Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | INJUNÇÃO PEDIDO RECONVENCIONAL ADMISSIBILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
Legislação Nacional: | DL 62/2013; DL 269/98 | ||
Legislação Comunitária: | DIRECTIVA 2011/7/UE | ||
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Sumário: | Sumário: I. Não é a circunstância de na oposição à injunção ter sido deduzida “reconvenção” que tem a virtualidade de alterar a forma do processo. II. Não é de admitir a reconvenção deduzida pela Requerida na oposição mediante a qual formula um pedido indemnizatório fundado no cumprimento defeituoso da venda dos produtos que lhe foi efectuada pela Requerente e que deu origem às facturas cujo pagamento vem peticionado na injunção. | ||
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Decisão Texto Integral: | 22695/24.0YIPRT-A.E1
ACÓRDÃO I – RELATÓRIO 1. AA UNIPESSOAL, UNIPESSOAL, LDA., Requerida nos autos à margem referenciados, nos quais é Requerente, BB - COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LDA veio recorrer do despacho que não admitiu o pedido reconvencional por si deduzido na oposição à injunção , formulando na sua apelação as seguintes conclusões: 1. No caso vertente, atendendo aos valores do pedido e do pedido reconvencional - ao valor da ação -, devia o tribunal “a quo” ter alterado a forma de processo para processo comum, em cumprimento do disposto no artigo 299º do C.P.C. 2. E, adoptada tal forma de processo, devia o tribunal recorrido, em obediência ao disposto no artigo 583º do C.P.C., ter admitido o pedido reconvencional. 3. Ao indeferi-lo violou os acima referidos ditames legais. 4. E, mesmo que assim não se entenda, a decisão recorrida viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º do C.R.P 5. De facto, a tese acolhida no despacho recorrido gera uma desigualdade entre a R. e a A., “sem que motivos de justiça material justifiquem essa desigualdade.” Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve revogar-se o despacho recorrido, determinando-se a alteração da forma de processo para processo comum e admitindo-se o pedido reconvencional. Ou, de todo o modo, em obediência ao princípio da igualde, deve revogar-se tal despacho e admitir-se o pedido reconvencional. Assim se fazendo JUSTIÇA!. 2. Não houve contra-alegações 2. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à apreciação das seguintes questões: 1. Se em consequência da reconvenção deduzida na oposição à injunção deveria ter sido “alterada a forma do processo”; 2. Se é de admitir a reconvenção deduzida pela Requerida na oposição mediante a qual formula um pedido indemnizatório fundado no cumprimento defeituoso da venda dos produtos que lhe foi efectuada pela Requerente e que deu origem às facturas cujo pagamento vem peticionado na injunção. II- FUNDAMENTAÇÃO 4. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, que é o seguinte o teor da decisão proferida neste conspecto pelo Tribunal “a quo”: “Relativamente ao pedido reconvencional realizado em sede de oposição. Peticiona o Requerido o pagamento de uma indemnização no valor de € 36.000,00, a pagar pela Requerente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação da presente oposição. A reconvenção encontra-se no artigo 583.º do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.), sendo considerada como uma contra-acção por parte Réu, em relação ao Autor, já que é neste articulado onde o primeiro pode deduzir pedidos contra o segundo. A admissibilidade da reconvenção está depende de vários requisitos formais e materiais, a saber: ser contemporânea à contestação; apresentar um valor; preencher algumas das situações do artigo 266.º do C.P.C.; obedecer à mesma forma de processo; e, que o tribunal tenha competência para analisar o pedido reconvencional. Todavia, e antes de procedermos à análise do pedido reconvencional realizado, coloca-se uma questão prévia: a (a)inadmissibilidade da reconvenção em AECOP´S. Têm surgido vários entendimentos na jurisprudência sobre a matéria em causa, nomeadamente, desde a jurisprudência que não admite a reconvenção, àquela que a admite, numa fase inicial, somando o valor da reconvenção ao da causa e posteriormente é que irá analisar o pedido reconvencional deduzido. No caso deste último entendimento, esta corrente entende que, pese embora em termos formais o DL n.º 269/98, de 01 de setembro, não admitisse a dedução de pedido reconvencional, o certo é que ao abrigo dos poderes de gestão processual e adequação formal o magistrado sempre poderá admitir a mesma (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04-06-2019, Relatora Maria Cecília Agante, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1). Neste sentido, o valor do pedido reconvencional deveria ser automaticamente somado ao valor da causa, nos termos do artigo 299.º do Código de Processo Civil e só posteriormente, é que o juiz iria analisar o mesmo, consoante o artigo 266.º, n.º 2.º do Código de Processo Civil. Assim, caso o valor global da causa fosse mais de metade da alçada da Relação, deveria o processo ser convolado para ação de processo comum (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-06-2020, Relatora Micaela Sousa, processo n.º 77375/19.8YIPRT-A.L1-7). Todavia, não sufragamos tal entendimento, aderindo assim à corrente que não admite o pedido reconvencional, em sede de procedimento de injunção. É a tese mais legalista e aquela que se prende ao entendimento literal, apresentando dois argumentos distintos: a celeridade processual e a tramitação processual que o processo apresenta. Relativamente ao primeiro argumento – a celeridade processual – esta tese defende que o processo foi pensado para apresentar respostas fáceis a questões - também elas - acessíveis. Considerando aquela que foi a razão subjacente à criação do DL n.º 269/98, de 1 de setembro, aceitar um pedido reconvencional seria contrariar e fazer uma interpretação contra legem à lógica do sistema e àquela que foi a intenção do legislador ( Tribunal da Relação de Coimbra, data de 07-06-2016, Relator Fonte Ramos, processo n.º 139381/13.2YIPRT.C1; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, data de 17-12-2018, Relatora Maria Luísa Ramos, processo n.º 47652/18.1YIPRT-A.G1). Neste sentido, surge o segundo argumento. Refere esta tese que o procedimento das injunções apresenta uma tramitação muito rápida, com apenas quatro momentos processuais (no caso de existirem todos): requerimento de injunção (artigo 1.º, n.º 1.º, do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular); citação do requerente (artigo 2.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular); oposição à injunção (artigo 1.º, n.º 2.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular); e, audiência e discussão de julgamento (artigo 4.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular). Quando comparada esta tramitação com a do processo comum, é notório que existiu uma clara necessidade de agilizar o processo em causa e que este se resumisse ao essencial. Não esquecer ainda que, e pese embora as partes o possam fazer ao longo do processo, mas o legislador prevê a faculdade de que as partes apresentem as provas que pretendem ver produzidas apenas em audiência de julgamento, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular. E ainda, decorre da lógica processual, que por ser considerado um processo demasiado simples, a sentença é ditada logo para ata, artigo 4.º, n.º 7.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular. É com base nestes argumentos que a jurisprudência defensora desta teoria considera que aceitar a reconvenção, neste tipo de processos, contraria por completo a lógica que foi pensada. Segundo esta tese, se fosse concedida a possibilidade de o Réu apresentar um pedido reconvencional, isso simbolizava que a réplica do Autor apenas poderia ser apresentada em sede de julgamento, nos termos do artigo 3.º, n.º 4.º do C.P.C.; em consequência, maior tempo de estudo e análise eram exigidos ao juiz, porque em vez de dois articulados teria que analisar quatro, ou seja, o dobro; e por último, seria bastante difícil que conseguisse dar cumprimento ao artigo 4.º, n.º 7.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular ( Tribunal da Relação do Porto, data de 21-06-2021, Relator Pedro Damião e Cunha, processo n.º 83857/20.1YIPRT-A.P1). Assim, e face ao exposto, é indeferido o pedido reconvencional realizado, pelo mesmo não ser admitido na forma processual em causa.”. 5. Do mérito do recurso Convém salientar que a causa de pedir vertida no requerimento inicial se reconduz a um atraso de pagamento numa transacção comercial, nos termos previstos no D.L. 62/2013 de 10 de Maio, o que determinou que a requerente recorresse à injunção para cobrança do crédito emergente do fornecimento à requerida de materiais de construção civil ( cfr. art.º 10ºnº1). Com efeito, estabelece o art.º 2.º deste diploma sob a epígrafe “Âmbito de aplicação”o seguinte: 1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transações comerciais. 2 - São excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros. 3 -(…) “. Por seu turno, a norma subsequente (art.º 3º) define o que se entende, para efeitos do diploma, como “ transacção comercial” esclarecendo que se trata de uma transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. Posto isto, é clara a idoneidade do procedimento para a cobrança do crédito da Requerente que emerge, sem dúvida, das transacções comerciais que o legislador teve em mente e que são as que dão origem à emissão de uma factura (documento emitido pelo vendedor ou prestador de serviço) como se colhe dos Considerandos 2),3)e 18) da DIRECTIVA 2011/7/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 16 de Fevereiro de 2011 que o Decreto-Lei 62/2013, de 10 de Maio transpôs . Aí se pode ler: “ 2) A maior parte dos bens e serviços é fornecida no mercado interno por operadores económicos a outros operadores económicos e a entidades públicas em regime de pagamentos diferidos, em que o fornecedor dá ao cliente tempo para pagar a factura, conforme acordado entre as partes, ou de acordo com as condições expressas na factura do fornecedor ou ainda nos termos da lei. (3) Nas transacções comerciais entre operadores económicos ou entre operadores económicos e entidades públicas, acontece com frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o que foi acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais. Ainda que os bens sejam entregues ou os serviços prestados, as correspondentes facturas são pagas muito depois do termo do prazo. Atrasos de pagamento desta natureza afectam a liquidez e complicam a gestão financeira das empresas. Também põem em causa a competitividade e a viabilidade das empresas, quando o credor é forçado a recorrer a financiamento externo devido a atrasos de pagamento. O risco destes efeitos perversos aumenta grandemente em períodos de recessão económica, quando o acesso ao crédito é mais difícil.”. (…) (18) As facturas constituem avisos de pagamento e são documentos importantes na cadeia de valor das transacções para o fornecimento de bens e a prestação de serviços, nomeadamente para determinar os prazos de pagamento. Para efeitos da presente directiva, os Estados-Membros deverão promover sistemas que contribuam para a certeza jurídica no que respeita à data exacta da recepção das facturas pelos devedores, incluindo a facturação em linha, em que a recepção das facturas pode produzir prova electrónica, a qual é em parte regulada pelas disposições relativas à facturação da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado “. Compreende-se, assim, que o credor possa, nestes casos, recorrer a um procedimento agilizado como a injunção cujo requerimento com a linearidade prevista no art.º 10º do D.L. 269/98, de 1 de Setembro e uma notificação para pagar ou deduzir oposição em 15 dias, e com o conteúdo descrito no art.º 13º do mesmo diploma (com uma advertência como a prevista na alínea e) do respectivo nº1 ) só são compagináveis quando os pressupostos que presidiram à criação deste expediente célere e simples de cobrança de dívidas se verifique. Caso haja dedução de oposição ou frustração da notificação no procedimento de injunção, os autos são remetidos para o tribunal competente, sendo de aplicar forma de processo comum, caso o crédito seja superior a metade da alçada da Relação (cfr. nº2 do citado art.º10º do D.L. nº 62/2013, de 10 de Maio). Por conseguinte, o que, face ao citado Decreto-Lei, determina a transmutação do processo injuntivo em processo comum é o valor do crédito peticionado na injunção e não o valor do pedido formulado numa reconvenção enxertada na oposição à injunção. Esclarece, por seu turno, o nº4 do mesmo normativo que “ As acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.”, o que significa que para créditos iguais ou inferiores a €15.000, como é o caso, a dedução de oposição e a frustração da notificação determinam, a partir de então, a aplicação dessa forma de processo especial mais concretamente o disposto nos art.ºs 1º nº4 , 3.º e 4.º do regime anexo ao citado D.L. n.º 269/98. E sendo assim, acolhemos integralmente o entendimento expresso pelo Conselheiro Salvador da Costa1 de que “é manifesto o propósito do legislador de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da relativa reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver. Com efeito, a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a acção em causa, cuja particular especificidade se centra na celeridade derivada da simplificação, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional. Não se vê que esta solução afecte o direito de defesa do réu, certo que pode, se tiver para tal algum fundamento legal, fazer valer em acção própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na acção”. Note-se, além do mais, que a reconvenção deduzida – tendente , como dissemos, a obter o pagamento de uma indemnização por via de um alegado cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte da Requerente- não podia ter sido deduzida através do processo de injunção , já que não reúne os requisitos para tanto : não visa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes daquele mesmo contrato, nem o atraso de pagamento de transacção comercial. Isto significa que a ora Requerida, caso pretendesse accionar a Requerente, de forma a exercer o reclamado direito indemnizatório por danos patrimoniais, instaurando a competente acção, nunca o poderia fazer no quadro dos processos especiais aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.2 Aliás, a controvérsia jurisprudencial sobre a (in) admissibilidade da reconvenção na injunção está relacionada com a compensação de créditos (que aqui não foi sequer invocada). Só nesse caso é que alguma jurisprudência tem admitido a reconvenção.3 Não se vê, outrossim, que a inadmissibilidade da reconvenção se traduza na violação do princípio da igualdade. Tal princípio estatuído no art.º 13.º da Constituição estabelece que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, não impõe que a lei seja aplicada de modo igual, generalizadamente, a todo o cidadão e não proíbe ao legislador que faça distinções; proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, isto é, sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e proíbe ainda a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas.4 Conquanto a apelante não esclareça em que medida é que a decisão recorrida contende com o princípio da igualdade, o certo é que a inadmissibilidade da reconvenção é legalmente justificada pela especificidade da acção em que foi deduzida, sendo certo que nem se coloca a questão da preclusão do seu direito a obter o reconhecimento do alegado crédito indemnizatório noutra sede. III-DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida. Custas pela apelante. Évora, 30 de Janeiro de 2015 Maria João Sousa e Faro Maria Adelaide Domingos José António Moita
_____________________________________ 1. In A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª ed., 2008, Almedina, pág. 88.↩︎ 2. Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 26.9.2024 ( Arlindo Crua).↩︎ 3. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 23.2.2021 ( Luís Filipe Sousa) no qual são descritas as teses atinentes à admissibilidade da invocação da compensação de créditos no âmbito do regime do Decreto-lei nº 269/98, de 1.9.↩︎ 4. Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 6.5.2010 ( Catarina Arêlo Manso).↩︎ |