Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
| Descritores: | AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO ESTAFETA PLATAFORMA DIGITAL PRESUNÇAO DE LABORALIDADE | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | SOCIAL | ||
| Sumário: | Sumário: 1. A aplicação informática é o principal instrumento de trabalho dos estafetas e é disponibilizada pela plataforma digital, e certo é que a Ré obriga à sua utilização, assim dirigindo toda a actividade do prestador. 2. Ocorrem pelo menos cinco das presunções previstas no art. 12.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, nomeadamente as constantes das respectivas alíneas a), b), c), e) e f), se dos autos resulta que: - a Ré fixa a retribuição dentro de limites máximos e mínimos; - determina os locais de recolha e entrega e fixa as regras específicas de desempenho da actividade; - controla e supervisiona a prestação da actividade, e verifica a sua qualidade; - tem o poder de excluir o prestador e desactivar a sua conta; - e é proprietária do principal instrumento de trabalho utilizado pelos estafetas, i.e., a aplicação informática. 3. Torna-se irrelevante que o estafeta exerça a actividade sem qualquer dever de exclusividade nem dependência económica em relação à Ré, pois tais elementos não são essenciais do contrato de trabalho. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Faro, o Ministério Público intentou acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda., pedindo que seja reconhecida a existência de contrato de trabalho em relação a AA-1, AA-2, AA-3, AA-4, AA-5, e AA-6. Os prestadores da actividade não intervieram nos autos, mas acção foi contestada pela Ré, invocando a existência de mera prestação de serviços. Após julgamento, a sentença julgou a acção improcedente. Recorrendo, o Ministério Público concluiu: 1. A Ré “GLOVOAPP PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA” através da internet, e de uma aplicação informática, recebe os pedidos dos utilizadores inscritos e organiza a forma de satisfazer esses pedidos, encaminhando-os para estabelecimentos comerciais aderentes e atribuindo o trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação , organizando e controlando ( ou podendo fazê-lo) esse trabalho de recolha , transporte entrega e do valor acordado com o parceiro comerciante, assim sendo uma plataforma digital nos termos do artigo supra referido. 2. Os estafetas, como é o caso do o AA-2 ( desde 17 de Julho de 2023 ) presta para a Ré “GLOVOAPP PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA” a sua actividade, acima descrita, sob as suas ordens, direcção e fiscalização pois: - a Ré paga quinzenalmente através de transferência bancária, directamente aos estafetas e estabelece limites máximos e mínimos para aquele. E isto mesmo com os “multiplicadores”, porque em última análise, é sempre a Ré que determina também o limite máximo da retribuição determinando ela os limites e as condições dos tão propalados multiplicadores, o que integra a presunção da alínea a) do nº 1 do artigo 12º -A do Código do Trabalho (que não foi ilidida pela RÉ do modo que devia ter sido, como adiante veremos). 3. Embora a presunção da existência do Contrato de Trabalho assente na verificação de determinados indícios expressamente previstos na Lei, possa ser ilidida pelo empregador mediante prova em contrário, essa prova tem de ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas. Para ilidir a presunção não basta, , a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido (Contrato de Trabalho) devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos ( contraprova muito cabal) que consubstanciam esta ilisão (neste sentido Cfr. Ac. do TRP de 26-6-2013 –-processo 2562/21.0T8VNG). 4. É a Ré que determina as regras específicas quanto à prestação da actividade por parte do estafeta, pois: 5. Os termos e condições de utilização da plataforma foram e estão pré definidos pela Ré; 6. A plataforma digital controla e supervisiona qualidade da actividade prestada nomeadamente através de meios electrónicos ou de gestão algorítmica; 7. Como característica fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente de ordens regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro do contrato e as normas que o regem, não se exigindo, contudo que elas sejam efectivamente dadas, bastando apenas que o possam ser, estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a contrariá-las. 8. E a actuação dos estafetas é controlada (ou pode ser) em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exacta do prestador de actividade é conhecida (ou pode ser a todo o momento facilmente conhecida) pela Plataforma Ré através do sistema de geolocalização. O que integra as presunções estabelecida nas alíneas b) e c) do artigo 12º - A do Código do trabalho, também não devidamente ilididas pela Ré. 9. A Plataforma Digital exerce poderes laborais sobre o prestador da actividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras actividades na plataforma através da conta: Apesar de sentença recorrida não reconhecer a existência de qualquer poder sancionatório da parte da Ré beneficiária da actividade, basta ler os termos do Contrato entre as partes celebrado para se concluir, pelo menos, que nada obsta à faculdade de a Ré exercer um poder sancionatório em caso de eventual incumprimento das obrigações ( ou do que a Ré entender que traduza esse incumprimento) do estafeta no seio da organização em que está inserido liderada pela RÉ, pelo que conceder a esta a possibilidade de retirar o acesso do estafeta à aplicação é conceder-lhe o poder de impedir o estafeta de receber novas propostas de entrega e consequentemente, deixar de exercer aquela actividade profissional. Ou seja, também a presunção prevista na alínea e) do artigo 12º-A do Código do Trabalho se mantém incólume por não ilidida. 10. Os equipamentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. A Ré é uma sociedade que, entre outras actividades, gere uma aplicação informática on line de prestação de serviços de entregas, para o efeito detém um software ( GLOVOApp) que funciona como um espaço onde comerciantes e clientes se encontram, para assim venderem e comprarem os seus produtos. Assim, é inquestionável que a Ré administra e organiza os serviços de recolha e entrega de mercadorias solicitadas pelos clientes, recorrendo aos estafetas, que preenchem os requisitos por si determinados para cumprir tal desiderato. Para tal a Ré, através da sua aplicação presta toda a informação necessária ao estafeta para cumprir a sua prestação , comunicando-lhe a identificação dos destinatários bem como o local de entrega e recolha dos produtos. Acresce que a aplicação dispõe de um sistema de navegação ( GPS) que permite, não só distribuir o serviço das entregas pelos estafetas mais próximos , como acompanha ( ou pode acompanhar) o trajecto do estafeta desde a aceitação à entrega e permite aos clientes consultarem os tempos de espera e entrega das encomendas. Deste modo, resulta que a aplicação é “realmente” o instrumento de trabalho mais importante desta actividade, sem a qual esta intermediação entre comerciantes, clientes e estafetas não seria possível. Assim a aplicação é a infra-estrutura indispensável ao desenvolvimento deste modelo de negócio sendo gerida exclusivamente pela Ré. De referir ainda que os clientes que submetem os pedidos à aplicação, não são clientes dos estafetas , na medida em que nenhum relacionamento contratual é estabelecido entre o estafeta e o comerciante/vendedor e o cliente/adquirente. A infra-estrutura essencial da actividade aqui em causa é a aplicação informática gerida pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias. A aplicação informática é um instrumento de trabalho e é o único essencial, pois sem aplicação informática não existe sequer relação entre os “estafetas” e o a plataforma digital e é o instrumento através do qual a plataforma organiza toda a actividade, incluindo a actividade dos “estafetas”. 11. Nesse sentido, conforme explanado, foi entendido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo nº 4306/23.2T8VX datado de 5-12-2024 e disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido também foi entendido em vários arestos do Tribunal da Relação de Guimarães, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt , veja-se o Acórdão datado de 31-10-24, proferido no processo nº 2781/23.4T8VRL.G1 ou o Acórdão datado de 31-10-24 proferido no processo nº 2783/23.0T8VRL.G1. 12. A sentença recorrida nesta matéria define os instrumentos de trabalho, considera a APP da GLOVO é um verdadeiro instrumento ou meio de produção. 13. A Mma Juiz “ a quo” na sentença recorrida conclui que a plataforma digital Ré explora a aplicação informática. 14. Sucede que na factualidade não provada na sentença recorrida a Mma Juiz entendeu que resultou não provado: - que a Ré exige que o sistema de geolocalização tenha que estar ligado após a aceitação do pedido e até à entrega do mesmo; - que a Ré controla, em tempo real, a forma como a entrega é realizada; - que as quantias recebidas da Ré, são a única fonte de rendimento dos estafetas;; e que a Ré fiscaliza a qualidade da prestação da actividade do estafeta mediante gestão algorítmica das avaliações realizadas pelos demais utilizadores. 15. Perante estes factos dados como não provados a Mma juiz “ a quo” só poderia ter tirado a conclusão de estar perante uma dúvida e considerar a presunção das alíneas do nº 1 do artigo 12º-A do Código do Trabalho, como não ilidida. 16. Com efeito, embora a presunção da existência do Contrato de Trabalho assente na verificação de determinados indícios expressamente previstos na Lei, possa ser ilidida pelo empregador mediante prova em contrário, essa prova tem de ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas. 17. Para ilidir a presunção não basta, pois, a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido (Contrato de Trabalho) devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos ( contraprova muito cabal) que consubstanciam esta ilisão (neste sentido Cfr. Ac. do TRP de 26-6-2013 –-processo 2562/21.0T8VNG). 18. Ou seja, quem quer ser reconhecido como trabalhador - cabe alegar e fazer a prova, pelo menos de dois, dos pressupostos de base de actuação da presunção, previstos; e provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da Prova. 19. Mas por via dessa inversão, caberá então ao empregador (neste caso à Ré plataforma digital) ilidir a presunção, através da prova do contrário ( artigo 350º nº 2 do Código Civil) sendo que para isso não basta a (mera) contraprova destinada a tornar duvidoso o facto (já) presumido. Não chega. Tem de existir uma contra prova forte que não cause dúvidas. (neste sentido cfr. Ac. do TR do Porto de 14-2-2022- processo nº 416/20.GT8VLG). 20. Assim, preenchidos os factos índices da presunção enumerados nas alíneas a),b),c) e f) do artigo 12º -A do Código do Trabalho, podemos concluir que, no caso, operou, a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo por estarem verificados cinco dos factores indiciários nele enunciados e que presumem a existência de um Contrato de Trabalho, sendo estes factos mais do que suficientes e bastantes, ao contrário do propugnado pelo tribunal “a quo”, para que se possa concluir pela existência de subordinação jurídica. 21. Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Ré ilidiu a presunção de laboralidade. 22. Tal não acontece, no nosso ponto de vista, porque indícios como o horário de trabalho, a exclusividade e a assiduidade não se adequam a analisar o trabalho prestado no âmbito de uma Plataforma Digital. 23. Sintetizando, a Ré não se limita a ser um mero intermediário na prestação de serviços entre comerciantes e estafetas. 24. A Ré tem como fim a prestação de um serviço de recolhas e entregas, sendo a Ré que fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essenciais para a prestação do referido serviço. 25. Os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando a sua actividade enxertada na organização de trabalho da Ré, submetidos a à sua direcção e organização, como demonstra o modo como a Ré estabelece os preços dos serviços de entrega. 26. Os estafetas não negoceiam preços ou condições do serviço com os proprietários dos estabelecimentos onde efectua a recolha dos produtos, nem recebe a retribuição dos clientes finais. 27. A prestação de trabalho dos estafetas está sujeita a uma organização do trabalho que determinada pela Ré, que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidencia a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral. 28. Assim entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria em análise, designadamente artigo 11º e 12º-A do Código do Trabalho. Pelo exposto, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser revogada e substituída por outra, ou por Douto Acórdão, que declare a existência de um Contrato de Trabalho entre o estafeta AA-2 reportado a 17 de Julho de 2023. A Ré contra-alegou e requereu a ampliação do recurso, impugnando a decisão de facto nos seguintes termos: C. Por estar em contradição com a prova documental (registos do Instituto Segurança Social, I.P. e da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), juntos aos autos a 19.03.2025 e a 17.03.2025 e documentos 11, 12, 10 do requerimento junto pela Ré a 04.01.2025), deve ser considerado não provado o facto P), na medida em que o estafeta AA-2 presta a actividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida sem qualquer carácter de regularidade, como ainda tem várias outras actividades. D. Por resultarem da prova documental constante dos autos, referente à impugnação do facto P), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: 1. “AA-2, além da actividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, presta ainda actividade como trabalhador por conta de outrem para a BRIGHTOPTIONS LDA, e para a POLIDO MOMENTO TRANSPORTES UNIPESSOAL LDA.” 2. “AA-2, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, no dia 05.01.2024, 11.01.2024, 12.01.2024, 14.01.2024 a 16.01.2024 e 18.01.2024 a 27.03.2024, prestando serviços sem qualquer caracter regularidade.” 3. “AA-2 recusou, no ano de 2023, 13 serviços antes de aceitar e 5 depois de aceitar, no mês de Julho; 12 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de Agosto; 17 serviços antes de aceitar e 7 depois de aceitar, no mês de Setembro; 13 serviços antes de aceitar e 6 depois de aceitar, no mês de Outubro; 6 serviços antes de aceitar e 6 depois de aceitar, no mês de Novembro; 11 serviços antes de aceitar e 7 depois de aceitar, no mês de Dezembro; e no ano de 2024, 3 serviços antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de Janeiro; 1 serviço depois de aceitar, no mês de Março; 20 serviços antes de aceitar e 8 depois de aceitar, no mês de Abril.” A resposta sustenta a manutenção do decidido. Cumpre-nos decidir. Da impugnação da matéria de facto Na sua ampliação da matéria de facto, a Ré começa por pretender a alteração da al. P) dos factos provados, que na sentença tem a seguinte redacção: “Desde então o AA-2 tem prestado trabalho regularmente através da App Glovo”. Na perspectiva da Ré, o AA-2 presta a actividade de estafeta sem qualquer carácter de regularidade e tem outras actividades sendo trabalhador por conta de outrem para duas outras pessoas colectivas. A impugnação da Ré baseia-se, apenas, no extracto de remunerações obtido junto do Instituto da Segurança Social, mas apesar de auferir remunerações de outras entidades, tal não constitui, por si só, demonstração da existência de contrato de trabalho com as mesmas – nem a Ré indica qualquer outro meio probatório de onde se possa retirar alguma conclusão a tal respeito. Reconhece-se, porém, que este ponto contém carácter conclusivo, descrevendo um conceito jurídico cujo reconhecimento é o objecto da acção: a prestação de trabalho. Uma vez que este ponto está no seguimento da al. O), que se refere ao exercício da actividade de estafeta, decide-se alterar a al. P) para os seguintes termos: “Desde então o AA-2 tem exercido a actividade de estafeta regularmente através da App Glovo”. * Quanto aos pontos 1, 2 e 3 que a Ré pretende ver aditados, no que respeita à prestação de actividade como trabalhador para terceiros, já indicámos que o mero extracto de remunerações não constitui demonstração suficiente da existência de contrato de trabalho.Quanto à não prestação de serviços nos dias 05.01.2024, 11.01.2024, 12.01.2024, 14.01.2024 a 16.01.2024 e 18.01.2024 a 27.03.2024, e à recusa de diversos serviços no ano de 2023, trata-se de matéria não alegada na contestação oferecida no apenso relativo ao AA-2, sendo certo que os poderes do art. 72.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho são de exercício exclusivo pela primeira instância. Anotando, ainda, que a Ré pretende estabelecer a prova destes factos através de registos internos, não contraditados em audiência de julgamento e que não revestem a necessária imparcialidade para se dar como provados os aludidos factos, nesta parte a impugnação não procede. * Em resumo, a impugnação procede apenas quanto à al. P), que passará a ter a seguinte redacção: “Desde então o AA-2 tem exercido a actividade de estafeta regularmente através da App Glovo”.A matéria de facto provada fixa-se, pois, nos seguintes termos: A) A Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda., com actividade (CAE): Outras actividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática (62090) e comércio a retalho por correspondência ou via internet (47910), presta serviços à distância através de meios electrónicos, nomeadamente através do sítio da internet www.glovoapp.com ou da aplicação informática “GlovoApp”, a pedido de utilizadores; B) A Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda., tem como objecto social: o desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via electrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética e de alimentos para animais, a importação de quaisquer produtos, o comércio de refeições prontas a levar para casa e a distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares, entre outros, tendo como gerente BB, contribuinte n.º …, residente em …, Barcelona, Espanha; C) Em Acção Inspectiva realizada pela ACT à requerida, nos dias 4-8-2023 pelas 13 horas e 20-9-2023 pelas 12h15m à requerida na zona de restauração do Centro Comercial Fórum, sito EN 125Km103, foi verificado que AA-1 com o título de residência n.º …, com o NIF …, nascido em …1985, de nacionalidade Paquistanesa, residente na Rua …, com o correio electrónico …@gmail.com e o telemóvel n.º 92…; D) Nessa ocasião o AA-1, encontrava-se a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; E) Encontrava-se a aguardar a preparação de pedido que tinha aceitado através da Aplicação “Glovoapp”; F) O mesmo encontrava-se no referido local a prestar a actividade de estafeta; G) O AA-1 exerce a actividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Loulé, Faro e Olhão, conforme pedidos efectuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio electrónico …@gmail.com desde o dia 11 de Dezembro de 2020 e à qual acede através do seu telemóvel; H) Desde então o mesmo tem prestado trabalho regularmente através da App Glovo; I) AA-1 apresenta-se registado como trabalhador independente no período entre 10-12-2020 e 26-1-2022; J) Da actividade prestada pelo AA-1 são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.”; K) Em Acção Inspectiva realizada pela ACT, no dia 18 de Agosto de 2023 pelas 11h35m à requerida no restaurante Mcdonald´s na Baixa de Faro sito na Rua Conselheiro Bivar nº 23 a 27, 8000-Faro foi verificado que o seu prestador de trabalho AA-2 com o título de residência n.º … válido, com o NIF …, nascido a …1988, de nacionalidade Paquistanesa, residente na Praça …, com o correio electrónico …@gmail.com e com o telemóvel n.º 92…; L) Nessa ocasião AA-2, encontrava-se a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; M) Encontrava-se a aguardar a preparação de pedido que tinha aceitado através da Aplicação “Glovoapp”; N) O mesmo encontrava-se no referido local a prestar a actividade de estafeta; O) AA-2 exerce a actividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Faro, conforme pedidos efectuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio electrónico …@gmail.com desde 17 de Julho de 2023 e à qual acede através do seu telemóvel; P) Desde então o AA-2 tem exercido a actividade de estafeta regularmente através da App Glovo; Q) AA-2, encontra-se qualificado na Segurança Social como trabalhador independente desde 18-5-2023; R) Da actividade prestada pelo AA-2 são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.”; S) Em Acção Inspectiva realizada pela ACT à requerida, no dia 27-9-2023 pelas 19h10m no local sito no McDonald´s de Vila Real de Santo António na EN 125 em Vila Real de Santo António foi verificado que AA-3, com o NIF …, com o NISS …, de nacionalidade Indiana, com o título de residência n.º …, válido até …2027, residente na Rua …, com o endereço electrónico …@gmail.com e com o telemóvel n.º 92…; T) Nessa ocasião o AA-3, encontrava-se a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; U) Encontrava-se a aguardar a preparação de pedido que tinha aceitado através da Aplicação “Glovoapp”; V) AA-3 exerce a actividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Vila Real, conforme pedidos efectuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio electrónico …@gmail.com desde o dia 29-1-2023 e à qual acede através do seu telemóvel; W) Desde então o mesmo tem prestado trabalho regularmente através da App Glovo; X) O AA-3 apresenta-se registado como trabalhador independente desde14-12-2022; Y) Da actividade prestada pelo AA-3 são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.”; Z) Em Acção Inspectiva realizado pela ACT, no dia 27 de Setembro de 2023, pelas 21h45m, à requerida no Centro Comercial de Tavira Gran Plaza sito na Rua Almirante Cândido dos Reis 247, 8800-318 em Tavira, foi verificado que o seu prestador de trabalho AA-4, com o NIF …, com o título de residência n.º …, com o passaporte n.º … válido até …2026, de nacionalidade indiana, com residência na Rua …, com endereço electrónico …@gmail.com e com o telemóvel n.º 92…; AA) Nesse momento encontrava-se a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; BB) O AA-4 exerce a actividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Faro, conforme pedidos efectuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio electrónico …@gmail.com desde Março de 2023 e à qual acede através do seu telemóvel; CC) Desde e então o AA-4 tem prestado trabalho regularmente através da App Glovo; DD) AA-4 encontra-se qualificado na Segurança Social como trabalhador independente desde 10-2023, com actividade económica de “outras actividades postais e de courier”. EE) Da actividade prestada pelo AA-4 são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o AA-4 em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.”; FF) Em Acção Inspectiva realizada pela ACT à requerida, nos dias 30-8-2023, pelas 12h32m e no dia 27-9-2023 pelas 22 horas no local de trabalho sito no Centro Comercial Tavira Gran Plaza na Rua Almirante Cândido dos reis 2447, 8800-318 em Tavira, foi verificado que AA-5, com o Título de residência n.º …, com o NIF …, nascido a …1998, de nacionalidade indiana, residente na Rua …, com o correio electrónico …@gmail.com e com o telemóvel n.º 96…; GG) Nessa ocasião o AA-5, encontrava-se a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; HH) Encontrava-se a aguardar a preparação de pedido que tinha aceitado através da Aplicação “Glovoapp”; II) AA-5 exerce a actividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Tavira, conforme pedidos efectuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio electrónico …@gmail.com, desde 7 de Abril de 2022 e à qual acede através do seu telemóvel; JJ) Desde então o tem prestado trabalho regularmente através da App Glovo; KK) Da actividade prestada pelo AA-5 são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.”; LL) Em Acção Inspectiva realizada pela ACT, no dia 27-9-2023 pelas 20 Horas à requerida no local denominado McDonald´s de Olhão sito EN 125 e Brancanes, 8700-207 em Olhão, foi verificado que o seu prestador de trabalho AA-6 com o Passaporte n.º …, com o NISS …, com o NIF …, nascido a …2002, com nacionalidade do Bangladeche, residente no Sítio …, com o correio electrónico …@gmail.com e com o telemóvel n.º 92…; MM) Nessa ocasião AA-6, encontrava-se a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; NN) Encontrava-se a aguardar a preparação de pedido que tinha aceitado através da Aplicação “Glovoapp”; OO) O mesmo encontrava-se no referido local a prestar a actividade de estafeta; PP) AA-6 exerce a actividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Faro, conforme pedidos efectuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio electrónico …@gmail.com desde Janeiro de 2023 e à qual acede através do seu telemóvel; QQ) AA-6 encontra-se qualificado na Segurança Social como trabalhador independente; RR) Da actividade prestada pelo AA-6 são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.”; SS) A aplicação informática Glovoapp tem três tipos de utilizadores: os estabelecimentos comerciais aderentes, os utilizadores clientes finais aderentes e os utilizadores estafetas aderentes; TT) Os estabelecimentos comerciais aderentes, através da app, oferecem os seus produtos a clientes (utilizadores finais) finais; UU) Os utilizadores clientes finais aderentes, através da app, acedem aos produtos publicitados para venda pelos comerciantes, adquirindo-os e, quando assim o entenderem, aos serviços de entrega prestados pelos utilizadores estafetas registados na mesma; VV) Uma vez solicitada a entrega do produto adquirido pelo utilizador cliente final, caso tenha sido solicitada a entrega por estafeta, a plataforma distribui a proposta de entrega aos utilizadores estafetas registados na aplicação que, após aceitação, procedem à recolha do mesmo junto do estabelecimento comercial e realizam o transporte e a entrega do produto ao cliente final; WW) Os estabelecimentos comerciais aderentes à plataforma podem optar por recorrer aos seus próprios serviços de entrega; XX) Os utilizadores clientes finais aderentes podem optar pela função take-away; YY) Os comerciantes e os utilizadores clientes finais aderentes pagam à R. uma taxa de acesso e utilização da plataforma; ZZ) Os estafetas pagam à R. uma taxa de acesso e utilização da plataforma no valor quinzenal de € 1,85 sempre que, em tal período, tenham aceitado propostas de entrega; AAA) Aquando do registo na APP todos os cidadãos supra referidos escolheram a área geográfica onde pretendiam realizar a actividade; BBB) Querendo alterá-la, após comunicação à R., podiam-no fazer; CCC) Aquando do registo os estafetas comprometeram-se, no caso de transporte de alimentos e em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos; DDD) Desde aquelas datas os estafetas passaram a proceder à recolha e entrega de produtos vendidos por comerciantes utilizadores da Glovoapp a clientes também utilizadores da mesma e que por essa via os tenham adquirido com solicitação de entrega, sempre na área geográfica que na “Glovoapp” tinham indicado; EEE) A recolha e entrega dos produtos pelos estafetas é precedida de acesso à “Glovoapp”, instalada nos respectivos telemóveis, para o que nela e no seu perfil de conta efectuam Login e, quando pedido, reconhecimento facial; FFF) O perfil da conta dos estafetas tem que estar actualizado com uma fotografia dos mesmos; GGG) O reconhecimento facial visa acautelar que a conta possa ser usada por quem não é o titular da mesma; HHH) Após acesso à app os estafetas recebem informação de pedidos de recolha/entrega de produtos solicitados na área geográfica escolhida, com indicação do local de recolha (estabelecimento aderente da plataforma), do local de entrega (morada do cliente final também aderente da plataforma, sem número de porta) e valor da entrega; III) Sem o registo e login na Glovoapp os estafetas não acedem aos pedidos dos clientes realizados através da mesma; JJJ) E para poderem receber os pedidos de recolha/entrega os estafetas têm que ter a geolocalização (GPS) do respectivo telemóvel ligada; KKK) Os estafetas podem recusar, aceitar ou ignorar os pedidos apresentados, bem assim, já depois de aceitarem, cancelarem, sem que tal afecte a distribuição futura de pedidos ou o preço destes; LLL) Após aceitação do pedido o estafeta, através da app, é informado do preço do serviço, do mapa com os pontos de recolha e entrega assinalados, da morada e informações de contacto do comerciante, estimativa de tempo de espera no ponto de recolha, nome e morada completa do utilizador cliente, distância estimada, detalhes do pagamento, lista de artigos do pedido e valor do mesmo; MMM) À direita da morada da entrega consta ícone, com figura de seta que se accionado direcciona para o sistema de GPS do telemóvel previamente escolhido pelo estafeta através do qual o mesmo acede a sugestão de rota entre o ponto de recolha e o de entrega; NNN) O estafeta é livre de accionar o referido ícone, bem como de seguir ou não a rota sugerida pelo GPS instalado no seu telemóvel, podendo escolher o percurso que melhor lhe convier; OOO) Após a aceitação do pedido e até à entrega os estafetas podem desligar a geolocalização, sem quaisquer implicações na entrega; PPP) Após as indicações referidas, a R. não transmite aos estafetas quaisquer outras a respeito da forma e modo de efectuar a entrega; QQQ) O veículo, telemóvel e mochila térmica (necessária para o transporte de alimentos) usados pelos estafeta são dos mesmos; RRR) Os estafetas são livre de escolher o meio de transporte que usam para executar a entrega (carro, mota, bicicleta), bem assim a mochila térmica que usam; SSS) O preço do serviço apresentado ao estafeta é composto por um valor base, compensação pela distância entre o local de recolha e de entrega, compensação pelo tempo de espera na recolha do bem, eventuais promoções em decorrência de condições adversas ou aumento de procura (em valores determinados pela R.) e multiplicador; TTT) Uma vez por dia os estafetas podem seleccionar e alterar o multiplicador para valores compreendidos entre 1.0 e 1.10; UUU) Tal alteração permite aumentar o valor total do preço a receber; VVV) O tempo de espera por distribuição de pedidos até à aceitação dos mesmos não é pago; WWW) Quinzenalmente, por transferência bancária, a R. paga aos estafetas quantia correspondente aos valores pagos pelos comerciantes utilizadores e clientes finais utilizadores correspondentes às entregas efectuadas, bem assim eventuais gorjetas que aos mesmos possam por aqueles ter sido pagas; XXX) Mediante autorização dos estafetas a R. comunica os recibos alusivos a tais valores ao portal das finanças constando como emissor o estafeta e ela como entidade pagadora; YYY) Os estafetas podem trabalhar para terceiros, incluindo plataformas concorrentes; ZZZ) Os estafetas ligam-se à App quando querem, nas horas que querem e durante o tempo que querem; AAAA) Os estafetas podem não se ligar à plataforma durante meses, sem consequências designadamente na distribuição futura de pedidos ou no preço destes; BBBB) Os estafetas escolhem o lugar onde se pretendem ligar à app e receber pedidos de entrega; CCCC) Os estafetas podem subcontratar terceiros tendo apenas que comunicar tal facto à R.; DDDD) Após a realização da entrega os clientes finais, até data não apurada, se assim o entendessem, podiam dar feedback acerca do estafeta e comerciantes; EEEE) Optando o cliente final por pagar em dinheiro o estafeta transporta consigo esse valor em numerário e, posteriormente, transfere-o para a plataforma; FFFF) Consta da cláusula 5ª. ponto 2 dos termos e condições de utilização da plataforma Glovo que a R. pode desactivar temporária ou permanentemente a conta do estafeta caso este utilize a plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir terceiros, nomeadamente utilizadores clientes, estabelecimentos comerciais, outros estafetas ou pessoal da Glovo, violar a lei ou outras disposições dos termos e condições e outras politicas da Glovo, participar em actos ou condutas violentas, violar os seus direitos na aplicação causando danos materiais e/ou imateriais a outro utilizador, tendo em vista a prevenção de fraudes, caso a identidade do utilizador não possa ser confirmada ou estiver incorrecta e em caso de violação da politica de mercadorias; GGGG) A R. não impõe a utilização de qualquer uniforme; APLICANDO O DIREITO Da existência de contrato de trabalho O objecto do recurso cinge-se a um dos estafetas, o AA-2, pelo que será apenas em relação a este que será apreciada a existência de contrato de trabalho. Os factos apurados permitem concluir pelo preenchimento de, pelo menos, cinco das presunções previstas no art. 12.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, nomeadamente as constantes das respectivas alíneas a), b), c), e) e f). Com efeito, os factos provados demonstram que a Ré fixa a retribuição dentro de limites máximos e mínimos, determina os locais de recolha e entrega e fixa as regras específicas de desempenho da actividade, controla e supervisiona a prestação da actividade, e verifica a sua qualidade, pode excluir o prestador e desactivar a sua conta, e é proprietária do principal instrumento de trabalho utilizado pelos estafetas, i.e., a aplicação informática. Acerca da al. a), o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2025 (Proc. 29352/23.2T8LSB.L1.S1), publicado em www.dgsi.pt, observa o seguinte: “Resulta daqui que o valor auferido pelo estafeta é verdadeira e essencialmente determinado pela ré (ou pela plataforma pela mesma detida), que pré-define os factores em que radica a fixação desses valores, sem qualquer possibilidade de negociação real e igualitária entre as partes, como é típico do trabalho autónomo. A isto não obsta o facto de o trabalhador ser pago “à peça”. Para além de esta forma de cálculo da retribuição se reconduzir, no fundo, a uma forma modificada do salário por tempo, a retribuição pode ser calculada em função de outros factores, como o rendimento do trabalhador (retribuição variável). Aliás, apesar de na norma em apreço não se encontrar previsto o pagamento “com determinada periodicidade de uma quantia certa” (ao contrário do que sucede com a alínea d) do art. 12º do CT), a verdade é que o estafeta em causa era pago, em regra, com uma periodicidade quinzenal (…). Também não é de valorizar a circunstância de o estafeta poder alterar o valor base dos serviços mediante a aplicação de um multiplicador, uma vez que esta ferramenta era disponibilizada pela própria ré e dentro dos limites por esta fixados.” Quanto às als. b) e c), o mesmo aresto observa o seguinte: “Estas alíneas têm um conteúdo que apresenta fortes e evidentes conexões, uma vez que o poder de direcção se encontra indissociavelmente imbrincado com os poderes de controlo e supervisão, pelo que serão apreciadas conjuntamente. Quanto à alínea b), uma vez que, rigorosamente, o poder de direcção é um elemento essencial do contrato de trabalho [tal como o exercício do poder disciplinar, referido na alínea e)], e não um indício de subordinação, limitar-nos-emos a aferir se a ré determina regras específicas ao estafeta (nomeadamente, as elencadas nesta alínea). (…) Quanto à alínea c), há a considerar (…) que a ré, através da sua aplicação (App) e do GPS nela integrado, tem acesso imediato e instantâneo à prestação profissional do estafeta, desta forma controlando e supervisionando a sua actividade em tempo real – pelo menos, tem a possibilidade de o fazer, sendo que o preenchimento desta previsão normativa não exige que o faça efectivamente.” Quanto à alínea e), o aresto declara o seguinte: “Como já se referiu, sendo também o “poder disciplinar” um elemento essencial do contrato de trabalho (como, por definição, a generalidade dos “poderes laborais”), e não um mero indício de subordinação, cumpre tão somente aquilatar da possibilidade de “exclusão de futuras actividades na plataforma através de desactivação da conta”, elemento que se encontra inequivocamente comprovado, desde logo em face do ponto n.º 28” – ponto este que, no caso dos autos, corresponde à al. FFFF). Finalmente, quanto à al. f), diremos que a aplicação informática é o “principal instrumento de trabalho dos estafetas e é disponibilizada pela plataforma digital” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2025 (Proc. 28891/23.0T8LSB.L1.S1) – e certo é que a Ré obriga à sua utilização, assim dirigindo toda a actividade do prestador. Havendo a notar que basta a demonstração de dois dos indícios previstos no art. 12.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, diremos, ainda, que os autos demonstram a efectiva integração do prestador na estrutura e organização da Ré, com subordinação jurídica a esta, e tanto basta para se considerar confirmada a presunção legal de existência de contrato de trabalho. Maria do Rosário Palma Ramalho ensina que “o elemento organizacional do contrato de trabalho (…) pretende realçar o facto de o trabalhador subordinado (contrariamente ao que sucede com outros prestadores de um serviço ou actividade laborativa) se integrar no seio da organização do credor da sua prestação, com uma especial intensidade. Desta integração resulta, em primeiro lugar, a vinculação do trabalhador a deveres que apenas se justificam por esta componente organizacional (assim, deveres de produtividade ou deveres diversos de colaboração com os colegas de trabalho, mas também a sujeição a horários, ao regulamento empresarial, a códigos de conduta ou a deveres disciplinares); é também esta componente organizacional que explica a influência quotidiana da organização do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores (evidenciada em múltiplos regimes laborais, que conformam os deveres dos trabalhadores em matéria de tempo e de local de trabalho, de alteração da prestação, de mudança do empregador ou de cessação do contrato por motivos de gestão); e é ainda a componente organizacional do vínculo laboral que explica o princípio da interdependência dos vínculos laborais da mesma organização (que se traduz em regras como a igualdade de tratamento entre os trabalhadores e em muitos aspectos da dinâmica colectiva dos contratos de trabalho).”[1] No caso, para além do preenchimento de cinco presunções de laboralidade previstas no art. 12.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, a existência de contrato de trabalho confirma-se pela efectiva integração do prestador na organização empresarial da Ré. Como se escreve no já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2025, importa “considerar a inserção do estafeta na organização empresarial da plataforma. Como já observou o Advogado-Geral SZPUNAR, os estafetas que operam no quadro da plataforma Uber (…) não exercem uma actividade própria que pudesse existir independentemente da mesma. Pelo contrário, a sua actividade só pode existir graças à plataforma, sem a qual ficaria desprovida de sentido. Se fossem considerados trabalhadores autónomos (ou até empresários) poderia questionar-se, como refere AGATHE GENTILHOMME, em que é que consistiria verdadeiramente a sua pretensa autonomia quando o estafeta não fixa o preço que cobra pelos seus serviços e não pode pretender constituir uma clientela própria à medida que vai realizando tais serviços? O estafeta não acede autonomamente ao mercado, mas integra o serviço proporcionado pela plataforma.” Por outro lado, torna-se irrelevante que o estafeta exercesse a actividade sem qualquer dever de exclusividade nem dependência económica em relação à Ré, pois tais elementos não são essenciais do contrato de trabalho. Mais uma vez citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2025, face à inserção do estafeta na organização empresarial da Ré, “indícios de aparente autonomia perdem boa parte do seu alcance: assim, a plataforma permite que o estafeta trabalhe para outras plataformas, mas para além das dificuldades práticas em que tal ocorra sem prejudicar a classificação do estafeta no âmbito de cada plataforma, o direito do trabalho português, à semelhança de muitos, não proíbe o pluriemprego e o contrato de trabalho não exige exclusividade; o estafeta pode ser proprietário de alguns instrumentos de trabalho, mas o principal em toda a operação, a aplicação informática, pertence à plataforma. O estafeta pode recusar algum serviço e conectar-se quando quiser, mas tal é possibilitado pelo modelo empresarial com um grande número de estafetas “concorrendo” entre si. Essa liberdade na escolha do tempo vem acompanhada de um controlo apertado na geolocalização e de aspectos económicos como a fixação da contrapartida no essencial pela plataforma e a circunstância de que a mesma emite os recibos.” Visto, pois, que a Ré não demonstrou a efectiva autonomia do estafeta, deveria a causa ter sido julgada procedente quanto ao prestador AA-2, e nessa medida o recurso procede. DECISÃO Destarte, concede-se provimento ao recurso, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, entre a Ré e AA-2, desde 17 de Julho de 2023. Custas pela Ré. Évora, 29 de Outubro de 2025 Mário Branco Coelho (relator) Emília Ramos Costa Paula do Paço __________________________________________________ [1] In “Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Novo Código do Trabalho – Breves Notas”, publicado no e-book do CEJ “Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário”, 2.ª ed., Janeiro de 2016, pág. 70. |