Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
225/17.0PTFAR.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
ESTRANGEIRO
ACORDO INTERNACIONAL
EFICÁCIA
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Se um país lusófono não subscreveu a Convenção de Genebra sobre Trânsito Rodoviário de 1949 (Convention on Road Traffic, de 19-09-1949), nem a posterior Convenção de Viena sobre Circulação Rodoviária (Convention on Road Traffic, Vienna, 8 November 1968) nem existe acordo bilateral entre esse país e Portugal, um seu nacional terá que requerer junto do IMT a substituição da sua carta de condução emitida por país estrangeiro não aderente às Convenções Internacionais sobre Trânsito Rodoviário por um título válido em Portugal e sujeitar-se a exame, como se dispõe no Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (Dec-Lei n.º 138/2012, de 05 de Julho).

2 - Assim, a possibilidade de vir a dispor de título de condução reconhecido em Portugal depende da realização e aprovação nas provas de exame de condução, por cada categoria de que o condutor seja titular, uma prova prática do exame de condução, sem necessidade de frequência de escola de condução.

3 - Desta forma esse nacional conduz ilicitamente em território português se não realizou tal exame.

4 - Desconhecem-se – e não há a obrigação de conhecer – das razões por que esse país e Portugal não chegam a acordo. Se esse acordo está para breve há vários anos é questão que é irrelevante na ordem jurídica interna. Assim como é irrelevante o recorrente ter requerido o exame já que o relevante não é que o requeira, sim que o faça positivamente.

5 - A inexistência desse acordo permite-nos concluir ser abusivo daí retirar que o recorrente esteja funcional e efetivamente capaz de conduzir sem perigo para os restantes utentes da via pública.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca Faro - Juízo Local Criminal de Faro, J 1 - correu termos o processo sumário supra numerado, no qual o arguido A… nascido …, na Guiné-Bissau, titular do título de residência n.º … e residente na …, Faro, a quem foi imputada a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03/01.


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Por sentença de 12 de Outubro de 2018 foi decidido julgar a acusação pública provada e procedente e, em consequência foi condenado o arguido A… pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 03/01, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada a mesma ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições:

- entregar a quantia de €350 (trezentos e cinquenta euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa;

- realizar as diligências necessárias à obtenção de carta de condução, por via da troca da licença estrangeira ou da inscrição em escola de condução, frequência de aulas e submissão a exames.


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A final recorreu o arguido da sentença proferida, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso, interposto da douta sentença de fls. (…), que condenou o arguido Recorrente pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.° do DL n.º 2/98, de 03 de Janeiro numa pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinando a mesma ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições: - entregar a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa; - realizar as diligencias necessárias à obtenção de carta de condução, por via de troca da licença estrangeira ou da inscrição em escola de condução, frequência de aulas e submissão a exames.
Da nulidade da sentença
2) O arguido foi julgado na ausência – conforme se constata pela simples leitura das actas de audiência de julgamento dos dias 11-09-2018, 20-09-2018. 02-10-20198 e 12-10-2018.
3) O arguido é natural da Guiné-Bissau e é titular de carta de condução nº … emitida pelos competentes serviços desse País, conforme decorre da informação prestada pelo IMT por oficio/fax junto aos autos em 06-03-2018 a fls…, com a refª CITIUS 108724610.
4) Dessa informação prestada pelo IMT, resulta que para além do Recorrente ser detentor dessa carta de condução, também solicitou em 22-06-2010 a troca desse Título por carta de condução portuguesa – cfr. mesmo ofício com a refª CITIUS 108724610.
5) Por seu turno, o arguido prestou declarações em sede de inquérito em 07-03-2018 e referiu que ”que não anda muito bem da cabeça, não consegue dormir e vai quase todos os dias á urgência. Que tem uma carta de condução da Guiné e pediu a troca por uma carta portuguesa mas como não andava bem da cabeça, faltou, pois não se lembrou. Anda a ser seguido pelo psiquiatra do Departamento de Psiquiatria do Hospital de Faro. Anda medicado e agora já anda melhor. Como já está melhor da cabeça agora vai tratar de tirar a carta de condução portuguesa. Quanto á sua situação económica disse: É carpinteiro vive com a sua esposa e com os 3 filhos, auferindo cerca de €500 mensais. A casa é arrendada pagando €400 mensais. A sua esposa também trabalha e os seus 2 filhos mais velhos também trabalham.”
6) Perante as declarações prestadas em sede de inquérito pelo arguido, suscitou-se a questão da sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, dado ser plausível que o arguido padeça de anomalia ou mesmo de anomalia psíquica grave com reflexos na sua capacidade de avaliar a ilicitude dos factos ou de se determinar de acordo com a mesma.
7) Assim, para os efeitos do disposto no artigo 20.º do Código Penal o grau ou a intensidade desse distúrbio só pode ser aferido por perito de psiquiatria forense, pois, a prova da anomalia psíquica e sua caracterização constitui facto probando necessariamente objecto de prova pericial, que se presume subtraído à livre apreciação do julgador, por força do disposto no artigo 163º do CPP.
8) Impunha-se, por conseguinte, que o tribunal “a quo”, antes de proferir decisão condenatória, ordenasse a realização de uma perícia psiquiátrica ao arguido, ao abrigo dos artigos 340.º e 351.º do C.P.P.
9) O que não fez, condenando o arguido na ausência e sem cuidar de saber se este é ou não portador de algum distúrbio mental que diminuísse a sua capacidade de decisão.
10) Ao não determinar, em fase de julgamento, a realização de perícia médica ao arguido, havendo razões (como acima ficou dito) para se suscitarem dúvidas sobre a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, comete a nulidade prevista na parte final da al. d), do n.º 2, do art.º 120º, do CPP – omissão de diligência que se reputa essencial para a descoberta da verdade.
11) Ao decidir sem ter em seu poder qualquer relatório médico-legal, a douta sentença também é nula por omissão de pronúncia (artigo 379.º, nº 1, al. c) do C.P.P.).
Da valoraçao da prova produzida
12) No caso em apreço o Tribunal «a quo» não procedeu à indagação necessária à determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido, pelo que a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
13) Com efeito, na fundamentação de facto, refere a douta sentença que “A matéria atinente à situação pessoal e profissional do arguido (factos n.º 4 a 6) tiveram-se por demonstrados mediante a concatenação entre o depoimento de Joaquim Guerra e o teor do relatório social elaborado no âmbito do processo n.º 61/18.6PTFAR, cuja junção aos autos foram ordenados durante a própria audiência ele julgamento por não ter sido possível localizar e fazer comparecer novamente o arguido na DGRSP neste processo.”
14) Ora, de acordo com os nºs 1 e 2, do artigo 369º e do nº 1, do artigo 371º, do CPP, quando verifique que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o tribunal tem de avaliar da necessidade de produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção, devendo proceder à reabertura da audiência quando por ela conclua ou de imediato deliberar sobre a escolha e a medida da sanção quando negativo for o entendimento.
15) Decorre do artigo 370.º, n.º 1, do CPP “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento (…) solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.”
16) Ora, nestes autos não existia qualquer relatório social do arguido, aqui Recorrente.
17) O relatório que o tribunal “a quo” utilizou na determinação da pena elaborado no âmbito de outro processo, não espelhava convenientemente e com actualidade o enquadramento familiar, a inserção laboral, a situação económico-financeira, o nível de escolaridade, a formação profissional e eventuais problemas de saúde física e psíquica como se impõe.
18) Ou seja, o tribunal formou a sua convicção mediante a apreciação de prova não produzida em audiência, o que consubstancia VALORAÇÃO DE PROVA PROIBIDA nos termos do disposto no artigo 355.º do C.P.P.
Da violação do in dubio pro reo
19) O tribunal “a quo” aplicou ao arguido a pena de 7 (sete) meses de prisão pelo crime de condução sem habilitação legal.
20) O crime de condução sem habilitação legal é tipificado pelo art. 3º, nºs 1 do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, nos seguintes termos: 1- Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem estar habilitado os termos do Código da Estrada é punido é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
21) O bem jurídico tutelado pela norma é a segurança do tráfego rodoviário.
22) O tipo objectivo de ilícito de condução sem habilitação legal abarca a condução de veículo a motor em via pública ou equiparada, sem o respectivo título habilitante.
23) No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito, o crime consuma-se a título doloso.
24) No caso vertente resulta que o Recorrente é titular de carta de condução emitida pela Guiné-Bissau.
25) Resulta ainda que solicitou a troca de título junto do IMT – cfr. fls… dos autos.
26) O arguido não foi ouvido em julgamento tendo sido julgado à revelia.
27) Assim, perante a documentação junta aos autos ressalta uma dúvida séria e inultrapassável se o arguido, aqui Recorrente, estaria convencido que podia conduzir viaturas a motor na via publica com base no seu documento de condução e na guia/documento emitido pelo IMT a comprovar que havia solicitado a troca de título.
28) Se ele estava convencido que tal comportamento lhe era permitido, ou seja, convencido de que podia exercer a condução daquele veículo automóvel em território nacional, em virtude de ter requerido a troca da sua carta de condução, emitida pelas autoridades da República da Guiné Bissau, por carta de condução portuguesa, então, estamos perante uma situação de erro sobre a ilicitude enquadrada no artigo 17.°, n.°2, do Código Penal que exclui a culpa do agente.
29) Destarte, impunha-se a absolvição do arguido do crime de que vinha acusado.
Da medida da pena
30) A pena aplicada é excessiva porque excede a culpa do arguido.
31) É consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – cf. nº 2 do artigo 40.º do Código Penal.
32) No juízo de culpa deve predominar a culpa pelo facto, no sentido no sentido de que o objecto de valoração da culpa é também, quando não prevalentemente, o facto ilícito típico perpetrado. – cfr. Anabela Rodrigues – A determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pags. 478 e sgs.
33) É o que impõem os princípios, de base constitucional, da necessidade, da intervenção mínima e da subsidiariedade do direito penal. O direito penal é a ultima ratio, um último recurso quando outras formas de intervenção social e legislativa não são suficientes para atingir objectivos de protecção da comunidade. Estatui o artigo 18º, nº 2, da Constituição portuguesa que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos nesse mesmo diploma, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente previstos.
34) Encontrar a “justa retribuição”, a “pena merecida” constitui a finalidade primeira da sanção.
35) Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal a quo não fez como devia uma equitativa ponderação dos valores em causa.
36) Pois o recorrente encontra-se habilitado para conduzir no seu país de origem, ou seja, não é uma pessoa que se encontra totalmente inabilitada e que coloque em causa o bem jurídico tutelado pela norma conforme acima se disse que é o da segurança do tráfego rodoviário.
37) Até porque é consabido que desde há vários entre Portugal e a Guiné-Bissau se tenta alcançar um acordo bilateral de reconhecimento recíproco da validade dos títulos de condução emitidos pelas entidades competentes de cada um dos Estados, questão que, regularmente, se anuncia estar para acontecer em breve.
38) Ou seja, trata-se de uma questão (tal qual sucedeu outros Países de Língua Oficial Portuguesa) que poderá ser ultrapassada a breve trecho, pois alcançado esse acordo a conduta em causa – condução de veículo com carta emitida pela Republica da Guiné-Bissau será descriminalizada.
39) Ademais dos autos resulta que o Recorrente já solicitou a troca do título da Guiné-Bissau por uma carta de condução portuguesa.
40) Assim, e salvo melhor opinião, o juiz “a quo” na determinação da pena a aplicar devia ter presente esse circunstancialismo, o que não sucedeu,
41) O tribunal decidiu aplicar ao arguido uma pena de prisão de 7 (sete) meses, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) anos, subordinada ao pagamento de 350 euros à Prevenção Rodoviária.
42) Ou seja, o arguido foi duplamente condenado, não só numa pena de prisão como ainda no pagamento de uma quantia a uma instituição rodoviária.
43) A douta sentença recorrida condenou o recorrente sem que para o efeito tivesse em seu poder elementos actualizados sobre a situação pessoal e económica do arguido.
44) Na determinação da pena e da medida da pena o Tribunal a quo não procedeu à indagação necessária da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido, pelo que a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
45) Na verdade, nenhuma fundamentação encontramos na douta sentença para aplicar ao arguido aquela pena em concreto.
46) A pena de prisão apenas foi aplicada e valorizada tendo em conta os antecedentes criminais do arguido.
47) Não foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o denominado binómio factos - personalidade do agente.
48) Impunha-se antes perante a factualidade acima enunciada que ao Recorrente o tribunal “a quo” aplicasse uma pena de admoestação.
49) NESTA CONFLUÊNCIA, a douta sentença recorrida pela errada interpretação e aplicação que deles fez violou as seguintes disposições legais: artigo º 3.° do DL n.º 2/98, de 03 de Janeiro; artigos 20.º, 23.º, 40.º, 41.º 45.º, 47.º, 60.º, 71.º, 72.º e 73.º todos do Código Penal; artigos 119.º, 125º, 127º, 340º, 351.º, 355.º, 370.º, 375.º, 379.º e 410.º todos do Código de Processo Penal; artigos 18.º, 29.º, nº 5 e 32.º da Constituição da Republica Portuguesa.
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ter provimento e, em consequência:
Ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a realização de perícia psiquiátrica ao arguido nos termos do artigo 351º nº 1 do CPP para apuramento da verificação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída; ou
Seja revogada a douta sentença substituindo-se por outra que absolva o Recorrente, ou quando assim doutamente se não decida
Seja revogada a douta decisão e substituída por outra que aplique ao Recorrente a admoestação prevista no artigo 60.º do Código Penal.

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A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu às alegações da recorrente, pugnando pela manutenção do decidido, as concluindo:

1) Nos presentes autos o recorrente A… foi condenado por sentença proferida em 12.10.18 pela prática em 12.01.2018 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 03/01, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinando a mesma ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições: entregar a quantia de €350 (trezentos e cinquenta euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa; realizar as diligências necessárias à obtenção de carta de condução, por via da troca da licença estrangeira ou da inscrição em escola de condução, frequência de aulas e submissão a exames.
2) O recorrente nunca compareceu e às secções de julgamento nem nunca manifestou nos autos, pessoalmente, ou através do seu defensor, que pretendia comparecer ou prestar declarações nos termos previstos no art. 333º nº4 do CPP.
3) Cotejados os autos a fls. 120/121ata de 02.10.2018, na 2ª secção de julgamento foi ordenada a junção aos autos do relatório social elaborado no âmbito do processo 61/18.6PTFAR nos termos do art. 340º do CP, na presença do ilustre defensor que se conformou com o determinado pelo Tribunal, nada requereu nem invocou qualquer irregularidade ou vício decisório, sendo certo que na referida data teve acesso ao aludido documento e ao pleno contraditório.
4) No caso dos autos o tribunal podia e devia valorar o teor do relatório social que não esta sujeito à regra do art. 355º nº1 como invocado pelo recorrente.
5) Face aos extensos antecedentes criminais do recorrente, tal como constam dos factos provados, as necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir são elevadas e, por outro lado, o nº 3 do artigo 60º do Cód. Penal afasta qualquer possibilidade de ao caso vir a ser aplicada uma admoestação a um arguido julgado na ausência.
6) Não resulta dos autos qualquer dúvida sobre a imputabilidade do arguido.
Não podemos senão concordar com as doutas conclusões a que chegou
Mmº Juiz a quo, em face do já explanado quanto à nossa concordância pela aplicação de uma pena de prisão, suspensa.
Destarte, e pelas razões apontadas, entendemos que falecem os pressupostos em que o recorrente faz assentar as razões da sua discordância com a douta sentença sindicada, e que surgem plasmados nas conclusões da motivação do recurso.
Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida.

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O Exmº Procurador-geral Adjunto neste tribunal afirmou concordar com o entendimento do seu colega na primeira instância.

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B - Fundamentação

B.1.a) - Resultaram provados os seguintes factos:

1) No dia 12 de Janeiro de 2017, cerca das 16:00 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, na Rotunda das Lavadeiras, em Faro, sem estar habilitado com carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir tal veículo na via pública.

2) O arguido conhecia as características do veículo e da via referidos em 1. e dos locais por onde o conduziu, sabendo também que não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzi-lo e, não obstante, quis e conduziu o mesmo naquela via.

3) Agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

4) O arguido vive com a companheira e um filho de 12 anos de idade, em casa arrendada pela quantia de €400.

5) Trabalha como empresário individual através da empresa “L..., Lda” em regime de subempreitada.

6) Revela reduzido sentido crítico e de auto-censura.

7) No processo n.º 762/06.1GTABF, que correu termos no [extinto] 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, por sentença transitada em julgado em 28/07/2006, o arguido foi condenado na pena de 40 dias de multa, pela prática, em 05/07/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 03/01.

8) No processo n.º 96/09.0SJLSB, que correu termos no [extinto] 2.º Juízo da Pequena Instância Criminal de Lisboa, por sentença transitada em julgado em 22/02/2010, o arguido foi condenado na pena de 210 dias de multa, pela prática, em 09/07/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 03/01.

9) No processo n.º 73/09.0GTABF, que correu termos no [extinto] Tribunal Judicial de Tavira, por sentença transitada em julgado em 17/06/2010, o arguido foi condenado na pena de 95 dias de multa, pela prática, em 31/03/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 03/01.

10) No processo n.º 91/09.9PTFAR, que correu termos no [extinto] 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, por sentença transitada em julgado em 15/11/2010, o arguido foi condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano sob condição de realizar todos os esforços para obter a troca da sua licença de condução estrangeira por licença nacional, pela prática, em 12/01/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 03/01.

11) No processo n.º 4/08.5FBVRS, que correu termos no [extinto] Tribunal Judicial de Tavira, por sentença transitada em julgado em 11/04/2011, o arguido foi condenado na pena de 180 dias de multa, pela prática, em 21/08/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2 do DL n.º 2/98, de 03/01.

12) No processo n.º 3/02.0GFLLE, que correu termos no Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, por sentença transitada em julgado em 30/04/2012, o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática, em 02/01/2002, de um crime de coacção agravada, p. e p. pelo art.º 155.º do Cód. Penal.

13) No processo n.º 7093/14.1TDLSB, que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 4 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por sentença transitada em julgado em 11/12/2017, o arguido foi condenado na pena de 60 dias de multa, pela prática, em 05/2011, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 107.º, n.º 1 e 2 e 105.º, n.º 1 do RGIT.

14) No processo n.º 8/18.0PTFAR, que corre termos no Juízo Local Criminal de Faro – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, por sentença transitada em julgado em 22/03/2018, o arguido foi condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática, em 30/01/2018, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03/01.

15) No processo n.º 119/17.9GTABF, que corre termos no Juízo Local Criminal de Faro – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, por sentença transitada em julgado em 16/04/2018, o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática, em 05/06/2017, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b) do Cód. Penal.


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B.1.b) - Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir.

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B.1.c) – Considerandos de motivação expendidos pelo tribunal recorrido:

«O tribunal formou livremente a sua convicção, mediante a apreciação crítica e conjugada da prova produzida (art.º 127.º do CPP).
A prova dos factos objectivos constantes da acusação assentou na apreciação conjugada do auto de notícia de fls. 3, o documento do IMTT de fls. 6 e o depoimento do agente J….
A testemunha sobredita, agente da PSP, confirmou o teor do auto de notícia de fls. 3 e prestou um depoimento isento, circunstanciado e credível, explicando que abordou o arguido no exercício das suas funções e no âmbito de uma operação de fiscalização e esclarecendo que quando se aproximou ele não lhe disse logo que não possuía habilitação legal, razão pela qual lhe passou o aviso de apresentação de documentos de fls. 4.
Na medida em que a veracidade dos factos constantes do auto de notícia não foi fundadamente posta em causa (art.º 169.º do CPP) e os mesmos se mostram em consonância com o teor do documento de fls. 19, não teve o tribunal dúvidas em dar como provados os factos n.º 1 a 3.
A matéria atinente à situação pessoal e profissional do arguido (factos n.º 4 a 6) tiveram- se por demonstrados mediante a concatenação entre o depoimento de J… e o teor do relatório social elaborado no âmbito do processo n.º 61/18.6PTFAR, cuja junção aos autos foi ordenada durante a própria audiência de julgamento por não ter sido possível localizar e fazer comparecer novamente o arguido na DGRSP neste processo.
A prova dos antecedentes criminais do arguido (factos n.º 7 a 15) extraiu-se do respectivo certificado de registo criminal, junto aos autos de fls. 81 a 96.»

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Cumpre conhecer.

B.2 – Como as conclusões são iguais às motivações em bom rigor formal não há conclusões.

No entanto como o recorrente divide tudo nos mesmos capítulos (nas motivações e conclusões), essas serão as “conclusões” por nós consideradas relevantes, sendo as assim apelidadas meros argumentos. Esta postura permite-nos não perder tempo a convidar o recorrente a apresentar novas conclusões num processo que não o justifica por ser de manifesta simplicidade.

Tendo em mente as “conclusões” do recurso interposto, o objecto do processo está limitado às seguintes questões:

- a nulidade da sentença – (argumentos/motivações)/conclusões 2ª a 11ª;

- a valoração de prova proibida – (argumentos/motivações)/conclusões 12ª a 18ª;

- a violação do in dubio pro reo – (argumentos/motivações)/conclusões 19ª a 29ª;

- a medida da pena – (argumentos/motivações)/conclusões 30ª a 49ª.


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B.2 – Da saúde mental do recorrente

Relativamente ao primeiro ponto de desacordo o recorrente invoca duas ideias, a existência de uma nulidade processual, a omissão de diligência e uma omissão de pronúncia, a integrar no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte e no art 379º, n. 1, al. c) ambos do C.P.P..

Quanto à primeira o recorrente aduz o argumento de que o tribunal recorrido, ao não determinar em fase de julgamento a realização de perícia médica ao arguido, havendo razões (em seu entender) para se suscitarem dúvidas sobre a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, cometeu a dita nulidade.

Neste ponto convém ter presentes os seguintes dados constantes do processo:

- o arguido disse andar a tomar medicamentos como “desculpa” para o ter-se “esquecido” de comparecer ao exame de condução que lhe permitia ter o título de condução válido para Portugal;

- omitiu-se o confirmar ainda em inquérito se o arguido estava a ser seguido no Hospital de Faro;

- o arguido e a defesa “letrada” nada requereram em inquérito;

- designada data para julgamento o arguido e a defesa “letrada” nada requereram nem apresentaram contestação e/ou prova dos seus pontos de vista ou pretensões;

- realizada audiência de julgamento para a qual o arguido foi notificado, este faltou sem justificação;

- presente, a defesa “letrada” nada requereu.

Quanto à existência de um dever de determinar a sujeição a exame pericial determina o artigo 351º do C.P.P. sob a epígrafe “Perícia sobre o estado psíquico do arguido“ que quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido ou a sua inimputabilidade diminuída, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele ou ordena a realização da perícia a estabelecimento especializado, se necessário interrompendo a audiência.

De tudo o revelado nos autos o único indício sobre a realidade da saúde mental do arguido resulta das suas próprias declarações à entidade policial em 26-12-2017 que foram entendidas, naturalmente, como uma desculpa para a sua não sujeição a exame de condução.

Nada de mais natural depois de se constatar que o arguido já fora condenado por seis (6) vezes pela prática do mesmo crime desde o longínquo ano de 2006, concretamente em 05-07-2006, 30-01-2008, 21-08-2008, 12.01-2009, 31-03-2009 e 09-07-2009. Assim, apresentar como única desculpa para a inexistência de título o esquecimento ou atraso burocrático no tratamento da questão já soaria a falso.

A defesa não apresentou contestação nem arrolou testemunhas ou prova documental daquilo que agora invoca em sede de recurso. E a contestação serve, como sabido, para apresentar uma defesa factual e/ou de direito sobre a matéria constante da acusação.

No caso, se não apresentadas – contestação e prova – mais se consolida a impressão de que as alegadas razões de saúde são mera desculpa para manter a aparência de titulação estrangeira ou receio de sujeição a exame.

Mesmo que se considere que deveria ter havido por parte do Ministério Público uma maior atenção à documentação probatória, a omissão da defesa foi consolidando a ideia de uma desculpa infundada apresentada pelo arguido.

Ideia que se vem a confirmar com a ausência pessoal do arguido – que permitiria ao tribunal apurar pessoalmente das suas condições de saúde – e com mais uma omissão da defesa, que deveria ter feito uso do disposto no artigo 340º do C.P.P. e tal negligenciou.

Porque, convenhamos, na situação de facto constante dos autos e até àquele momento, o tribunal não dispunha de elementos que lhe permitissem suspeitar seriamente da existência de qualquer doença mental do arguido.

Mas este dispunha em audiência de julgamento de uma nova oportunidade (a terceira) para suscitar a questão e requerer a realização de prova complementar, cumpridos os requisitos processuais, que o conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, cumpridas as exigências do nº 4 do preceito.

Assim, existindo uma acusação e não tendo havido acrescento factual ou probatório por parte da defesa à data da devida apresentação da acusação, nem requerimento em audiência a suscitar a questão, a omissão é da defesa e não do tribunal. Destarte não há nulidade por omissão de pronúncia para efeitos da previsão do artigo 379.º, nº 1, al. c) do C.P.P. pois que não havia a obrigação de conhecer de questão que não foi colocada ao tribunal.

Porque, recordemos, o processo penal português é tributário do princípio da acusação e não do princípio do inquisitório. E o princípio do acusatório também supõe responsabilidade e autonomia na concretização da defesa.


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B.3 – Da valoração de prova proibida

Quanto a este ponto o recorrente invoca dois vícios, o - no seu dizer - “vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. Explicitamente, “o Tribunal «a quo» não procedeu à indagação necessária à determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido, pelo que a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.

Mas como o tribunal fundamenta os factos provados relativos à situação pessoal e profissional do arguido no relatório social realizado para o processo nº 61/18.6PTFAR o recorrente aduz os seguintes argumentos nas suas conclusões14) a 18):

- de acordo com os nºs 1 e 2, do artigo 369º e do nº 1, do artigo 371º, do CPP, quando verifique que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o tribunal tem de avaliar da necessidade de produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção, devendo proceder à reabertura da audiência quando por ela conclua ou de imediato deliberar sobre a escolha e a medida da sanção quando negativo for o entendimento.
- Decorre do artigo 370.º, n.º 1, do CPP “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento (…) solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.”
- Ora, nestes autos não existia qualquer relatório social do arguido, aqui Recorrente.
- O relatório que o tribunal “a quo” utilizou na determinação da pena elaborado no âmbito de outro processo, não espelhava convenientemente e com actualidade o enquadramento familiar, a inserção laboral, a situação económico-financeira, o nível de escolaridade, a formação profissional e eventuais problemas de saúde física e psíquica como se impõe.
- Ou seja, o tribunal formou a sua convicção mediante a apreciação de prova não produzida em audiência, o que consubstancia VALORAÇÃO DE PROVA PROIBIDA nos termos do disposto no artigo 355.º do C.P.P.

São, como se antolha de fácil percepção, quatro coisas diferentes.

Uma, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, cujo significado nada tem a ver com insuficiência de prova nem nulidade na obtenção de prova – como parece vir alegado – sim com insuficiência factual. E essa não ocorre pois que o tribunal deu como provada a situação económica e social do arguido.

Neste sentido é clara e constante desde o século anterior a jurisprudência do STJ, como se confirma no que segue, lavrado em 10-04-20016 (Proc. 06P2678. Rel. cons. Santos Cabral)

I - O vício de «insuficiência para a decisão» relevante para integração do normativo do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP não pode ser confundido, como frequentemente sucede, com erro de julgamento, que resultaria de errada apreciação da prova ou insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida.
II - É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena.

Outra, a césure limitada ou ténue prevista no artigo 371º do C.P.P. que se pode revelar necessária caso se considere necessária a produção de prova complementar para a determinação da natureza e medida da pena a aplicar.

Ora, o n. 2 do artigo 369º do diploma é assaz claro na afirmação de que se o tribunal considerar desnecessária produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar “o tribunal delibera e vota sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar”, sem recorrer ao disposto no artigo 371º do C.P.P., como o próprio estatui no seu nº 1 (“Tornando-se necessária produção de prova suplementar”).

Coisa igualmente diversa é o invocado em 15) e 16) onde o recorrente, depois de ser referir ao artigo 370.º, n.º 1, do C.P.P. como permitindo ao tribunal “solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social”, conclui que “nestes autos não existia qualquer relatório social do arguido, aqui Recorrente” e, portanto, tal relatório “não espelhava convenientemente e com actualidade o enquadramento familiar, a inserção laboral, a situação económico-financeira, o nível de escolaridade, a formação profissional e eventuais problemas de saúde física e psíquica como se impõe”.

Ora, como o arguido recorrente se distanciou da sua defesa e esta nada disse ou requereu quando o relatório foi apresentado, ficou o tribunal impossibilitado de saber da desactualização do dito relatório. Destarte isso só poderia ocorrer por adivinhação, método de conhecidas dificuldades. Por outra banda, não vale invocar factos novos em recurso pois que este destina-se unicamente a conhecer dos factos objecto de conhecimento pelo tribunal recorrido.

A questão válida, então, em sede de valor probatório do dito relatório social, é saber se o mesmo é actual, à data da audiência de julgamento e sentença recorrida.

Tendo a audiência de julgamento em que foi ordenada e efectivada a junção aos autos do antedito relatório de 02-10-2018 e a sentença de 12-10-2018, um relatório social elaborado em 18-05-2018 é perfeitamente válido e actual, excepto se se alegar e demonstrar a alteração da situação de facto relativa ao enquadramento económico-social do arguido. Mas aqui pode supor-se com bastante segurança que não havia qualquer alteração relevante pois que o arguido, notificado para tanto pela DGRSP – que à sua declarada residência se deslocou e deixou aviso - não compareceu e nada justificou.

Portanto o relatório é válido e actual.

Por fim, invoca o recorrente que «o tribunal formou a sua convicção mediante a apreciação de prova não produzida em audiência, o que consubstancia VALORAÇÃO DE PROVA PROIBIDA nos termos do disposto no artigo 355.º do C.P.P.».

Como as motivações são iguais às conclusões, isso acarreta o não podermos perceber – por falta de desenvolvimento do recorrente – das razões do invocado.

Vamos então assumir que o recorrente pretende afirmar a violação do disposto no artigo 355º do C.P.P. devida à circunstância de o relatório social ter sido elaborado para outros autos, o processo n. 61/18.6PTFAR.

Entendemos, no entanto, que quando o artigo 355.º, n. 1 do C.P.P. afirma que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, quer significar para o caso concreto que as provas válidas que podem sustentar a convicção do tribunal são as que foram produzidas/apresentadas na audiência de julgamento e percebidas como tal por todos os nela intervenientes, como foi aqui o caso pois que a junção do relatório foi ordenada e executada em sede de audiência de julgamento em fase de produção probatória, antes da passagem à fase de alegações, podendo desta forma ser analisada pelos indicados intervenientes.

A circunstância de ter sido realizada para outro processo é irrelevante a não ser que a defesa tivesse alegado e provado que os serviços de reinserção social elaboram relatórios realmente diferentes consoante os processos.


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B.4 – Da violação do princípio do in dubio pro reo

Quanto a este ponto de inconformidade convém recordar a argumentação do recorrente, que se espraiou desta forma:

23 - No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito, o crime consuma-se a título doloso.

24 - No caso vertente resulta que o Recorrente é titular de carta de condução emitida pela Guiné-Bissau.

25 - Resulta ainda que solicitou a troca de título junto do IMT – cfr. fls… dos autos.

26 - O arguido não foi ouvido em julgamento tendo sido julgado à revelia.

27 - Assim, perante a documentação junta aos autos ressalta uma dúvida séria e inultrapassável se o arguido, aqui Recorrente, estaria convencido que podia conduzir viaturas a motor na via publica com base no seu documento de condução e na guia/documento emitido pelo IMT a comprovar que havia solicitado a troca de título.

28 - Se ele estava convencido que tal comportamento lhe era permitido, ou seja, convencido de que podia exercer a condução daquele veículo automóvel em território nacional, em virtude de ter requerido a troca da sua carta de condução, emitida pelas autoridades da República da Guiné Bissau, por carta de condução portuguesa, então, estamos perante uma situação de erro sobre a ilicitude enquadrada no artigo 17.°, n.°2, do Código Penal que exclui a culpa do agente.

29 - Destarte, impunha-se a absolvição do arguido do crime de que vinha acusado.

Em bom rigor o que vem alegado é a falta de consciência da ilicitude e não a violação do princípio in dubio pro reo.

Mas ambas as figuras se mostram bastante problemáticas para a defesa do recorrente com os factos provados de 8 a 15. Com seis condenações anteriores pelo mesmo crime desde 2006 como pode em termos de razoabilidade alegar o arguido que tinha falta de consciência da ilicitude e ao tribunal era legítimo ter dúvidas sobre o dolo do arguido?

Questão diversa é o saber se existe algum enquadramento jurídico que releve ou justifique a conduta do arguido.

Ao nível das relações de cooperação entre Portugal e a Guiné-Bissau não existe qualquer acordo que dê validade à licença de condução do arguido. Face à existência de uma Convenção sobre o trânsito rodoviário essa seria hipótese ténue, mas a possibilidade de um reconhecimento bilateral tinha que ser considerada, pois que tais instrumentos bilaterais existem com Angola, Brasil, Moçambique e São Tomé e Príncipe, para só falar dos países de língua oficial portuguesa. Mas não com a Guiné-Bissau, como se confirma na página WEB do GDDC, consultada em 01-12-2019 (http://gddc.ministeriopublico.pt/tratados/resultados?pais=1377).

Por outro lado a Guiné-Bissau não subscreveu a Convenção de Genebra sobre Trânsito Rodoviário de 1949 (Convention on Road Traffic, de 19-09-1949 - https://treaties.un.org/Pages/ViewDetailsV.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XI-B-1&chapter=11&Temp=mtdsg5&clang=_en), que no seu artigo 24º, n. 1 dispõe que «Cada Estado Contratante autorizará os condutores que entrem no seu território, desde que preencham as condições previstas no anexo 8, a conduzir sem novo exame, nas suas estradas, veículos automóveis de categoria ou categorias definidas nos anexos 9 e 10 para os quais lhes tenha sido passada uma licença de condução válida, depois de prestarem provas de aptidão, pela autoridade competente de outro Estado Contratante ou de uma das suas subdivisões, ou por uma associação habilitada por essa autoridade.»

Nem a posterior Convenção de Viena sobre Circulação Rodoviária (Convention on Road Traffic, Vienna, 8 November 1968 - https://treaties.un.org/Pages/ViewDetailsIII.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XI-B-19&chapter=11&Temp=mtdsg3&clang=_en) que no seu artigo 41º, n. 2 (Títulos de condução) estatui que «As Partes Contratantes reconhecerão:

a) Qualquer título nacional redigido na sua língua ou numa das suas línguas nacionais, ou, se não estiver redigido nessa língua, acompanhado de uma tradução devidamente certificada;
b) Qualquer carta de condução nacional conforme com o disposto no anexo n.º 6 da presente Convenção;
c) Ou qualquer licença internacional conforme com o disposto no anexo n.º 7 da presente Convenção;como válida para conduzir, no respectivo território, um veículo incluído numa das categorias abrangidas pelo tí-tulo, desde que este se encontre válido e tenha sido emitido por outra Parte Contratante ou uma das suas subdivisões ou por uma associação autorizada, para o efeito, por essa outra Parte Contratante ou uma das suas subdivisões. O disposto no presente número não é aplicável às licenças de aprendizagem.»

E assim sendo o arguido tinha que requerer junto do IMT a substituição da sua carta de condução emitida por país estrangeiro não aderente às Convenções Internacionais sobre Trânsito Rodoviário (Road Traffic) por uma carta de condução portuguesa e sujeitar-se a exame, como se dispõe no Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (Dec-Lei n.º 138/2012, de 05 de Julho).

E isso – a possibilidade de vir a dispor de título português - depende da realização e aprovação nas provas de exame de condução, por cada categoria de que o condutor seja titular, uma prova prática do exame de condução, sem necessidade de frequência de escola de condução.

Em absoluto, a circulação em território nacional não é permitida aos condutores com títulos emitidos por países não aderentes às referidas Convenções Internacionais, nem os mesmos beneficiam de período transitório de circulação, como se constata no artigo 125 do C.Estrada (“Outros títulos”):

1 - Além dos títulos referidos nos ns. 4 e 5 do artigo 121.º são ainda títulos habilitantes para a condução de veículos a motor os seguintes:
a) Títulos de condução emitidos pelos serviços competentes pela administração portuguesa do território de Macau;
b) Títulos de condução emitidas por outros Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu;
c) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.º 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.º 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de novembro de 1968, sobre circulação rodoviária;
d) Títulos de condução emitidas por Estado estrangeiro, desde que este reconheça idêntica validade aos títulos nacionais;
e) Licenças internacionais de condução, desde que apresentadas com o título nacional que as suporta;
f) (Revogado.)
g) Licenças especiais de condução;
h) Autorizações especiais de condução;
i) Autorizações temporárias de condução.
2 - A emissão das licenças e das autorizações especiais de condução bem como as condições em que os títulos estrangeiros habilitam a conduzir em território nacional são fixadas no RHLC.
3 - Os titulares das licenças referidas nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 estão autorizados a conduzir veículos a motor, em Portugal durante os primeiros 185 dias subsequentes à sua entrada no País, desde que não sejam residentes.
4 - Após fixação da residência em Portugal, o titular das licenças referidas no número anterior deve proceder à troca do título de condução, no prazo de 90 dias.
(…).

Desta forma o arguido sempre conduziu ilicitamente em Portugal e a sua carta de condução com origem na Guiné-Bissau não lhe dá o direito de conduzir em território português, sequer um direito provisório por tempo determinado.


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B.5 – Da medida da pena

Para além de ideias consabidas sobre a pena e que constam das suas “conclusões” 30) a 34), neste motivo de inconformidade o arguido vem esgrimir vectores práticos e concretos que se impõe analisar.

Desde logo equiparações realizadas pelo recorrente que são inadmissíveis, o que ocorre nas suas conclusões 35ª a 40ª, todas elas tributárias das ideias expressas nas conclusões 35ª e 36ª da seguinte forma silogística:

- o recorrente encontra-se habilitado para conduzir no seu país de origem

- não é uma pessoa que se encontra totalmente inabilitada e que coloque em causa o bem jurídico da segurança do tráfego rodoviário = equitativa ponderação dos valores em causa.

O silogismo padece de duas maleitas graves: ambas as premissas são falsas!

Como se disse supra em B.3 o recorrente não tem título válido para conduzir em Portugal por uma razão legal e formal. O seu título não tem curso legal em Portugal e apenas se pode presumir que o tenha no seu país de origem.

Desconhecem-se – e não há a obrigação de conhecer – das razões por que a Guiné-Bissau e Portugal não chegam a acordo (como Portugal chegou quanto a Angola, ao Brasil e a S. Tomé e Príncipe), mas entre essas razões podem estar as substanciais respeitantes à forma como tais títulos são obtidos.

Se esse acordo está para breve há vários anos é questão que é irrelevante na ordem jurídica interna. Assim como é irrelevante o recorrente ter requerido o exame já que o relevante não é que o requeira, sim que o faça positivamente. Mas a inexistência desse acordo permite-nos concluir ser abusivo daí retirar que o recorrente esteja funcional e efectivamente capaz de conduzir sem perigo para os restantes utentes da via pública. É que a, ou uma das razões de falta de acordo pode ser precisamente essa.

E, por tudo, bem fez o tribunal recorrido em não atender a essas razões na escolha e medida da pena.

E quanto aos elementos da vida do arguido vimos já que o tribunal se socorreu licitamente de relatório social actualizado.

Afirma o recorrente que foi duplamente condenado, não só numa pena de prisão como ainda no pagamento de uma quantia a uma instituição rodoviária, concretamente que o tribunal decidiu aplicar ao arguido uma pena de prisão de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, subordinada ao pagamento de 350 euros à Prevenção Rodoviária.

Aqui o recorrente parece esquecer duas realidades.

Uma, que foi condenado a uma pena de prisão cuja execução foi suspensa precisamente porque subordinada ao cumprimento pelo arguido das condições de entregar a quantia de €350 (trezentos e cinquenta euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa e realizar as diligências necessárias à obtenção de carta de condução, por via da troca da licença estrangeira ou da inscrição em escola de condução, frequência de aulas e submissão a exames.

Outra, que tal possibilidade está prevista nos artigos 50º, nsº 2 e 3, 51º, nº 1, al. c) e 52º, nº 2, al. b).

Quanto ao comportamento anterior do arguido, essa circunstância está prevista como elemento relevante na determinação da medida da pena, conforme estatuído no artigo 71º, nº 2, al. e) do Código Penal.

Não se atende ao facto de o arguido nesta mesma sessão deste Tribunal da Relação ver recurso por si interposto no processo nº 138/18.8PTFAR.E1 do Juízo Local Criminal de Faro, J3.

Em função do que se acaba de expor é o recurso improcedente.


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C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal da Relação de Évora em declarar o recurso improcedente.

Custas pelo arguido com 4 – quatro – Ucs de taxa de justiça.

Évora, 19 de Dezembro de 2019 (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado)

João Gomes de Sousa (relator)

Nuno Garcia