Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | SÓNIA KIETZMANN LOPES | ||
| Descritores: | ARRESTO PERICULUM IN MORA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | i) A falta de cumprimento de obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento (quais sejam a manutenção do não pagamento ao longo de vários meses, com reconhecimento de “situação complicada” inclusivamente por um dos sócios da devedora, existência de outras dívidas e impossibilidade dos sócios da sociedade as suprirem), revelem a impossibilidade de satisfazer pontualmente as obrigações creditícias, constitui um dos elementos através do qual se pode reconhecer uma situação de perigo justificativo do arresto. ii) O fundado receio de perda de garantia patrimonial não impõe a demonstração da vontade do devedor se eximir às suas responsabilidades, podendo bastar-se com a constatação da incapacidade de honrá-las. iii) Para sindicar a proporcionalidade do arresto determinado e na ausência de factos julgados indiciariamente provados que demonstrem uma desproporcionalidade, deve o Requerido lançar mão da oposição, que, além do mais, pode conter o pedido de redução da providência aos limites ajustados à defesa do periculum in mora (artigo 372.º, n.º 1, alínea b), do CPC). (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1917/25.5T8PTM.E1 – Apelação Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 2 Recorrente – (…), Lda. Recorrido – (…), Construção e Manutenção, S.A. * Sumário (…)* Acordam no Tribunal da Relação de Évora:I. RELATÓRIO 1. (…), Construção e Manutenção, S.A. deduziu, no Juízo Central Cível de Portimão, procedimento cautelar de arresto contra (…), Lda.. * Examinadas as provas produzidas, foi, sem audiência da parte contrária, decretado o arresto dos prédios da Requerida descritos na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob os n.ºs (…) e (…), freguesia da (…), para garantia da satisfação do crédito da Requerente de € 435.733,83.* Realizado o arresto, foi a Requerida notificada – por carta depositada em 26/08/2025 – nos termos e para os feitos do disposto nos artigos 366.º, n.º 6 e 372.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, de ora em diante CPC.2. Em 10/09/2025 a Requerida interpôs recurso de apelação da decisão, enunciando, com relevo, as seguintes conclusões: «[...] 3. No que diz respeito ao fundado receio de perda da garantia patrimonial, o mesmo não se encontra preenchido, porquanto: 4. A Recorrente tem como atividade principal a compra e venda de bens imobiliários. 5. A Recorrente investiu na aquisição dos lotes e na realização de empreitada sobre eles para posterior revenda. 6. A Recorrente, à luz do princípio do homem médio, não demonstrou qualquer comportamento que indiciasse a prática de fuga de qualquer responsabilidade. 7. Os Lotes da Recorrente valorizaram o seu valor de mercado. 8. O cumprimento das suas obrigações, sejam elas contratuais, sejam para prossecução do seu fim, dependem da revenda dos Lotes; a desvalorização dos Lotes e o receio do não cumprimento não advêm, neste caso, da revenda em si. 9. O Tribunal a quo devia de ter curado pela aplicação do princípio da proporcionalidade que é um princípio basilar do direito – o que não fez e caso o processo não tivesse elementos que lhe permitissem a exigível aplicação do invocado princípio da proporcionalidade, nomeadamente por falta de alegação de factos bastantes que lhe permitissem a aplicação/verificação do dito princípio, nesse caso, sempre deveria indeferir a requerida providencia. 10. A Recorrida não logrou provar sequer que a Requerida, aqui Recorrente, estava a acumular dívidas e a furtar-se ao cumprimento com outros credores, baseando-se sim o seu receio em rumores e suspeições, aliás, sem olvidar que nem sequer ficou provado que circulavam informações sobre a intenção dos sócios de se verem livres “da empresa e dos problemas”. 11. A mera existência de uma dívida que se encontra em mora, também não será de molde a objetivamente ter o receio como fundado. 12. O facto da Requerida pretender vender, objetivamente trata-se de um direito que assiste a qualquer proprietário, não se discutindo se o mesmo o fez “à pressa”, de molde a ocultar o património e eximir-se ao pagamento das dívidas, sem olvidar que foi o próprio sócio da Recorrente quem contactou a Recorrida, pra dar conta da situação e para se justificar o atraso no pagamento das faturas. 13. Assim, salvo melhor opinião, a Recorrida não se fez qualquer prova bastante, ainda que a título indiciário, que leve a afirmar a existência de um motivo sério que a leve a temer que o seu crédito não será satisfeito com os bens (ou o produto da sua venda) dos bens que o Requerido possui, que são precisamente, os mesmos que sempre teve/deteve, não sendo os factos supra descritos, de acordo com as regras de experiência comum, de molde a permitir que fosse proferida uma decisão cautelar imediata, como foi. 14. Não é crível, nem verosímil, que quem se queira furtar ao pagamento e/ou a dissipar/vender os bens inclusive vender ao desbarato com o intuito de embolsar para seu proveito o resultado da venda com o intuito de fugir e não pagar aos credores, comece precisamente, como foi o caso, aliás, como dá conta o processo, por ir, neste caso o dito sócio da recorrida referido pela requerente no seu requerimento inicial, para tal pessoa dizíamos, ir ao seu encontro para lhe dar conta da situação e do porquê dos atrasos que se verificam nos pagamentos. Ora quem não quer pagar não procura os credores. 15. Dito isto, salvo melhor entendimento, é possível concluir não estarem preenchidos os requisitos da providência cautelar de arresto.» Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida com o consequente levantamento do arresto e respetivo registo. * A Requerente respondeu às alegações, sustentando que:- o recurso é inadmissível, uma vez que a Requerida lançou mão do recurso, ao invés de se opor à providência cautelar e procurou introduzir novos factos e meios de prova, o que só seria admissível em sede de oposição; - a Requerida impugnou a matéria de facto sem que haja indicado os concretos pontos de facto incorretamente julgados, os meios probatórios que impunham decisão diversa e as passagens relevantes da prova gravada, pelo que deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto e, consequentemente, deve ser rejeitado o recurso. Mais sustentou estarem verificados os pressupostos de que depende o arresto, sendo este também proporcional, considerando o valor dos bens arrestados e a dimensão da dívida em questão. * O recurso foi admitido e foram colhidos os vistos.* 3. Questões prévias3.1 Da inadequação do meio processual escolhido e consequente (in)admissibilidade do recurso Dita o artigo 372.º, n.º 1, do CPC que: “1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º: a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.” Do assim estatuído (“é-lhe lícito, em alternativa”), resulta claro que, em face do decretamento da providência – in casu, o arresto – cabe ao requerido escolher por que meio pretende insurgir-se contra tal decretamento, não cabendo ao tribunal sindicar a sua opção. O que o tribunal pode e deve fazer é, consoante o tipo de reação por parte do requerido, apreciar apenas o que, em face do meio escolhido, era lícito ao requerido sindicar. Vale isto por dizer, que, no caso dos autos, tendo a Requerida optado por recorrer, este tribunal apenas poderá apreciar se, face aos elementos apurados pelo tribunal a quo, a providência não devia ter sido deferida, para o que, por o objeto do recurso estar delimitado pelas conclusões apresentadas (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil), terá de atender-se ao que, a respeito, vem invocado pela Requerida. Aliás, o caso dos autos em nada se assemelha àquele retratado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (de 09/03/2021, proferido no processo n.º 104/20.3TNLSB-B.L1-7) chamado à colação pela Recorrida, pois a Recorrente não manifesta o ensejo de produção de prova, nem, de um modo geral, alude a outra prova ou procede à respetiva junção. Não é, pois, caso de rejeitar o recurso, mas apenas de conhecer do mesmo nos limites do que legalmente é permitido. 3.2 Da admissibilidade de impugnação da matéria de facto Contrariamente ao expendido pela Recorrida, não se vê que a Recorrente haja pretendido impugnar a matéria de facto. O que faz, é procurar demonstrar por que motivo, em seu entender, o tribunal a quo devia ter indeferido a providência (por ausência de fundado receio de perda da garantia patrimonial ou por desproporcionalidade). Não há, pois, que rejeitar o recurso por violação do ónus previsto no artigo 640.º do CPC. * 4. Questões a decidirConsiderando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (de ora em diante CPC), são as seguintes as questões a decidir: i) Da verificação do fundado receio de perda da garantia patrimonial; ii) Da desproporcionalidade do arresto decretado. II. FUNDAMENTOS 1. Fundamentos de facto
1.1 Na decisão recorrida julgaram-se indiciariamente provados os seguintes factos: «1. A (…), Construção e Manutenção, S.A. é uma sociedade que tem por objeto social a construção civil e empreitadas de obras públicas e particulares, bem como a realização de estudos e projetos. Reabilitação de imóveis. Prestação de serviços relacionados com todas e quaisquer outras atividades conexas com o exercício de atividade de construção, decoração, fiscalização, representações e Administração de propriedades. Exploração, fabrico e transformação e extração industrial de terras, areias, britas e inertes diversificados. 2. Por sua vez a Requerida é uma sociedade por quotas que tem por objeto social a compra, venda e revenda de bens imobiliários; construção de edifícios residenciais e não residenciais; promoção de bens imobiliários; desenvolvimento; exploração de bens imobiliários, arrendamento de bens imobiliários, entre outros. 3. Requerente e Requerida celebraram em 12 de agosto de 2024 dois contratos de empreitada, em que a Requerente figurava como Empreiteira e a Requerida como Dona de Obra conforme Documentos 1 e 2. 4. Os aludidos contratos, entre si semelhantes no seu conteúdo, versavam sobre dois lotes da propriedade da Requerida. 5. Em ambos os contratos a Requerente obrigou-se à execução da obra de desenvolvimento de uma construção de uma moradia unifamiliar com piscina e muros de vedação, de acordo comum projeto aprovado pela Câmara Municipal de Lagos, cuja cópias se encontram anexas aos respetivos contratos. 6. Projetos para os quais a Dona da Obra, aqui Requerida, solicitou dois orçamentos, conforme Documentos 3 e 4, à Requerente para a execução de todos os atos necessários à execução e construção das moradias mediante o pagamento de um preço. 7. Orçamentos esses que foram adjudicados pela Requerida, dando os mesmos origem aos aludidos contratos de empreitada. 9. O primeiro contrato é referente ao Lote 26 e o preço acordado a pagar pela Requerida como pagamento pela obra executada cifrou-se em € 1.546.562,10, valor ao qual acrescia o respetivo IVA. 10. Por sua vez, o segundo contrato, referente ao Lote 27 cifrou-se em € 1.313.228,60, valor ao qual acrescia o respetivo IVA. 11. Ora, foi assim na sequência destes dois contratos que se iniciou a relação comercial aqui descrita e no âmbito da qual a Requerente iniciou os seus trabalhos no dia 08 de julho de 2024 no lote 27 e no dia 13 de julho do mesmo ano no lote 26. 12. Até dezembro de 2024, à medida que o projeto se desenvolvia e os trabalhos iam sendo efetuados pela Requerente a Requerida ia liquidando todas as faturas que lhe eram remetidas pela Requerente. 13. Data depois da qual, de um momento para o outro deixou de o fazer. 14. Desde 26 dezembro de 2024, data do último pagamento efetuado, que a Requerida deixou de liquidar as faturas que eram devidas por conta dos contratos em causa e na sequência dos respetivos trabalhos prestados, estando à presente data já em dívida o montante de € 435.733,83 por conta dos mesmos, conforme documento de fls. 101 e ss. (conta corrente), explicando, ao montante da fatura era retido pela requerida e não pago a quantia concretamente referida em cada uma das faturas (3% do montante ainda sem IVA). 15. Dado o volume de faturação em aberto a Requerida suspendeu os trabalhos no dia 12 de maio de 2025. 16. Desde então que tem junto da Requerente pugnado pelo pagamento dos valores em falta, sempre sem sucesso. 18. Na sequência de todas as interpelações verbais para pagamento foi sempre dito que a situação estava complicada, mas que iam resolver, o que fez com que a Requerente fosse aguardando até à presente data. 19. Acontece que recentemente o discurso alterou-se, tendo sido transmitido por um dos sócios da Requerida que a mesma se encontrava numa situação complicada, sem acesso a financiamento bancário, pelo que não sabia, quando ou se iam, sequer, conseguir cumprir com o pagamento dos valores em dívida. 20. Veio ainda, entretanto, a Requerente a saber que a Requerida já soma outras dúvidas, junto de outras entidades, por trabalhos em obras na mesma urbanização e cujos trabalhos também terão sido suspensos por falta de pagamento. 21. Foi comunicado à requerente que nenhum dos sócios da requerida tinha a possibilidade de entrar com mais capital e pagar a dívida. 22. Perante esta informação, enviou ainda a Requerida, numa última tentativa de resolução desta situação, uma carta à Requerida, datada de 13.06.2025, conforme Documentos 29 e 30, solicitando o pagamento dos valores em dívida, à qual não teve qualquer resposta. 23. A Requerida é dona dos dois lotes, descritos na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob os n.ºs (…) e (…) e será dona de outros não identificados, mas sujeitos ao mesmo enquadramento dos presentes (empreitada a realizar por terceiros e cujos trabalhos foram suspensos por falta de pagamento). 25. A empresa tem a intenção de vender os bens – cfr. o objeto indiciado da requerida. » «Circulam informações sobre a intenção dos sócios de se verem livres “da empresa e dos problemas”.» * 2. Fundamentos de Direito 2.1. Da verificação do fundado receio de perda da garantia patrimonial “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”. Assim o dita o artigo 362.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 376.º, n.º 1, do mesmo diploma. E, especificadamente sobre o arresto, estatui o artigo 391.º, n.º 1, do CPC que o “credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, pode requerer o arresto dos bens do devedor”. De acordo, ainda, com o preceituado no artigo 387.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 376.º, n.º 1, do mesmo diploma, “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. Destes normativos se extrai que, para que seja decretado o arresto, é suficiente que sumariamente possa concluir-se pela séria probabilidade do direito de crédito invocado e pelo justificado receio de que a demora na resolução definitiva do litígio cause ao requerente prejuízo irreparável ou de difícil reparação, por justificado receio de perda da garantia patrimonial daquele crédito. A Recorrente entende, antes de mais, não poder extrair-se dos factos apurados o fundado receio de perda de garantia patrimonial. Sem razão, porém, adiante-se já. Efetivamente, a conjugação dos factos perfunctoriamente assentes sob 12 a 14, 18 a 21, 24 e 25, apontam no sentido inverso do que a Recorrente procura sustentar, já que até dezembro de 2024 foi liquidando todas as faturas que lhe foram remetidas pela Requerente, deixando depois de o fazer, até que a dívida à data da instauração do procedimento somava a já muito expressiva (não só atento seu valor absoluto, mas quando visto também a que ascende a mais de 15% do valor global das duas obras em curso – cfr. factos 9 e 10) quantia de € 435.733,83 e, interpelada ao pagamento, invocou estar a situação “complicada”, sem acesso a financiamento bancário, pelo que não sabia quando ou se ia, sequer, conseguir cumprir com o pagamento daquele valor, somando, para além do mais, outras dívidas junto de outras entidades por trabalhos em obras na mesma urbanização, também suspensos por falta de pagamentos, sem que qualquer dos sócios da ora Recorrente tenha a possibilidade de entrar com mais capital e pagar a dívida. Ora, esta descrição factual é tradutora de que a Requerida, ora Recorrente, atravessa dificuldades financeiras acentuadas, não sendo desprezível o risco de que, face ao seu objeto comercial, em que se inclui a compra, venda e revenda de bens imobiliários (cfr. facto 2), aliene os imóveis em questão sem que pague a dívida à Requerente (que não é sua única credora) ou até que os demais credores se queiram fazer pagar de tal venda. Tanto bastava para que o tribunal a quo concluísse, como concluiu, pelo fundado receio de perda de garantia patrimonial. Efetivamente, a falta de cumprimento de obrigações que, pelo seu montante [expressivo, in casu, como vimos] ou circunstâncias do incumprimento [in casu manutenção do não pagamento ao longo de vários meses, com reconhecimento de “situação complicada” inclusivamente por um dos sócios da Requerida, existência de outras dívidas e impossibilidade dos sócios da sociedade as suprirem], revelem a impossibilidade de satisfazer pontualmente as obrigações creditícias, constitui um dos elementos através do qual se pode reconhecer uma situação de perigo justificativo do arresto[1]. Na verdade, ao contrário do que sustenta a Recorrente, não se impunha a demonstração de um comportamento que indicasse a prática de “fuga” de qualquer responsabilidade, bastando-se o instituto com a evidência de uma séria impossibilidade de satisfazer pontualmente as obrigações creditícias ou, dito de outro modo, com o perigo de insatisfação do crédito. O montante elevado do crédito, associado à falta de liquidez da Requerida e a acumulação de dívidas, apontam para tal perigo. Por outro lado, se é inquestionável, como refere a ora Recorrente, que lhe assiste o direito de vender os imóveis em questão (como ficou demonstrado perfunctoriamente querer fazer – cfr. facto 25 – e terá facilidade em fazer – cfr. facto 24), por ser um dos seus direitos enquanto proprietária e porquanto é, também, essa uma das suas área de atividade (cfr. ponto 2), não é menos certo que à Requerente assiste o direito de ver saldado o seu crédito, pelo que é natural que pretenda acautelar este seu direito obviando a que a eventual venda se destine a saldar outras dívidas da Recorrente e cuja existência está perfunctoriamente demonstrada (cfr. facto 20). Acresce não poder atribuir-se um relevo significativo ao facto de ter sido um dos sócios da Requerida a dar conta da situação complicada desta, v.g. do facto de estar sem acesso a financiamento bancário e de os sócios não terem possibilidade de capitalizar a sociedade e pagar a dívida (cfr. ponto 14 das conclusões do recurso e 19 e 21 dos factos provados). Na realidade, o decretamento do arresto não exige a ausência de vontade de pagar, bastando-se com a incapacidade de o fazer, in casu inclusivamente veiculada por um dos sócios da requerida (“não sabia, quando ou se iam, sequer, conseguir cumprir com o pagamento dos valores em dívida” – cfr. facto 19).
2.2 Da desproporcionalidade do arresto decretado
A Recorrente defende, ainda, que os lotes valorizaram os seus valores de mercado e que o tribunal a quo devia ter curado pela aplicação do princípio da proporcionalidade (pontos 7 e 9 das conclusões do recurso), subentendendo-se que, na sua opinião, o valor dos imóveis cujo arresto foi determinado será superior ao da dívida invocada pela Requerente. Contudo, para fazer valer esta sua posição, devia a Requerida ter lançado mão da oposição, que, além do mais, podia conter o pedido de redução da providência aos limites ajustados à defesa do periculum in mora (artigo 372.º, n.º 1, alínea b), do CPC). Optou, ao invés, pelo recurso, pelo que não se pode fazer valer de factos que se situem para além dos considerados perfunctoriamente demonstrados pelo tribunal a quo. Como ilustrativamente escreve Abrantes Geraldes[2], a propósito do atual artigo 393.º, n.º 2, do CPC, “desde que os autos o revelem, compete ao juiz limitar a apreensão aos bens que se mostrem necessários a garantir o pagamento do crédito […]. Também aqui não se justifica a adoção de critério excessivamente benévolo para o requerido, sob pena de se frustrar o objectivo último do arresto, ou seja, a promoção do cumprimento coercivo da obrigação. Com efeito, efectuado o arresto, nem sempre é perceptível a amplitude da situação patrimonial do devedor. Apesar de concretizada a apreensão, não está afastada a possibilidade de surgirem, na fase da reclamação de créditos, credores preferentes, alguns deles com garantias reais ocultas. Como as que estão previstas para os privilégios creditórios”. Assim, não resultando dos factos indiciariamente provados uma desproporção clamorosa entre a dívida da Requerida e o que possa ser o valor atual dos imóveis arrestados, não pode censurar-se a opção do tribunal a quo de abarcar no arresto os dois imóveis em questão. Não se vislumbra, em síntese, motivo para alterar a decisão recorrida.
3. Custas
III. DECISÃO Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente.
________________________________________________ [1] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Volume, 2.ª ed., Almedina, págs. 188 e seguintes. [2] In ob. cit., pág. 201. |