Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO ANULAÇÃO DA DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 04/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Nos termos do art. 19.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, a incapacidade permanente resultante de um acidente de trabalho pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho. II – Independentemente do grau de incapacidade permanente parcial que seja atribuída a um sinistrado, para a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual o que conta é a capacidade que o sinistrado manteve, ou não, após o acidente, para exercer o núcleo essencial das funções concretas que exercia à data do acidente. III – Se não constar da matéria factual dada como assente as funções concretas do sinistrado à data do acidente, há manifesta insuficiência fáctica, a qual determina a anulação da decisão final proferida pela 1.ª instância, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, devendo o processo ser devolvido para ampliação dessa matéria de facto. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2162/17.9T8PTM-A.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório A entidade responsável “Crédito Agrícola Seguro – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.” veio requerer, por apenso ao processo de acidente de trabalho n.º ...62/17...., a realização de exame médico de revisão, uma vez que ao sinistrado AA está a ser paga uma pensão calculada numa IPA, dada a conversão de ITA em IPA, com efeitos a partir de 07-03-2020, conforme auto de tentativa de conciliação, indicando, para o efeito, os seguintes quesitos: 1. Quais as lesões resultantes do acidente de trabalho? 2. Quais as sequelas de que o sinistrado ficou a padecer em consequência das lesões pelo acidente de trabalho? 3. De que constam e qual o grau de desvalorização? … Realizada perícia médica ao sinistrado, concluiu a mesma, em parecer datado de 09-12-2022, que o sinistrado deveria ser submetido a exame de especialidade de ortopedia.… Determinada a realização de exame de especialidade de ortopedia, em parecer datado de 20-09-2023, concluiu-se que:− Sinistrado portador de sequelas anatomo-funcionais: ● Artroplastia total da anca esquerda com limitação da mobilidade e da marcha com encurtamento do membro inferior esquerdo; ● Lombalgia crónica. − A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07 de 23 de Outubro), é de 72,4500%. A taxa atribuída tem em conta os artigos da Tabela referidos no quadro abaixo indicado. … A entidade responsável veio reclamar da IPP atribuída, solicitando a sua correção, por ter havido uma duplicação da aplicação do fator de bonificação de 1,5% ao coeficiente total, devendo, por isso, ser alterada a atribuição da IPP para 48,30%. Mais requereu que a Sra. Perita Médica fosse notificada para corrigir os referidos cálculos.… Perante esta reclamação, o tribunal a quo, por despacho judicial de 17-10-2023, solicitou, oficiosamente, a realização de junta médica, tendo, em 23-10-2023, formulado os seguintes quesitos:1. Quais são as sequelas do sinistrado? 2. Qual o grau da eventual incapacidade? … Realizado o exame de junta médica em 10-11-2023, os peritos deram, por unanimidade, resposta aos quesitos nos seguintes termos:1. Artroplastia total da anca esquerda com alguma limitação da mobilidade e com claudicação da marcha; sem amitrofia da coxa esquerda e sem dismetria valorizável do membro inferior esquerdo em relação ao contra lateral. Fractura das apófises espinhosas de L1 a L4, sem queixas álgicas referidas. 2. IPP 45%. … Em 06-12-2023 foi proferido despacho final com o seguinte teor decisório:Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se: a) julgar o sinistrado AA, por via do acidente de trabalho de que foi vítima a 07/09/2016, afectado a partir de 20/06/2022 de um grau de incapacidade permanente parcial (IPP) de 45% (já com o factor de bonificação de 1,5). b) condenar, em conformidade, a entidade responsável “Crédito Agrícola Seguros, Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.” a pagar ao sinistrado AA, a pensão anual e vitalícia de €3.307,50 (três mil, trezentos e sete euros e cinquenta cêntimos), devida desde 20/06/2022. Fixa-se o valor da acção em €44.373,42. Custas pela seguradora (que do processo tirou proveito, não havendo vencimento – cf. artigo 527.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil) e que sempre responde pelo pagamento da remuneração dos peritos e das despesas realizadas com as diligências necessárias ao diagnóstico clínico do sinistro (cf. artigo 17º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais). Registe-se e notifique-se. … Inconformado com a decisão, o sinistrado veio apresentar alegações de recurso de Apelação, terminando com as seguintes conclusões:1. O sinistrado é e exercia as funções de pedreiro. 2. Em 7/9/2016 foi vítima de um acidente de trabalho. 3. Auferia então uma remuneração anual de € 10.500 ( 750x14). 4. Em 24/11/2020, acordou com a Seguradora uma incapacidade temporária absoluta e consequente atribuição de uma pensão anual e vitalícia de € 8.400, 5. a qual se converteu em definitiva em 07.03.2020 por imperativo do artigo 22º da Lei 98/2009, de 4.9. 6. Em 20/06/2022, a Seguradora requereu exame médico de revisão, o que fez sem fundamentos fácticos e jurídicos. 7. Com efeito, não houve qualquer desagravamento ou melhoria do sinistrado, pelo que tal requerimento de revisão não deveria ter sido admitido e muito menos proceder. 8. Desse modo foi violado o artigo 70º da lei 98/2009. 9. Em resposta ao requerimento de revisão da Seguradora, o perito atribuiu-lhe uma incapacidade permanente parcial de 72,45%, 10. a qual foi objecto de reclamação por parte da Seguradora, que pediu então a sua correcção para 48,30%. 11. Em consequência, o Mº Juiz a quo ordenou a submissão do sinistrado a Junta Médica, que, em 11/11/2023, lhe fixou uma incapacidade parcial permanente de 45% , daí resultando também a redução da sua pensão anual, fixada na sentença recorrida em apenas € 3.307,50. 12. Verificadas as sucessivas incapacidades atribuidas ao sinistrado, constata-se que todas elas se pronunciam sobre incapacidades no sentido âmplo do termo, mas nenhuma se pronuncia sobre incapacidade para o trabalho habitual, quando é certo que um cidadão pode estar apto para um determinado trabalho e absolutamente inapto para muitos outros ou vice-versa. 13. Foi assim violado o ponto 3 do artigo 19º da Lei 98/2009, que estipula que a incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho. 14. É público e notório, á vista de qualquer cidadão comum, que o sinistrado se encontra absolutamente incapaz de exercer a sua profissão de pedreiro e que, em consequência disso, perdeu toda a sua capacidade de ganho, 15. quando, nos termos do ponto 1 alínea f) do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, todos os trabalhadores têm direito a assitência e justa reparação, vítimas de acidente de trabalho, o que é confirmado também pelo nº 1 do artigo 283º do Código do Trabalho e artº 2º da Lei 98/2009, tendo pois sido violados estes preceitos legais. 16. Reparação essa, cujos créditos são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, de acordo com artigo 78º da Lei 98 de 2009, podendo e devendo o juiz condenar ultra petitum nos termos do artigo 74º do mesmo Diploma, tendo sido assim violados também estes normativos. Termos em que a sentença recorrida deverá ser anulada e manter-se a decisão que foi acordada na tentativa de conciliação, ou seja, atribuição ao sinistrado de uma incapcidade permanente absoluta para todo trabalho ou pelo menos para o trabalho habitual e consequente pensão de € 8.400 ou submter o sinistrado a uma nova e verdadeira peritagem por junta médica que avalie a sua real IPTH, incluindo a atribuição de auxilio de terceira pessoa. … A entidade responsável apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:I. O Recorrente interpôs Recurso de Apelação da douta Decisão proferida a fls., relativa ao presente incidente de revisão de incapacidade, iniciado pela ora Recorrida, pois, não se conforma com a conclusão do seu estado ter efetivamente melhorado, resultando na atribuição de uma IPP de 45%. II. É certo que da tentativa de conciliação resultou uma conversão legal de ITA em IPA, prevista no artigo 22º da LAT, pela circunstância do sinistrado ter sido portador de 30 meses de ITA, sem alta clínica atribuída, o que a Apelada concordou. III. Não obstante, o médico da companhia seguradora, aqui Recorrida, ter já atribuído alta clínica ao sinistrado, a 19.09.2019, com uma IPP de 20%. IV. Pelo que, verdadeiramente, o Recorrente apenas beneficiou da atribuição de IPA pelo mecanismo de conversão formal e automática de ITA em IPA, constante do artigo 22º da LAT. V. A Apelada iniciou o presente incidente de revisão de incapacidade a 20.06.2022, motivada por opinião do seu médico especialista, tendo em vista reverter a IPA em IPP. VI. Ora, conforme resulta designadamente do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13.07.2022, Proc. nº 2316/20.0T8PTM.E1, disponível no sítio da internet em www.dgsi.pt, o seguinte: «I- A incapacidade permanente resultante da conversão da incapacidade temporária fica determinada, não tem carácter provisório, pelo que só pode ser alterada por força de um incidente típico de revisão, nos termos previstos pelo artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o artigo 70.º da LAT.» VII. Resulta do referido artigo 70º da LAT (nºs 1 e 2) que a revisão poderá ser efetuada a requerimento da entidade responsável, e que, no caso de se verificar uma modificação na capacidade de trabalho, designadamente, por melhoria da lesão que deu origem à reparação, a prestação a que a Recorrida estará adstrita poderá ser alterada ou mesmo, extinta! VIII. O que o Recorrente pretende, verdadeiramente, é “passar por cima” dos laudos médicos dos Srs. Peritos Médicos, quando os desconsidera de forma injustificada, não possuindo qualquer competência técnica para depreciar as doutas perícias médicas. IX. A 06.10.2023, a Recorrida juntou requerimento aos autos, pois, apercebeu-se de manifesto erro de cálculo nas operações matemáticas constantes do exame de revisão singular do Gabinete Médico-Legal e Forense .... X. Concretamente, o que estava em causa seria a aplicação, pela terceira vez, do fator 1,5, quando este já teria sido aplicado sobre os valores arbitrados anteriormente, relativos aos capítulos da TNI considerados como sequelas (cap. I nº 1 1.4 b) da TNI - 0,30 x 1,5 = 0,45; cap. I nº 10 2.4 b) da TNI- 0,04 x 1,5= 0,06), de que o Recorrente padece. XI. Ora, ao aplicar novamente o fator de bonificação de 1,5% sobre o coeficiente total, de 48,30%, a IPP resultante foi de 72,4500% (0,483 x 1,5 = 0,72450), agravando de forma injustificada o valor que foi corretamente calculado anteriormente (0,483). XII. O que se considerou estar errado, pelo que a Apelada solicitou esclarecimentos e consequente retificação pela Sra. Perita Médica do Gabinete Médico-Legal e Forense .... XIII. Para melhor interesse de ambas as partes, o tribunal a quo determinou, por despacho de 17.10.2023, a realização de junta médica. XIV. Os Srs. Peritos Médicos, no exame por junta médica de 10.11.2023, vieram a concluir pela atribuição de um coeficiente global de incapacidade de IPP 45%, o cap. I nº 10. 2. 4 b) da TNI, relativo à sequela de artoplastia total da anca esquerda, tendo atribuído, à semelhança do exame singular, uma desvalorização de 0,30, a que aplicaram o fator de 1,5, o que resultou num coeficiente total de desvalorização de IPP 45%. XV. O Tribunal a quo fundamentou a sua posição no exame por junta médica, em que os Srs. Peritos Médicos vieram, por unanimidade, a fixar ao sinistrado um grau de incapacidade. XVI. Para que pudesse decidir de forma diferente, o Mmº Juiz teria de fundamentar a sua posição. De modo que, julga-se, não possuindo conhecimentos técnicos que o permitam discordar do entendimento unânime (ressalta-se) dos Srs. Peritos Médicos, outra não poderia ter sido a conclusão da douta Decisão, que não padece de qualquer nulidade! XVII. A douta Decisão proferida a fls. não merece qualquer censura, sendo a mesma devidamente fundamentada em conhecimentos técnicos de Peritos Médicos, que emitiram os seus laudos médicos em harmonia com a atribuição de uma IPP de 45% ao Recorrente, não podendo ser outra a decisão do Tribunal a quo! … No processo principal de acidente de trabalho, em 24-11-2020, onde estiveram presentes o sinistrado AA e a entidade responsável “Crédito Agrícola Seguro – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.”, realizou-se a tentativa de conciliação, onde as partes acordaram que, nos termos do art. 22.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, a Incapacidade Temporária Absoluta do sinistrado, ocorrida desde a data do acidente, em 07-09-2016, até 07-03-2020, converteu-se em Incapacidade Permanente Absoluta, competindo à entidade responsável pagar ao sinistrado:a) uma pensão anual e vitalícia de € 8400,00, acrescida de € 1050,00 enquanto se mantiver a situação da pessoa a seu cargo, devida desde 07-03-2019; b) um subsídio, devido por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 5533,70. Por despacho judicial proferido em 09-12-2020, foi homologado o referido acordo. … O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, e, após, a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, pela improcedência do recurso.O sinistrado respondeu a tal parecer reiterando a procedência do recurso. Já neste tribunal de recurso, o sinistrado solicitou a junção aos autos um relatório pericial realizado pelo IML, tendo a entidade responsável se oposto a tal junção. Recebido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do RecursoNos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Admissão de documento pericial; 2) Violação do art. 70.º da Lei 98/2009, de 04-09; e 3) Manutenção da IPA ou atribuição de IPATH. ♣ III – Matéria de FactoO tribunal da 1.ª instância, na decisão final proferida, deu como provados os seguintes factos: 1.1 AA nasceu no dia ../../1971. 1.2 No dia 07/09/2016, quando desempenhava as suas tarefas profissionais como gerente de “A..., Unipessoal, Lda.”, sofreu politraumatismo lombar e da bacia, com fraturas do acetábulo esquerdo e das apófises espinhosas de L1 a L4. 1.3 Por acordo de 24/11/2020, judicialmente homologado, ficou decidido que o sinistrado, em consequência desse acidente, esteve até 07/03/2020 com uma incapacidade temporária absoluta (ITA) e, desde aí, com uma incapacidade permanente absoluta (IPA). 1.4 Na data do acidente o sinistrado AA auferia da referida “A..., Unipessoal, Lda.” a retribuição anual de €10.500,00. 1.5 À data do acidente a responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a Crédito Agrícola Seguros, Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A., com referência à retribuição anual referida. 1.6 Actualmente, o sinistrado apresenta artroplastia total da anca esquerda com alguma limitação da mobilidade e com claudicação da marcha; sem amitrofia da coxa esquerda e sem dismetria valorizável do membro inferior esquerdo em relação ao contra lateral; fractura das apófises espinhosas de L1 a L4, sem queixas álgicas referidas, o que lhe determina uma IPP (incapacidade permanente parcial) de 45% (com o factor de bonificação de 1,5). ♣ IV – Enquadramento jurídicoConforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas. … 1 – Admissão de documento pericialO sinistrado veio requerer, depois de os autos se encontrarem neste Tribunal da Relação, a junção aos autos de um relatório pericial realizado pelo IML, por apenas o ter recebido à data. A entidade responsável veio invocar a intempestividade de tal apresentação, bem como a circunstância de o mesmo se reportar a uma perícia cível, por isso realizada com base na Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em direito civil, constante do Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23-10, a qual foi efetuada no âmbito do processo judicial n.º ...95/21...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível - Juiz .... Quanto à tempestividade: Dispõe o art. 651.º do Código de Processo Civil, que: 1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2- As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão. Dispõe, por fim, o art. 425.º do Código de Processo Civil que: Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Assim, nos termos conjugados dos arts. 651.º e 425.º ambos do Código de Processo Civil, as partes apenas podem juntar documentos em sede recursiva em duas situações, (i) superveniência objetiva ou subjetiva do documento; e (ii) necessidade do documento surgida em face do julgamento proferido na 1.ª instância. Tratando-se de uma situação excecional, compete à parte que pretende tal junção, alegar e provar (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil) que se encontra numa das duas situações suprarreferidas. Cita-se, a este propósito, pela sua clareza, o acórdão do STJ, proferido em 30-04-2019:[2] I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento. Vejamos, então, o caso concreto. O relatório pericial realizado pelo IML mostra-se datado de 05-01-2024, ou seja, com data posterior à da prolação da sentença, bem como à da apresentação das alegações de recurso, pelo que a sua superveniência é objetivamente superveniente. Sendo assim, é manifesta a sua tempestividade. Quanto à relevância: Resulta de tal perícia que a mesma se mostra elaborada nos termos do Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23-10, ou seja, de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, e não de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, que se reporta ao Anexo I do referido Decreto-Lei. Nesta conformidade, dada a sua irrelevância para os presentes autos, indefere-se a sua junção, ordenando o seu desentranhamento e entrega ao sinistrado. 2 – Violação do art. 70.º da Lei 98/2009, de 04-09 No entender do sinistrado, foi violado o art. 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, uma vez que quando a entidade responsável requereu exame médico de revisão não apresentou quaisquer fundamentos fácticos e jurídicos, sendo que não houve qualquer desagravamento ou melhoria do sinistrado, pelo que o requerimento de revisão não deveria ter sido admitido e muito menos proceder. Dispõe o art. 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que: 1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. 2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento. 3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil. Dispõe ainda o art. 145.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, que. 2 - O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos. Apreciemos. Relativamente à questão da inadmissibilidade do requerimento apresentado pela entidade responsável a solicitar a revisão da incapacidade do sinistrado, por falta de fundamentação, importa referir que o sinistrado nunca invocou tal questão, na 1.ª instância, no âmbito do presente incidente de revisão de incapacidade, apesar de ter sido notificado, por diversas vezes, no decurso processual deste incidente, tendo inclusive se deslocado, por três vezes, a fim de ser observado em sede de perícias médicas. Por tal motivo, por se tratar de uma questão nova, não compete a este tribunal analisá-la, sem contudo deixar de se referir que no requerimento que deu origem a este apenso foram apresentados quesitos pela entidade requerente. Pelo exposto, não se apreciará a presente questão. 3 – Manutenção da IPA ou atribuição de IPATH Entende o recorrente que nas várias perícias que lhe foram realizadas nenhuma delas se pronunciou sobre a incapacidade para o trabalho habitual, pelo que foram violados os arts. 2.º, 19.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, 283.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho e 59.º, n.º 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa. Mais concluiu que a sentença recorrida deverá ser anulada, mantendo-se a anterior sentença homologatória ou então que se realize uma nova e verdadeira peritagem por junta médica que avalie se padece de IPATH e se necessita de ser, ou não, auxiliado por terceira pessoa. Atentemos. No caso em apreço, a perícia médica, nos termos do art. 139.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho, foi determinada pelo juiz do tribunal a quo, visto haver divergências quanto ao modo de aplicação do fator de bonificação de 1,5% entre a Sra. Perita Médica e a entidade responsável, tendo o referido juiz formulado os seguintes quesitos: 1. Quais são as sequelas do sinistrado? 2. Qual o grau da eventual incapacidade? Efetivamente, e apesar do disposto no art. 19.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que esclarece que a incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho, e apesar de ao sinistrado, por sentença homologatória de acordo firmado entre as partes, lhe ter sido aplicada uma incapacidade permanente absoluta, não foi formulado, em sede de incidente de revisão da incapacidade, qualquer quesito pelo juiz que solicitou o exame por junta médica relativamente à existência ou não de IPATH. Aliás, dos factos dados como provados não constam as funções do sinistrado, pelo que sem tal informação sempre seria impossível aos peritos médicos da junta médica poderem sequer apreciar tal questão. Nessa medida, deverá o tribunal a quo proceder ao apuramento das funções concretas do sinistrado à data do seu acidente, recorrendo às diligências que entender por conveniente, designadamente, às previstas na instrução 13, als. a) e b), do DL n.º 352/2007, de 23-10 (realização de um inquérito profissional e de uma análise do posto de trabalho). Importa ainda referir que a primeira perícia médica realizada ao sinistrado neste incidente de revisão concluiu que o mesmo deveria ser submetido a um exame de especialidade de ortopedia, o que veio a ocorrer aquando do exame médico singular com parecer datado de 20-09-2023. Porém, o juiz do tribunal a quo entendeu que, ainda assim, deveria o sinistrado ser submetido a exame por junta médica, no entanto, não solicitou, como seria expetável, um exame por junta médica da especialidade de ortopedia, nem fundamentou a razão pela qual entendeu que a junta médica dispensaria o exame da especialidade de ortopedia. Nesta conformidade, verifica-se insuficiência factual da sentença recorrida, quer quanto aos factos relativos às funções do sinistrado à data do acidente; quer quanto à situação do sinistrado, após o acidente e em face da IPP atribuída, relativamente à atividade profissional que exercia à data do acidente. Atente-se que independentemente do grau de incapacidade permanente parcial que seja atribuída a um sinistrado, para a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual o que conta é a capacidade que o sinistrado manteve, ou não, após o acidente, para exercer o núcleo essencial das funções concretas que exercia à data do acidente. Por outro lado, pondo em causa o sinistrado a IPP que lhe foi atribuída, pretendendo que se mantenha a atribuição de uma IPA, e havendo nos autos dois exames contraditórios quanto à atribuição de IPP (o exame singular da especialidade de ortopedia e a junta médica sem ser da especialidade de ortopedia), manifesta-se de toda a conveniência a realização de uma junta médica da especialidade de ortopedia, a qual, após se apurarem as funções em concreto exercidas pelo sinistrado à data do acidente de trabalho, deverá responder aos seguintes quesitos, sem prejuízo de quaisquer outros que o tribunal a quo entenda por conveniente: 1. Quais são as sequelas do sinistrado resultantes do acidente? 2. Qual o grau da eventual incapacidade permanente? 3. Se tais sequelas determinam ao sinistrado incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual? 4. Se o sinistrado necessita de auxílio por terceira pessoa? 5. Se sim, para que tipo de tarefas? Pelo exposto, padecendo a matéria de facto da decisão recorrida de manifesta insuficiência, e inexistindo no processo os elementos necessários para suprir tal vício, importa declarar, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, a anulação da referida decisão, a fim de ser ampliada tal matéria de facto, e determinar, em sua substituição, o apuramento das funções concretas do sinistrado à data do seu acidente (recorrendo às diligências que entender por conveniente, designadamente, às previstas na instrução 13, als. a) e b), do DL n.º 352/2007, de 23-10, ou seja, à realização de um inquérito profissional e de uma análise ao posto de trabalho); e a realização de um exame por junta médica da especialidade de ortopedia, a fim de responder aos quesitos supra elencados. ♣ V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto e, em consequência, anular a decisão recorrida, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Código de Processo Civil, por insuficiência factual, devolvendo-se o processo à 1.ª instância, a fim de ser ampliada tal matéria de facto, devendo apurar-se as funções concretas do sinistrado à data do seu acidente (recorrendo às diligências que entender por conveniente, designadamente, às previstas na instrução 13, als. a) e b), do DL n.º 352/2007, de 23-10, ou seja, à realização de um inquérito profissional e de uma análise ao posto de trabalho); e proceder-se à realização de um exame por junta médica da especialidade de ortopedia, o qual deverá responder aos seguintes quesitos, sem prejuízo de quaisquer outros que o tribunal a quo entenda por conveniente: 1. Quais são as sequelas do sinistrado resultantes do acidente? 2. Qual o grau da eventual incapacidade permanente? 3. Se tais sequelas determinam ao sinistrado incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual? 4. Se o sinistrado necessita de auxílio por terceira pessoa? 5. Se sim, para que tipo de tarefas? Custas pela recorrida. Notifique. ♣ Évora, 11 de abril de 2024Emília Ramos Costa (relatora) Mário Branco Coelho Paula do Paço __________________________________________________ [1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço. [2] No âmbito do processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, consultável em www.dgsi.pt. |