Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1047/22.1T8PTG-A.E1
Relator: MARIA AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: CRÉDITO HIPOTECÁRIO
AMORTIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
CESSÃO DE CRÉDITO HIPOTECÁRIO
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I-Tendo sido celebrado um contrato de mútuo com hipoteca em que o Embargante, aqui Recorrido, interveio como contratante, nos termos dos quais o pagamento do capital mutuado e juros convencionados era feito em prestações mensais constantes, fraccionadas em 360 prestações, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

II.- Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital mutuado pagável com juros, em que a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

III – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, nos termos do art.º 781.º do CC, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

IV- Na ausência de outra data, valerá para efeitos de contagem do inicio de prazo de prescrição, o da citação em acção executiva, prazo este que, em simultâneo, interrompe a prescrição.

V-Ocorrendo a desistência da instância na execução para vista à celebração de acordo extrajudicial, homologada por sentença, inicia-se a contagem de novo prazo de prescrição a partir dessa data.

VI-Porém, o crédito mantém a mesma natureza de quota de amortização do capital mutuado pagável com juros, sujeita ao mesmo prazo prescricional de cinco anos nos termos do art.310º, als.d) e e) do CC.

VII.- A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil.

VIII-Ocorrendo dupla cessão de créditos e sendo o executado notificado da segunda cessão apenas com a citação para a nova acção executiva decorridos mais de 10 anos após a data da desistência da anterior acção executiva, impõe-se concluir que decorreram muitos mais do que cinco anos, estando a dívida exequenda prescrita, pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do disposto no art.º 310.º, al.s d) e) do Código Civil.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

RELATÓRIO:

AA deduziu embargos de executado no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre - Juiz 1, contra Lx Investemente Partners III S.A.R.L. alegando, em síntese, a incorrecta indicação do valor da execução, bem como a falta de notificação da cedência de créditos. Mais alega que o direito de crédito invocado sempre estaria prescrito, nos termos do disposto no art.º 310º, al.s d) e e) do Código Civil.

Requer que se julguem procedentes os embargos e extinta a execução.

A exequente contestou, alegando, no essencial, que o valor que consta do requerimento executivo padece de lapso de escrita, aceitando que o montante da quantia exequenda é de €103.963,77. Impugna a matéria alegada quanto à falta de notificação da cedência de créditos. Quanto à prescrição da dívida, a mesma não se verifica, dado que o prazo de prescrição a considerar é de 20 anos.

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Realizou-se audiência prévia, nos termos da qual foi anunciada às partes a intenção do Tribunal de conhecer do mérito da causa, em virtude de os autos disporem dos elementos necessários para tal.

Tendo sido notificadas para o efeito, apenas a exequente apresentou alegações de direito.

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Saneados os autos, foi proferida decisão no sentido de julgar procedentes, por provados, os embargos de executado deduzidos por AA contra LX Investment Parters, S.A.R.L., pela verificação de excepção peremptória de prescrição e, em consequência, determinou a extinção da execução contra si pendente, mais se ordenando o levantamento da penhora aí realizada.

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A Exequente Lx Investemente Partners III S.A.R.L, inconformada com o teor da sentença, dela interpôs recurso, concluindo da forma seguinte:

A. Em 21-06-2023, no âmbito dos presentes autos, foi proferida Sentença, no âmbito dos

embargos apresentados pelo executado AA, que julgou verificada a exceção perentória de prescrição e, em consequência, determinou a extinção da execução contra si pendente, mais se ordenando o levantamento da penhora aí realizada.

B. A recorrente discorda, totalmente, que tenha ocorrido a prescrição da dívida pelos fundamentos que se destacarão.

C. Entre o credor originário, o Banco Santander Totta, S.A., cujos créditos foram cedidos à ora exequente e o executado, aqui recorrido, estabeleceu-se uma relação contratual.

D. No âmbito da sua atividade, a 3 de Maio de 2000, a então Companhia Geral de Crédito Predial Português S.A., ao qual veio a suceder o Banco Santander, celebrou com o executado um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança ao qual foi atribuído o n.º ...67.

E. O incumprimento desse contrato levou a que, após interpelação e permanecendo a situação por regularizar, tenha sido intentada, pelo credor originário, a ação judicial que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Avis, secção única, com o n.º 105/08.0TBAVS.

F. Essa ação executiva veio a extinguir-se, por desistência do exequente, na sequência da

celebração de acordo extrajudicial de regularização da dívida com o executado, aqui recorrido.

G. Esse acordo nunca foi cumprido pelo executado.

H. Aliás, o acordo celebrado configura o nascer de uma nova obrigação, incumprida, uma vez mais pelo executado.

I. É indiscutível que o atuar do executado, quer antes, quer após a instauração da execução, sempre se norteou por uma clara despreocupação e desinteresse por cumprir as obrigações assumidas perante o credor originário e, agora, perante a exequente.

J. Note-se que, o crédito foi cedido duas vezes.

K. Em primeiro lugar, a cessionária foi a Hipoteca XXIV Lux S.A.R.L.

L. Posteriormente, essa entidade cedeu o crédito, em 01/08/2019, à exequente, aqui recorrente.

M. Ora, quando a exequente adquiriu o crédito, preocupou-se em dar conta dessa ocorrência ao executado, na medida em que prontamente o notificou.

N. Essa notificação ocorreu, precisamente, em 21/08/2019.

O. O atuar da exequente denota uma preocupação de celeridade em recuperar o seu crédito e em ser processualmente diligente.

P. Após, reuniu toda a documentação necessária para poder instaurar um novo processo

executivo, como o desiderato de recuperar o seu crédito.

Q. O que só foi possível em 2022, face à morosidade subjacente a todos os procedimentos

internos.

R. O executado, antes da interposição da primeira ação judicial foi interpelado para voltar a cumprir.

S. Essa interpelação levou, nos termos do artigo 781.º do CC a que se tenha verificado o

vencimento da obrigação.

T. Vencendo-se a obrigação, deixaram de existir prestações em dívida para passar a haver a globalidade de um montante em dívida.

U. Com a citação no âmbito do processo 105/08.0TBAVS, ocorreu a interrupção da prescrição, por aplicação do artigo 326.º, n.º 1 do CC.

V. Nestes termos, segundo a jurisprudência que a recorrente acompanha com o vencimento da obrigação e em virtude de ter havido uma conversão de dívida parcelar em dívida considerada como um todo o novo prazo prescricional não pode deixar de ser um prazo de 20 (vinte) anos.

W. E mais, deverá considerar-se, até, que o acordo celebrado em sede de primitiva a obrigação dá corpo ao nascimento de uma nova obrigação sujeita a um novo prazo de 20 (vinte) anos.

X. Face ao exposto, é totalmente improcedente e a exequente não concorda com a aplicação ao caso do artigo 310.º, alínea e) do CC, como o fez o tribunal a quo na sentença de que se recorre, mas sim com a subsunção do caso no artigo 309.º do CC.

Conclui no sentido de que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho ora recorrido.

O Tribunal fixou em 103.963,77€ o valor da presente acção (art.º 306.º, n.º 1 e 2 e 297.º, n.º 1, ambos do CPC).

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Não houve contra-alegações.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

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II- FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS

1 No âmbito da sua actividade, a 3 de Maio de 2000, o então Companhia Geral de Crédito Predial Português S.A., ao qual veio a suceder o Banco Santander, celebrou com os executados um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança ao qual foi atribuído o n.º ...67 (documento junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);

2 Nos termos acordados, o Banco entregou aos Executados a quantia de Escudos 13.750.000$00 (treze milhões e setecentos e cinquenta mil escudos), o equivalente a € 68.750,00 (sessenta e oito mil setecentos e cinquenta euros), ficando estes obrigados a restituir o capital mutuado acrescido de juros anuais às taxas contratualizadas entre as partes nos termos ali descritos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

3 O empréstimo seria pago em 360 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira um mês após a data da celebração do contrato (cláusula 9ª);

4 Para garantia do pontual cumprimento das responsabilidades assumidas pelos ora executados, foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Avis ...85 da freguesia de Avis e inscrito na respectiva matriz urbana com o artigo ...72º urbano;

5 Os mutuários deixaram de cumprir as obrigações decorrentes daquele contrato em Novembro de 2007, tendo a Exequente proposto a respectiva acção executiva em 29.09.2008 que correu no Tribunal Judicial de Avis – secção única – com o número 105/08.0TBAVS, tendo a citação ocorrido em 29-01-2009;

6 Na pendencia da acção, no ano de 2009, foram realizados dois pagamentos – 97,44€ e 1270€;

7 Posteriormente, e com vista à celebração de acordo extrajudicial, as partes requereram a desistência da instância, o que foi homologado por sentença datada de 27-06-2011;

8 O acordo nunca foi cumprido, não tendo sido paga qualquer quantia nesse âmbito;

9 Por Escritura Pública de Cessão de Créditos, outorgada em 11 de Dezembro de 2015, o Banco Santander Totta, S. A. cedeu à Hipoteca XXXIV Lux, S.A.R.L., que por sua vez cedeu, em 1 de Agosto de 2019 à ora embargada o crédito que detinha sobre os ora embargantes, com todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo as respectivas hipotecas;

10 A execução foi intentada a 12 de Setembro de 2022, sendo liquidados os seguintes valores, no requerimento executivo:

Capital € 59.577,88

Data Vencimento 29-01-09

Juros hipotecários calculados até 29-01-12

Taxa Crédito Hipotecário (CRP) - 7.096%+ 4% clausula penal 11,10%

Juros Hipotecários € 20.114,98

Juros civis calculados até 06-Sep-22

Taxa juro civil 4,00%

Juros Civis € 25.638,35

Total € 105.331,21

valor pago em 2009 - 1270€+97.44€ = € 1.367,44

Total € 103.963,77

11 O executado AA, e ora embargante, foi citado em 19 de Dezembro de 2022.

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Os factos considerados assentes resultam do teor dos documentos juntos aos autos, com o requerimento executivo, cujo teor não foi impugnado pelo embargante.

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DE DIREITO:

No presente recurso o recorrente insurge-se contra a decisão proferida, por entender que, por força do reiterado incumprimento contratual, fica excluída a hipótese do pagamento fraccionado, passando o valor a ser um e uno. Portanto, deixam de estar em causa quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, passando a estar em causa a globalidade do valor mutuado. Assim sendo, deixa de existir a base fáctica que fundamenta a aplicação do Artigo 310.º/e) do Código Civil, devendo aplicar-se o prazo prescricional geral previsto no Artigo 309.º do Código Civil”, não ocorrendo por isso o prazo prescricional.

Cumpre conhecer do recurso, tendo em conta que foi julgado em 30 de Junho de 2022, como revista ampliada, o recurso de revista interposto no proc. n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, cujo acórdão, transitado em julgado, fixou jurisprudência nestes termos:

«I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»

Tal como ali, está em causa saber se é ou não aplicável «ao caso dos autos o disposto no art.º 310.º al. e) do Código Civil, nos termos do qual prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.” (acórdão de 30 de Junho de 2022), ou se vale o prazo geral de prescrição, atento o vencimento antecipado das prestações, ou se haverá que fazer distinções (cfr. conclusões das alegações, que definem o objecto do recurso).

Está em causa um contrato de mútuo com hipoteca e fiança em que o Embargante, aqui Recorrido, interveio como contratante, nos termos dos quais o pagamento do capital mutuado e juros convencionados era feito em prestações mensais constantes. Entende-se que nestes casos, “O vencimento imediato de todas as prestações ainda em dívida, por falta de pagamento de uma delas, é justificado com a quebra da relação de confiança em que assenta o plano de pagamento calendarizado.”

Ou seja, é estabelecido contratualmente um plano prestacional, sendo que, no caso, por motivos completamente alheios à credora inicial, o mesmo é incumprido. Assistia-lhe, como fez, o direito de rescindir o contrato e exigir o imediato cumprimento integral da dívida.

Incumprido o contrato pelos devedores principais, a entidade mutuante, instaurou execução contra os mesmos visando obter o pagamento do crédito correspondente ao capital não amortizado do empréstimo contraído e respectivos juros.

Foi o que sucedeu no presente caso, dando azo à instauração da acção pelo credor inicial, no tribunal de Avis, tendo os executados sido citados em 29-1-2009, nos termos provados em 5 a 7.

No decurso dessa execução, na pendencia da acção, no ano de 2009, foram realizados dois pagamentos – 97,44€ e 1270€; (Facto 6)

Posteriormente, e com vista à celebração de acordo extrajudicial, as partes requereram a desistência da instância, o que foi homologado por sentença datada de 27-06-2011; (Facto 7).

O acordo nunca foi cumprido, não tendo sido paga qualquer quantia nesse âmbito; (facto 8)

Ocorreu a cedência de créditos por Escritura Pública de Cessão de Créditos, outorgada em 11 de Dezembro de 2015, o Banco Santander Totta, S. A. cedeu à Hipoteca XXXIV Lux, S.A.R.L., que por sua vez cedeu, em 1 de Agosto de 2019 à ora embargada o crédito que detinha sobre os ora embargantes, com todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo as respectivas hipotecas; (facto 9)

A execução foi intentada a 12 de Setembro de 2022; (Facto 10)

O executado AA, e ora embargante, foi citado em 19 de Dezembro de 2022. (Facto 11)

Ou seja, após a desistência da instância da execução inicial, ocorrida em 2011, ocorreu cedência de créditos em 2015 e depois em 2019 e os executados só foram citados em 2022.

Com a citação ocorrida na execução inicial, os executados foram interpelados para cumprir as prestações que se haviam vencido na sua integra, nos termos conjugados dos arts 781º e 805º do CC.

No presente recurso, está em causa a aplicabilidade ao caso dos autos do disposto no art.º 310.º al. e) do Código Civil, nos termos do qual prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, ou antes a aplicação do prazo geral de prescrição, como defende o recorrente.

O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de “proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos”.

Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3ª ed., pg. 278).

A considerar-se que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artº 309º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).

Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.

Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.

E pese embora possamos considerar que, “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados”, como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., nº 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a “acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor” que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.

Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o art.º 310.º al. e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.

“Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artº 310º”.

Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.

A “ratio” das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).» (Cfr. acórdão proferido no proc. n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1).

O Ac STJ de 28-4-2021, Relatora Graça Amaral, Proc. nº 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1, cujo entendimento sufragamos, refere que …”o entendimento do acórdão recorrido de considerar aplicável no caso o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, mostra-se consentâneo com o posicionamento que este tribunal tem vindo reiteradamente a defender em situações similares às dos presentes autos. (Cfr. entre outros, acórdãos de 09-02-2021 (Processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1), de 12-11-2020 (Processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1) e de 18-10-2018 (Processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.), dado estarem em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), não relevando para o enquadramento em termos de prescrição a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento.

Com efeito, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada como defende a Recorrente nas suas alegações (cfr. conclusões i), mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.

Refere este respeito o recente acórdão de 09-02-2021 supra indicado “o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”.

Nestes casos, conforme salienta Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º, do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, p. 127, citada acima indicado o acórdão deste tribunal de 09-02-2021,

“não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.”

Como explicita ainda o mesmo acórdão de 09-02-2021, “desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos, para a verificação da prescrição.

Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).

Neste âmbito, o legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como no mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC.

Com efeito, a razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.

Dada tal equiparação de regime, compreende-se que, ao caso, não possa ser aplicável o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC.

A natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual.

A tal propósito explica o acórdão deste tribunal de 09-02-2021 (Referenciando o acórdão do STJ, de 10-09-2020, Processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1), que a perda do benefício do prazo traduzida no vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas não altera a natureza da dívida, mas repristina “a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.

(…) O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.”.

Assim sendo, levando ainda em linha de conta que, no caso dos autos, a apreciação do direito da Exequente se mostra analisado à luz do pedido em sede de requerimento executivo - vencimento antecipado das prestações nos termos previstos no artigo 781.º, do Código Civil - não merece acolhimento o entendimento da Embargada de pretender ver aplicável à situação dos autos (que agora integra em termos de contrato de empréstimo já resolvido) o prazo ordinário de prescrição de vinte anos ao abrigo do artigo 309.º, do Código Civil.

Entendemos ainda, que se afigura errónea a posição adoptada na sentença objecto de recurso, que considerou deixar de existir a base fáctica que fundamenta a aplicação do Artigo 310.º/e) do Código Civil.

Ac. do STJ de 29-04-2021, Relator Conselheiro Cura Mariano, Proc. nº 723/18.8T8OVR-A.P1.S1.

Refere este Acórdão, em termos que aderimos, que “Com estas prescrições de médio prazo pretendeu-se evitar que, devido à inércia do credor, se dilate excessivamente o valor de uma dívida que, devido às prestações acumuladas, possa atingir uma dimensão tal que provoque a insolvência do devedor [5], nelas se tendo incluído, expressamente (alínea e) do artigo 310.º), as prestações relativas à amortização periódica de capital quando combinada com os juros que remuneram o adiantamento desse capital, abrangidos pela previsão da alínea anterior.

[5] VAZ SERRA, Prescrição Extintiva e Caducidade, B.M.J. n.º 106, pág. 119, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 280, FILIPA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 124-125, JÚLIO GOMES, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 755, e RITA CANAS DA SILVA, Código Civil Anotado, Almedina, 2017, pág. 382.

Como denunciam os trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, da autoria de VAZ SERRA, adotou-se a solução na altura consagrada no B.G.B. [6]: com os juros devem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão § 197), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros [7].

[6] Dispunha, na altura, o § 197 do B.G.B. que os créditos relativos a estas prestações compósitas prescreviam em quatro anos. Todas as prescrições de médio prazo vieram, contudo, a desaparecer, com a reformulação do regime da prescrição operada pela Reforma do B.G.B., ocorrida em 2001/2002.
[7] Est. cit., pág. 113-114.

Outra não podia ser a solução, uma vez que seria, no mínimo, estranho, o concurso de duas prescrições com prazos distintos sobre as mesmas prestações compósitas (uma quanto aos juros e outra quanto à amortização do capital).

Anteriormente, no domínio do Código de Seabra, apesar de se prever um prazo de prescrição de cinco anos para as prestações vencidas que se costumam pagar em certos e determinados tempos (artigo 543.º), defendia-se que tal previsão, por ser excecional, deveria ser interpretada de forma restritiva, não abrangendo as anuidades de capital e juros convencionadas para a lenta amortização duma dívida [8].

[8] CUNHA GONÇALVES, Tratado de direito civil em comentário ao Código Civil Português, vol. III, Coimbra Editora, 1930, pág. 749.

As prescrições de curto prazo das alíneas d) e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem, assim, inequivocamente, as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo [9], como sucede com o crédito exequendo.

[9] FILIPA MORAIS ANTUNES, ob. cit., pág. 128-129, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. V, 3.ª ed., Almedina, 2018, pág. 214, e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.03.2014, Proc. n.º 189/12 (Rel. Silva Gonçalves); de 29.09.2016, Proc. n.º 201/13 (Rel. Lopes do Rego); de 06.06.2019, Proc. n.º 902/14 (Rel. Abrantes Geraldes); de 12.11.2020, Proc. n.º 7214/18 (Rel. Maria do Rosário Morgado); e de 14.01.2021, Proc. n.º 6238/16 (Rel. Tibério Nunes da Silva).
O Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 18.10.2018, Proc. n.º 2483/15 (Rel. Olindo Geraldes); de 23.01.2020, Proc. n.º 4518/17 (Rel. Nuno Pinto Oliveira); de 3.11.2020, Proc. n.º 8563/15 (Rel. Fátima Gomes); de 10.09.2020, Proc. n.º 805.16 (Rel. Rijo Ferreira); e de 26.01.2021, Proc. n.º 20767/16 (Rel. Maria João Vaz Tomé), também tem considerado que é aplicável este prazo de prescrição de cinco anos, mesmo quando o credor tenha já exigido o pagamento antecipado de todas as prestações, com fundamento na falta de pagamento de uma delas.

-O Ac. do STJ de 06-07-2021, Relatora Conselheira Fátima Gomes, Proc. nº 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, defendeu o seguinte:

I-Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

II.- Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

III.- A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil.

Também o Ac. do STJ de 14-7-2021, Relator Conselheiro Ilídio Martins, Proc. nº 1249/18.5TMMN-A.E1.SL, publicado in www.dgsi, entendeu o seguinte:

Seguindo de perto o acórdão do STJ 27.03.2014, Proc.º nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, diremos, em síntese, que, “desde há muito tempo que a doutrina e a jurisprudência vêm explicitando que a razão da “prescrição” se vai buscar à praticada negligência do titular de discriminado direito, consubstanciada na omissão do seu exercício durante certo tempo, que o legislador contabiliza e durante o qual se faz presumir a renúncia ao direito, ou, torna aquele indigno de protecção jurídica (Prof. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II; pág. 445-446).

A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador (Ac. STJ de 19.06.2012; Relator o Ex.mo Cons. Dr. Fonseca Ramos; www.dgsi.pt). O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil).

Todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

Esta prescrição legal, compreendida nas designadas prestações periodicamente renováveis, é comummente defendida pela circunstância de, através dela, se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, deixe amontoar o seu crédito a tal ponto que torne demasiado dificultada a prestação do devedor - Prof. Manuel de Andrade; ob. Citada; pág. 452.

Nos termos do que está proposto no n.º 1 do art.º 304.º do C.Civil, verificada a prescrição pelo decurso do prazo prescricional, é conferida ao devedor, seu beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito; e estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298.º, n.º 1 do C.Civil)”.

“Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil (…).

“Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

“O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição”

(Cfm. Ac STJ de 18.10.2018, Proc.º nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, in www.dgsi.pt/jstj)

“Os empréstimos bancários para aquisição de habitação própria cujo pagamento, por acordo das partes, foi fracionado em prestações que incluem o pagamento de juros, prescrevem no prazo de cinco anos, por aplicação do artigo 301.º, alínea e), do Código Civil”.

AC RE de 21.5.2020, Proc.º nº 8563/15.0T8STB-A.E1,citado no acórdão recorrido (fls 158 vº) e alcançável in www.dgsi.pt/jtre

Neste Acórdão do STJ, entendeu-se que o débito dos executados se concretizou desde a subscrição do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca operada em 26.08.1998, concedido pelo prazo de 25 anos numa quota de amortização mensal de 300 prestações de capital e juros, a primeira com vencimento no dia cinco do mês seguinte ao do início do contrato.

E concluiu que:

A atitude da exequente enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil, e, por isso, assiste aos executados o privilégio de poderem recusar o cumprimento da prestação pedida na execução contra eles movida.

Este entendimento veio a seguido no referido Acórdão de uniformização de Jurisprudência e, depois dele, entre outros, no Ac. do STJ de 29-11-22, Relatora Maria dos Prazeres Beleza, Proc. nº 12754/19.6T8SNT-A.L1.S1, ao entender:

I. Tal como se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 30 de Junho de 2022, proc. n.º 1736719.8T8AGD-B.P1.S1, o vencimento antecipado de todas as prestações de um mútuo liquidável em prestações, com juros, em consequência da perda do benefício do prazo, não altera o prazo de prescrição aplicável, que é de cinco anos, nos termos do disposto na al. e) do artigo 310.º do Código Civil.

II. O prazo conta-se a partir desse vencimento.

No caso dos autos, o vencimento da obrigação ocorreu nos termos do art.781º do CC, pela falta de pagamento das prestações ocorrida desde Novembro de 2007, pelo menos com a citação para a execução inicial, ocorrida em 29-1-2009.

Nessa data, ocorreu a interrupção da prescrição, nos termos do art.323º, nº1, do CPC.

Posteriormente, e com vista à celebração de acordo extrajudicial, as partes requereram a desistência da instância, o que foi homologado por sentença datada de 27-06-2011; (Facto 7).

Como a execução terminou por desistência da instância, começou a correr o novo prazo após essa data. (arts.327º, nº2, do CPC).

O acordo nunca foi cumprido, não tendo sido paga qualquer quantia nesse âmbito; (facto 8)

Iniciando a contagem de novo prazo de prescrição, que não descaracteriza a natureza da obrigação. Como vimos, o legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como no mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC.

Não sufragamos o entendimento do recorrente no sentido de que, com o novo acordo, passou a existir uma obrigação unitária sujeita ao prazo geral de prescrição, por se manterem no caso as razões que determinam a aplicação do curto prazo de cinco anos.

Aderimos ao entendimento sufragado no Ac do S.T.J. de 2/11/2020, proferido no proc nº7214/18.5T8STB-A.E1.S1 e disponível em www.dgsi.pt:

“I – O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na al. e), do art. 310º, do CC:;

II – A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.”

E também o Ac. do S.T.J. de 6/7/2021, proferido no proc nº6261/19.4T8ALM-A.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt:

“I.— Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

III. —A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil.”

Também os juros estão abrangidos pela prescrição de curto prazo, em concreto de 5 anos, estabelecida na al. d) do art. 310.º do Código Civil.

Mantendo a divida a mesma natureza, surge a questão da cessão de créditos.

Dispõe o nº1 do artº 577º do Cód. Civil que:

“O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente

do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”

Sendo que, o nº1 do artº 583º estatui que:

“A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que

extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”

A este respeito provou-se que:

Por Escritura Pública de Cessão de Créditos, outorgada em 11 de Dezembro de 2015, o Banco Santander Totta, S. A. cedeu à Hipoteca XXXIV Lux, S.A.R.L., que por sua vez cedeu, em 1 de Agosto de 2019 à ora embargada o crédito que detinha sobre os ora embargantes, com todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo as respectivas hipotecas;

A execução foi intentada a 12 de Setembro de 2022

O executado AA, e ora embargante, foi citado em 19 de Dezembro de 2022.

Não lograram ficar provadas, porque foram impugnadas, as datas de notificação da cessão, invocadas pela recorrente, estando este Tribunal limitado aos factos provados, até porque, nem sequer houve impugnação da decisão de facto.

Dos factos provados, há que considerar como data da notificação da cessão do crédito, a data da citação ocorrida em 19 de Dezembro de 2022.

Entre 27/6/2011 e 19 de Dezembro de 2022 decorreram muitos mais do que cinco anos, razão pela qual se impõe entender que a dívida exequenda está prescrita, pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do disposto no art.º 310.º, al.s d) e) do Código Civil.

Aliás, segundo o entendimento que sufragamos, e tendo presentes os factos provados, à data da cessão de créditos à embargante (1 de Agosto de 2019), a divida exequenda estava prescrita.

Improcede a Apelação, devendo ser confirmada a sentença objecto de recurso.

*

DECISÃO:

Nos termos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a Apelação, confirmando na integra a sentença objecto de recurso.

Custas a cargo da Apelante.


(Esta decisão foi elaborada pela Relatora e por ela integralmente revista)

Évora, 7-12-2023

Maria Amélia Ameixoeira

José António Moita


Maria Adelaide Domingos