10,00 - 2 x semana = € 80,00/mês de 4 semanas) = € 183,00.
5. Os menores têm um cartão da escola que carregam mensalmente com € 10,00 cada um para compra de algum material escolar ou para comerem.
6. Por mês a requerida faz o carregamento dos telemóveis dos filhos no valor de € 12,50, no total mensal de € 25,00.
7. A requerida aufere mensalmente um salário líquido de € 969,74, incluindo horas extra.
8. A requerida (agregado familiar) tem despesas fixas mensais:
a. crédito à habitação – € 540,85;
b. seguro do imóvel – € 18,89;
c. prestação do automóvel – € 296,85;
d. condomínio – € 84,68;
e. seguro automóvel – € 53,01;
f. gás/água/electricidade/tv/internet – € 200,00, aproximadamente;
g. gasóleo – € 100,00, aproximadamente;
h. Alimentação, vestuário e calçado, valor não concretamente apurado.
9. O requerente é empresário em nome individual, tem uma empresa de marketing, (…) – (…), Unipessoal, Lda., auferindo um vencimento médio líquido de € 1.055,80 (outubro de 2023) e € 918,00 de rendimentos prediais.
10. O requerente (agregado familiar) tem despesas fixas mensais:
a. crédito à habitação – € 811,41;
b. seguro de saúde e de vida – € 331,06;
c. condomínio – € 55,90 (€ 614,90, anual);
d. condomínio do imóvel arrendado – € 42,00 (€ 504,00, anual)
e. Creche das gémeas – € 397,50 (€ 265,00 + € 132,50).
f. Pensão de alimentos dos menores – € 450,00;
g. Alimentação, vestuário e calçado, valor não concretamente apurado.
11. O requerente é proprietário de, pelo menos, o seguinte património imobiliário:
a. apartamento em Santarém (onde reside);
b. apartamento inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), freguesia do (…), concelho de Lisboa (arrendado);
c. Quinta (…), freguesia de (…), concelho do Cartaxo, inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…);
d. Quinta das (…), freguesia de (…), concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…);
e. Quinta (…), freguesia de (…), concelho do Cartaxo, inscrito no artigo (…), Secção (…);
f. Quinta de (…), freguesia e concelho de Faro, inscrita na matriz sob o artigo (…) – turismo de habitação;
g. Quinta da (…)/Casal da (…), na freguesia de (…), concelho do Cartaxo, inscrito na matriz sob o artigo (…), secção (…), artigo (…), da secção (…) e artigo (…), da secção (…).
12. O requerente procedeu, unilateralmente, a partir de 03-12-2023, à redução da pensão de alimentos para o valor mensal de € 75,00 para cada menor.
13. O agregado familiar dos menores é composto por estes, a progenitora e o marido / companheiro desta.
14. O agregado familiar do progenitor é composto por este, a mulher / companheira, a enteada e as filhas gémeas do casal (nascidas em 2023).
15. Corre contra o progenitor, instaurada em 19-04-2024, ação executiva por incumprimento da atualização da pensão de alimentos desde 2015 (€ 2.828,64) e despesas extracurriculares dos menores (€ 1.420,50 e € 1.937,88) no valor total em dívida € 7.243,69.
16. O valor atualizado da pensão de alimentos a 2023 é de € 266,11 por aplicação do fator de atualização 1,18272049969769 (cálculo no site do INE – produtos – IPC – Atualização de Valores cfr. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc).
17. O progenitor, em 15-04-2020, cedeu à empresa “(…) – (…), Unipessoal Lda”, NIPC (…), a título de comodato, com a permissão da mesma para subarrendar, os prédios que identifica (os supramencionados no ponto 12, alíneas c) a g).
18. Está o progenitor não pagou a título de pensão de alimentos devida aos menores da quantia de total de € 2.675,74, correspondente à diferença da pensão de alimentos judicialmente fixada para os dois menores € 532,22 e o valor pago € 150,00 (€ 382,22 x 7 meses) nos meses de dezembro de 2023 a junho de 2024.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
i. A creche das filhas gémeas custa € 500,00, mensais;
ii. O requerente despende em combustível, alimentação, água, luz, gás, internet, televisão, telefone, vestuários e calçado, o valor mensal aproximado de € 1.500,00.

2.2. Admissibilidade da junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso
Previamente à apreciação do objeto do recurso, importa decidir a questão da admissibilidade da junção de dois documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.
No que respeita à junção de documentos em sede de recurso, dispõe o artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. O mencionado artigo 425.º do mesmo Código, por seu turno, dispõe que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Da análise conjugada destes preceitos decorre que a junção de documentos em sede de recurso assume natureza excecional, só sendo admissível em duas situações: quando se trate de documentos cuja apresentação não tenha sido possível em momento anterior ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido. Tal regime impõe, à parte que pretenda proceder à junção de documentos na fase de recurso, o ónus de demonstrar que se verifica uma das situações em que a lei o permite.
O recorrente não apresenta fundamentação autónoma, destinada a justificar e legitimar a junção dos aludidos documentos, limitando-se a apresentá-los.
Não demonstrando o recorrente que se verifica qualquer das situações excecionais em que a lei permite a junção de documentos em fase de recurso, inexiste fundamento legal para admitir tal junção.
Nesta conformidade, cumpre rejeitar a junção dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.

2.3. Apreciação do objeto do recurso

2.3.1. Verificação do incumprimento pelo progenitor da obrigação de alimentos
No recurso interposto, o apelante peticiona a revogação da decisão recorrida, na parte em que se considerou verificado o incumprimento da obrigação de alimentos fixada, sustentando que não foi formulada nos presentes autos qualquer pretensão relativa ao incumprimento pelo progenitor de tal obrigação, nem determinada a tramitação de incidente visando aferir da verificação de tal incumprimento, pelo que não podia o Tribunal tomar conhecimento da aludida questão.
Assiste razão ao apelante.
Compulsados os autos, verifica-se que a progenitora, no articulado que apresentou em 17-11-2023, alegou, além do mais, que o progenitor não tem cumprido a obrigação devida a título de alimentos, na sequência do que veio o mesmo aos autos, em 03-12-2023, comunicar que procedeu à redução da prestação devida a título de alimentos para o valor de € 75,00, por cada um dos filhos; de seguida, o Ministério Público promoveu se declare o incumprimento nos moldes requeridos.
Porém, não se vislumbra que tenha sido requerida qualquer declaração relativa à verificação do incumprimento de tal obrigação, nem determinado o prosseguimento de qualquer incidente visando aferir e/ou declarar o invocado incumprimento da aludida obrigação, cujo âmbito e termos não se mostra delimitado pela formulação de alguma pretensão ou pela prolação de despacho. Acresce que consta da ata da audiência final um despacho consignando que os autos prosseguem apenas para conhecimento do pedido de alteração da pensão de alimentos.
Assim sendo, verifica-se que a 1.ª instância, ao apreciar e declarar verificado tal incumprimento no segmento decisório da sentença – iii. julgar verificado o não pagamento integral da pensão de alimentos, na quantia total de € 2.675,74, correspondente à diferença da pensão de alimentos judicialmente fixada para os dois menores € 532,22 e o valor pago € 150,00 (€ 382,22 x 7 meses) nos meses de dezembro de 2023 a junho de 2024 –, conheceu, sem ter sido concedido contraditório prévio, de questão da qual não podia tomar conhecimento, por extrapolar o objeto da ação.
O conhecimento pela 1.ª instância de questão de que não podia tomar conhecimento sem auscultar previamente as partes, com a consequente prolação de decisão-surpresa, configura excesso de pronúncia, causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do Código de Processo Civil.
Encontrando-se vedada, ao juiz da 1.ª instância, a apreciação de tal questão, verifica-se que a decisão recorrida enferma, nesta parte, de excesso de pronúncia, vício que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos previstos 2.ª parte da alínea d) do citado preceito, e que ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Em conclusão, é nula, por excesso de pronúncia, a decisão constante do ponto iii) do segmento decisório – que julgou verificado o não pagamento integral da pensão de alimentos, na quantia total de € 2.675,74, correspondente à diferença da pensão de alimentos judicialmente fixada para os dois menores € 532,22 e o valor pago € 150,00 (€ 382,22 x 7 meses) nos meses de dezembro de 2023 a junho de 2024 –, nulidade que se impõe declarar, a qual não é passível de ser sanada por esta Relação, dado que a questão em causa extrapola o objeto da presente ação.
Procede, nesta parte, a apelação.

2.3.2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente põe em causa a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, sustentando que o facto considerado não provado sob o ponto i) de 2.1.2. deve ser aditado à matéria julgada provada.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
Está em causa, no caso presente, a reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância, na parte relativa ao indicado ponto da matéria de facto, com vista a apurar se, face à prova produzida, a aludida questão de facto foi incorretamente julgada.
O facto que o apelante considera indevidamente julgado não provado, cujo aditamento à factualidade tida por provada defende, tem a redação seguinte: i. A creche das filhas gémeas custa € 500,00, mensais.
Extrai-se da fundamentação da decisão recorrida que os factos julgados não provados, entre os quais se inclui o ponto ora impugnado, assim foram considerados em resultado de não ter sido feita prova efetiva da respetiva verificação.
O apelante baseia a decisão que ora preconiza, no que respeita ao aditamento do aludido ponto à matéria julgada provada, em documento que apresenta com as alegações de recurso.
Porém, face à rejeição dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso, nos termos supra determinados em 2.2., improcede a pretensão em apreciação, no que respeita ao aditamento à matéria provada do indicado ponto de facto, sendo certo que o recorrente não baseia tal pretensão em qualquer meio probatório anteriormente apresentado, isto é, em prova produzida perante a 1.ª instância.
Nesta conformidade, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

2.3.3. Alteração da regulação das responsabilidades parentais
Está em causa, nos presentes autos, a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais relativo (…), nascido a 27-05-2010, e (…), nascida a 28-11-2011, definido por acordo entre os progenitores, homologado por decisão de 19-12-2012, transitada em julgado, em que se estabeleceu a residência habitual dos filhos junto da mãe e, além do mais, uma prestação devida pelo progenitor no montante mensal de € 225,00, a atualizar anualmente por aplicação do índice de inflação publicado pelo INE, a título de alimentos em benefício de cada um dos filhos, acrescida da obrigação de suportar metade do valor das despesas médicas, medicamentosas e extracurriculares, mediante a prévia apresentação de comprovativo.
Encontra-se impugnada na apelação a decisão que indeferiu a peticionada redução para € 75,00 do valor da prestação devida pelo progenitor a título de alimentos em benefício de cada um dos filhos – sendo certo que, por força de atualizações anuais do montante fixado, tal prestação ascendia em 2023, aquando da formulação de tal pretensão, a € 266,11 –, mantendo o regime anteriormente estabelecido.
A 1.ª instância rejeitou a alteração requerida pelo progenitor e decidiu: i. manter o valor da pensão de alimentos fixada ao progenitor, atualizada a 2023 no valor mensal de € 266,11; ii. manter a comparticipação nas despesas médicas, medicamentosas e extracurriculares dos menores (as já frequentadas) na proporção de metade, mediante prévia apresentação do comprovativo.
Discordando da decisão proferida, o progenitor recorrente sustenta que, desde a fixação da prestação de alimentos, teve um acréscimo de despesas em função do nascimento de duas filhas gémeas, defendendo que o pagamento da quantia mensal de € 266,11 em benefício de cada um dos dois filhos mais velhos, acrescida do montante correspondente a metade do valor das despesas médicas, medicamentosas e extracurriculares, se mostra desproporcional à sua capacidade de prestar e, bem assim, às necessidades fundamentais desses seus filhos, o que entende justificar a alteração que preconiza, no sentido da redução da prestação mensal para o montante de € 90,00, por cada um dos dois, bem como de só ser devido o pagamento de metade das despesas extracurriculares com a concordância do apelante.
Vejamos se lhe assiste razão.
Considerando que o (…) e a (…) são menores e não estão emancipados, encontram-se sujeitos às responsabilidades parentais, cujo conteúdo integra a obrigação de ambos os pais proverem ao sustento dos filhos e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, conforme decorre do disposto no artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil, o que não vem posto em causa no caso presente, que se reporta à alteração do montante da prestação devida pelo progenitor a título de alimentos em benefício dos filhos, requerida pelo apelante e rejeitada pela 1.ª instância.
Estando em causa a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais estabelecido, cumpre atender ao disposto no artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei 141/2015, de 08-09), com a redação seguinte:
1 - Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2 - O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido e: (…)
3 - O requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente.
4 - Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.
5 - Caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º.
6 - Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias.
Decorre do n.º 1 deste preceito que a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais pode ser requerida em caso de incumprimento ou quando ocorram circunstâncias supervenientes que tornem necessário modificar o anteriormente estabelecido.
Em anotação ao preceito, afirma Tomé d’Almeida Ramião (Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Anotado e Comentado, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2018, pág. 176) o seguinte:
«É sabido que estamos em presença de processo de jurisdição voluntária, cujas decisões / resoluções poderão ser revistas e alteradas, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (artigo 988.º, n.º 1, do CPC), ou como se refere no n.º 1, a tornem necessária.
O próprio legislador admite a existência de factos supervenientes que não justifiquem ou tornem necessária a alteração, ao afirmar que “justifiquem a sua revisão” (artigo 988.º, n.º 1, do CPC) ou “tornem necessário alterar o que estiver estabelecido” – n.º 1. Dito de outro modo, o legislador admite que possam ocorrer factos supervenientes que não justifiquem alterar a regulação das responsabilidades parentais. Donde, nem todos os factos supervenientes a justificam.»
Tendo a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais sido requerida com fundamento na ocorrência de circunstâncias supervenientes, cumpre verificar, previamente, se decorre da factualidade provada a ocorrência superveniente de circunstâncias que tornem necessário modificar o anteriormente estabelecido, conforme prevê o n.º 1 do citado artigo 42.º.
Acresce que, para determinação do montante da prestação devida a título de alimentos, há que ter em conta que a obrigação compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, bem como, considerando que se trata de alimentos a filhos menores, à educação e instrução dos alimentados, conforme dispõe o artigo 2003.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil; por outro lado, no que respeita à medida dos alimentos, determina o artigo 2004.º, n.º 1, daquele código, que deverão os mesmos ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
A 1ª instância considerou verificada a ocorrência de circunstâncias supervenientes – o nascimento de duas filhas do apelante e o acréscimo de despesas daí necessariamente decorrente –, mas entendeu que as mesmas não justificam a alteração da prestação devida a título de alimentos a cargo do apelado, pelos motivos expostos no excerto que se transcreve:
(…)
Vertendo ao caso concreto, resultou provado que o progenitor ficou obrigado ao pagamento de uma prestação de alimentos no valor de € 225,00 para cada menor, a atualizar anualmente por aplicação do índice de inflação, perfazendo na presente data ao valor mensal de € 266,11 (…)
(…)
Descendo ao caso dos autos, desconhece-se, por não ter sido alegado e, ainda assim, objeto de prova, qual era a situação do requerente à data da celebração do acordo de regulação das responsabilidades parentais. Não se sabe que rendimentos então tinha. Desconhecendo-se essa realidade, não se pode concluir que tenha havido alguma alteração quantitativa, no sentido da sua diminuição, que justifique uma alteração/diminuição.
A alteração que o recorrente invoca, fundamentalmente, consiste essencialmente no aumento do valor do empréstimo bancário (situação transversal a todos os créditos à habitação e, consequentemente, também ao da requerida) e no aumento das despesas em consequência dos novos elementos no agregado familiar do requerente (as filhas gémeas).
Ora, sem prejuízo do aumento das despesas do requerente, com as novas filhas (havendo a não esquecer que a progenitora destas é igualmente obrigada ao sustento das mesmas), impõem-se considerar que as recentes responsabilidades parentais não livram ninguém das mais antigas; elas acrescem umas às outras não havendo maneira de apagar uma quando outra surge.
Por outro lado, temos de ter em conta que contra o progenitor foi instaurada em 19-04-2024, ação executiva por incumprimento da pensão de alimentos desde 2015 respeitante ao valor da atualização (€ 2.828,64) despesas dos menores (€ 1.420,50 e € 1.937,88) no valor total em dívida € 7.243,69 e, não obstante, isto aumentou a família com mais filhos, terá adquirido um segundo veículo automóvel, inscreveu as filhas numa creche privada, assumindo encargos e despesas, numa altura em que a dívida já existia e ia crescendo.
Querendo com isto frisar, em primeiro lugar, que a obrigação alimentar dos filhos (mais velhos) é fundamental e primária e, em segundo, que se o recorrente não a cumpre é porque fará escolhas erradas quanto aos encargos que assume e o modo de emprego dos seus rendimentos – note-se que o progenitor, em 15-04-2020, declarou que a empresa “(…) – (…), Unipessoal Lda.”, NIPC (…) é sua comodatária, tendo a mesma autorização para subarrendar os prédios que identifica – os supramencionados no ponto 12, alíneas c) a g), transmitindo para aquela o rendimento que lhe poderia advir dos arrendamento dos prédios de que é proprietário.
Tendo prescindindo dos rendimentos que lhe adviriam do arrendamento dos prédios (quintas) de que é proprietário não poderá agora pretender reduzir a pensão de alimentos com base na falta de rendimentos (os quais cedeu gratuitamente, diga-se, à empresa de que é proprietário).
Não se exonera, com isso, da sua responsabilidade.
Por último, aquilo que o recorrente pretende é irrisório, ou seja, uma pensão de € 75,00 para cada criança, quando alega que só em alimentação/vestuário/despesas correntes da casa gasta € 1.50000, mensais (casa onde vivem dois adultos e três crianças).
Não se vê, assim, razão para alterar a prestação e muito menos ainda para o montante proposto pelo requerente (menos de um terço do que deveria estar a pagar agora – que também não está a fazer). A solução pretendida pelo progenitor, mais do que um equilíbrio entre a possibilidade e a necessidade, alcança uma desresponsabilização, uma exoneração de obrigações parentais (…)
No recurso que interpôs, o apelante não se pronunciou quanto à falta de elementos que permitam aferir a sua situação patrimonial aquando da regulação do exercício das responsabilidades parentais, nem quanto às consequências daí extraídas, no que respeita à inviabilidade da apreciação dos efeitos patrimoniais decorrentes de eventuais circunstâncias supervenientes, no sentido de se averiguar se tornam ou não necessária a modificação do anteriormente estabelecido.
Apesar de ter considerado verificada a invocada alteração do agregado familiar do apelante, em função do nascimento de duas filhas gémeas, a 1.ª instância entendeu não se justificar a peticionada redução da prestação devida pelo progenitor a título de alimentos devidos aos seus filhos (…) e (…), por entender que o apelante não demonstrou que tal alteração torne necessário modificar o anteriormente estabelecido.
No recurso que interpôs, o recorrente não põe em causa esta apreciação efetuada pela 1.ª instância, não logrando demonstrar, com fundamento em factualidade julgada provada, que o nascimento das suas filhas justifica a peticionada alteração da prestação de alimentos, antes baseando a solução que preconiza em factualidade que não se encontra provada, designadamente relativa à situação do seu património imobiliário, às despesas mensais suportadas com a creche frequentada por suas filhas gémeas e aos motivos pelos quais as mesmas frequentam um estabelecimento de ensino privado.
Não apresenta o apelante qualquer argumentação baseada em matéria de facto julgada provada, visando a justificar a modificação da decisão proferida, antes baseando a solução que preconiza nos supra indicados elementos que não decorrem da factualidade tida por assente.
Analisando a factualidade julgada provada, verifica-se que dela não constam quaisquer factos relativos à situação patrimonial do progenitor à data em que foi estabelecido o regime de regulação das responsabilidades parentais, o que impede se compare os meios de que então dispunha com aqueles de que presentemente dispõe, não permitindo considerar verificada a invocada necessidade de modificação do anteriormente estabelecido.
Baseando o recorrente a alteração que peticiona, do montante da prestação fixada a título de alimentos e das condições da comparticipação nas despesas com as atividades extracurriculares dos filhos, em elementos que não decorrem da matéria de facto provada, mostra-se prejudicada a apreciação da argumentação apresentada como fundamento da modificação que defende.
Improcede, assim, nesta parte, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que se decide:
a) declarar a nulidade, por excesso de pronúncia, da sentença, na parte relativa ao ponto iii) do segmento decisório;
b) confirmar, no mais, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante, na proporção do decaimento, e pela apelada, na vertente de custas de parte.
Notifique.
Évora, 13-03-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Cristina Dá Mesquita (1ª Adjunta)
Mário João Canelas Brás (2º Adjunto)