Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | MOTORISTA TRABALHO SUPLEMENTAR SUBSÍDIO DE RISCO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I- A cláusula 61.ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 34, de 15 de agosto de 2018, com entrada em vigor em 20 de setembro de 2018, e do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS – Revisão Global, publicado no BTE n.º 45, de 8 de dezembro de 2019, com entrada em vigor em 13 de dezembro de 2019, prevê uma retribuição especifica, em virtude de o tipo de trabalho prestado pelos motoristas que a cláusula abrange constituir «uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto», que visa cobrir a eventual prestação de duas horas diárias de trabalho suplementar, com o limite de 200 horas anuais estabelecido pela cláusula 26.ª, n.º 4 dos referidos instrumentos de regulamentação coletiva. II- A cláusula 61.ª não afasta os limites previstos na cláusula 26.ª. III- Quanto ao estatuído no n.º 3 da cláusula 61.º no CCT/2019, deve ser interpretado no sentido de que o pagamento da retribuição especificamente prevista na cláusula pressupõe o respeito pelos limites temporais estabelecidos na cláusula 21.ª, mas se tais limites não forem cumpridos, então o trabalho deve ser pago como suplementar (ainda que não se alcance o limite de 200 horas estabelecido na cláusula 26.ª), porque aquela retribuição prevista na cláusula 61.ª já não cobre esse trabalho. IV- Se o trabalhador, abrangido pela cláusula 61.ª alegar e provar que prestou, no ano civil, mais de 200 horas de trabalho suplementar, o trabalho prestado para além do limite anual previsto na cláusula 26.ª deve-lhe ser pago com o acréscimo remuneratório que se mostra previsto para a prestação de trabalho suplementar. V- O pagamento do subsídio de risco previsto no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE n.º 9, 1.ª série, de 8 de março de 1980 e demais alterações, que deixou de estar em vigor em 20 de setembro de 2018 (cláusula 45.ª-A), no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 34, de 15 de agosto de 2018, com entrada em vigor em 20 de setembro de 2018 (cláusula 55.ª) e no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS – Revisão Global, publicado no BTE n.º 45, de 8 de dezembro de 2019, com entrada em vigor em 13 de dezembro de 2019 (cláusula 66.ª), está sempre dependente da efetiva prestação (Sumário elaborado pela relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | P. 3280/23.0T8STR.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho I. Relatório AA intentou ação declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra ATLANTIC CARGO – Sociedade de Transportes, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe as seguintes quantias: a) € 21.605,51, a título de rescisão do contrato com justa causa; b) € 13.052,72, referente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis e em dias de descanso de 2014 a 2020; c) € 15.107,16, atinente ao subsídio de risco reportado desde 2013 até ao termo do contrato; d) € 4.814,81, a título de fecho de contas; Mais peticionou a condenação da ré no pagamento dos juros moratórios devidos sobre as mencionadas quantias, vencidos e vincendos, até integral pagamento. Alegou, em súmula, que celebrou um contrato de trabalho com a ré para o exercício das funções de motorista de veículos pesados de transportes de mercadorias, com início em 3 de setembro de 2001 e término em 27 de setembro de 2023. O contrato cessou por sua iniciativa, sendo-lhe devidos os créditos laborais peticionados. A ré não compareceu na audiência de partes, nem contestou a ação. Em 01-03-2024, foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais e fundamentos citados, julga-se totalmente procedente a presente ação e, em consequência, condena-se a Ré ATLANTIC CARGO – SOCIEDADE DE TRANSPORTES, S.A a pagar ao Autor AA a quantia total de €54.580,20 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta euros e vinte cêntimos), à qual acrescem juros de mora legais, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação da Ré e até integral pagamento, correspondente ao somatório dos seguintes valores: 1. €21.605,51 (vinte e um mil, seiscentos e cinco euros e cinquenta e um cêntimo) a título de indemnização por rescisão do contrato com justa causa; 2. €13.052,72 (treze mil e cinquenta e dois euros e setenta e dois cêntimos) referente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis e em dias de descanso de 2014 a 2020. 3. €15.107,16 (quinze mil, cento e sete euros e dezasseis cêntimos) atinente ao subsídio de risco reportado desde 2013 até o termo do contrato. 4. €4.814,81 (quatro mil, oitocentos e catorze euros e oitenta e um cêntimo) a título de férias, proporcionais de férias e respetivo subsídio de créditos de horas de formação profissional não ministrada. Fixa-se à ação o valor de €54.580,20 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta euros e vinte cêntimos) – arts. 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 2 e 306.º, n.º 1 e 2, do CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a), do CPT. Custas pela Ré – art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC e art. 6.º, nº 1 do RCP e Tabela I anexa. Registe e notifique.». - Não se conformando com esta decisão, a ré veio interpor recurso para esta Relação, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:«1. Aos trabalhadores móveis, como é o caso do recorrido, não se aplica o limite das 200 horas anuais de trabalho suplementar. 2. O limite do tempo de trabalho aplicável aos motoristas é o previsto na cláusula 21º, n.º 1 do CCT aplicável, isto é, 48 horas de trabalho em cada período de referência de 17 semanas. 3. A retribuição prevista na cláusula 61ª líquida todo o trabalho suplementar prestado até esse limite de tempo de trabalho, atendendo à referência constante do seu número 3. 4. Assim, qualquer valor de trabalho suplementar que deva ser pago para além do valor da retribuição prevista na cláusula 61ª é o que resultar do excesso do tempo de trabalho previsto na cláusula 21ª, n.º 1 e não nas alegadas 200 horas de trabalho suplementar como considerada a sentença sob recurso. 5. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o regime prevista na cláusula 61ª, n.º 3 e cláusula 21º, n.º 1 do CCT aplicável à relação de trabalho em causa. 6. O subsídio de risco só é devido nos dias em que o motorista desempenhe atividade no âmbito dos serviços de matérias perigosas. 7. Não há qualquer obrigatoriedade de manter esse pagamento no período em que o motorista não desempenhe funções nesse serviço. 8. O subsídio de risco não tem natureza retributiva nem constitui direito adquirido por parte do trabalhador. 9. Não poderia a recorrente ser condenada ao pagamento de tal rubrica nos períodos em que o trabalhador não prestou, comprovadamente de acordo com a fundamentação da matéria de facto, sob pena de violação do disposto na cláusula 66º do CCT aplicável. Nestes termos, deve a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que determine a absolvição da recorrente nos pontos da condenação indicados e, assim, fazendo a costumada Justiça!». - Não foram oferecidas contra-alegações.- A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.- O processo subiu à Relação e foi observado o disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.O Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso. O recurso foi mantido, foi elaborado o projeto de acórdão e foram colhidos os vistos legais. Cumpre, em conferência, apreciar e decidir. * II. Objeto do RecursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes: 1.ª Saber se houve indevida condenação a título de trabalho suplementar em relação aos anos 2019 e 2020. 2.ª Saber se houve indevida condenação em matéria de subsídio de risco. * III. Matéria de FactoA 1.ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. A Ré é uma sociedade que se dedica à atividade de Transporte Rodoviário de Mercadorias. 2. Por contrato de trabalho celebrado em 3 setembro de 2001, foi o Autor admitido ao serviço da Ré para exercer, sob a sua autoridade e direção, as funções inerentes à categoria profissional de motorista de veículos pesados nos transportes de mercadorias. 3. Como contrapartida pelo exercício da sua atividade, o Autor auferia uma remuneração mensal fixa de €837,67 a título de retribuição base, acrescido do complemento salarial de €16,75, das diuturnidades de €101,70, do subsídio de trabalhador móvel de €458,94. 4. O Autor auferia ainda ajudas de custo e o complemento pelo trabalho prestado em dias de descanso de valor variável. 5. No dia 27 de setembro de 2023, o Autor comunicou à Ré a rescisão do contrato de trabalho, invocando a sua desocupação injustificada, quando nos dois dias seguintes ao dia 15 de setembro de 2023, foi impedido de entrar nas instalações da empresa sem qualquer razão para tal e após os seguintes acontecimentos: 5.1. No dia 5 de setembro de 2023 foi atribuído um serviço de um colega ao Autor, que consistia em descarregar num cliente na Maia. 5.2. Aquando da realização desta frota, o Autor perdeu-se no caminho e avisou o seu chefe de tráfego, senhor BB, do sucedido e de que se encontrava a ficar sem horário para continuar a condução. 5.3. Qual não foi o seu espanto quando começa a receber mensagens, para o seu número pessoal, do cliente final que estava incumbido de descarregar, apesar de nunca ter consentido naquela divulgação de dados pessoais. 5.4. No dia 15 de setembro, encontrando-se o Autor nas instalações da Ré, não só foi desrespeitosamente repreendido por esta, na pessoa do Dr. CC, por força daqueles acontecimentos, como ainda foi despedido verbalmente. 5.5. Foi-lhe expressamente dito pelo Dr. CC que sabia que aquele despedimento era ilícito, mas que não se importaria de pagar a indemnização que fosse necessária para não o ter mais como funcionário da Ré. 5.6. Não tendo sido dado qualquer prova ao Autor do terminus das suas funções, este enviou e-mail à Ré a relatar o que se tinha passado. 5.7. Atenta a resposta dada, não é verdade que o Autor desrespeitou os seus superiores hierárquicos, uma vez que o senhor DD (DD), a quem faz referência nas mensagens trocadas com EE, não se encontra numa relação de hierarquia direita consigo, pela circunstância de pertencer à Atlantic Solutions e não à Atlantic Cargo. 6. No ano de 2014, o Autor realizou 212 horas e 50 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 18 semanas, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 7. No ano de 2015, o Autor realizou 543 horas e 10 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 42 semanas, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 8. No ano de 2016, o Autor realizou 315 horas e 45 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 34 semanas, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 9. No ano de 2017, o Autor realizou 908 horas e 20 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 43 semanas, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 10. No ano de 2018, até outubro, o Autor realizou 266 horas e 50 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 22 semanas, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 11. No ano de 2014, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso complementar: 11 ou 13, 18 ou 20 e 25 ou 27 de janeiro; 8 ou 10 e 15 ou 17 de fevereiro; 15 ou 17 de março; 14 ou 16 de junho; 30 de agosto; ou 1 de setembro; 4 ou 6 de outubro e 20 ou 22 de dezembro; e prestou trabalho num dia de descanso obrigatório, a saber: no dia 1 junho. 12. No ano de 2015, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso complementar: 24 ou 26 de janeiro, 21 ou 23 de fevereiro, 11 ou 13 e 18 ou 20 de abril, 1 ou 3 de agosto; e prestou trabalho num dia de descanso obrigatório, a saber: 27 de dezembro. 13. No ano de 2016, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso semanal complementar: 18 ou 20 de junho, 15 ou 17 de outubro, 10 ou 12 e 31 de dezembro de 2016 ou 2 de janeiro de 2017; e prestou trabalho num dia descanso semanal obrigatório, a saber: 10 de janeiro. 14. No ano de 2017, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso semanal: 14 ou 16 de janeiro; 8 ou 10 de abril; 13 ou 15 de maio; 1 ou 3 e 22 ou 24 de julho; 2 ou 4, 9 ou 11 e 16 ou 18 de setembro e 2 ou 4 de dezembro. 15. No ano de 2019, o Autor realizou 369 horas e 45 minutos de trabalho extraordinário, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 16. Além do limite legal de 200 horas e apenas nos dias úteis, o Autor realizou em 15 semanas 152 horas e 25 minutos de trabalho extraordinário, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 17. No ano de 2020, o Autor trabalhou realizou 329 horas e 45 minutos de trabalho extraordinário, nos termos constantes da informação constante do quadro apresentado pelo Autor. 18. No ano de 2019, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso semanal: 27 ou 29 de abril, 4 ou 6 de maio e 9 ou 11 de novembro. 19. No ano de 2014, a Ré pagou ao Autor €829,10 a título de trabalho extraordinário. 20. Nesse ano, a Ré não pagou ao Autor o trabalho suplementar realizado em dias úteis e trabalho suplementar realizado em dias de descanso. 21. No ano de 2015, a Ré pagou ao Autor €973,37 a título de trabalho extraordinário. 22. Nesse ano, a Ré não pagou ao Autor o trabalho suplementar realizado em dias úteis e o trabalho suplementar realizado em dias de descanso. 23. No ano de 2016, a Ré pagou ao Autor €1.002,39 a título de trabalho extraordinário. 24. Nesse ano, a Ré não pagou ao Autor o trabalho suplementar realizado em dias úteis e o trabalho suplementar realizado em dias de descanso. 25. No ano de 2017, a Ré pagou ao Autor € 1.004,04 a título de trabalho extraordinário. 26. Nesse ano, a Ré não pagou ao Autor o trabalho suplementar realizado em dias úteis e o trabalho suplementar realizado em dias de descanso. 27. No ano de 2018, a Ré pagou ao Autor €879,73 a título de trabalho suplementar realizado em dias úteis. 28. No ano 2019, a Ré não pagou qualquer valor referente ao trabalho extraordinário realizado pelo Autor em dias úteis e em dias de descanso. 29. No ano de 2020, a Ré não pagou qualquer valor referente ao trabalho suplementar realizado pelo Autor em dias úteis. 30. A Ré pagou ao Autor o subsídio de risco referente a 239 dias de trabalho prestado em 2002, 242 dias em 2003, 243 dias em 2004, 249 dias em 2005, 268 dias em 2006, 248 dias em 2007, 251 dias em 2008, 265 dias em 2009, 253 dias em 2010, 235 dias em 2011 e 221 dias em 2012. 31. O Autor transportou matérias perigosas, em média, durante 247 dias. 32. A partir do ano de 2012, a Ré deixou de atribuir ao Autor serviços de transporte de mercadorias perigosas, deixando de pagar ao Autor o subsídio de risco associado e de não suportar os custos com a renovação do ADR. 33. Não obstante, depois dessa data, a Ré continuou com os serviços de transporte de matérias perigosas, contratando novos trabalhadores para exercer tal transporte. 34. A Ré não pagou ao Autor a retribuição pelas férias vencidas a 1 de janeiro de 2023 e não gozadas. 35. A Ré não pagou ao Autor a retribuição devida pelos proporcionais dos subsídios e férias vencidas e não gozadas no ano da cessação do contrato de trabalho. 36. A Ré não proporcionou ao Autor a formação profissional contínua e não pagou os correspondentes créditos. * IV. Enquadramento jurídicoConforme referimos supra, o objeto do recurso circunscreve-se a duas questões: 1.ª Saber se a condenação a título de trabalho suplementar, relativamente aos anos 2019 e 2020, é incorreta. 2.ª Saber se houve indevida condenação em matéria de subsídio de risco. Passemos, então, à respetiva apreciação. 1. Condenação a título de trabalho suplementar A ré/apelante foi condenada, no âmbito da sentença recorrida, a pagar ao autor/apelado a quantia de € 13.052,72, referente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis e em dias de descanso entre 2014 e 2020. O tribunal a quo fundamentou o decidido nos seguintes termos: «À referida relação laboral foi aplicável os seguintes CCT’s: a) CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE de 8 de março de 1980, com revisão publicada no BTE, 1.ª série, n.º 16, de 29 de abril de 1982; b) CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 34, de 15 de agosto de 2018, com entrada em vigor em 20 de setembro de 2018 e com extensão através da Portaria n.º 287/2018, de 24 de outubro (doravante designado apenas de CCT/2018); c) CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS – Revisão Global, publicado no BTE n.º 45, de 8 de dezembro de 2019, com entrada em vigor em 13 de dezembro de 2019 e Portaria de Extensão n.º 49/2020, de 26 de fevereiro (doravante designado apenas de CCT/2019). d) CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 5, de 8 de fevereiro de 2023, com entrada em vigor no dia 14 de fevereiro de 2023 (doravante designado apenas de CCT/2023. * DO TRABALHO SUPLEMENTARRealizado pelo Autor em Dias Úteis – do ano de 2014 a outubro de 2018 O CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU determina, na cláusula 17.ª que o período normal de trabalho dos trabalhadores de movimento será de 44 horas semanais, não podendo ser superior a nove horas diárias, distribuídos em 5 dias ou 5 dias e meio. Como tal, tem carater suplementar o trabalho prestado para além deste período, devendo ser remunerado nos termos da cláusula 40.ª, isto é, com um acréscimo de 50% na primeira hora e 75% nas horas e frações seguintes. Mostra-se assente que, em 2014, o Autor realizou 212 horas e 50 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 18 semanas. Desse trabalho realizado, 18 horas deviam ter sido pagas com um acréscimo de 50% ao valor hora e 194 horas e 50 minutos com um acréscimo de 75%. Sendo o valor hora de €3,63 [€576,00+ €54,99: 2080 x 12), a primeira hora de trabalho a €5,45 (€3,63 x 150%) e as seguintes a €6,35 (€3,63 x 175%), o Autor devia ter auferido a quantia global de €1.333,17 [(€5,45 x 18) + (€6,35 x 194,50)]. Mostra-se assente que, em 2015, o Autor realizou 543 horas e 10 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 42 semanas. Desse trabalho realizado, 42 horas deviam ter sido pagas com um acréscimo de 50% ao valor hora e 501 horas e 10 minutos com um acréscimo de 75%. Sendo o valor hora de €3,63, a primeira hora de trabalho a €5,45 e as seguintes a €6,35, nos termos precedentemente calculados, o Autor devia ter auferido a quantia global de €3.448,68 [(€5,45 x 42) + (€6,35 x 501,10)]. Mostra-se assente que, em 2016, o Autor realizou 315 horas e 45 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 34 semanas. Desse trabalho realizado, 34 horas deviam ter sido pagas com um acréscimo de 50% ao valor hora e 281 horas e 45 minutos com um acréscimo de 75%. Sendo o valor hora de €3,63, a primeira hora de trabalho a €5,45 e as seguintes a €6,35, nos termos precedentemente calculados, o Autor devia ter auferido a quantia global de €1.972,50 [(€5,45 x 34) + (€6,35 x 281,45)]. Mostra-se assente que, em 2017, o Autor realizou 908 horas e 20 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 43 semanas. Desse trabalho realizado, 43 horas deviam ter sido pagas com um acréscimo de 50% ao valor hora e 865 horas e 20 minutos com um acréscimo de 75%. Sendo o valor hora de €3,71 [€576,00 + €68,60:2080 x 12], a primeira hora de trabalho a €5,57 (€3,71 x 150%) e as seguintes a €6,49 (€3,71 x 175%), o Autor devia ter auferido a quantia global de €5.854,98 [(€5,57 x 43) + (€6,49 x 865,20)]. Mostra-se assente que, até outubro de 2018, o Autor realizou 266 horas e 50 minutos de trabalho suplementar em dias úteis ao longo de 22 semanas. Desse trabalho realizado, 22 horas deviam ter sido pagas com um acréscimo de 50% ao valor hora e 244 horas e 50 minutos com um acréscimo de 75%. Sendo o valor hora de €3,74 [€580,00 + €68,60:2080 x 12], a primeira hora de trabalho a €5,61 (€3,74 x 150%) e as seguintes a €6,54 (€3,74 x 175%), o Autor devia ter auferido a quantia global de €1.722,23 [(€5,61 x 22) + (€6,54 x 244,50)]. Realizado pelo Autor em Dias de Descanso Nos termos da cláusula 20.ª daquele do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, juntamente com o artigo 232.º do Código do Trabalho, em articulação com o DL 248/96 de 15 de maio em conjugação com a Portaria 153/96 de 15 de maio, deve-se entender que o domingo e feriados como dias de descanso obrigatório porquanto as atividades de transportes rodoviário de mercadorias não se encontrarem dispensadas de laborar, e os dias imediatamente antes ou a seguir ao domingo como dia de descanso complementar (conferindo carater suplementar ao trabalho prestado nesses dias). Assim a realização de trabalho aos sábados, domingos e feriados deve ser considerado como sendo trabalho extraordinário, o que implica ser remunerado nos termos da cláusula 41.ª, isto é, com um acréscimo de 200% do valor hora e com o pagamento obrigatório de (no mínimo) 5 horas de trabalho prestado nesses dias. Mostra-se assente que, em 2014, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso complementar: 11 ou 13, 18 ou 20 e 25 ou 27 de janeiro; 8 ou 10 e 15 ou 17 de fevereiro; 15 ou 17 de março; 14 ou 16 de junho; 30 de agosto; ou 1 de setembro; 4 ou 6 de outubro e 20 ou 22 de dezembro; e prestou trabalho num dia de descanso obrigatório, a saber: no dia 1 junho. A remuneração diária do Autor, para efeitos da cláusula 41.ª do CCTV, devia ser de €33,20, porquanto é o que resulta da seguinte fórmula de cálculo [(€3,32 x 200%) x 5 horas), o que significa que por aqueles 13 dias de trabalho devia ter auferido €431,60 (€33,20 x 13 dias). Mostra-se assente que, em 2015, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso complementar: 24 ou 26 de janeiro, 21 ou 23 de fevereiro, 11 ou 13 e 18 ou 20 de abril, 1 ou 3 de agosto; e prestou trabalho num dia de descanso obrigatório, a saber: 27 de dezembro. A remuneração diária do Autor, para efeitos da cláusula 41.ª do CCTV, devia ser de €33,20, porquanto é o que resulta da seguinte fórmula de cálculo [(€3,32 x 200%) x 5 horas), o que significa que por aqueles 7 dias de trabalho devia ter auferido €254,10. Mostra-se assente que, em 2016, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso semanal complementar: 18 ou 20 de junho, 15 ou 17 de outubro, 10 ou 12 e 31 de dezembro de 2016 ou 2 de janeiro de 2017; e prestou trabalho num dia descanso semanal obrigatório, a saber: 10 de janeiro. A remuneração diária do Autor, para efeitos da cláusula 41.ª do CCTV, devia ser de €33,20, porquanto é o que resulta da seguinte fórmula de cálculo [(€3,32 x 200%) x 5 horas), o que significa que por aqueles 6 dias de trabalho devia ter auferido €217,80. Mostra-se assente que, em 2017, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso semanal: 14 ou 16 de janeiro; 8 ou 10 de abril; 13 ou 15 de maio; 1 ou 3 e 22 ou 24 de julho; 2 ou 4, 9 ou 11 e 16 ou 18 de setembro e 2 ou 4 de dezembro. A remuneração diária do Autor, para efeitos da cláusula 41.ª do CCTV, devia ser de €37,10, porquanto é o que resulta da seguinte fórmula de cálculo [(€3,71 x 200%) x 5 horas), o que significa que por aqueles 9 dias de trabalho devia ter auferido €333,90. Realizado pelo Autor em Dias Úteis – nos anos de 2019 e 2020 Com o CCT/2018, os trabalhadores afetos à categoria profissional de motorista de pesados passaram a ter direito a auferir um subsídio específico de trabalhador móvel previsto na cláusula 61.ª, correspondente a 48% do valor total resultante da soma da retribuição base, diuturnidades e complemento salarial para calculas as horas de trabalho suplementar realizadas. A criação deste subsídio justifica-se pela circunstância de estar em causa uma atividade com um elevado grau de autonomia idónea à realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto. Apesar destes trabalhadores terem uma flexibilidade horária e de serem remunerados por isso com a criação da cláusula 61.ª, o certo é que – naturalmente – tem que continuar a serem respeitadas as regras relativas ao acréscimo anual de horas admissíveis, as quais apenas admitem a realização de 200 horas de trabalho extraordinário (cláusula 26.ª, número 4). Neste sentido, a cláusula 61.ª apenas pagará até ao limite de 200 horas o trabalho extraordinário que tiver sido realizado em dias de úteis. Por conseguinte, o trabalho realizado além daquele limite e em dias úteis, tem que ser remunerado com os acréscimos remuneratórios previstos na cláusula 47.ª, isto é, de 150% na primeira hora e 175% nas horas e frações seguintes. Mostra-se assente que, em 2019, o Autor realizou 369 horas e 45 minutos de trabalho extraordinário. Além do limite legal de 200 horas e apenas nos dias úteis, o Autor realizou em 15 semanas 152 horas e 25 minutos de trabalho extraordinário (sendo que as restantes foram aos fins de semana e feriados, e remuneradas doutra forma). Não tendo sido pago com os acréscimos remuneratórios previstos na cláusula 47.ª, deve a Ré ser condenada nesse pagamento. Desse trabalho realizado, 15 horas deviam ter sido pagas com um acréscimo de 50% ao valor hora e 137 horas e 25 minutos com um acréscimo de 75%. Sendo o valor hora de € 4,17 (€630,00 + € 80,00 + € 12,80: 2080 x 12) a primeira hora de trabalho a €6,25 (€4,17 x 150%) e as seguintes a €7,29 (€4,17 x 175%), o Autor devia ter auferido a quantia global de €1.079,72 (mil e setenta e nove euros e setenta e dois cêntimos) [(€6,25 x 15) + (€7,29 x 137,25)]. Mostra-se assente que, em 2020, o Autor trabalhou realizou 329 horas e 45 minutos de trabalho extraordinário. Além do limite legal das 200 horas e apenas nos dias úteis, o Autor realizou ao longo de 28 semanas 126 horas e 25 minutos de trabalho extraordinário (sendo que as restantes foram aos fins de semana e feriados, e remuneradas doutra forma). Não tendo sido pago com os acréscimos remuneratórios previstos na cláusula 47.ª, deve a Ré ser condenada nesse pagamento. Daquele trabalho realizado, 28 horas deviam ter sido pagas com um acréscimo de 50% ao valor hora e 98 horas e 25 minutos com um acréscimo de 75%. Sendo o valor hora de € 4,60 (€700,00 + € 85,00 + € 14,00: 2080 x 12) a primeira hora de trabalho a €6,90 (€4,60 x 150%) e as seguintes a €8,05 (€4,60 x 175%), o Autor devia ter auferido a quantia global de €984,11 (novecentos e oitenta e quatro euros e onze cêntimos), [(€6,90 x 28) + (€8,05 x 98,25)]. Realizado pelo Autor em Dias de Descanso À semelhança do que já sucedia, o CCT/2018 continuou a considerar o domingo e feriado como dias de descanso semanal obrigatório, e o dia imediatamente antes ou a seguir ao dia de descanso semanal como dia de descanso complementar (vide cláusula 27.ª). O trabalho que for realizado aos sábados, domingos e feriados deve ser pago em dobro do valor dia, independentemente do concreto número de horas de trabalho prestado (vide Cláusula 51.ª, n.º 1), através da seguinte fórmula de cálculo: [(vencimento base + complemento salarial + diuturnidades) : 30 dias] x 2. Mostra-se assente que, em 2019, o Autor trabalhou nos seguintes dias de descanso semanal: 27 ou 29 de abril, 4 ou 6 de maio e 9 ou 11 de novembro. A remuneração diária do Autor, para efeitos da cláusula 51.ª do CCTV, devia ser de €48,18 (€630,00 + € 12,80 + € 80,00:30 x 2), o que significa que por aqueles 3 dias de trabalho devia ter auferido €144,54. Ora, diante o exposto e considerando que: Em 2014 a Ré pagou ao Autor €829,10 a título de trabalho extraordinário, mas era-lhe devido €1.333,17 de trabalho suplementar realizado em dias úteis e €431,60 de trabalho suplementar realizado em dias de descanso; como tal deve ser condenada no pagamento de €935,67 (novecentos e trinta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos); Em 2015 a Ré pagou ao Autor €973,37 a título de trabalho extraordinário, mas era-lhe devido €3.448,68 de trabalho suplementar realizado em dias úteis e €254,10 de trabalho suplementar realizado em dias de descanso; como tal, deve ser condenada no pagamento de €2.729,41 (dois mil, setecentos e vinte e nove euros e quarenta e um cêntimo); Em 2016 a Ré pagou ao Autor €1.002,39 a título de trabalho extraordinário, mas era-lhe devido €1.972,50 de trabalho suplementar realizado em dias úteis e €217,80 de trabalho suplementar realizado em dias de descanso; como tal, deve ser condenada na diferença de €1.187,91 (mil, cento e oitenta e sete euros e noventa e um cêntimo); Em 2017 a Ré pagou ao Autor €1.004,04 a título de trabalho extraordinário, mas era-lhe devido €5.854,98 de trabalho suplementar realizado em dias úteis e €333,23 de trabalho suplementar realizado em dias de descanso; como tal, deve ser condenada na diferença de €5.184,84 (cinco mil, cento e oitenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos); Em 2018 a Ré pagou ao Autor €879,73, quando lhe era devido €1.722,23 de trabalho suplementar realizado em dias úteis; como tal, deve ser condenada na diferença de €842,50 (oitocentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos); Em 2019, a Ré não pagou qualquer valor referente ao trabalho extraordinário realizado pelo Autor, apesar de lhe ser devido €1.079,72 pelo trabalho suplementar realizado em dias úteis e €144,54 pelo trabalho suplementar realizado em dias de descanso; como tal, deve ser condenada no pagamento de €1.224,28 (mil, duzentos e vinte e quatro euros e vinte e oito cêntimos); Em 2020, a Ré não pagou qualquer valor referente ao trabalho suplementar, apesar de lhe ser devido €948,11 (novecentos e quarenta e oito euros e onze cêntimos) referente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis; como tal, deve a Ré ser condenada no pagamento daquele valor.». Analisemos. Em sede de recurso, a apelante apenas colocou em crise a parte da condenação que se reporta aos anos de 2019 e 2020. Para tanto, sustentou que o tribunal a quo decidiu mal ao considerar que o subsidio previsto na cláusula 61.ª do contrato coletivo de trabalho “paga” o trabalho suplementar até ao limite de 200 horas anuais, pois, no seu entender, o limite de tempo de trabalho previsto na aludida cláusula é o que se mostra previsto na cláusula 21.ª do referido instrumento de regulamentação coletiva. E sendo assim, concluiu, só seria devido ao apelado o pagamento do trabalho suplementar, para além do valor já consignado na cláusula 61.ª nos casos em que o número de horas ultrapassasse o limite previsto no n.º 1 da cláusula 21.ª, isto é, 48 horas em média por cada período de referência de 17 semanas. Desde já se adianta que não lhe assiste razão. Expliquemos porquê. A cláusula 61.º do CCT/2018 Publicado no BTE n.º 34, de 15-09-2018. prescrevia o seguinte: «(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados) 1- Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três. 2- Para efeito de cálculo da prestação pecuniária prevista no número anterior, será aplicável a seguinte fórmula: VH = (Retribuição base, complementos salariais (cláusula 45.ª) e diuturnidades) x 12 Período normal de trabalho semanal x 52 1.ª hora x 50 % 2.ª hora x 75 % Valor total das duas horas de trabalho suplementar, conforme o caso, deverá ser multiplicado por 30 dias. 3- Ao valor apurado nos termos do número anterior, será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho noturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV. 4- Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil). 5- O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado. 6- No período máximo de três meses a contar da entrada em vigor do presente CCTV, as entidades empregadoras, deverão substituir as anteriores formas de pagamento do trabalho suplementar praticadas, adaptando designadamente os recibos de vencimento e declarações de remunerações, pela prestação pecuniária prevista nesta cláusula.». No que se reporta à cláusula 26.ª do mencionado CCT, a sua redação era a seguinte: «(Tempo de trabalho suplementar) 1- Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do período normal de trabalho. 2- É proibida a prestação de trabalho suplementar com carácter de regularidade. 3- Só em casos inteiramente imprescindíveis e justificados poderá haver lugar a prestação de trabalho suplementar. 4- A prestação de trabalho suplementar não excederá as duas horas diárias, nem ultrapassará, no total, as duzentas horas anuais. 5- Excecionalmente, o período de trabalho suplementar poderá ultrapassar o limite estipulado no número anterior nos seguintes casos: a) Em serviço de desempanagem da viatura ou equipamento oficinal; b) Demoras provocadas pelo embarque ou desembarque de mercadoria. 6- Todo o trabalho suplementar é objeto de registo interno mediante o recurso a meios informáticos ou manuais.». Por fim, eis o que constava da cláusula 21.ª, que foi convocada pela apelante: « (Limites da duração do trabalho) 1- A duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta horas, nem quarenta e oito horas em média num período de quatro meses. 2- A duração do trabalho, incluindo trabalho suplementar, no caso de abranger, no todo ou em parte, o intervalo entre as 0 e as 5 horas, não pode exceder dez horas por dia salvo quando, por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho, tal seja justificado. 3- Entende-se por conceito de dia referido no número anterior, o período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho. 4- Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente cláusula, é excluído o tempo de disponibilidade.». No que concerne ao CCT de 2019 Publicado no BTE n.º 45, de 08-12-2019., as referidas cláusulas passaram a ter as seguintes redações: Cláusula 61.ª «Retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas) 1- Os trabalhadores que, por acordo com a empresa, desempenhem a função de motorista afeto ao transporte internacional, ibérico ou nacional, excecionando-se destes últimos os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, por prestarem uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime, uma retribuição especifica no montante correspondente a 48 % do valor total resultante da soma da retribuição base (cláusula 44.ª), diuturnidades (cláusula 46.ª) e complemento salarial (cláusula 59.ª), não lhes sendo devido qualquer outro valor a título de trabalho suplementar em dia normal de trabalho. 2- O pagamento desta prestação pecuniária não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, feriado ou a descanso diário bem como o respetivo pagamento nos termos previsto na cláusula 50.ª 3- O pagamento desta retribuição específica não afasta o cumprimento dos limites da duração do trabalho previstos na cláusula 21.ª do presente CCTV, não podendo ser solicitado nem prestado trabalho para além dos mesmos. 4- Esta retribuição específica é devida por 13 meses.». Esta cláusula foi acompanhada da seguinte nota explicativa: «Para efeitos do acordo mencionado no número 1 desta cláusula, estão incluídos todos os contratos de trabalho para a função de motorista, celebrados antes deste contrato coletivo de trabalho. Mais se esclarece que esta retribuição específica substituí a anterior cláusula 61.ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15 de setembro de 2018 e primitiva cláusula 74.ª número 7 prevista no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS (anterior FESTRU) e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 8 de março de 1980 e demais alterações. A cláusula 21.ª reflete a proibição, que vincula empregadores e trabalhadores, prevista no Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de junho, de ser prestado trabalho semanal para além dos limites nesta fixados. Apesar de não ser obrigatório, face ao concreto modo como o trabalho é prestado, esta figura poderá ser aplicada na relação mantida entre empresas e motoristas que, por acordo, estão afetos ao transporte nacional, conduzindo viaturas inferiores a 7.5 ton., sejam elas superiores ou não a 3,5 ton.». Cláusula 21.ª «1- A duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta horas, nem quarenta e oito horas em média num período de dezassete semanas. 2- A duração do trabalho, incluindo trabalho suplementar, no caso de abranger, no todo ou em parte, o intervalo entre as 0 e as 5 horas, não pode exceder dez horas por dia salvo quando, por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho, tal seja justificado. 3- Entende-se por conceito de dia referido no número anterior, o período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho. 4- Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente cláusula, é excluído o tempo de disponibilidade como previsto na alínea c) do número 1 da cláusula 18.ª». Cláusula 26.ª «(Tempo de trabalho suplementar) 1- Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do período normal de trabalho. 2- É proibida a prestação de trabalho suplementar com carácter de regularidade. 3- Só em casos inteiramente imprescindíveis e justificados poderá haver lugar a prestação de trabalho suplementar. 4- A prestação de trabalho suplementar não excederá as duas horas diárias, nem ultrapassará, no total, as duzentas horas anuais. 5- Excecionalmente, o período de trabalho suplementar poderá ultrapassar o limite estipulado no número anterior nos seguintes casos: a) Em serviço de desempanagem da viatura ou equipamento oficinal; b) Demoras provocadas pelo embarque ou desembarque de mercadoria. 6- Todo o trabalho suplementar é objeto de registo interno mediante o recurso a meios informáticos ou manuais.». Ora, comparando as sucessivas redações das citadas cláusulas, verificamos: - a redação da cláusula 26.ª permaneceu idêntica e nela se estabelece que a prestação de trabalho suplementar não poderá exceder as 2 horas diárias, nem ultrapassará, no total, as 200 horas anuais, salvo nas situações previstas nas alíneas do n.º 5, que, no caso sub judice, não consta que se tenham verificado. Acresce referir que os limites estabelecidos são aplicáveis a todos os trabalhadores (móveis e não móveis). Afinal, não compete ao intérprete distinguir o que os outorgantes dos instrumentos de regulamentação não distinguiram. - na redação da cláusula 21.ª/1 apenas se distingue que, no CCT/2018 a duração do trabalho semanal, incluindo o trabalho suplementar, não podia exceder 60 horas, nem 48 horas em média num período de 4 meses e, no CCT/2019, esse período foi alargado para 17 semanas. Todavia, o que importa relevar da cláusula 21.ª é que a mesma se reporta à duração do trabalho diário e semanal, com inclusão do trabalho suplementar que, porventura, seja efetuado e que os limites previstos nesta cláusula não afastam os limites estabelecidos na cláusula 26.ª. - finalmente, quanto à cláusula 61.ª, constata-se que as redações dos dois CCT’s que se comparam não são iguais . Contudo, para o que ora releva, o que importa frisar é que, não obstante na redação de 2019 tenha sido especificamente feita uma referência aos limites da duração do trabalho previstos na cláusula 21.ª, que anteriormente não existia, esses limites não se confundem com os limites anuais da prestação de trabalho suplementar consagrados na cláusula 26. ª. Uma coisa são os limites da duração do trabalho diário e semanal (que incluem a prestação de trabalho suplementar) e outra coisa são os limites anuais da prestação de trabalho suplementar. E quanto a estes últimos, há que atender, como bem se decidiu na sentença recorrida, ao estatuído na cláusula 26.ª de ambos os CCT’s. Ora, o que se nos afigura é que a retribuição especificamente prevista na cláusula 61.ª, em virtude de o tipo de trabalho prestado pelos motoristas que a cláusula abrange constituir «uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto», visa cobrir a eventual prestação de duas horas diárias de trabalho suplementar, com o limite de 200 horas anuais estabelecido pela cláusula 26.ª, n.º 4. Como se referiu no acórdão da Relação de Lisboa de 11-07-2024 (Proc. n.º 3045/23.9T8VFX.L1.4, acessível em www.dgsi.pt, o enfoque da cláusula 61.ª deslocou-se inequívoca e totalmente para o pagamento do trabalho suplementar dos trabalhadores por ela abrangidos, com um objetivo de criar um regime específico de trabalho dos motoristas, terminando-se assim com as diversas formas de pagamento do trabalho suplementar que anteriormente que existiam, criadas pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores – cf. n.º 7 e também o n.º 6 da cláusula 61.ª do CCT/2018. Sucede que a cláusula 61.ª não afasta os limites previstos na cláusula 26.ª. E o estatuído no n.º 3 da cláusula 61.ª no CCT/2019, parece-nos que deve ser interpretado no sentido de que o pagamento da retribuição especificamente prevista na cláusula pressupõe o respeito pelos limites temporais estabelecidos na cláusula 21.ª, mas se tais limites não forem cumpridos, então o trabalho deve ser pago como suplementar (ainda que não se alcance o limite de 200 horas estabelecido na cláusula 26.ª), porque aquela retribuição prevista na cláusula 61.ª já não cobre esse trabalho – cf. acórdão da Relação de Guimarães de 04-04-2024 (Proc. n.º 2640/20.2T8GMR.G1), consultável em www.dgsi.pt. Sucede que, no caso que se aprecia, o autor não veio alegar que o trabalho suplementar cujo pagamento reclama foi prestado com desrespeito pelos limites previstos na cláusula 21.ª. O que o autor alegou foi que prestou trabalho suplementar para além do limite anual de 200 horas, e peticionou o pagamento do “excesso” de trabalho prestado a título de trabalho suplementar, com fundamento na circunstância de a especifica prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª não cobrir esse esse trabalho. E tendo resultado demonstrado que o autor prestou o alegado trabalho suplementar para além das 200 horas anuais, bem andou a 1.ª instância em reconhecer os créditos reclamados. Em suma, improcede a primeira questão suscitada no recurso. 2. Sobre o subsídio de risco O tribunal a quo condenou a apelante a pagar ao apelado a quantia de € 15.107,16, atinente ao subsídio de risco reportado desde 2013 até o termo do contrato. O decidido estribou-se na seguinte fundamentação: «Como se mostra provado, o Autor foi contratado pela Ré para o exercício da categoria profissional de motorista afeto ao transporte de matérias perigosas. Com efeito, de 2002 a 2012, o Autor auferia uma retribuição específica dos motoristas afetos ao transporte de mercadorias perigosas, denominado “subsídio de risco”. Este subsídio é devido aos motoristas afetos ao transporte de mercadorias perigosas por cada dia que prestem trabalho efetivo; sendo que até setembro de 2018 correspondia ao valor diário de €4,88 e, a partir de então, a €7,50. A Ré pagou ao Autor o subsídio de risco referente a 239 dias de trabalho prestado em 2002, 242 dias em 2003, 243 dias em 2004, 249 dias em 2005, 268 dias em 2006, 248 dias em 2007, 251 dias em 2008, 265 dias em 2009, 253 dias em 2010, 235 dias em 2011 e 221 dias em 2012. Apesar da categoria profissional real do Autor ser a de motorista afeto ao transporte de matérias perigosas – pela regularidade com que realizava aquelas frotas–, a partir de 2012 a Ré deixou de lhe atribuir aqueles serviços, com a consequência de deixar de pagar ao Autor o subsídio de risco associado e de não suportar os custos com a renovação do ADR. No entanto, mesmo depois daquela data não só a Ré continuou com os serviços de transporte de matérias perigosas, como ainda contratou novos trabalhadores para exercer o transporte de matérias perigosas. Por não ter sido lícita a diminuição da retribuição nos termos sucedidos, deve a Ré ser condenada no pagamento da contrapartida monetária que deixou de pagar ao Autor. Se, em média, o Autor transportava matérias perigosas durante 247 dias, deve a Ré ser condenada na quantia global de €15.107,16 (quinze mil, cento e sete euros e dezasseis cêntimos) porquanto é devido ao Autor os seguintes montantes: De 2013 a setembro de 2018, era devido €4,88 por cada dia de trabalho efetivo, o que significa que deve ser pago ao Autor €7.232,16 (€4,88 x 1482 dias); A partir de outubro de 2018, é devido €7,50 por cada dia de trabalho efetivo, o que significa que deve ser pago ao Autor €7.875,00 (€7,50 x 1050 dias).». A apelante veio argumentar que esta condenação não tem qualquer fundamento legal ou convencional. Analisemos a questão. Mostra-se incontroverso que a apelante pagou ao apelado subsídio de risco até 2012 e que, desde 2013, deixou de proceder ao pagamento de tal prestação pecuniária. Quid júris? O CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE n.º 9, 1.ª série, de 8 de março de 1980 e demais alterações, que deixou de estar em vigor em 20 de setembro de 2018, prescrevia na sua cláusula 45.º-A: «1. Os motoristas habilitados com o certificado de formação válido, exigido nos termos do Regulamento Nacional de Transportes de Mercadorias Perigosas por Estrada, têm direito, quando realizem transporte de matérias perigosas, em cisternas, ou de gás embalado, a um subsídio de risco de Esc. 950$00 por cada dia em que prestem trabalho efetivo, independentemente da sua duração. 2. As empresas obrigam-se a efetuar um seguro adicional que por acidente no exercício das funções referidas no número anterior garanta ao trabalhador, em caso de invalidez permanente, ou a quem for por ele indicado, em caso de morte, a importância de dez milhões de escudos. 3. O disposto nos números anteriores produz efeitos a partir de 1 de Agosto de 1998.» Cf. BTE n.º 32, 1.ª série, de 29-08-1998.. O CCT/2018 estipulava na sua cláusula 55.ª: «1- Os motoristas habilitados com o certificado de formação válido, exigido nos termos do Regulamento Nacional de Transportes de Mercadorias Perigosas por Estrada, quando realizem transporte de matérias perigosas sujeito e não isento ao cumprimento do acordo ADR em vigor, têm direito ao subsídio de risco no valor constante do anexo III, por cada dia em que prestem trabalho efetivo, independentemente da sua duração. 2- As empresas obrigam-se a efetuar um seguro adicional que por acidente no exercício das funções referidas no número anterior garanta ao trabalhador, em caso de invalidez permanente, ou a quem for por ele indicado, em caso de morte, a importância de cinco mil euros.». Por fim, consagrou-se na cláusula 66.ª do CCT/2019: « Os motoristas habilitados com o certificado de formação válido, exigido nos termos do Regulamento Nacional de Transportes de Mercadorias Perigosas por Estrada, quando realizem transporte de matérias perigosas sujeito e não isento ao cumprimento do acordo ADR em vigor, têm direito ao subsídio de risco no valor constante do anexo III, por cada dia em que prestem trabalho efetivo, independentemente da sua duração.». O que resulta das cláusulas transcritas é que em todas elas ficou convencionado que o pagamento do subsídio de risco está sempre dependente da efetiva prestação de trabalho nas condições de risco que justificam a sua atribuição. Deste modo, se não for efetivamente prestado trabalho em tais circunstâncias não é devido tal subsídio, que foi fixado em valor diário. Ora, no caso que nos ocupa, depreende-se da factualidade assente que o apelado deixou de executar serviços de transporte de matérias perigosas a partir do ano de 2012. Ou seja, desde o início de 2013, o apelado não prestou efetivamente trabalho que preenchesse os pressupostos para o pagamento do referido subsídio. Como tal, a apelante não estava obrigada a pagar-lhe tal prestação pecuniária, pois não. se verificavam as circunstâncias que determinavam o pagamento de tal específico subsídio. Nesta parte, dissentimos, pois, do decidido na sentença recorrida. Por conseguinte, a sentença recorrida terá de ser revogada quanto à condenação proferida relativamente ao subsídio de risco e respetivos juros moratórios. - Concluindo, o recurso procede parcialmente.As custas do recurso deverão ser suportadas por ambas as partes, na proporção do decaimento – artigo 527.º do Código de Processo Civil. * V. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, e, em consequência, revogam parcialmente a sentença recorrida na parte que condenou a ré a pagar ao autor a quantia € 15.107,16, atinente ao subsídio de risco desde 2013 até ao término do contrato e respetivos juros moratórios. No mais, mantém-se a decisão recorrida. As custas do recurso deverão ser suportadas por ambas as partes, na proporção do decaimento. Notifique. Évora, 25 de outubro de 2024 Paula do Paço João Luís Nunes Mário Branco Coelho |