Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
Descritores: | INQUÉRITO JUDICIAL A SOCIEDADE DIREITOS DOS SÓCIOS DIREITO À INFORMAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 – Os tribunais devem atuar apenas para restabelecer a eficácia do direito, quando ele não seja pacífica e espontaneamente observado pelas partes de uma determinada relação jurídica. 2 - O sujeito passivo do direito à informação é a sociedade (cfr. art. 21.º, n.º 1, al c), do CSC). Logo, o direito de informação exerce-se contra a sociedade. Pese embora o art. 214.º, n.º 1, do CSC refira o dever do gerente de prestar informação a qualquer sócio que o requeira, aquele é, dentro da sociedade, apenas o órgão ao qual funcionalmente compete o dever de prestar informação ao(s) sócio(s) que a solicite. Embora o conhecimento dos factos sociais seja obtido através dos gerentes estes não são a sociedade. 3 - No caso de recusa de informação a sócio por parte da gerência da sociedade há que provocar uma manifestação de vontade do sujeito passivo daquele direito — a da sociedade — no sentido da autorização da comunicação dos factos objeto do pedido de informação ou de confirmação da posição da gerência, antes de o sócio avançar para o inquérito judicial, pois só desta forma se poderá afirmar que o sujeito obrigado à prestação da informação a recusou ilicitamente. E que só em caso de recusa da sociedade expressa em deliberação da assembleia-geral possa o sócio requerer inquérito judicial. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. BB, autora no processo de inquérito judicial relativo à Sociedade CC Lda. que moveu contra DD, interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica de Serpa, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o qual considerou inexistir motivo para proceder a inquérito e indeferiu o pedido de prestação de informações/documentos formulado pela autora. O despacho sob recurso tem o seguinte teor: «Compulsada a resposta ao convite oferecida pela autora, é manifesto inexistir fundamento para proceder a inquérito, posto que os pontos indicados são, em suma, informações/documentos pretendidos obter. A presente ação de inquérito judicial à sociedade tem assim uma finalidade ou objetivo circunscrito à prestação de informações. Conforme decorre do disposto no artigo 1049.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, o juiz deve decidir se há motivos para proceder a inquérito, e, como já dito, manifesto é, no caso vertente, que não há motivos para proceder a inquérito, mas pode determinar (ou não) que a informação pretendida pelo requerente seja prestada. Definido o que concretamente está em causa nesta ação de inquérito judicial à sociedade, que é, como já evidenciado, e renovamos, a prestação de informações, impõe-se a conclusão, também esta totalmente clara, que não há motivos para ordenar aos réus que prestem as informações pretendidas pela autora. Expondo a questão com a maior clareza que nos é possível, o pedido formulado pela autora, prende-se essencialmente - prende-se unicamente, na verdade - com o facto de não ter sido atendida à solicitação constante da missiva junta sob o documento 3 da petição inicial. Consabidamente o direito do sócio à informação, - artigo 214.° do Código das Sociedades Comerciais -, não é um direito ilimitado e desde logo a consulta da escrituração, livros e documentos da sociedade faz-se no local da sede social, não estando a sociedade sequer obrigada, nos termos do citado normativo, a remeter ao sócio cópia da sua escrituração. Portanto neste tocante nem sequer se pode falar em recusa. No que refere à «informação dada por escrito», igualmente prevista no citado normativo, o que está em causa é, desde logo, uma informação (e não cópias de documentos), portanto uma informação sobre um assunto da vida da sociedade em específico, pressupondo-se que a uma solicitação contextualizada ou circunstanciada do sócio, corresponderá uma resposta igualmente contextualizada ou circunstanciadas da sociedade; só assim se pode aferir se existe direito à informação. A missiva em questão não é um pedido de informação por escrito, com o referido sentido e alcance - e, portanto, nem se pode falar que à sociedade tenha sido solicitada uma determinada informação - é, na verdade, uma interpelação com vista a remessa de toda a documentação de que, em abstrato, se pode equacionar quanto à vida de uma sociedade, pedindo-lhe, na prática, que exponha ao sócio todos os dados da sua atividade, de forma indiscriminada, o que, evidentemente, não se comporta no direito à informação do sócio. Portanto, manifestamente, não apenas não há motivo para proceder a inquérito, como também não pode o tribunal atender ao pedido de prestação de informações/ documentos. Nestes termos, considero inexistir motivo para proceder a inquérito e indefiro o pedido de prestação de informações/documentos formulado pela autora. Custas da ação pela autora. Registe-se e notifique-se.» I.2. A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Sentença de fls. que considerou inexistir motivo para proceder a inquérito judicial à sociedade, e indeferiu o pedido de prestação de informações/documentos formulado pela Autora, ora Apelante. II. A Autora, aqui Apelante, é sócia da sociedade comercial, ora Recorrida, desde 25/02/2013, possuindo na mesma a participação social correspondente a uma quota com o valor nominal de € 1.000,00 (mil euros). III. Desde o início de 2018 que a Apelante tem sido afastada dos destinos da sociedade em que possui a referida participação de capital, não lhe sendo prestada qualquer informação sobre os destinos da mesma. IV. Em face do exposto, a Apelante, no exercício do seu direito à informação sobre o estado, destino e estratégia de gestão da sociedade Apelada interpelou em 25/09/2018 o Apelado para este lhe prestar diversas informações. V. Sucede que o Apelado recusou-se prestar as informações solicitadas, não alegando nem demonstrando qualquer fundamento que legitime a posição assumida. VI. Em consequência do impedimento ilícito ao exercício do direito de informação da aqui Recorrente, outra alternativa não restou à Autora senão lançar mão da ação especial de inquérito judicial à sociedade da qual é sócia. VII. Com o devido respeito, no que se refere ao inquérito judicial nos termos peticionados pela Autora, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que "( ...) manifesto é, no caso vertente, que não há motivos para proceder a inquérito ( .. .]" . VIII. Por outro lado, no que se refere à prestação das informações solicitadas pela Autora, ora Apelante, andou mal o Tribunal a quo ao pugnar pelo entendimento de que a "a missiva em questão não é um pedido de informação por escrito, (...) é, na verdade, uma interpelação com vista a remessa de toda a documentação de que, em abstrato, se pode equacionar quanto à vida de uma sociedade, pedindo-lhe, na prática, que exponha ao sócio todos os dados da sua atividade, de forma indiscriminada, o que, evidentemente, não se comporta no direito à informação do sócio." IX. Entendimento este que merece a discórdia da Apelante e que motiva o presente recurso, pois resulta de uma interpretação dos artigos 214.º, 215.º e 216.º do Código das Sociedades Comerciais, violadora dos princípios gerais de Direito, pelo que nessa medida se impugna. X. A Apelante, fazendo uso do meio legal previsto no n.º 1 do artigo 214.º do CSC, efetuou o pedido de informação à sociedade Recorrida, o qual foi perentoriamente negado, vendo, assim, um dos seus direitos sociais ser lesado e afetado de forma irreversível. XI. Com efeito, considerando a recusa injustificada ao pedido de informações que da ora Apelante, a mesma interpôs a presente ação, no desiderato de se proceder a inquérito judicial à sociedade e, consequentemente, obter as informações que se afiguram como imprescindíveis para o exercício dos seus direitos sociais. XII. Consequentemente, no caso em apreço, estão reunidos os requisitos formais e substanciais para a utilização do inquérito judicial, mecanismo jurídico de defesa do status socii: a Apelante é detentora de uma participação social na referida sociedade e solicitou, por escrito, ao gerente da sociedade recorrida — órgão competente e capaz para o efeito - que lhe fossem prestadas informações acerca de diversos assuntos sociais, o que não logrou alcançar. XIII. Porém, as informações solicitadas não foram prestadas, não tendo a gerência logrado, sequer, alegar e demonstrar qualquer fundamento legal que legitime a posição assumida, pelo que é forçoso concluir que, nos presentes autos, a recusa da prestação das informações solicitadas pela Apelante é ilícita. XIV. O que confere à aqui Apelante a prerrogativa de requerer o inquérito judicial à sociedade na qual detém a sua participação social, sendo este o meio processual adequado, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 216.º do CSC e artigo 1048.º do CPC, XV. Porém, entendeu o Tribunal a quo que "( ... ) é manifesto inexistir fundamento para proceder a inquérito, posto que os pontos indicados são, em suma, informações/documentos pretendidos obter". XVI. Ora, uma tal decisão como a que ora se impugna colide com os princípios decorrentes da conjugação dos artigos 214.º, 215.º e 216.º do CSC, na medida em que, perante as várias soluções de direito, o caso vertente impõe o inquérito judicial à sociedade em apreço. XVII. Na qualidade de sócia, a Apelante tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, conforme dispõe o artigo 21.º, n.º 1, aI. c) do CSC, disciplinando tal direito, no que às sociedades por quotas diz respeito, os artigos 214.º a 216.º do esc. XVIII. Na verdade, o direito à informação do titular da participação social tem a natureza de direito subjetivo, de que é credor o sócio, consubstanciando-se na faculdade de obter informações sobre a vida da sociedade nos termos da lei e dos estatutos sociais, e de que é devedor a própria sociedade. XIX. Com efeito, a informação é uma condição imprescindível no exercício societário, devendo o sócio agir de forma informada e esclarecida. XX. Em termos gerais, o direito à informação pode ser perspetivado num sentido amplo, abrangendo o direito dos sócios a obterem dos gerentes informação verdadeira, completa e elucidativa, o direito à consulta de livros e documentos e o direito à inspeção de bens sociais, ou, num sentido estrito, enquanto direito do sócio a haver, a seu requerimento, informação prestada pelos gerentes. XXI. Ora, no que respeita ao direito à informação em sentido estrito, o pedido de informação pode ter por objeto qualquer assunto referente à gestão da sociedade, abrangendo todos os eventos que compõem a vida social. XXII. Na verdade, a vida social é composta não só pelas atas do órgão de gerência, como por factos materiais, atas de pessoas ligadas à sociedade por laços contratuais, e, ainda, atas de terceiros com repercussões diretas na sociedade. XXIII. De acordo com Raúl Ventura, in Sociedades por Quotas, voI. I, 2ª edição, a informação em sentido estrito deve ser verdadeira, completa e elucidativa, pretendendo-se "que o gerente forneça aos sócios o real conhecimento de um facto da vida social". XXIV. No caso vertente, as informações solicitadas pela Apelante e documentos de suporte estão direta e exclusivamente relacionadas com a gestão da sociedade na qual detém a sua participação social. XXV. Na verdade, as referidas informações e documentação de suporte consubstanciam atos praticados pela gerência da sociedade recorrida, com direta repercussão no dia-a-dia da referida sociedade e, consequentemente, no destino que o Apelado e restantes sócias deram à sociedade. XXVI. As informações solicitadas pela aqui Apelante não são despiciendas, nem se destinam a utilização contrária aos fins da sociedade, sendo relevantes desde logo para a fiscalização dos atos de gerência que hajam sido praticados. XXVIII. Resulta indubitável que as informações solicitadas são imprescindíveis para o exercício dos direitos sociais que a aqui Apelante pretende exercer, nomeadamente para o correto exercício do seu direito de voto. Face o exposto, não restam dúvidas que as informações e documentação de suporte aqui em crise prendem-se com assuntos relacionados com a gestão da sociedade, sendo que apenas através da disponibilização da documentação de suporte é possível obter as informações solicitadas. XXIX. A incorreção da decisão que ora se impugna reside no conteúdo do direito à informação do sócio, com influência direta na apreciação da fundamentação de direito nos presentes autos, pelo que deverá considerar-se que as informações e documentação de suporte solicitadas enquadram-se no âmbito do direito à informação do sócio. XXX. Sem conceder, considerando que o presente processo se enquadra nos processos de jurisdição voluntária, no caso de o Tribunal a quo entender que a Apelada formulou erradamente o seu pedido de informação, imperativo era que outra tivesse sido a sua decisão face aos interesses em causa. XXXI. Na verdade, verifica-se que a ora Apelante lograr demonstrar nos presentes autos a necessidade do pedido da informação em crise. XXXII. Bem como a abstração da informação solicitada, atento o seu afastamento, intencional, da vida da sociedade, promovido pelo gerente e restantes sócios. XXXIII. Para tanto, a Apelante alegou e demonstrou nos presentes autos que é sócia, em conjunto com as suas irmãs, da sociedade aqui Apelada e outras sociedades a saber: EE, Ll.da., FF lLda., GG Sgps, SA, HH, lLda., II SL., e JJ, SL. XXXIV. E ainda que, desde o início do ano de 2018, a Apelante não mais recebeu qualquer informação sobre o estado atual da sociedade, nem tão pouco lhe foi dada a legítima possibilidade de se inteirar da mesma. XXXV. Mais alegou e demonstrou o fundado receio da Apelante de que possam ter sido praticados atos que a afetem na sua qualidade de sócia, bem como as necessárias repercussões na esfera jurídica da sociedade e da Apelante, nomeadamente a eventual utilização indevida da sua assinatura e identidade pelo Apelado, bem como a eventual delapidação de património ou atividade da sociedade comercial em questão. XXXVI. Neste sentido, as informações solicitadas pela Apelante nos presentes autos estão, no essencial, relacionadas com a situação patrimonial da sociedade, com a relação da sociedade com terceiros e ainda do planeamento da atividade futura. XXXVII. Face o exposto, atenta a imprescindibilidade da informação como condição prévia do exercício dos direitos sociais da aqui Apelante e sendo o inquérito judicial à sociedade o instrumento jurídico legalmente previsto para o efeito, afigura-se premente que a informação solicitada pela Apelante nos presentes autos, lhe seja facultada, de forma verdadeira, completa e elucidativa, ao abrigo do disposto no artigo 214.º e 216.º do CSC e do artigo 1048.º e seguintes do CPC. I.3. Houve resposta às alegações de recurso, pugnando o recorrido pela improcedência do recurso. O recurso foi recebido pelo tribunal a quo. Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC). II.2. Resulta dos autos a seguinte factualidade: 1 - A autora/recorrente é sócia da sociedade comercial “Sociedade CC Lda.”, possuindo na mesma uma participação social correspondente a uma quota no valor de mil euros; 2 – DD, recorrido, é gerente da “Sociedade CC, Lda.”, desde 25.02.2013. 3 – Em 05.07.2018, o capital social da “Sociedade CC, Lda.” foi aumentado em 50.000,00 €, através de deliberação tomada em assembleia-geral de 30.06.2018, na qual não esteve presente a recorrente. 4 – Consta da ata n.º 2/2018 relativa à supra mencionada assembleia-geral que a sócia BB não estava presente «apesar de devidamente notificada». 5 – Mediante carta datada de 28.09.2018, dirigida a DD, a recorrente, através do seu advogado, solicitou àquele as informações e documentação especificadas no documento que consta de fls. 10/12 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a prestar no prazo máximo de 15 dias. 6 – Mediante carta datada de 27 de novembro de 2018, dirigida ao advogado da recorrente, foi comunicado à recorrente, através de mandatário, que a sociedade não enviaria a documentação solicitada, conforme documento de fls. 14 e verso, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 7 – As restantes sócias da “Sociedade CC, Lda.” são irmãs da recorrente. II.3. A única questão suscitada no presente recurso consiste em saber se existe fundamento para proceder a inquérito judicial da Sociedade CC, Lda. ou ordenar a esta sociedade que preste as informações e documentação que lhe foram solicitadas pela recorrente. Na base do pedido de inquérito judicial à sociedade CC, Lda. encontra-se uma suposta violação do direito à informação do sócio, in casu, da requerente/recorrente. De acordo com o art. 21.º, n.º 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais (CSC) constitui direito do sócio obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. O “direito à informação” do sócio tem uma natureza instrumental na medida em que se trata de um meio de permitir que o sócio exerça, de forma consciente, a generalidade dos seus direitos face à sociedade (vg. para votar, propor ações de responsabilidade contra gerentes, impugnar deliberações sociais, etc). O art. 21.º, n.º 1, al. c), do CSC remete para a regulamentação específica de cada sociedade em concreto (e para o respetivo contrato social) no que respeita ao conteúdo e extensão do direito à informação. A sociedade em questão é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada e o direito à informação no seio deste tipo de sociedades está regulado nos arts. 214.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais. O art. 214.º, normativo nuclear no que respeita ao direito à informação no âmbito das sociedades comerciais por quotas, desdobra aquele direito num direito de obter informações sobre a gestão da sociedade[1], num direito de consulta da escrituração, livros e documentos (art. 214.º, n.º 1 e n.º 4)[2] e num direito de inspeção dos bens sociais (art. 214.º, n.º 5). O “direito a obter informações” consiste na possibilidade de solicitar ao órgão habilitado para tal esclarecimentos, dados, elementos, notícias, descrições sobre factos, atuais e futuros, que integrem a vida da sociedade. E esse pedido pode ser dirigido ao órgão de gestão da sociedade, nos termos do n.º 1 do art. 214.º, ou à assembleia geral, nos termos do n.º 7 do art. 214.º. Esta vertente do direito à informação abrange os particulares eventos que compõem a existência societária, sejam aqueles atos dos gerentes ou até de terceiros mas que tenham efeitos na própria sociedade e na sua dinâmica empresarial – assim, Ac. TRL de 20.09.2011, processo n.º 554/10.3TYLSB.L1-7[3]. O art. 214.º, n.º 3, do CSC permite pedidos de informação sobre atos já praticados e sobre atos esperados quando estes últimos sejam suscetíveis de fazer incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei. O art. 214.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais prevê a possibilidade de, no contrato social, os sócios restringirem o direito à informação nas sociedades por quotas, mas o seu exercício efetivo não pode ser impedido nem o seu âmbito limitado injustificadamente, designadamente quando para o seu exercício forem invocadas as justificações previstas na segunda parte do art. 214.º, n.º 2, do CSC, a saber, ter a consulta o fim de julgar a exatidão dos documentos de prestação de contas ou habilitar o sócio a votar em assembleia geral já convocada. De acordo com os arts. 214.º, n.º 2, 215.º, n.º 2 e 216.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, sempre que o órgão competente para o efeito, face a uma solicitação feita por um sócio, nas condições de legitimidade fixadas na lei ou no contrato, e nos limites fixados, denegue a prestação de informação ou preste informação falsa, incompleta ou não elucidativa, haverá recusa ilícita de prestação de informação. Da recusa de prestação da informação pedida distingue-se a recusa de aceitação do pedido de informação. Esta última pressupõe que o titular do direito de informação não o exerceu de acordo com os preceitos legais. O art. 215.º, n.º 1, do CSC reporta-se aos casos em que é recusada a informação pedida, ou seja, aos casos em que o pedido foi corretamente formulado. O art. 215.º, n.º 1, do CSC dispõe que «Salvo disposição diversa do contrato de sociedade, lícita nos termos do artigo 214.º, n.º 2, a informação, a consulta ou a inspeção só podem ser recusadas pelos gerentes quando for de recear que o sócio as utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros». Nos termos do normativo citado, existem três ordens de razões para recusar o pedido de informação: (i) razões derivadas do convencionado no contrato de sociedade; (ii) receio de utilização da informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta; e (iii) violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros. Para Raúl Ventura[4] e Carlos Maria Pinheiro Torres[5] as causas de justificação para a recusa do pedido de informação estão taxativamente definidas no normativo citado, fundando tal entendimento na letra do preceito normativo no qual consta a expressão «só podem». Já Menezes Cordeiro[6] entende que poderão existir outras razões de recusa, designadamente, relacionadas com a «praticabilidade» da execução do pedido, sustentando, ainda, que «a informação é um direito disponível que deve ser articulado com outros princípios e direitos, maxime na lógica do artigo 335.º do Código Civil» e defende que também o direito à informação é suscetível de abuso e que perante situações de abuso, o exercício do mesmo deve cessar. O art. 18.º da Constituição da República incorpora uma norma qualificativa e atributiva de força jurídica (ou de maior força jurídica) a cada direito, liberdade e garantia, restringindo, por conseguinte, as restrições que aqueles possam sofrer. «A segunda parte daquele normativo constitucional consagra o princípio da proporcionalidade, o qual se analisa em três vetores: necessidade, adequação e racionalidade. A necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão; equivale a exigibilidade desta intervenção ou decisão. A adequação significa que a providência se mostra adequada ao objetivo almejado, se destina ao fim contemplado pela norma, e não a outro; significa, pois, correspondência de meios a fins. A racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu implica justa medida; que o órgão competente proceda a uma correta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos); que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido — nem mais nem menos. A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade, mais frequentemente, em excesso. E, por isso, fala-se, correntemente, também em princípio da proibição do arbítrio e da proibição de excesso.»[7] O princípio da proporcionalidade é um princípio geral do direito que ilumina a ordem jurídica e que deve conformar a própria atividade hermenêutica no campo em que a norma jurídica compreende um espaço de alternativas metodologicamente fundadas, ou existe a necessidade de preenchimento de lacunas. Os princípios da necessidade e da proporcionalidade devem, ainda, conformar as soluções legislativas, sem embargo da margem de conformação dos órgãos de soberania competentes. Princípio da proporcionalidade que terá sido ponderado na composição legislativa de interesses colidentes no quadro do direito à informação do sócio. A recusa de informação ao sócio, quando injustificada (bem como a prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa), constitui fundamento de anulação de deliberações sociais, nos termos do art. 58.º, n.º 1, al. c) do CSC, pode gerar a convocação da assembleia geral para que a informação negada seja prestada ou para que a informação seja corrigida, nos termos do art. 251.º, n.º 2, do CSC, permite ao sócio interessado requerer ao tribunal um inquérito judicial (art. 216.º, do CSC) e faculta o direito à indemnização por todos os danos causados em virtude de tal recusa /prestação incorreta de informação (arts. 798.º e 483.º, n.º 1, do Código Civil). |