| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
| Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE CESSÃO DO RENDIMENTO DISPONÍVEL PRORROGAÇÃO DO PRAZO | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Sumário: | O requerimento de prorrogação do período de cessão deve ser apresentado antes de terminado o período de cessão cujo prolongamento se pretende. (Sumário da Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Insolvente: (…) Recorridos / Credores: (…), Servicios Financieros, SA e outros A Insolvente, aquando da sua apresentação à insolvência, formulou o pedido de exoneração do passivo restante. No âmbito do referido incidente, foi proferido despacho inicial, a 01/10/2021, fixando o rendimento disponível por referência ao que exceder 1 RMG, doze meses por ano, acrescido do montante mensal de €150, que a Insolvente despende a título de alimentos ao seu filho menor. A 28/11/2024, o Fiduciário apresentou relatório anual relativo ao estado da cessão, dando conta de que o valor em dívida ascende a € 18.080,47. Por despacho de 06/01/2025, no qual foi exarado que não ocorreu qualquer cessão de rendimentos por parte da insolvente, determinou-se a citação desta para, em 15 dias, proceder à entrega dos montantes em dívida, uma vez que terminou o período de cessão. O Fiduciário apresentou-se, em 24/03/2025, a esclarecer que não foi regularizado o montante em dívida, tendo sido entregues apenas € 1.150,00, que foram afetos ao pagamento de custas judiciais. A 19/03/2025, foi proferido despacho determinando o cumprimento do disposto no artigo 244.º/1, do CIRE. Tal despacho foi notificado à Insolvente, seguindo capeado por ofício com o seguinte teor: Assunto: Concessão da exoneração do passivo restante ou prorrogação do período de cessão (n.º 1 do artigo 244.º do CIRE) Fica V. Ex.ª notificado, na qualidade de Insolvente e relativamente ao processo supra identificado, para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor. O AI pugnou pela notificação à Insolvente para pagar o que permanece em dívida, sustentando que, caso permaneça em incumprimento, deve ser recusada a exoneração do passivo restante. II – O Objeto do Recurso A Insolvente apresentou-se a requerer, como alternativa à recusa da exoneração, a prorrogação do período de cessão, para que possa cumprir o disposto no artigo 239.º/4, alínea c), do CIRE. Invocou, para tanto, que não teve possibilidades de ceder o rendimento disponível, viu-se confrontada com doença e com a necessidade de arrendar casa para sua habitação, aufere € 1.557,57 de vencimento líquido, paga € 590,00 de renda de casa, pensão de alimentos de € 150,00 ao filho menor, e necessita de € 800,00 para os seus demais gastos mensais. Auscultados os Credores e o AI, pronunciou-se este no sentido de não se opor à prorrogação do período de cessão. Foi proferido despacho indeferindo a pretensão da Insolvente, determinando a notificação da mesma para, em 15 dias, regularizar a dívida da cessão. Tal decisão alicerçou-se na circunstância de o pedido ser extemporâneo, pois devia ter sido formulado até outubro de 2024, atento o disposto no artigo 242.º-A/1, do CIRE. Inconformada, a Insolvente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que defira a prorrogação do período de cessão. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «a) Por despacho de 19-03-2025, Ref.ª 101588163, a insolvente foi notificada para no prazo de 10 dias se pronunciar sobre a concessão da exoneração do passivo restante ou prorrogação do período de cessão, nos termos do n.º 1 do artigo 244.º do CIRE. b) A insolvente, requereu a prorrogação do período de cessão, como alternativa à recusa de exoneração do passivo restante, para que possa cumprir o disposto no artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE. c) Alegou a situação económica que a levou ao incumprimento quanto à entrega do rendimento disponível, e que, d) Nunca teve intenção de prejudicar os credores, requerendo nos dois primeiros anos de cessão, o pagamento da dívida em prestações, mas ainda assim não conseguiu, por ter tido um acréscimo nas suas despesas devido a doença e a aumento de despesas com a habitação. e) Não lhe foi possível regularizar a dívida à massa insolvente. f) Encontrando-se nesta altura com a sua vida estabilizada, com emprego fixo e ordenado que lhe permitem cumprir as suas obrigações quanto à cessão do rendimento, nos termos deferidos pelo douto despacho de 02/06/2023, Ref.ª 97368811. g) Sendo que o principal objetivo do processo de insolvência, é dar ao insolvente a possibilidade de recomeçar a sua vida, h) Veio requerer a prorrogação do período de cessão, para que possa cumprir o disposto no artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE. i) Requerimento esse que foi indeferido porque tal pretensão da prorrogação do período de cessão deveria ter sido requerida antes até outubro de 2024, antes de terminar o período de cessão. j) O requerimento foi entregue pela insolvente nos 10 dias que lhe foram concedidos para se pronunciar sobre a concessão de exoneração do passivo restante ou prorrogação de cessão ao abrigo do n.º 1 do artigo 244.º do CIRE. k) A notificação para se pronunciar foi-lhe efetuada em data muito posterior a outubro de 2024. l) Deverá ser-lhe concedida a prorrogação do período de cessão, nos termos requeridos, porque a insolvente tem nesta altura capacidade para cumprir, até porque, m) É o que tem sido decidido por maioria da jurisprudência, da qual podemos citar o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo n.º 35/13.3TBPVC.L1-1, de 06-12-2022, in https://trl.mj.pt/comercio-3-2-2-2-2-2-2-2/: “3. Encontrando-se o devedor em situação de incumprimento quanto à obrigação de entrega à fidúcia do rendimento disponível (artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE) formulando pedido de prorrogação do prazo de cessão já depois do terminus do período de cessão, esse pedido deve ser perspetivado no âmbito do artigo 244.º do CIRE, como alternativa à recusa de exoneração: o devedor pode, pois, deduzir o pedido no prazo de 10 dias que a lei lhe concede para se pronunciar quanto à decisão final de exoneração (n.º 1 do referido preceito).”» Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre apreciar a tempestividade do requerimento formulado pela Insolvente no sentido da prorrogação do período de cessão. III – Fundamentos A – Dados a considerar: os acima relatados. B – A questão do recurso Nos termos do disposto no artigo 235.º do CIRE, se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência se não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo. Entre essas disposições consta o artigo 239.º do CIRE, cujo n.º 2 estatui que o despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considere cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte. Trata-se de uma medida inovadora de proteção do devedor pessoa singular, permitindo que se liberte do peso das suas dívidas, podendo recomeçar de novo a sua vida.[1] Destina-se, pois, a promover a reabilitação económica do devedor a que alude o preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18 de março. Não descurando, no entanto, os interesses dos credores, tal regime impõe ao devedor a cedência do seu rendimento disponível a um fiduciário nomeado pelo tribunal, que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos itens enunciados no artigo 241.º/1, do CIRE, designadamente distribuindo o remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência. A exoneração do passivo restante corresponde a um instituto jurídico de exceção, pois que por via do mesmo se concede ao devedor o benefício de se libertar de algumas das suas dívidas e de por essa via se reabilitar economicamente, inteiramente à custa do património dos credores. A excecionalidade desse instituto exige que o recurso ao mesmo só possa ser reconhecido ao devedor que tenha pautado a sua conduta por regras de transparência e de boa-fé, no tocante às suas concretas condições económicas e padrão de vida adotado, à ponderação e proteção dos interesses dos credores, e ao cumprimento dos deveres para ele emergentes do regime jurídico da insolvência, em contrapartida do que se lhe concede aquele benefício excecional.[2] “Através deste instituto, após o património do devedor pessoa singular ter sido liquidado para pagamento aos credores, ou decorridos três anos após o encerramento do processo, as obrigações que, apesar dessa liquidação ou decurso desse prazo, não puderem ser satisfeitas, em lugar de subsistirem, são consideradas extintas (artigo 235.º).”[3] Confere-se-lhe tal possibilidade “em ordem a evitar que ficasse vinculado a essas obrigações até ao limite do prazo de prescrição, que pode atingir 20 anos (artigo 309.º do CC).”[4] Decorrido o período da cessão, proferir-se-á decisão sobre a concessão ou não da exoneração e, sendo esta concedida, ocorrerá a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que for concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados – cfr. artigos 244.º/1 e 245.º do CIRE. Não abrange, porém, os créditos por alimentos, as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor que hajam sido reclamados nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e os créditos tributários e da segurança social – cfr. artigo 245.º/2, alíneas a) a d), do CIRE. Destina-se a devedores pessoas singulares, permitindo alcançar os efeitos que, no plano do passivo remanescente à liquidação, se produzem no caso de devedores pessoas coletivas, uma vez que a declaração da insolvência acarreta a dissolução destas, resultando extintas com o registo do encerramento do processo após o rateio final (artigo 234.º/3, do CIRE). Nos termos do disposto no artigo 241.º-A do CIRE, pode ter lugar a prorrogação do período de cessão. Tal normativo estabelece a seguinte regulamentação: 1 - Sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 243.º, o juiz pode prorrogar o período de cessão, até ao máximo de três anos, antes de terminado aquele período e por uma única vez, mediante requerimento fundamentado: a) Do devedor; b) De algum credor da insolvência; c) Do administrador da insolvência, se este ainda estiver em funções; ou d) Do fiduciário que tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, caso este tenha violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência. 2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, sendo oferecida logo a respetiva prova. 3 - O juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão, e decretar a prorrogação apenas se concluir pela existência de probabilidade séria de cumprimento, pelo devedor, das obrigações a que se refere o n.º 1, no período adicional. Trata-se da possibilidade de o período de cessão ser prorrogado, até ao máximo de três anos, antes de terminado aquele período e por uma única vez.[5] «Com essa possibilidade de prorrogação procurou-se obter um regime mais equilibrado tendo em conta a redução do período de cessão de cinco para três anos. Desde logo porque a violação de obrigações pelo devedor durante esse período poderia torar inevitável a recusa da exoneração.»[6] Certo é que o requerimento de prorrogação deve ser apresentado antes de terminado o período de cessão.[7] Na verdade, prorrogar significa prolongar, tornar mais longo.[8] Tal como a prorrogabilidade dos prazos, prevista no artigo 141.º do CPC, tem que operar em tempo útil, isto é, enquanto não se mostrar esgotado o prazo[9], também se acompanha a citada doutrina no sentido de que o requerimento destinado a ver prolongado o período de cessão há de ser apresentado antes de esgotado tal período. No caso em apreço, o requerimento foi formulado a 03/04/2025. O período de cessão terminou a 01/10/2024. Logo, não assistia já à Insolvente o direito a requerer a prorrogação do período de cessão. Não colhe a argumentação esgrimida no sentido de que foi notificada para se pronunciar sobre a prorrogação da cessão. Como se alcança do despacho prolatado, que foi notificado à Insolvente, e do teor da comunicação que lhe foi endereçada, a notificação foi «para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor.»[10] Embora seja mencionado, no assunto da missiva, «concessão da exoneração do passivo restante ou prorrogação do período de cessão (n.º 1 do artigo 244.º do CIRE)», certo é que a notificação foi expressamente realizada para que a Insolvente se pronunciasse sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante. Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida. As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. * Évora, 2 de outubro de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Anabela Raimundo Fialho Maria Isabel Calheiros __________________________________________________ [1] Cfr. Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis 2005, pág. 167. [2] Cfr. Ac. TRC de 07/03/2017 (Jorge Manuel Loureiro). [3] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ob. cit., pág. 327. [4] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ob. e loc. cit.. [5] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ob. cit., pág. 341. [6] Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, 4.ª edição, pág. 646. [7] Cfr. Alexandre de Soveral Martins, ob. cit., pág. 647. [8] Cfr. dicionário.priberam.org.pt. [9] Cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (GPS), CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 177. [10] Cfr. notificação de 19/03/2025. |