Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | CLARA FIGUEIREDO | ||
| Descritores: | PENAS DE PRISÃO SUSPENSAS NA EXECUÇÃO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 12/18/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I - As penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída. Daqui decorre que na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução. II - Outro entendimento, consubstanciado na aplicação de idêntico prazo – o de 4 anos previsto na alínea d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP – a todas as penas de prisão suspensas na sua execução, independentemente da sua gravidade, conduziria a situações incongruentes, totalmente desajustadas e contrárias à unidade do sistema jurídico que o legislador não terá, seguramente, querido prever. III - As condenações pela prática de crimes no período da suspensão, associada à constatação da manutenção do padrão de comportamento criminógeno, não deixou ao tribunal a quo margem para qualquer outra decisão que não fosse a revogação da suspensão da execução da pena, pois que a reiteração das condutas criminosas, iniciada cerca de um ano depois do trânsito em julgado da decisão condenatória que nos presentes autos concedera ao condenado um voto de confiança, demonstrou que o mesmo não interiorizou o desvalor das condutas ilícitas por si praticadas, enquadradas num percurso criminal demasiado longo e pesado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório. Nos presentes autos de processo comum coletivo que correm termos no Juízo Central Cível e Criminal de … – J… do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o nº 913/11.4PBEVR, foi o arguido AA, identificado nos autos, condenado pela prática, em concurso efetivo e em coautoria material, de: - Um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 1, alínea b), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Um crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) e n.º 3 do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão; - E, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de o arguido, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultasse do plano de reinserção social a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social. * Por decisão proferida em 20.06.2023 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido havia sido condenado e determinado o seu cumprimento. * Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “I. O arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado em uma pena de 3 anos e 6 meses e um crime de falsificação de documento 3 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena de única 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, sujeito à condição de pagar aos lesados a indemnização fixada e a regime de prova. II. Ora, o douto Acórdão transitou em julgado em 21.05.2014. III. Preceitua o artigo 122º, nº2 do CP que o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a tiver aplicado, no presente caso em 21.05.2014, estando sujeito às causas de suspensão e interrupção previstas nos artigos 125º e 126º do CP, data em que se interrompeu o prazo prescricional. IV. Tendo em conta o artigo 126º, nº3 do CP, a execução da pena prescreveu em 21.05.2020. V. O arguido, nesse período, cumpriu os deveres que lhe foram impostos bem como foi sujeito ao regime de prova. VI. Atento o disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. d), do CP, o prazo de prescrição da pena aplicada ao Arguido é de 4 anos, iniciando-se a contagem de tal prazo a partir do termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, a partir de 21.05.2019. VII. Não ocorreu qualquer causa de suspensão da prescrição, nos termos do art.º 125.º, do CP, nem ocorreu qualquer causa de interrupção da prescrição, nos termos do art.º 126.º, do CP. VIII. Assim e atento o exposto, forçoso é concluir que a pena em que o Arguido foi condenado prescreveu em 21.05.2023. IX. Ora salvo o devido respeito, por superior e melhor opinião, com a execução da pena suspensa, interrompe-se o prazo da prescrição dessa pena autónoma (126º nº 1 al. a do CP), que volta a correr após o seu término, aplicando-se, neste caso o disposto no artigo 122º nº 2 do CP (4 anos) e não a al. c) do nº 1 do artigo 122º do CP. X. Logo se findo o período da suspensão da execução da pena (decorrerem mais de 4 anos sem que haja lugar à revogação da mesma não se inicia novo período de suspensão da prescrição dessa pena, mas tão só da «nova» pena, a principal, se entretanto, durante esse período de 4 anos a ela houver lugar. XI. E isto porque só com essa «nova pena» a prescrição volta e pode começar a correr até à sua execução (125º nº 1 al. a) a contrario e 126º nº 1 al. a) do CP. XII. Dessa autonomia decorre, pois, a sua necessária sujeição a prazo prescricional próprio, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída (cfr., entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 26.10.2010, da Relação do Porto, de 12.11.2014 e da Relação de Évora de 25.09.2012), no caso de 4 anos. XIII. Assim, o prazo prescricional iniciou-se em 21.05.2014, data em que transitou em julgado a decisão condenatória respectiva, nos termos do artº 122º, nº 2 do Cod. Penal, interrompeu-se com a sua execução – artº 126º, nº 1, al. a) do Cod. Penal, e, portanto, decorrido o período da suspensão, isto é, em 21.05.2019, reiniciou-se novo prazo prescricional de 4 anos que terminou em 21.05.2023. XIV. Uma tal insegurança e incerteza, repercutíveis na paz jurídica que deve ser inerente ao inflexível decurso do tempo, aliadas à objectiva diminuição de garantias de defesa dos arguidos, mostram-se incompatíveis com os princípios constitucionalmente acolhidos nos artigos 2º, 18º, nº 2, 29º e 32º, nº 2, da Constituição, e o conjunto normativo resultante das normas constantes dos arts. 57º e 125º nº 1 al. c) do CP se forem interpretados normativamente, no sentido de «Tendo em conta a pena de prisão em concreto aplicada ao arguido, o prazo da prescrição da mesma é de 10 anos – cfr. artigo 122º, n.º1, alínea c), do Código Penal. XV. Concluindo, no caso presente, reiniciado o prazo prescricional da pena de substituição e não tendo ocorrido qualquer factualidade das que a lei integra como causa interruptiva ou suspensiva da mesma, nos termos dos art.ºs 125º e 126º do CP, o prazo de prescrição desta pena completou-se em 21.05.2023. XVI. Assim, do exposto, e porque inexistem dúvidas quanto à aplicação do aludido prazo de prescrição de 4 (quatro) anos e quanto ao momento de início de contagem daquele, e porque não verificadas quaisquer causas de suspensão e/ou interrupção da prescrição, claro se torna para nós que já foi atingido o prazo de prescrição da pena aplicada. XVII. O douto despacho recorrido está ferido de nulidade insanável conforme jurisprudência acima citada. XVIII. Conforme se motivou e para aí integralmente se remete, os crimes que implicam a revogação já distam mais de 7 anos desde prática dos mesmos, ou seja: mais que o prazo de suspensão da presente pena!... e mais de 12 anos sobre a prática dos factos do presente processo, com ressarcimento total e voluntário às vítimas dos presentes autos, sendo a última condenação em pena suspensa. XIX. O despacho recorrido por erro e errada interpretação da lei, violou as normas acima indicadas.” Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a declaração de extinção da pena cuja suspensão a decisão recorrida revogou. * O recurso foi admitido. Na 1.ª instância o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. Afigura-se ao Ministério Público que o prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido AA nos presentes autos – cinco (5) anos de prisão, suspensa na sua execução por cinco (5) anos- é de quinze (15) anos, conforme julgado no despacho que admitiu o recurso, de harmonia com o disposto no artº 122º, nº 1, al. b), do Cód. Penal. 2. Nesse sentido, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.02.2018, proferido no Proc. nº 125/97.8IDSTB-A.S1., em que se decidiu relativamente a esta questão: «II - Não é defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na la. d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão). Meter no mesmo caldeirão, da citada al. d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5, do CP – prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa. Na al. d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas als. anteriores.» 3. Na alínea d), do nº 1, do artº 122º, do Cód. Penal cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.» 4. Seguindo esse entendimento haverá de concluir-se como no despacho que admitiu o recurso, no sentido de que a pena aplicada ao recorrente nos presentes autos não se encontra prescrita. 5. Tanto mais que durante os cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado do Acórdão que a aplicou o prazo de prescrição esteve suspenso na sua execução, de harmonia com o disposto no artº 125º, nº 1, al. a), do Cód. Penal. 6. E desde 18.08.2021 o arguido encontra-se preso à ordem do Proc. nº 23/20.3…, em cumprimento da pena que lhe foi aplicada nesses autos, pelo que, desde então, verifica-se, também a suspensão do prazo de prescrição da pena, ao abrigo do disposto na al. c), do nº 1, do artº, 125º, do Cód. Penal. 7. Tendo o arguido AA sido condenado no presente processo pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1 e 204.º, n.º1, alínea b), do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas b) e e), e n.º 3, do Código Penal, por subtrair a quantia de cerca de €5.020,00, com utilização de um veículo automóvel com a matrícula falsificada -cfr. matéria de facto provada no Ac. de fls. 269 e segs., e 8. Cerca de um ano após o trânsito em julgado dessa sua condenação, praticou um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 e um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. b), e) e f), ambos do Cód. Penal, pelos quais foi condenado na pena única de três anos e quatro meses de prisão – apropriou-se, por esticão de diversos bens de terceiros, de valor superior a €1.800,00, com utilização de um veículo automóvel, com a matrícula falsificada (Proc. nº 11/15.1…), e 9. Em Dezembro de 2016, voltou a utilizar um veículo automóvel com a matrícula falsificada, factos que determinaram a sua condenação no Proc. nº 386/16.5…, na pena de um ano e três meses de prisão efectiva. 10. Todos esses factos foram cometidos no decurso da suspensão da execução da pena aqui aplicada. 11. Considerando ainda que do C.R.C. do arguido constam duas outras condenações anteriores pela prática dos crimes de furto e uma outra pelo crime de falsificação, todas em penas de multa. 12. Conclui-se que o arguido AA revela um padrão que consiste em apropriar-se de bens de terceiros, de forma sub-reptícia ou à força, com utilização de veículos automóveis com matrículas falsificadas, desconsiderando a segurança e a integridade física dessas pessoas, não sendo a sucessivas condenações suficientes para o levar a reflectir e a ter em conta os direitos de terceiros. 13. A sucessão de actos praticados pelo arguido mostra-se deveras impressiva no sentido da inutilidade das advertências que lhe foram realizadas através das sucessivas condenações – nos presentes autos em pena de prisão suspensa na sua execução- para afastarem o arguido da prática de novos actos de idêntica natureza, pois, assim não fora, volvido um ano após a sua condenação neste processo, por certo não teria reincidido na prática de factos de semelhante natureza, revelando, por essa forma que a finalidade que presidiu à suspensão da execução da pena nos presentes autos não foi alcançada. 14. Factos que voltou a repetir no final de 2016 e que determinaram a sua condenação em pena de prisão efectiva. 15. Estão integralmente preenchidos todos os pressupostos estabelecidos no art.º 56º, nº. 1, al. b), do Cód. Penal, pelo que deve ser revogada a suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos.” * O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso. * Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, tendo o recorrente apresentado resposta ao parecer, na qual reiterou a argumentação relativa à prescrição da pena. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação. II.I Delimitação do objeto do recurso. Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso. Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida. No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir: - Caso se conclua pela competência desta instância de recurso para conhecer da exceção de prescrição da pena invocada, a título de questão, prévia pelo recorrente, determinar se a pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada nos presentes autos se encontra prescrita. - Concluindo-se pela inexistência de prescrição, determinar se se verificam os pressupostos legais relativos à revogação da suspensão da execução da pena de prisão conforme decidido pelo Tribunal “a quo”, ou se, ao invés, os critérios legais, aplicados à situação do recorrente, imporiam a extinção da pena cuja suspensão a decisão recorrida revogou. *** II.II - A decisão recorrida. Em 13.10.2022 foi proferida a decisão recorrida, com o seguinte conteúdo: “(…) Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, por acórdão proferido em 02.07.2013, transitado em julgado em 21.05.2014, foi decidido: “a) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 1, alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; c) Em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão. Nos termos dos artigos 50.º, 51.º, n.º 1, alínea b), 53.º e 54.º, suspender a execução da pena de prisão pelo período de cinco anos, sujeito à condição de o arguido no mesmo período pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultar do plano de reinserção social a elaborar; d) Julgar o pedido cível da BB deduzido contra o demandado AA, procedente, por provado e, em consequência, condenar o demandado no pagamento do montante de € 5.020,72 (cinco mil e vinte euros e setenta e dois cêntimos), acrescidos de juros, calculados à taxa legal, desde a data da prática dos factos citação até integral e efectivo pagamento; e) Julgar o pedido cível de CC, deduzido contra o demandado AA, procedente, por provado e, em consequência, condenar o demandado no pagamento do montante de € 4.807,33 (quatro mil, oitocentos e sete euros e trinta e três cêntimos), acrescidos de juros, calculados à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento, porque só nesse momento a obrigação se tornou líquida e do conhecimento do demandado.” Os factos pelos quais o arguido foi condenado nos autos reportam-se, em breve síntese, à subtração da quantia de cerca de €5.020,00, com utilização de um veículo automóvel com a matrícula falsificada - cfr. matéria de facto provada no acórdão proferido nos autos, constante de fls. 269 e seguintes dos autos. A fls. 694 dos autos, a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais veio informar que o arguido cumpriu o plano de reinserção social previamente delineado. A fls. 742 dos autos, a sociedade DD declarou ter recebido, do arguido, o pagamento integral do montante indemnizatório a que o mesmo foi condenado. A fls. 746 dos autos, a sociedade BB declarou ter recebido, do arguido, o pagamento integral do montante indemnizatório a que o mesmo foi condenado. Porque o arguido cometeu factos ilícitos típicos durante o período de suspensão da execução da pena privativa da liberdade, o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu que fosse concedida ao mesmo a oportunidade para o exercício do contraditório e, após, determinada a revogação da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal – Referência Citius n.º …, de 22.11.2020. Em resposta, veio o arguido, pugnar pela extinção da pena aplicada ou, caso assim não se entenda, pela prorrogação do prazo da mesma, invocando que a revogação da suspensão por cometimento posterior de novo ilícito criminal não opera de forma automática; que padece de doença grave; que indemnizou as vítimas; que tem consciência de que errou; e que a última condenação sofrida foi em pena de prisão suspensa na sua execução – Referência Citius n.º …, de 14.12.2020. Em 15.01.2021 foi proferida decisão que revogou a suspensão da pena em que o arguido foi condenado e, em consequência, determinado o cumprimento da pena de prisão. A qual veio a ser revogado por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.02.2022, que determinou a audição pessoal do arguido. Procedeu-se à audição do técnico da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais conforme consta da acta de 11.07.2022 e do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, conforme documenta a acta de 08.05.2023. Nesse âmbito, o arguido referiu, em breve súmula, que os factos praticados no período da suspensão ocorreram num período conturbado do seu relacionamento conjugal, que o levou a se desorientar e a cometer crimes, acrescentando que padece, actualmente de várias doenças, incluindo de …. O Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se sobre a situação jurídico-penal do arguido, promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, mormente reiterando os termos da promoção de 26.10.2020. O arguido teve oportunidade para se pronunciar, no entanto, em face do supra expendido, veio, nos termos do artigo 63.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, retirar eficácia ao acto praticado pela S/ Ilustre Defensora Oficiosa. Cumpre decidir: Decorre do artigo 50.º do Código Penal, que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A suspensão da execução da pena de prisão assume, assim, contornos reeducativos e pedagógicos e deve ser decretada quando o Tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal e tem lugar sempre que for possível um juízo de prognose social favorável ao arguido. No caso em apreço, tal assim sucedeu, tendo o Tribunal suspendido a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado. * Compulsados os autos constata-se que o arguido procedeu ao pagamento das quantias devidas aos lesados e cumpriu com o regime de prova homologado. Porém, constata-se igualmente que: - Por acórdão proferido em 18.10.2017, transitado em julgado em 03.06.2019, foi o arguido condenado nos autos de Processo Comum Colectivo n.º 386/16.5…, pela prática, em 02.12.2016, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; - Por acórdão proferido em 06.11.2019, transitado em julgado em 12.10.2020, foi o arguido condenado nos autos de Processo Comum Colectivo n.º 11/15.1.., na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, pela prática em 08.01.2015, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b), e) e f) do Código Penal. Em síntese, os factos em questão reportam-se: - No processo comum colectivo n.º 386/16.5… à utilização de veículo automóvel com matrícula falsificada e - No processo comum colectivo n.º 11/15.1… apropriou-se, por esticão de diversos bens de terceiros, de valor superior a €1.800,00, com utilização de um veículo automóvel, com a matrícula falsificada (cfr. matéria de facto provada neste processo). Dispõe o artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. Por seu turno, o artigo 57.º, n.º 1 do Código Penal, preceitua que “a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado. Contudo, tal revogação pressupõe uma análise casuística dos respectivos pressupostos. A revogação da suspensão da execução de pena de prisão pode assentar no incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostas no plano de reinserção social, por um lado, ou no cometimento de crime e respectiva condenação, tendo sempre como pressuposto que, nos termos dos preceitos legais supracitados, a conduta do condenado seja reveladora de uma culpa qualificada. Por violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos há-de entender-se a actuação indesculpável em que o comum dos cidadãos não incorre, que não merece, por isso, ser tolerada. O juízo sobre a revogação da suspensão da pena há-de decorrer de uma manifesta violação dos deveres impostos ao condenado que mostre inequivocamente uma frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena. A revogação da suspensão da execução da pena de prisão nunca é de aplicação automática, não bastando a prática de um novo crime, questão que nos ocupa nos presentes autos, para se proceder à revogação da suspensão, como se se tratasse tão só do preenchimento de um pressuposto formal. Ao contrário, impõe-se, além de tal ocorrência, aferir se a prática desse crime pôs em causa, definitivamente, o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, ou seja a expetativa de que através da suspensão se manteve o condenado no futuro, afastado da criminalidade. A prática de um crime durante o período em que vigorava a suspensão da pena, só deve constituir causa de revogação dessa suspensão quando essa prática em concreto (tendo em conta o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a gravidade da situação, entre outros) se demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, se “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas”. Trata-se de formular um juízo de prognose sustentado em factos ocorridos no passado, que permitem um juízo de previsibilidade de uma ação ou de um comportamento futuro. Nesse sentido, o juízo de prognose a efectuar pelo tribunal deve permitir-lhe concluir favorável ou desfavoravelmente do passado e do presente para o futuro relativamente à conduta de quem está em causa. Como escreve Figueiredo Dias quanto a esta questão “(O) critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al.ª b) do n.º 1 (“e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”) refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas” (Figueiredo Dias, Actas CP/Figueiredo Dias, 1993: 66 e 469, apud PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo – Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; Universidade Católica Editora, Lisboa, Dezembro de 2008, pág. 236).” Decorre do exposto, que a revogação da suspensão da execução da pena pela prática de crime deverá ter por fundamento factos que atestam o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, ou seja, a infirmação da esperança de, por meio da suspensão da execução da pena, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. * Revertendo ao caso apreço, pode ler-se no acórdão proferido nos autos, como fundamento da suspensão da execução da pena: “Sem prejuízo, tendo em consideração as penas anteriormente aplicadas ao arguido, que indiciam actos de “pequena criminalidade” face às penas aplicadas, a idade do arguido, e confiando na ressocialização do arguido, afigura-se que a ameaça da prisão será suficiente a assegurar as finalidades da punição. Todavia, e em face da factualidade que resultou provada, entende-se que a mesma deverá ser sujeita à condição do ressarcimento dos danos provocados.” Daqui se retira que a suspensão teve por base as necessidades de prevenção especial, expressas quer na idade do arguido no sentido de que face à sua idade tal condenação seria suficiente para que o mesmo não voltasse a cometer ilícitos criminais, quer nas suas anteriores condenações, que se entendeu serem menos relevantes. Teve-se em consideração, do ponto de vista da prevenção geral, que a pena suspensa e o castigo que a mesma envolve, satisfaria o sentimento jurídico da comunidade, confiando-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão impediriam o arguido de cometer outros ilícitos criminais. Não obstante o que fica consignado no parágrafo antecedente, é de considerar, com maior relevância, que o arguido foi condenado pela prática de factos ilícitos típicos cometidos durante o período de suspensão da execução da pena de prisão fixada nos presentes, mais concretamente, volvidos menos de oito meses após o trânsito em julgado da sua condenação nos presentes autos (21.05.2014), o arguido veio a praticar os factos pelos quais foi condenado no Processo Comum Colectivo n.º 11/15.1…, designadamente, em 08.01.2015, de um crime de roubo, o qual se reveste até de natureza mais gravosa do que os crimes pelos quais foi condenado nos presentes autos e de um crime de falsificação de documento, ilícito esse pelo qual já fora condenado nos presentes autos e, em 02.12.2016, ou seja, decorridos cerca de dois anos e meio após o trânsito em julgado do acórdão proferido nos presentes autos, praticou um crime de falsificação de documento, pelo que foi condenado no Processo Comum Colectivo n.º 386/16.5…, crime idêntico a um dos crimes pelo qual foi condenado nos autos. Ora os factos pelos quais foi condenado e que praticou no período da suspensão aplicada nestes autos foram praticados em pleno período de suspensão da execução da pena, sendo irrelevante que as condenações só posteriormente tenham tido lugar, pois para efeitos de apreciação o que assume relevo é, efectivamente, a data da prática dos factos. A prática de tais factos, atenta a similitude entre si e com os que foram praticados nos autos e a respectiva gravidade, demonstra claramente que nem as necessidades de prevenção especial foram atingidas, nem as necessidades de prevenção geral resultaram salvaguardadas com a suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado nos autos, pois tal não se revelou suficiente para o afastar do cometimento de ilícitos de natureza até mais grave do que aqueles pelos quais foi condenado. Daqui resulta manifestamente que o arguido não interiorizou o desvalor ínsito à conduta que motivou a sua condenação nos presentes autos, ignorando, de resto, o teor da decisão que o sancionou e, mais concretamente, desvalorizando a possibilidade de ulterior execução da pena de prisão, o que torna evidente que resulta integralmente esbatido o juízo de prognose que em seu abono havia sido delineado no âmbito da sentença dos presentes autos. Assim, se é certo que a revogação da suspensão por cometimento posterior de novo ilícito criminal não opera de forma automática, o juízo que se deixa expresso atesta, por si só, que o Tribunal aprecia criticamente a conduta do arguido resultante dos factos que motivaram as suas condenações posteriores, apenas conclui de modo diverso do arguido. Não se pode deixar de reter que o desiderato das penas se atém, para além da tutela do bem jurídico, à reintegração do agente do facto delituoso, devendo as entidades que integram o Estado, mormente os tribunais, promoverem essa reintegração, mas não se pode deixar de consignar que o esforço de reintegração não deve unicamente provir das autoridades públicas, não prescindindo da essencial colaboração do condenado nesse sentido. Ora, no caso em apreciação esse esforço não foi prosseguido por AA, tendo este delineado um caminho em sentido vincadamente inverso, reiterando uma conduta delituosa e evidenciando manifesta insensibilidade por referência aos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras que motivaram a sua condenação (em todos os processos judiciais) e, em especial, perante as vítimas, não obstante as ter ressarcido (sendo que nos presentes autos tal configurava uma injunção da suspensão). Por outro lado, como refere o Digno Magistrado do Ministério Público na promoção a que se aludiu supra, o arguido AA revela um padrão de actuação que consiste em apropriar-se de bens de terceiros, de forma sub-reptícia ou à força, com utilização de veículos automóveis com matrículas falsificadas, desconsiderando a segurança e a integridade física dessas pessoas, não tendo sido as sucessivas condenações suficientes para o levar a reflectir e a ter em conta os direitos de terceiros. Com efeito, a sucessão da prática de actos pelo arguido, designadamente os suprarreferidos e acima descritos, mostra-se deveras impressiva no sentido da inutilidade das advertências que lhe foram realizadas através das sucessivas condenações. No que concerne à alegação do arguido de que tem consciência de que errou, sempre se dirá que não está em causa o eventual juízo crítico que o arguido afirma possuir acerca dos factos perpetrados porquanto a factualidade descrita e toda a conduta do arguido desmentem tal afirmação – caso tivesse juízo crítico não teria cometido, em pleno período de suspensão da execução da pena outros factos ilícitos, inclusivamente de natureza mais gravosa. Quanto à circunstância de ter indemnizado as vítimas, a verdade é que o arguido não fez mais do que a sua obrigação, tanto mais que, nos presentes autos, como se referiu supra, se tratava do cumprimento de condição imposta. Cumprindo ter em mente que a revogação da suspensão da execução da pena pode ter por fundamento, para além do incumprimento das condições impostas, o cometimento de novos crimes, como é o caso, tratando-se, obviamente de pressupostos e fundamentos diferentes que não se anulam. Já no que concerne à circunstância de o arguido padecer de doenças, incluindo doença grave, certo é que nada foi junto aos autos que ateste tal afirmação, sendo certo que tal argumento não se coloca nesta fase. Não se olvidando quanto ao argumento de que os últimos factos praticados ocorreram em 2016, que o arguido esteve em reclusão até 07.10.2020. Por fim, e no que concerne ao facto de a última condenação imposta ao arguido ter sido em pena de prisão suspensa, a verdade é que tal decisão só produz efeitos no próprio processo e em nada vincula os autos, sempre se podendo argumentar, em sentido contrário, que tal assim não sucedeu relativamente à condenação que precede tal condenação… Argumenta também o arguido, em seu abono, a sua idade. Ora, o arguido já beneficiou de tal argumento aquando da prolação do acórdão proferido nos autos, sendo certo que nem a idade o afastou do cometimento de novos ilícitos. Encontra-se, pois, por todos os fundamentos infra consignados, infirmado o juízo que à data da suspensão da execução da pena foi levado a cabo nos presentes autos, inexistindo qualquer fundamento legal para a sua prorrogação. Cumpre, assim, enfatizar que o arguido cometeu crimes que manifestamente revelam que as necessidades ínsitas à suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos vertentes autos não se lograrão por essa via, sendo necessário o cumprimento (efectivo) da pena de prisão. É manifesto, para o comum dos cidadãos, que ao incorrer na prática de novos ilícitos, alguns idênticos aos dos presentes autos outro mais gravoso ainda, decorrido menos de oito meses do trânsito em julgado do acórdão proferido nos autos, e voltando-o a fazer dois anos e meio depois, o arguido deliberadamente adoptou uma conduta altamente reprovável, reveladora de uma atitude de total indiferença pela pena em que foi condenado, impondo-se a revogação da suspensão da pena, o que se decide. Em face de todo o exposto e do quadro legal aplicável, revogo a suspensão da pena em que o arguido AA foi condenado e, em consequência, determino o cumprimento da pena de prisão. (…)” *** II.III - Apreciação do mérito do recurso. A) Do conhecimento oficioso da exceção de prescrição da pena. Defende o Ministério Público na sua resposta ao recurso, relativamente à questão prévia suscitada pelo recorrente, que “(…) O arguido vem, como questão prévia, suscitar a prescrição da pena a que foi condenado nos presentes autos. Trata-se de questão que não foi sequer suscitada no despacho recorrido, sobre a qual o Tribunal de primeira instância não se pronunciou e, como tal, não pode constituir objeto do recurso, pelo que quanto a ela o recurso não pode ser admitido, por violação do disposto, no artº 399º, do C. P. P.(…)”. Não subscrevemos, porém, tal entendimento. Com efeito, no presente recurso vem arguida a exceção de prescrição, exceção que, a verificar-se, deveria ter sido oficiosamente apreciada pelo tribunal recorrido. Como sabemos, a prescrição é de conhecimento oficioso, devendo ser conhecida em qualquer fase do processo e em qualquer tribunal, pelo que nenhuma dúvida poderá restar de que este tribunal está habilitado a apreciá-la. Se é certo que, conforme implicitamente se encontra alegado na referida resposta apresentada pelo Ministério Público, a missão do tribunal de recurso é a de reapreciar, ou seja, a de analisar se as questões apreciadas pelo tribunal de que se recorreu foram bem ou mal decididas, não é menos verdade que a discordância em relação à decisão recorrida poderá sustentar-se na falta de apreciação de questões cujo conhecimento se impunha – quer por haverem sido atempadamente alegadas, quer por serem de conhecimento oficioso – e cuja decisão condiciona necessariamente o sentido da decisão final. É manifestamente o que sucede “in casu”, pois que, caso a exceção de prescrição da pena tivesse sido apreciada na decisão recorrida (1), a sua verificação teria determinado o arquivamento dos autos, sendo que a eventual procedência de tal exceção nesta sede recursiva, terá como consequência, a revogação da decisão recorrida e o consequente arquivamento dos autos. Nenhuma razão vislumbramos, pois, para não se conhecer da questão prévia suscitada no recurso, o que faremos de seguida. * Propugna o recorrente que a pena de prisão suspensa na sua execução na qual foi condenado se encontra prescrita, sustentando para tanto que aquando da prolação da decisão recorrida, que procedeu à revogação da suspensão, já a prescrição daquela pena de substituição havia ocorrido pelo decurso do prazo de 4 anos previsto no artigo 122.º, n.º1, alínea d), do CP. Vejamos. A posição do recorrente ancora-se no entendimento que durante vários anos foi sendo maioritariamente defendido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores (2), segundo o qual a suspensão da execução da pena, sendo ela própria uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão, se encontra sujeita ao decurso da prescrição de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º1, alínea d), do CP, contando-se tal prazo desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, sem prejuízo das causas de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º do CP, nas quais se inclui a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão. De tal construção resulta que a pena suspensa na sua execução prescreveria se o processo estivesse pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do CP. Apontam os defensores de tal entendimento os seguintes argumentos: - A extinção da pena substitutiva de suspensão de execução da pena não é automática. Nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do C P, terá que ser declarada depois de decorrido o prazo da suspensão e desde que se verifique que não há motivos que possam conduzir à sua revogação; - Não podendo o condenado ficar indefinidamente à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a mesma seja revogada, o decurso do prazo de prescrição de tal pena autónoma de substituição constitui o único limite temporal a ter em conta para ambas as situações; - Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, também ele autónomo, relativamente ao prazo de prescrição da pena principal substituída, que não poderá deixar de ser o prazo residual de 4 anos previsto na alínea d) do artigo 122.º, n.º 1 do CP. Concordamos com a premissa estabelecida por tal linha argumentativa relativa à qualificação dogmática da natureza da suspensão da execução da pena como pena de substituição, autónoma relativamente à pena substituída. Sufragamos também a inaceitabilidade de o condenado ficar indefinidamente à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a mesma seja revogada, constituindo o decurso do prazo de prescrição de tal pena autónoma de substituição o único limite temporal a ter em conta para ambas as situações. Não subscrevemos, porém, a conclusão – apresentada como uma consequência lógica decorrente da natureza autónoma da pena em causa – de que o prazo de prescrição aplicável a todas as penas de suspensão de execução da pena de prisão não poderá deixar de ser o prazo residual de 4 anos previsto na alínea d) do artigo 122.º, n.º 1 do CP. A este propósito comungamos totalmente das razões explanadas no acórdão do STJ de 2018, relatado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt – aresto que rompeu com a corrente jurisprudencial que até então se vinha sedimentando de forma praticamente unânime na jurisprudência nacional – e que foram sendo acolhidas na orientação que, mais recentemente, tem vindo a delinear-se na jurisprudência das Relações (3). Pela sua clareza e pertinência, impõe-se que atentemos no texto do mencionado acórdão do STJ (4): “(…) parece ser consensual que o prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena (v. n.º 2 do art. 122.º CP). Já menos consensual parece ser o do prazo de prescrição das penas de prisão suspensas na sua execução. A pena de suspensão da execução da pena de prisão[1] é uma pena de substituição[2], sendo estas actualmente configuradas como verdadeiras penas autónomas (Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, 1993, pág. 329). A pena de suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, pode terminar pelo seu cumprimento após o decurso do prazo (art. 57.º do CP) ou pode terminar por força da sua revogação (art. 56.º do CP). Uma pena só é de substituição enquanto subsiste, enquanto substitui. A partir do momento em que é revogada (é a hipótese a considerar nestes autos), estamos perante uma pena de prisão pura e simples, isto é, perante a pena substituída. Não se nos apresenta defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na alínea d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão)[3]. Meter no mesmo caldeirão, da cit. alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5 do CP--prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do cit. art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa[4]. Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores. (…)” Parecem-nos absolutamente válidas as razões explanadas no excerto transcrito. Com efeito, sem pôr em causa a incontroversa natureza da suspensão da execução da pena como pena de substituição autónoma, e sendo também certo que a lei não estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada ou declarada extinta a suspensão, designadamente nos artigos 56.º e 57.º do CP, não contestamos que o decurso do prazo de prescrição de tal pena autónoma de substituição constitui o único limite temporal a ter em conta para ambas as situações. Porém, a nosso ver, e ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, tal prazo prescricional não poderá ser o de 4 anos previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do CP. Como é sabido, tal preceito legal, a mais de não distinguir as penas de prisão efetiva e as penas de prisão suspensas na sua execução – na referência que faz às penas de prisão nas alíneas a), b) e c) do nº 1 – estabelece diferentes prazos de prescrição em função da gravidade das penas. Ora, nem todas as penas de prisão suspensas na sua execução têm o mesmo grau de gravidade, pelo que não seria adequado, revelando-se até contrário à ratio da lei, aplicar a todas elas o mesmo prazo de prescrição de 4 anos estabelecido residualmente para as penas menos gravosas. Mais consentâneo com a citada norma penal se revela, pois, o entendimento de que o prazo de prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão deverá aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena principal substituída. Parece-nos, ademais, que a aplicação de idêntico prazo – o de 4 anos previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 122º do CP – a todas as penas de prisão suspensas na sua execução, independentemente da sua gravidade, conduziria a situações incongruentes, totalmente desajustadas e contrárias à unidade do sistema jurídico que o legislador não terá, seguramente, querido prever. O caso dos autos constitui, aliás, exemplo paradigmático de tal desadequação, pois que a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, que ao recorrente aqui foi aplicada, com a gravidade que reveste, prescreveria no curto período de 4 anos, sendo esse exatamente o mesmo período temporal cujo decurso determinaria a prescrição de uma pena muitíssimo menos gravosa como seria uma pena de multa ou uma pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por 1 ano. Pensamos não ter sido certamente este desajuste que a lei quis acolher na previsão do artigo 122º do CP. Dito de outro modo, não vislumbramos nem na letra nem no espírito da lei qualquer apoio para o entendimento segundo o qual o legislador recorreu ao critério da gravidade das penas para estabelecer os prazos prescricionais aplicáveis às penas de prisão privativas da liberdade e abdicou de tal critério para estabelecer os prazos de prescrição das penas de suspensão de execução das penas de prisão, fazendo sempre corresponder estes últimos ao prazo aplicável à prescrição das penas de menor gravidade. Por outro lado, não encontramos igualmente nas finalidades que presidem à suspensão, quaisquer razões válidas que determinem a utilização de outro critério que não o da gravidade das penas. De outra sorte, parece-nos que ao juízo de prognose favorável, subjacente à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, que permite evitar o cumprimento imediato da prisão, se associa necessariamente a avaliação da gravidade do crime praticado – na qual o princípio da culpa não poderá deixar de figurar como critério norteador – para estabelecer o prazo da suspensão. Esta a razão pela qual, como lapidar e assertivamente se refere no acórdão do STJ 28.02.2018, acima referido, entendemos que aplicar a todas as penas de prisão suspensas na sua execução o prazo residual de 4 anos previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 122º do CP “pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa”. Na verdade, não servindo a culpa como critério para a escolha de tal pena de substituição, serve para a determinação da medida da suspensão, fixando-se esta em prazo tanto mais dilatado quanto mais grave se revelar o crime praticado, gravidade que, desde logo, se refletiu na dosimetria da pena substituída. Com efeito, pese embora a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão assente sempre na realização de uma prognose favorável ao arguido, a sua natureza de verdadeira pena determina que a sua medida seja necessariamente valorada à luz dos critérios gerais de determinação da pena concreta estabelecidos pelo artigo 71.º do CP. (5) Somos assim a concluir que as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída. Daqui decorre que, em nosso entender, na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução. * No caso dos autos, dado que a pena imposta ao recorrente é a de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução também por 5 anos, o prazo de prescrição é o de 15 anos previsto no artigo 122º, nº 1, al. b) do CP. Ora, tendo o acórdão condenatório transitado em julgado em 21.05.2014, a prescrição pelo decurso do prazo normal de prescrição – e sem prejuízo de eventuais causas de suspensão ou interrupção (6) – nunca ocorreria antes do dia 21.05.2029, pelo que se impõe concluir que o prazo de prescrição da pena ainda não decorreu. Improcede, pois, o recurso, nesta parte. *** B) Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão. O recorrente questiona ainda a opção do Tribunal “a quo” de revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos. Mas também aqui lhe não assiste razão. Vejamos. É o artigo 50.º, nº 1 do CP que estabelece os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão. Por seu turno, a revogação da suspensão encontra-se regulada no artigo 56º do CPP, que dispõe da seguinte forma: “Artigo 56.º Revogação da suspensão 1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.” * Constatamos, pois, pela análise do preceito transcrito, que a revogação da suspensão só poderá vir a ser determinada nas seguintes situações: - Caso se verifique infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social; (al. a)) ou - Caso o condenado cometa crime pelo qual venha a ser condenado e se revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (al. b)). * Tendo presentes as considerações de natureza jurídica que antecedem, importa ponderar se a factualidade provada na decisão recorrida – quer no que diz respeito ao crime praticado pelo arguido no período da suspensão, quer no que tange à não interiorização do desvalor das condutas ilícitas por si praticadas – suporta a revogação da suspensão da execução da pena de prisão conforme determinado pelo tribunal “a quo”. Desde já adiantamos que, em nosso entender, a decisão sindicada se encontra absolutamente justificada. Tal como a decisão recorrida expressamente consagra, no decurso do período da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos, o arguido praticou os seguintes crimes: - Em 02.12.2016, um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) do CP, que determinou a sua condenação, por acórdão proferido em 18.10.2017, transitado em julgado em 03.06.2019, proferido nos autos de processo comum coletivo n.º 386/16.5…, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; - Em 08.01.2015, um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do CP e um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b), e) e f) do CP, que determinaram a sua condenação, por acórdão proferido em 06.11.2019, transitado em julgado em 12.10.2020, proferido nos autos de processo comum coletivo n.º 11/15.1…, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova. Mais se constata, pela consulta do processo, ter sido dada ao condenado a oportunidade de se pronunciar sobre o sucedido, tendo o mesmo sido ouvido em declarações em 08.05.2023, nas quais se limitou, no essencial, a invocar que os factos criminosos praticados no período da suspensão ocorreram num período conturbado do seu relacionamento conjugal e que padece atualmente de várias doenças, não tendo apresentado qualquer razões que verdadeiramente excluam ou atenuem a censurabilidade das suas condutas. Ademais, conforme refere o Ministério Público na sua resposta ao recurso, os factos cometidos no decurso da suspensão da execução da pena (7), associados aos anteriores antecedentes criminais do arguido (8), revelam um padrão de comportamento que consiste em apropriar-se de bens de terceiros, com utilização de veículos automóveis com matrículas falsificadas, por vezes com utilização de violência, desconsiderando totalmente o património, a segurança e a integridade física dos ofendidos, não se tendo as sucessivas condenações revelado suficientes para o afastar da criminalidade. Consabidamente, ao contrário do que sucedia na versão original do Código Penal, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é hoje consequência obrigatória do incumprimento culposo decorrente da prática de novo crime pelo condenado. A lei é atualmente mais exigente, demandando que se avalie se o novo crime cometido é revelador de que as finalidades que estiveram na base da suspensão já não podem ser alcançadas. Ora, e como fundadamente refere a decisão recorrida, a factualidade acima descrita demonstra à saciedade encontrar-se inevitavelmente prejudicado o juízo de prognose favorável que havia sido firmado no acórdão que decidiu aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, sendo que a argumentação expendida pelo arguido no seu recurso se nos afigura absolutamente destituída de razoabilidade por se revelar desfasada da realidade da atuação do condenado que os autos patenteiam. De facto, de forma alguma poderá sustentar-se – como sustenta o arguido nas suas alegações de recurso – que “(…)Um juízo claro e fundamentado em factos concretos que apontam de forma inequívoca na probabilidade forte de uma inflexão em termos de vida por banda do arguido/condenado, designadamente renegando a prática de atos ilícitos desde 2016, o ressarcimento posterior dos prejuízos causados, os seus graves problemas de saúde constantes no seu RS, e prova do seu problema de oncologia, incompatíveis com a sua reclusão… (…).” A consulta dos autos e a leitura da decisão recorrida permite, ao invés, constatar que as finalidades que estavam na base da suspensão não lograram alcançar-se, encontrando-se expressamente consignadas em tal decisão as razões que determinaram o tribunal a decidir como decidiu. Verificamos, aliás, que o tribunal recorrido explicitou pormenorizadamente as suas razões, deixando muito clara a subsunção que efetuou da realidade dos autos aos critérios legais determinantes da revogação da suspensão acima enunciados. Não foram apenas as condenações pela prática de crimes no período da suspensão que determinaram a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. Foi a constatação da manutenção do padrão de comportamento criminógeno que não deixou ao tribunal a quo margem para qualquer outra decisão. De facto, a reiteração das condutas criminosas iniciada cerca de um ano depois do trânsito em julgado da decisão condenatória que nos presentes autos lhe concedera um voto de confiança demonstrou que o condenado não interiorizou o desvalor das condutas ilícitas por si praticadas, enquadradas num percurso criminal demasiado longo e pesado. Conforme bem se refere na decisão recorrida, “(…) No que concerne à alegação do arguido de que tem consciência de que errou, sempre se dirá que não está em causa o eventual juízo crítico que o arguido afirma possuir acerca dos factos perpetrados porquanto a factualidade descrita e toda a conduta do arguido desmentem tal afirmação – caso tivesse juízo crítico não teria cometido, em pleno período de suspensão da execução da pena outros factos ilícitos, inclusivamente de natureza mais gravosa.(…)” E nem se diga, como afirma o arguido, que: “(…) não é menos certo que uma condenação posterior à presente, e já transitada em julgado, lhe deu uma derradeira oportunidade de não ter, agora, com mais de 65 anos de idade e com problemas graves de saúde, de cumprir prisão efetiva (na cadeia), nos poucos anos devida que lhe restam, e que acreditou que arrepiou caminho e até ao seu decesso não mais irá cometer crimes, com o pagamento de toda a indemnização às vitimas do crime, que lhe perdoaram o mal cometido. (…)” Não subscrevemos, de todo tal entendimento, pois que, para além da indiscutível autonomia das decisões, a verdade é que os elementos tidos em conta pelo tribunal recorrido na ponderação que efetuou, nos termos dos artigos 55.º e 56.º do CP, sobre a manutenção ou não manutenção do juízo de prognose favorável que havia sustentado a suspensão da execução da pena de prisão anteriormente aplicada nos autos, não são os mesmos que aquele outro tribunal terá ponderado no seu livre juízo de fixação da pena concreta, realizado de acordo com a previsão do artigo 71.º, n.º 2, do CP, designadamente da sua alínea e): - Na decisão recorrida, o tribunal valorou a prática de crimes no período da suspensão para decidir sobre a manutenção ou não da suspensão da execução da pena de prisão; - Naquela outra decisão condenatória, o tribunal subsumiu e sancionou a conduta criminosa do arguido, valorando para a determinação da medida concreta da pena o seu passado criminal. É assim manifesta a improcedência da linha argumentativa do recorrente. Será importante recordar a natureza intrinsecamente provisória e de julgamento rebus sic stantibus da suspensão da execução da pena de prisão, não se formando caso julgado sobre a mesma. Ao invés, tal pena de substituição está sempre resolutivamente condicionada ao conhecimento de circunstâncias que venham a alterar o juízo de prognose favorável que a sustentara, tal como, manifestamente, sucedeu na situação vertente. Efetivamente, resulta para nós indiscutível que, tal como decidido na 1º instância, o aludido comportamento do condenado desenvolvido no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão em que fora condenado – revelador de um total desrespeito pelas normas jurídicas, pelas decisões judiciais e pela organização da vida em sociedade – e, bem assim, a sua incapacidade de autocensura, ou seja, de interiorização do desvalor das suas condutas, se mostram totalmente inconciliáveis com as finalidades que estiveram na base da suspensão, revelando com ostensiva evidência que a ameaça da prisão não foi suficiente para o afastar da criminalidade e para o reintegrar na comunidade. Estamos, aliás, convictos, que a mesma comunidade que, através do Tribunal, depositou no arguido a confiança suficiente para fundamentar a suspensão da execução da pena de prisão, não compreenderia que, perante a grosseira violação de tal confiança espelhada nos comportamentos do condenado – que, não só não demonstrou suficiente capacidade de autocrítica, mas que voltou a delinquir praticando, no período da suspensão, outros crimes pelos quais foi condenado em penas de prisão – não se fizessem ceder as razões de prevenção especial subjacentes à suspensão e não se determinasse o cumprimento da prisão. E foi isso mesmo que fez o tribunal “a quo” na decisão recorrida, ao ter decidido revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos e determinando o seu cumprimento efetivo, por ter considerado que o comportamento do condenado, reincidente e absolutamente desrespeitador das regras impostas, é revelador de uma prognose negativa sobre a manutenção da suspensão, tendo sido respeitados os critérios definidos no artigo 56.º, nº 1, al. b) do CP. Concluímos assim que o juízo realizado pelo tribunal a quo é bem fundado e não merece reparo, pelo que o recurso improcederá. *** III- Dispositivo. Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais) (Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários) Évora, 18 de dezembro de 2023 Maria Clara Figueiredo Maria Margarida Bacelar António Condesso
---------------------------------------------------------------------------------------- 1 Não o tendo sido, o tribunal recorrido veio, porém, a tomar posição sobre a exceção invocada no recurso, no despacho de admissão do mesmo, tendo concluído que a pena imposta ao recorrente se não encontra prescrita. 2 Defendendo tal entendimento e decidindo em conformidade com o mesmo encontramos, entre outros os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt: acórdãos da Relação de Évora de 10.07.2007, relatado pelo Desembargador António João Latas e de 18.06.2013 relatado pelo Desembargador Sénio Alves; acórdão da Relação de Coimbra de 04.06.2008 relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves; acórdão da Relação de Guimarães de 20.02.2017 relatado pelo Desembargador Jorge Bispo; acórdão da Relação do Porto de 25.02.2015 relatado pela Desembargadora maria Deolinda Dionísio; acórdãos da Relação de Lisboa de 16.07.2010, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves e de 19.09.2017 relatado pela Desembargadora Margarida Bacelar; acórdão do STJ de 05.07.2017 relatado pela Desembargadora Rosa Tching. 3 Defendendo esta nova orientação, encontramos, entre outros, os seguintes acórdãos das Relações, todos disponíveis em www.dgsi.pt: acórdãos da Relação de Lisboa de 21.02.2019, relatado pelo Desembargador Abrunhosa de Carvalho e de 25.05.2023, relatado pela Desembargadora Simone de Almeida Pereira; Acórdãos da Relação de Évora de 08.09.2020, relatado pelo Desembargador João Amaro e de 24.10.2023, relatado pelo Desembargador António Condesso; Acórdãos da Relação do Porto de 07.07.2021, relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pinto e de 04.10.2022, relatado pelo Desembargador José António Rodrigues da Cunha. 4 Também citado pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso. 5 A este propósito, encontramos referências várias na doutrina, tais como, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91 e 330; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020, pp. 30 e Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 295 e na jurisprudência – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16 de junho de 2015, relatado pelo Desembargador Clemente Lima; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de abril de 2017, relatado pela Desembargadora Olga Maurício; Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Évora, de 20 de Fevereiro de 2019, relatado pela Desembargadora Ana Brito; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Janeiro de 2021, relatado pelo Desembargador Paulo Barreto, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 6 Como seria, desde logo, o decurso do período de 5 anos da suspensão da execução da pena subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão que a aplicou, nos termos do disposto nos artigos 125º, nº 1, al. a) e 126º, nº 1, al. a), do Cód. Penal. 7 Cerca de um ano após o trânsito em julgado da condenação dos presentes autos, o recorrente praticou um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e um crime de falsificação de documentos, p.e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas b), e) e f), ambos do CP (apropriou-se, por esticão de diversos bens de terceiros, de valor superior a €1.800,00, com utilização de um veículo automóvel, com a matrícula falsificada), pelos quais foi condenado no proc. nº 11/15.1… na pena única de três anos e quatro meses de prisão suspensa na sua execução e, em dezembro de 2016, voltou a utilizar um veículo automóvel com a matrícula falsificada, factos que determinaram a sua condenação no proc. nº 386/16.5…, na pena de um ano e três meses de prisão efetiva. 8 Do C.R.C. do arguido constam duas outras condenações anteriores, em penas de multa, pela prática de crimes de furto e uma outra pelo crime de falsificação. |