Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5226/15.0T8STB-A.E1
Relator: FILIPE CÉSAR OSÓRIO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
TESTEMUNHA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

I. O despacho de indeferimento de ampliação do pedido configura uma rejeição de articulado, o qual, por não ser contemporâneo da sentença, é susceptível apenas de recurso autónomo para efeitos do disposto no art. 644.º, n.º 2, al. d), do CPC (ex vi art. 853.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPC).


II. Para ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615.º, n.º 2, al. c), do CPC) impunha-se que alguma passagem da sentença se prestasse a interpretações diferentes e a tornasse incompreensível. No caso concreto, pode não se concordar com a sentença pelos mais diversos motivos, mas não ocorreu qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, porque se compreende o motivo da condenação, como acima referido, por isso a sentença não é nula.


III. Não ocorre omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 2, al. d), do CPC) porque o juiz pronunciou-se sobre todas as questões por si devidamente elencadas na sentença.


IV. Verificam-se os pressupostos de admissibilidade da impugnação do ponto 6 dos factos provados, mas não do ponto 9 porque neste caso o Recorrente não especificou quais os meios probatórios, nem nas conclusões nem no corpo das alegações constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida.


V. Em regra, quando uma determinada testemunha vem depor em audiência de julgamento a referir que assistiu apenas a um determinado episódio, como o que sucedeu no caso concreto, exige-se algo mais, exige-se uma qualquer confirmação objectiva e insuspeita de outro meio de prova – por exemplo, o Embargado (a parte contrária) poderia ter confirmado pelo menos que esta testemunha também estava presente no local, mas nada disse a esse respeito – por isso, não temos qualquer elemento objectivo e insuspeito de onde resulte a presença desta testemunha no local em causa, entre outras particularidades, assim sendo, a sua valoração deve ser rodeada de maiores exigências e cautelas, com especial acuidade nos pormenores relatados tanto pela testemunha como pelo Embargante, para se poder compreender se aquela esteve mesmo no local e se os facto relatados ocorreram efectivamente, ou seja, se é credível.

Decisão Texto Integral: *

Apelação n.º 5226/15.0T8STB-A.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto

2.º Adjunto: José António Moita

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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


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I. RELATÓRIO


Execução com processo sumário


- Embargos de Executado: Oposição à Execução – Oposição à Penhora


Embargante – Executado – Recorrido – AA


Embargado – Exequente – Recorrente – BB


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Objecto do litígio:


1. BB instaurou execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra AA para pagamento da quantia global de €13.739,99, correspondente à quantia em dívida de €11.450,00 acrescida de juros de mora no montante de €2.289,99.


Para o efeito, alegou no Requerimento Executivo que o Exequente (na qualidade de subempreiteiro) celebrou três contratos de Subempreitada com o Executado (na qualidade de empreiteiro) para realizar determinada obra em ...; o Executado constituiu-se na obrigação de pagar ao Exequente as quantias de €7.000,00, €6.000,00 e €6.000,00, inerentes a cada um dos contratos perfazendo um total de €19.000,00; o Executado não liquidou parte do segundo contrato assim como todo o valor constante do 3.º contrato, no montante global de €11.450,00; o Exequente recebeu o último pagamento em 30/10/2012 em cheque n.º ..., no valor de €2.500.00 tendo o Executado pago mais alguns montantes em dinheiro, o último a ser entregue foi no valor de €550,00 em dinheiro; encontrando-se há muito vencido o pagamento do restante valor em dívida, no montante de €11.450,00; sobre esse valor são devidos juros.


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2. O Executado deduziu oposição à execução e à penhora mediante Embargos de Executado, pedindo que o Tribunal:


1. Declare a extinção da execução:

a. pelo pagamento das verbas peticionadas, correspondente aos contratos celebrados entre exequente e executado.

b. Pela inexigibilidade da divida; subsidiariamente,

2. Declare a prescrição dos juros e a incorreção da aplicação da taxa de 7%.


3. Ordene o levantamento da penhora sobre as 2 viaturas, por serem instrumentos de trabalho fundamentais na atividade do oponente/embargante; ou, subsidiariamente,


4. Designe como fiel depositário o executado ora embargante.


Para o efeito, o Embargante alegou essencialmente que dos €19.000,00 contratados, procedeu ao pagamento de €17.550,00, pelo que, a dever, apenas deveria a quantia de €1.450,00, sendo que não pagou tal quantia, uma vez que ficou a aguardar que o exequente concluísse o trabalho de descofragem, o que não aconteceu. Alega, ainda, que os €10.000,00 que o embargado acrescenta à dívida (€10.000,00 + €1.450,00 = €11.450,00), correspondem ao valor que a dona da obra disse, em voz alta (segundo o embargante a mesma disse: «se o empreiteiro ainda tinha 10 000,00 EUR para receber, por que razão não pagava o resto ao subempreiteiro»), que ainda tinha a pagar ao executado (empreiteiro), o que levou o exequente (subempreiteiro) a concluir que esse valor lhe deveria ser pago a si.


Alegou ainda quanto aos juros pedidos que os mesmos não são devidos, pois a dívida está paga, sendo que, mesmo que se entendesse que a dívida não estaria paga, os juros de 2012 a 2018 estariam prescritos (artigo 310.º-d), do Código Civil), para além de que, para os não prescritos, a taxa aplicável seria de 7% e não de 8%. Por outro lado, refere que nunca o embargado notificou o credor de modo admonitório para o cumprimento da hipotética obrigação.


Mais alegou que os bens que foram penhorados (2 viaturas), são instrumentos de trabalho fundamentais na continuidade da atividade profissional de um pequeno empresário, o caso do embargante, pelo que são impenhoráveis.


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3. Os Embargos foram admitidos liminarmente.


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4. Na Contestação o Embargado alegou resumidamente o seguinte:


Quanto à alegada extinção parcial da dívida, reitera o que refere no requerimento executivo quanto à falta de pagamento da dívida, referindo, ainda, que é falso que o Embargado detenha uma relação de pagamentos. Mais alega que o empreiteiro tinha a obrigação de emitir as faturas, ou documentos equivalentes, no prazo e condições previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, e no prazo previsto no n.º 1 do artigo 36.º do mesmo Código, entregá-las ao subempreiteiro, inexistindo, por conseguinte, dificuldade em que o executado prove que procedeu aos pagamentos das alegadas quantias descritas.


Quanto à impenhorabilidade dos veículos, alega que as viaturas penhoradas têm um valor venal muito baixo devido à sua idade e uso, devendo proceder-se à imobilização, ficando constituído como fiel depositário o exequente, por se temer que o executado continue a utilizá-las, desvalorizando assim ainda mais os veículos que já têm um valor residual. Mais refere que não se encontra devidamente justificado serem as viaturas instrumentos adstritos ao trabalho, vitais para o exercício da atividade, e não está demonstrado que estes instrumentos assegurem o mínimo de condições de vida, uma vez que o agregado familiar explora na ... um estabelecimento comercial de venda de bebidas, como demonstram os documentos anexos aos autos pela Senhora Agente de Execução.


Quanto à prescrição, alega que a ação executiva entrou em 16-06-2015, pelo que se interrompeu o prazo de prescrição (artigo 323.º/1 do Código Civil), sendo que não tinham ainda decorrido 5 anos. Quanto à falta de interpelação, alega que é falso, que sempre interpelou o embargante para pagar. Quanto à taxa aplicável, corrige o referido no requerimento de execução, alegando que à data do requerimento executivo a taxa era de 8,05%, mas posteriormente, com o Aviso n.º 563/2015 da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, passou para 7,05% (durante o 1.º semestre de 2015).


Por fim, invoca a litigância de má fé do Embargante, referindo que o este altera a verdade dos factos, deduz afirmações ofensivas do bom nome


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5. Não se admitiu a suspensão da execução, foi elaborado despacho saneador, fixado o objecto do litígio, enunciados os temas de prova, admitidos meios de prova e agendada a audiência final.


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6. Foi realizada audiência final em duas sessões – 02/05/2024 e 21/05/2024.


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7. AMPLIAÇÃO DO PEDIDO – Por Requerimento de 20/05/2024 o Embargado/Exequente veio requerer «que seja ampliado o pedido ao abrigo do n.º 2 do artigo 265.º do CPC, devendo o executado, ser condenado nos pedidos originalmente formulados, e por via da ampliação que seja também condenado ao pagamento da quantia de mil e quatrocentos euros, pelos trabalhos da execução da escada em betão (degraus), serviços não incluídos nos contratos escritos celebrados entre as partes, ao qual devem ser acrescidos juros vencidos até integral pagamento.» alegando para o efeito as razões que em seu entender fundamentam tal pedido.


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8. REJEIÇÃO DA AMPLIAÇÃO DO PEDIDO – Sobre o aludido Requerimento incidiu o despacho proferido na segunda sessão de audiência final (21/05/2024), como segue:


Os embargos de executado são um incidente da ação executiva que tem apenas como fim a extinção total ou parcial da execução, é um incidente que tem como autor o embargante e não cabe nos embargos de executado proceder a alterações quantitativas para quantia superior da quantia exequenda, requerimentos da natureza do que foi apresentado no dia de ontem apenas poderão ser feitos nos autos principais, nos autos de execução e aí serão apreciados.


Em sede de embargos, o que se está a discutir é apenas se a quantia que foi pedida nos autos principais é ou não devida, integral ou parcialmente.


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Dito isto, indefere-se o requerimento.”.


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9. Sentença em Primeira Instância:


Foi proferida sentença em primeira instância com o seguinte dispositivo:


«Em face do supraexposto, julga este Tribunal parcialmente procedentes os presentes embargos e a presente oposição à penhora e, em consequência:


a) Declara o prosseguimento dos embargos apenas para o pagamento da quantia de 1450,00 EUR, acrescida de juros de mora à taxa comercial, desde 09-05-2017, que ascendem atualmente ao valor de 785,73 EUR.


b) Declara a prescrição dos juros vencidos desde a data do vencimento da obrigação (22-07-2015) até ao dia 08-05-2017, nos termos do artigo 310.º-d) do Código Civil.


c) Determina o levantamento da penhora da viatura com a matrícula ..-..-PJ, marca IVECO.


d) Declara a improcedência do demais peticionado.».


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10. Recurso de apelação do Exequente/Embargado//Recorrente:


O Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença com as seguintes conclusões:


«I - O Sr. Juiz indeferiu o requerimento de ampliação do pedido nos termos do n.º 2 do artigo 265.º do CPC, datado de 20.05.2024 (ref.: 8018519) promovido pelo embargado na segunda audiência de julgamento.


II - A ampliação do pedido que devia ter sido julgada procedente pelo Tribunal a quo, no âmbito da sua competência e poderes conferidos ao julgador.


III – Em consequência da admissibilidade da ampliação do pedido, deviam ter sido apurados todos os elementos de prova, admitindo a quantia pedida de mil e quatrocentos euros, de trabalhos não previstos nos contratos celebrados entre as partes.


IV - Os trabalhos adicionais/extras executados pelo recorrente, foram discutidos no decorrer da audiência e julgamento, mediante declarações de


V - O pedido de ampliação pode ser admitido até ao encerramento do julgamento, por estar intrinsecamente conectado ao requerimento executivo, sendo o julgamento o desenvolvimento do pedido primitivo, e por existir uma conexão com os demais pedidos deduzidos originariamente, na mesma causa de pedir.


VI – Se o executado viesse a apresentar novo requerimento executivo, com o valor da ampliação peticionado, estaria a violar o princípio da economia processual, previsto no artigo 6.º do C.P.C.


VII - Compete ao Tribunal ad quem, julgar a ampliação do pedido, julgando-o procedente por provado.


VIII - A segunda questão plasmada na decisão do Tribunal a quo que merece apreciação, perante a qual o embargante não deve ser condenado a pagar ao embargado a quantia de 10.000 euros.


IX – Foi dado como provado, nos factos não provados (ponto 6) que o embargante não pagou ao embargado a quantia de 17.550 euros.


X - O Tribunal a quo deu como facto provado (ponto 5) que o embargante pagou a embargado a quantia não inferior a 7.550 euros.


XI - A sentença aclara que o embargado não foi suficientemente credível quanto à fundamentação da decisão de facto.


XII – Quanto aos factos narrados pela testemunha CC são dissemelhantes e contraditórios dos transcritos na sentença e nos depoimentos do embargante AA.


XIII - A alegada folha (alegação repetida à exaustão pela testemunha CC), na qual constam os pagamentos, assinatura(s) e datas, com efeito constam no dito “papel”, as assinaturas não do embargado, trata-se do documento do n.º 2 “Mapa de Pagamentos” junto pelo embargante na sua “Oposição à Execução e Penhora”.


XIV - O embargado sempre afirmou que nunca assinou qualquer documento, ainda que de quitação, esta circunstância deve-se às relações comerciais entre empreiteiro e subempreiteiro que sempre se pautaram por cordiais e de boá fé ao ponto de inexistirem assinaturas dos pagamentos nas obras anteriores, e na obra do “Colégio dos ...”, sucedeu o mesmo.


XV - A(s) rúbrica(s) que consta(am) no documento supra não (são) seguramente do embargado BB.


XVI - A alegada distância na entrega do local de pagamento nas bombas da ...), é superior à referida pelo Tribunal a quo.


XVII – A testemunha CC estava sentada na carrinha do embargante estacionada a uns 50/60, 70 metros do local de encontro entre embargante e embargado, como resulta da gravação áudio de 02.05.2024 prestada pela testemunha CC, no intervalo de 00:02:13 a 00:02:24.


XVIII - É inverosímil e de senso comum, observar a “olho nu” uma folha de papel a 50, 60 metros de distância, sem qualquer instrumento auxiliar de visualização.


XIX – Segundo o testemunho de CC, o embargante colocou a folha em cima do capot do carro do embargado que este assinou depois ficou com a folha na mão, já não a devolveu, entre eles trocaram para ali algumas palavras, mas não teve a percepção do que foi dito.


XX – É questionável o testemunho de CC quando afirma que, a “dita” folha aportada pelo embargante AA é a folha locupletada pelo embargado.


XXI – O embargante acertou o encontro com o embargado no dia 30 de Outubro de 2012, combinaram se encontrar, para BB recolher cheque de 2.500 euros, na lavagem da ..., local de residência de AA.


XXII – Acontece que os depoimentos de AA, nunca referem que estava acompanhado do “amigo”, CC.


XXIII - O embargante explorava/explora um estabelecimento comercial (café como resulta dos autos) na ..., no mesmo onde entregou o cheque no dia 30.10.2012 ao embargado.


XXIV - O Embargante combinou entregar o cheque ao embargado, perto da lavagem da ..., local de residência de AA, como bem refere, “ali perto onde a gente morava”.


XXV – Por quê ir de carro com o “amigo” CC, quando o cheque foi entregue junto do estabelecimento explorado por AA e também morava ali perto.


XXVI - Foi perguntado à testemunha CC se se recordava da marca, cor e qual o tipo de carro do embargado onde foi realizado o encontro de 30.10.2012 para entregar o cheque, por ele foi dito, que não se recordada da marca, nem da cor do carro (gravação áudio de 00:11:48 a 00:12:32).


XXVII - Não houve qualquer folha/“papel” donde o embargado assinasse os pagamentos feitos pelo embargante, o tal dito “papel” é o documento n.º 2 anexo à “Oposição” (imagem supra inserida).


XXVIII – A testemunha CC terá sido forjada, para dar razão ao embargante, em desfavor do embargado.


XXIX – O embargado contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, não se apoderou da relação de pagamentos, tal asserção não corresponde à verdade.


XXX – Inexistia qualquer outro documento escrito que confirma e prove a quitação das quantias recebidas pelo embargado.


XXXI – Ficou provado que o embargante chegou a pagar quantias em numerário de 550 euros, 50 euros e 100 euros ao embargado. Porque motivos não constam no “Mapa de Pagamentos”?


XXXII – A testemunha CC afirmou que chegou a ver a assinatura dessa folha, mas não sabe de quem era.


XXXIII - O Tribunal a quo, tomou parte a favor do embargante com base na culpa do embargado de ter retirado a folha, aproveitando-se para fundamentar a reversão do ónus da prova.


XXXIV - Entendeu o Tribunal a quo culpar o embargado por ter subtraído o documento ao embargante que continha as assinaturas no dito “papel”, acto considerado ilícito, o que permitiu a reversão do ónus da prova, como estabelece o n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.


XXXV - O Tribunal a quo, formou a sua convicção num testemunho inverdadeiro, e depoimentos incongruentes com a testemunha CC, razões que deviam ter sido tomadas em conta na elaboração da sentença, quanto à inversão do ónus da prova, por inexistirem actos culposos, ilícitos ou da responsabilidade, praticados pelo embargado.


XXXVI - A matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, assenta nos depoimentos do embargante, declarações de parte do embargado e na testemunha CC, e os documentos anexos aos autos.


XXXVII - A culpa do embargado assenta na falta de documentos comprovativos do recebimento dos 10.000 euros, opera contra o embargado pela reversão do ónus da prova.


XXXVIII - O Tribunal a quo alega que o embargado não estava a falar com verdade, mais precisamente, não sendo inteiramente credível, (havia assim ainda alguma credibilidade) quanto aos valores recebidos, suportados num caderno apresentado para o efeito.


XXXIX - Está vedado ao Tribunal a quo deduzir que o embargado não tivesse sido inteiramente credível, a apreciação da matéria de facto tem limites, o embargado ao longo do julgamento contribuiu para o apuramento da verdade.


XL - E, cumpriu com o dever de cooperação, tendo contribuído para a descoberta da verdade, a violação destes princípios permite a aplicação do n.º 2 do artigo 417.º do C.P.C.


XLI - O Ac. do S.T.J. 6.ª Secção, Processo n.º 1410/17.0T8STR.E1. S1, sumaria que a … inversão do ónus da prova é suscetível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que a aprecia as provas produzidas.


XLII - No sumário do citado acórdão do S.T.J., alude que, …a inversão do ónus da prova apresenta-se como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, e acrescenta, que há violação do princípio da cooperação consagrado no n.º 2 do artigo 417.º do C.P.C., … quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte culpante podia e devia agir de outro modo.


XLIII - O recorrente sempre pautou a sua actuação no desfecho da decisão judicial, nunca houve ou se verificou recusa, a participação do embargado, assentou nos princípios de boa fé e da cooperação tendo adoptado uma conduta colaborante e de lealdade, para com o Tribunal a quo.


XLIV - Inexistindo falta de colaboração, culpa ou responsabilidade do embargado, não havendo documentos de quitação, nem documento que comprove o pagamento, restava o Tribunal a quo, considerar como provado a falta de pagamento ao embargado de 10.000 euros


XLV - As declarações do embargante foram credíveis quando declarou que os montantes entregues foram em numerário e por cheques, prova essa, que deve ser valorada pelo Tribunal ad quem, no presente recurso.


XLVI - A livre apreciação da prova, não é um poder absoluto do julgador, este está vinculado por todos os elementos de prova não podendo de eles fazer “tábua rasa”.


XLVII - Inexiste acto ilícito praticado pelo embargado, por conseguinte, não pode haver inversão do ónus da prova, e assim desfavorecê-lo, competindo ao Tribunal ad quem, reverter a decisão a favor do recorrente.


XLVIII - Competia ainda ao Tribunal a quo, advertir previamente as partes da inversão do ónus da prova, o que não veio a acontecer, como deslinda o S.T.J., (…) XII - De qualquer modo, deverão as partes ser advertidas previamente da eventualidade daquela inversão do ónus da prova, de forma a poderem gerir o esforço probatório que lhe é exigível e a evitar uma decisão-surpresa, como decorre do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do CPC (…).


XLIX - O embargado considera não estar provado que tenha culpa ou responsabilidade, por não ter praticado qualquer acto ilícito no decorrer das audiências de julgamento, estando vedado ao Tribunal a quo se arrogar aplicar o artigo 344.º n.º 2 do Código Civil.


L - Houve erro de julgamento quanto à apreciação de matéria de facto, instituído na alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615.º do C.P.C., o que acarreta a nulidade de sentença quando esta está pejada de ambiguidade e/ou obscuridade dos factos provados e não provados, ou a falta de omissão de pronúncia.


LI - Existem erros na apreciação da prova quanto à seguinte matéria de facto:


- a distância descrita na sentença e a relatada pela testemunha CC;


- o testemunho de CC está pejado de inverdades, foi forjado, quando o embargante confessa que o encontro de 30.10.2012 se realizou “perto onde a gente morava”, porque razão havia necessidade de CC acompanhasse, ainda que “casuisticamente” AA, naquela deslocação?


- a testemunha CC, não consegue precisar os valores, as datas, nem as assinaturas contidas na dita “folha”;


- a folha, “Mapa de pagamentos” em causa é do documento n.º 2 anexo à Oposição do embargante;


- o embargado jamais assinou ou rubricou aquele ou outro documento;


- a descredibilização das declarações prestadas pelo embargado, devem valer de idêntica valorização às do embargante, - artigo 4.º do CPC.


- não devia ter sido dado como provado o ponto 6 dos factos provados;


- o ponto 9 do factos provados, devia merecer tutela diversa, não devia ser ordenado o levantamento da penhora do veículo, por não ser instrumento de trabalho;


- o tribunal devia ter pedido ao embargante que provasse a sua actividade na área da construção civil, para aferir se o veículo é instrumento de trabalho do embargante.


LII – Foram violados entre outros, os artigos 344.º, n.º 2 do Código Civil e 615.º n.º 1, al. c), do C.P.C., devendo o Tribunal ad quem anular a sentença recorrida, dando provimento aos pedidos do embargado.


LIII - Compete ao Tribunal ad quem, julgar a apelação procedente por provada, conferindo ao embargado o recebimento das quantias não pagas pelo embargante no montante de 11.450 euros, acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.


LIV - Que sejam satisfeitos os demais pedidos, devendo ser mantida a penhora sobre a viatura IVECO, matrícula ..-..-PJ, por não ter a actividade de construção civil activa, e manter os demais pedidos peticionados pelo embargado/recorrente.».


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11. Resposta


Não foram apresentadas contra-alegações.


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12. O recurso foi admitido e foi proferido despacho sobre as nulidades invocadas recusando a sua verificação.


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13. Questão prévia – Da in/admissibilidade de recurso do despacho de 21/05/2024 que indeferiu a ampliação do pedido formulado pelo Embargado por Requerimento de 20/05/2024:


O Embargado apresentou recurso de apelação da sentença final e em simultâneo da decisão que indeferiu a ampliação do pedido.


Em 19/06/2024 o Embargado/Recorrente interpôs recurso de apelação do despacho proferido em 21/05/2024 que indeferiu o seu Requerimento de ampliação do pedido de 20/05/2024 e, em simultâneo, da sentença proferida em 22/05/2024.


Não existem dúvidas de que o seu requerimento de ampliação do pedido configura um articulado para efeitos do disposto no art. 147.º, do CPC1.


Por sua vez, a propósito das apelações autónomas, no que toca ao despacho de rejeição de articulado, Abrantes Geraldes2 refere que “… se o despacho não for contemporâneo da sentença, o réu tem o ónus de interpor recurso de apelação desse despacho, não podendo guardar a sua impugnação apenas para o recurso que venha a interpor da sentença final, sob pena de precludir a possibilidade de o impugnar.”.


Assim, de igual modo, no caso concreto em apreciação, o despacho que indeferiu tal pedido e que configura uma rejeição de articulado, por não ser contemporâneo da sentença, é susceptível apenas de recurso autónomo, ou seja, a eventual discordância da decisão de rejeição da admissão da ampliação do pedido proferida em 21/05/2024 é passível apenas de recurso autónomo para efeitos do disposto no art. 644.º, n.º 2, al. d), do CPC (ex vi art. 853.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPC), bem como ainda, acresce que o Recorrente, ora Embargado, dispunha apenas do prazo de 15 dias para interpor recurso autónomo deste despacho (cfr. art. 638.º, n.º 1, do CPC), ou seja, até ao dia 05/06/2024 (ou até 10/06/2024 – porque o dia 8 é um sábado).


Por isso, constata-se que o recurso interposto do referido despacho, em simultâneo com o recurso da decisão final, que deu entrada no dia 19/06/2024, não só não é admissível como estaria sempre manifestamente fora de prazo, impondo-se por isso a sua rejeição.


Deste modo e em suma, rejeita-se a parte do recurso incidente sobre o despacho proferido em 21/05/2024 que decidiu indeferir a ampliação do pedido formulada pelo Embargado no Requerimento de 20/04/2024.


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14. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


Considerando que o objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (arts. 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC) – são as seguintes as questões cuja apreciação aquelas convocam (por ordem de precedência lógica):

- Nulidade da sentença;

- Impugnação da matéria de facto;

- Reapreciação jurídica da causa.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

15. É o seguinte o teor da decisão de facto, destacando-se os factos objecto de dissenso do Recorrente:


«4. Fundamentação de facto


4.1. Factos provados


Considero provados, com relevância para a discussão da causa, os seguintes factos:


1. O embargante é um pequeno empresário da construção e, no âmbito da sua atividade, celebrou com DD um contrato de empreitada para acrescento de estrutura no Colégio ..., na ..., conforme projeto de arquitetura e estabilidade.


2. Este trabalho foi aceite pelo proprietário da obra pelo valor de 35.000,00 EUR a que acrescia a taxa em vigor do IVA 23%.


3. No âmbito deste trabalho, celebrou três contratos de subempreitada, correspondentes a três fases da obra, com o embargado, BB: o primeiro em 01-05-2012, o segundo em 01-07-2012 e o terceiro em 01-09-2012, no valor de 7000,00 EUR, 6000,00 EUR e 6000,00 EUR, respetivamente, num total de 19.000,00 EUR.


4. As partes estabeleceram que não haveria um prazo determinado para a conclusão da subempreitada.


5. O embargante pagou ao embargado uma quantia não concretamente apurada, mas não inferior a 7.550,00 EUR.


6. O embargado apoderou-se, contra a vontade do embargante, da relação de pagamentos onde aquele assinava, juntamente com o embargante, todas as quantias que recebia, recusando-se a devolvê-la, não obstante o empreiteiro/embargante insistisse para que lhe devolvesse a relação.


7. O embargado não concluiu imediatamente a descofragem, estando a aguardar pagamento em falta, de valor não apurado, e o embargante não pagou o que faltava, por não ter sido concluída a descofragem.


8. Em fevereiro de 2013, o embargado acabou por ir ao local retirar os seus materiais de cofragem, ficando, portanto, concluída a descofragem.


9. A viatura penhorada, com a matrícula ..-..-PJ, marca IVECO, tem a função essencial de ser usada pelo executado na atividade profissional de construção.


4.2. Factos não provados


Considero não provados, com relevância para a discussão da causa, os seguintes factos:


i. O Embargante pagou embargado a quantia de 17550,00 EUR do seguinte modo: no final do mês de maio, o embargante pagou ao embargado 3500,00 EUR, no final do mês de junho mais 3500,00 EUR (primeira fase); no final do mês de julho mais 3000,00 EUR e no final do mês de agosto 2550,00 EUR, (2.ª fase); no final do mês de setembro 2500,00 EUR; em 30-10-2012, pagou 2 500,00 EUR.


ii. O embargado tentou, com a colaboração da proprietária da obra, locupletar-se com 10 000,00 EUR que a proprietária da obra devia ao embargante.


iii. A proprietária da obra, apercebendo-se que o embargante estava a pressionar o embargado para que este acabasse a obra, disse em voz alta incorretamente e a despropósito, «se o embargante ainda tinha 10 000,00 EUR para receber, por que razão não pagava o resto ao subempreiteiro» (à data 1450,00 EUR).


iv. Em 04-12-2012, o Embargante /empreiteiro, enviou uma carta ao subempreiteiro/Embargado, BB, a que o mesmo já não respondeu, pelo incumprimento do contrato por parte deste.


v. O embargado nunca notificou o credor para o cumprimento da obrigação.


vi. Foram várias as vezes que o credor interpelou pessoalmente o devedor para lhe pagar as quantias que se encontravam em dívida.


vii. A viatura penhorada, com a matrícula ..-OF-.., marca Citroën, tem a função essencial de ser usada pelo executado na atividade profissional de construção.


4.3. Narração não considerada


Não foram consideradas, em sede de matéria de facto, as narrações consistentes em meros juízos conclusivos, em invocação de matéria de direito, em factos irrelevantes para a boa decisão da causa atentas todas as soluções plausíveis da questão de direito, bem como em factos não constitutivos da causa de pedir ou das exceções perentórias.».


*


FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA


16. Da invocada nulidade da sentença


Neste domínio, importa distinguir as nulidades da sentença (cfr. art. 615.º, do CPC), das nulidades do processo (cfr. art. 195.º, do CPC) e de outras patologias de que pode padecer a sentença e que podem ter consequências diversas daquelas, desde a simples alteração da matéria de facto à anulação da decisão (cfr. art. 662.º, do CPC), estas atinentes à impugnação da decisão da matéria de facto.


Então, a sentença é nula nos seguintes casos (art. 615.º, n.º 1, do CPC):


a) Não contenha a assinatura do juiz;


b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;


c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.


Por sua vez, a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva podem produzir nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa – cfr. art. 195.º, do CPC.


Finalmente, se a decisão da matéria de facto for deficiente, obscura ou contraditória pode ser alterada pela Relação (caso constem do processo todos os elementos que permitam alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto) ou anulada (no caso contrário) – cfr. art. 662.º, n.º 1 e n.º 2, al. c), do CPC.


No caso concreto em apreciação, o Recorrente alega que «É notório que houve erro de julgamento quanto à apreciação de matéria de facto, por aplicação da alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615.º do C.P.C., o que acarreta a nulidade de sentença quando está pejada de ambiguidade e/ou obscuridade dos factos provados e não provados, ou a falta de omissão de pronúncia o que torna a decisão ininteligível (…). Verifica-se existirem erros na apreciação da prova quanto à seguinte matéria de facto:


- a distância entre o estacionamento do veiculo e a entrega do cheque descrita na sentença e a relatada pela testemunha CC são manifestamente diferentes;


- o testemunho de CC está pejado de inverdades, foi forjado, quando o embargante confessa que o encontro de 30.10.2012 se realizou “perto onde a gente morava”, por que razão havia necessidade de CC acompanhar, ainda que “casuisticamente” AA, naquela deslocação, quando supostamente estaria perto da residência e ficaria por ali?


- o testemunho de CC, não consegue precisar os valores, as datas, nem as assinaturas contidas na dita “folha” que observou;


- a folha “Mapa de pagamentos” em causa é o documento n.º 2 junto à Oposição Execução e à Penhora pelo embargante, este documento é desconhecido do embargado;


- descredibilização das declarações prestadas pelo embargado, devem valer de idêntica valorização aos depoimentos do embargante;


- não devia ter sido dado como facto provado o ponto 6 dos por se tratar do documento n.º 2 “Mapa de pagamentos”, pois, não contém a assinatura do embargado;


- o ponto 9 dos factos provados, devia merecer tutela diversa;


- o tribunal devia ter pedido ao embargante que provasse a sua actividade na área da construção civil, não sendo o veículo instrumento de trabalho do embargante, não devia ser ordenado o levantamento da penhora do veículo IVECO, matrícula ..-..-PJ;”.».


Os argumentos invocados são atinentes a uma impugnação da matéria de facto ou a uma reapreciação jurídica da causa do que fundamento para nulidades, contudo, sempre se dirá que, analisada a sentença constata-se que os seus fundamentos estão em consonância com a decisão: consta da fundamentação que ocorre a inversão do ónus de prova e assim sendo refere-se que competia ao Embargado provar que o Embargante não pagou a quantia em falta (€11.450,00), o que não sucedeu, por isso, e porque o Embargante admite que não pagou €1.450,00 foi proferida a decisão que determina o prosseguimento da execução apenas para pagamento precisamente desta quantia de €1.450,00. Questão diversa será discordar da mesma pelos mais diversos motivos.


E para ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível impunha-se que alguma passagem da sentença se prestasse a interpretações diferentes e a tornasse incompreensível. “Em STJ 20-5-21, 69/11 e STJ 8-10-20, 1886/19, decidiu-se que a ambiguidade ou obscuridade prevista na al. c) só releva quando torne a parte decisória ininteligível, o que ocorre quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.”3.


No caso concreto, pode não se concordar com a sentença pelos mais diversos motivos, mas não ocorreu qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, porque se compreende o motivo da condenação, como acima referido, por isso a sentença não é nula.


Finalmente, não ocorre omissão de pronúncia porque o juiz pronunciou-se sobre todas as questões por si devidamente elencadas na sentença, como segue:


“a) O embargante procedeu ao pagamento da quantia de 10.000,00 EUR (para além dos 7.550,00 EUR que o embargado assume terem sido pagos, quando alega no requerimento executivo que, dos 19.000,00 EUR, estão em dívida 11.450,00 EUR).


b) O embargante tem direito à redução do preço de 19.000,00 EUR para 17.500,00 EUR (-1450,00 EUR) por o embargado não ter completado o trabalho (descofragem e a limpeza do estaleiro).


c) Os juros constantes do requerimento executivo são devidos.


d) As duas viaturas do embargante penhoradas nestes autos o não deviam ter sido por serem instrumentos de trabalho (artigo 737.º/2 do Código de Processo Civil).


e) O embargante litiga de má fé, devendo ser condenado no pagamento das despesas e honorários do advogado do embargado.”.


Coisa diferente é saber se ocorreu outra patologia que possa conduzir a outra consequência diferente da nulidade da sentença, o que se apreciará infra a propósito da impugnação da matéria de facto e da reapreciação jurídica da causa.


Deste modo, em suma, não ocorreram as invocadas nulidades da sentença.


*


17. – Da impugnação da matéria de facto


17.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está sujeita a determinadas regras ou ónus sob pena de rejeição e o incumprimento destas regras também deve ser oficiosamente conhecido.


Dispõe o art. 640.º, do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:


1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 – O disposto nos 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do no 2 do artigo 636.º.


Então, daqui resulta desde logo que o recorrente tem de especificar obrigatoriamente, sob pena de rejeição:


1.º - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


2.º - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


3.º - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;


4.º - E quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.


A previsão destes ónus tem razão de ser, quer para garantia do contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, não é compreensível que a verificação do cumprimento de tais ónus se transforme num exercício meramente burocrático4.


Já foi objecto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso. A este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023 (processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1)5 uniformizou a jurisprudência do seguinte modo: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa.».


Vejamos então no caso concreto em apreciação se o Recorrente especifica nas suas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.


Depois de algum esforço de análise, atenta a mistura entre a invocação de nulidades, impugnação de matéria de facto com considerações jurídicas mais atinentes à reapreciação jurídica da causa, resulta efectivamente das conclusões que a impugnação do Recorrente incide sobre os pontos 6 e 9 dos factos provados.


Vejamos agora se o Recorrente cumpre com as demais exigências.


Consta desde logo das conclusões que o Recorrente entende que não devia ter sido dado como provado o ponto 6, por isso, sobre este ponto especificou a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.


Já quanto ao ponto 9 das conclusões e do corpo das alegações apenas refere que “devia merecer tutela diversa”, mas depreende-se dos fundamentos que pretende que se considere como não provado, ou seja, tutela diversa de provado.


O Recorrente especificou ainda nas conclusões ou no corpo das alegações os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre o ponto 6 da matéria de facto impugnada diversa da recorrida.


Finalmente, quanto ao ponto 9 o Recorrente apenas alegou que “o tribunal devia ter pedido ao embargante que provasse a sua actividade na área da construção civil, não sendo o veículo instrumento de trabalho do embargante, não devia ser ordenado o levantamento da penhora do veículo IVECO, matrícula ..-..-PJ”, ou seja, não especificou quais os meios probatórios, nem nas conclusões nem no corpo das alegações constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre o ponto 9 da matéria de facto impugnada diversa da recorrida.


Deste modo, podemos afirmar que o Recorrente cumpriu minimamente com os exigidos ónus que permitem apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto apenas quanto ao ponto 6 dos factos provados, mas já não quanto ao ponto 9 dos factos provados, consequentemente, admite-se a apreciação da impugnação do ponto 6 e rejeita-se a apreciação da impugnação do ponto 9.


*


17.2. Passando agora à impugnação da matéria de facto propriamente dita:


O art. 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, consagra o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido.


O princípio da prova livre significa que a prova é apreciado em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas apreciada em conformidade racional com essa prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência6.


O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/12/20237.


Assim, este Tribunal tem o dever de sindicar o iter da formação da convicção do julgador, naquilo que se referir à existência de um processo lógico e objectivado de raciocínio, ou à observância das regras de direito probatório material ou ao respeito das regras do ónus da prova subjacentes à matéria de facto e, fazendo-o, pode concluir em sentido (parcial ou integralmente) concordante ou diverso, contanto que haja prova materializada, densificada e consistente para o efeito, o que encontra amparo no citado art. 662.º, n.º 1.


Então, como mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/20248 impõe-se, “por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso.”


Importa ainda atentar que a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Umas poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação; outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.


A este propósito, com pertinência, nas palavras de Abrantes Geraldes9, «Assim, desde que não existam motivos para rejeitar o recurso de impugnação da decisão da matéria de facto (…) e, sem embargo das situações em que à Relação são atribuídos amplos poderes no sentido de eliminar efeitos que decorrem de erros de direito mo que concerne à atribuição ou negação do valor probatório pleno de determinados meios de prova, os objectivos projectados pelo legislador no que concerne ao duplo grau de jurisdição são os seguintes:


a) Reapreciação dos meios de prova especificados pelo Recorrente (…).


b) Conjugação desses meios de prova com outros indicados pelo recorrido ou que se mostrem acessíveis (…).


c) Renovação de algum ou alguns depoimentos cuja audição suscite dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente, ou mesmo produção de novos meios de prova que potenciem a superação das dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida.


d) Formação da convicção autónoma em relação à matéria de facto impugnada, introduzindo na decisão modificações que forem consideradas pertinentes.


e) Sem embargo da ponderação das circunstâncias que rodeiam o julgamento da matéria de facto, a Relação goza no exercício desta função dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607.º, n.º 5, (…).


f) Consequentemente está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação da matéria de facto apenas deve operar em casos de “erros manifestos” de reapreciação, assim como é insuficiente que na apreciação do recurso de apelação, na parte que envolva a decisão da matéria de facto, a Relação se limite a aludira eventuais dificuldades decorrentes do princípio da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas, sem efectiva ponderação dos meios de prova que foram produzidos e que se mostram acessíveis.


Sem embargo dos naturais condicionalismos que rodeiam a tarefa de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, desde que a Relação, no quadro da aplicação do art. 662.º, acabe por formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados, deve refletir em nova decisão esse resultado.».


Factos em análise – Ponto 6 dos factos provados: “6. O embargado apoderou-se, contra a vontade do embargante, da relação de pagamentos onde aquele assinava, juntamente com o embargante, todas as quantias que recebia, recusando-se a devolvê-la, não obstante o empreiteiro/embargante insistisse para que lhe devolvesse a relação.”.


E consta da motivação de facto da sentença recorrida o seguinte:


«Quanto ao ponto 6, aspeto fulcral desta ação de embargos de executado, como se verá em sede de fundamentação de direito, o mesmo resulta provado da conjugação das declarações do embargante com as da testemunha CC


Efetivamente, o embargante foi bastante expressivo e autêntico quando narrou o episódio, referindo que se foi encontrar com o embargado para lhe fazer um pagamento (que acabou por ser o último), junto a uma lavagem automóvel na ..., e que, entregando-lhe a folha com a relação de pagamentos, para que o embargado assinasse, este ficou com ela e não a devolveu.


A testemunha CC, que se revelou muito credível, explicou detalhadamente o que ocorreu, já que estava presente no lugar. Trata-se de um amigo do embargante, é certo, mas que narrou com absoluta credibilidade o que se passou. Referiu que o embargante lhe iria emprestar um veículo para carregar materiais e que, antes de o fazer, lhe pediu que viesse consigo a um local para que o mesmo fizesse um pagamento. Aludiu então ao local, a lavagem automóvel na ..., que fica junto à estrada. Referiu que quando chegaram não estava lá ainda a pessoa que iria receber o dinheiro e que, dentro do carro, viu o embargante a passar o cheque, bem como a folha com assinaturas e datas. Referiu que, após ter chegado o embargado (que confessou não conhecer e não conseguir dizer neste atualmente se é ou não a pessoa que estava no Tribunal como embargado: aspeto que lhe confere credibilidade, pois estando a mentir seria normal que confirmasse que seria a aquela a pessoa), o embargante saiu do carro e ficaram a 40 metros de si, tendo-se apercebido que o embargado ficou com um papel, que seria a relação de pagamentos, e se foi embora.


De referir que, nestas situações, não é só aquilo que se vê (naturalmente que, a 40 metros, o embargado não consegue ver o documento de que o embargado se apoderou), mas o contexto de que a pessoa se apercebe: efetivamente, como é óbvio, regressado ao carro, o embargante terá dito imediatamente à testemunha que tinha sido desapossado do documento contra a sua vontade, episódio de que, obviamente, uma pessoa (que não seja um profissional da polícia que esteja habituado a lidar com situações desta natureza diariamente) não se esquece facilmente.


Importa aludir ainda às declarações do embargado BB, a propósito deste episódio: o mesmo não se mostrou nada credível quando referiu que nunca assinou nada, quando recebia os pagamentos (o que é pouco verosímil) referindo que o último pagamento foi feito à beira da estrada, acrescentando, com postura nervosa, e sem que o Tribunal lhe perguntasse, que arrancou com o carro de repente porque queria ir pagar aos seus trabalhadores.».


Apreciando.


Foram ouvidas as declarações de parte do Embargante/Executado AA (empresário da construção civil), tanto as proferidas na sessão de 02/05/2024 como de 21/05/2024, destacando-se o seguinte:


Entre outros aspectos, referiu que “Pagava ao Sr. BB [Embargado] em dinheiro”…


“Eu tinha uma folha em excel e o Sr. BB recebia e fazia uma rubrica”…


“Esse documento era a minha salvaguarda”…


Esclareceu ainda que a obra em causa era um colégio (a dona da obra) e que também lhe pagava a ele Embargante em dinheiro, ou seja, recebia do colégio em dinheiro e pagava ao Sr. BB em dinheiro, mencionou certos pagamentos iniciais em tranches e que o Sr. BB tinha reconhecido que pagou.


A certo momento do seu depoimento esclareceu que o “Sr. DD” do aludido colégio lhe disse que ia fazer uma transferência bancária para efeitos do último pagamento e que o Embargante lhe disse que também tinha de pagar ao Sr. BB.


Referiu que contactou o Sr. BB a informar que o Embargante iria receber o dinheiro que “quando cair na minha conta passo um cheque e entrego-to”....


Esclareceu que em 28 de outubro de 2012 o tal senhor fez-lhe uma transferência bancária, desta vez não foi em dinheiro.


Nessa sequência contactou o Sr. BB no dia 30 desse mês e disse “Olha já está na minha conta… vens buscar o cheque à ...”… “para resolver a situação”…


Que quando se encontraram fez o cheque, o Sr. BB ia rubricar a tal folha em excel desapareceu com a folha e que essa era a “folha da verdade”…


Entretanto, mais à frente nas suas declarações, ao minuto 34, questionado pertinentemente se o Sr. BB lhe passava ou não os recibos, o Embargante declarou claramente que “desde que não ultrapassasse os €10.000,00 não se passava recibo” que combinaram passar o recibo só no final tudo junto quando as quantias ultrapassassem esse valor.


Ora, não é compreensível que de cada vez que o Embargante entregasse alguma quantia em dinheiro ao Embargado desse para as mãos um documento, uma folha em excel com a listagem dos pagamento que ia fazendo e o Embargado ia rubricando de cada vez que recebia, quando segundo aquele era a única forma que tinha de demonstrar que pagou, aliás, note-se que era sempre a mesma folha com a lista dos pagamentos que eram efectuados, ainda para mais quando afirma que tal documento era a sua salvaguarda; ou seja, o Embargado nunca lhe entregou qualquer documento particular nem um mero escrito a declarar que tinha recebido tal quantia e o único documento existente implicava sempre passá-lo para as mãos do Embargado para este o rubricar – o que é incompreensível.


Mas se era o único documento que possuía então que documento é aquele que foi por si junto no seu Requerimento Inicial de embargos? É um “mapa de pagamentos”.


Por outro lado, os pagamento que referiu eram sempre em dinheiro mas no episódio em que o Embargante afirma que o Embargado se apoderou do tal documento foi precisamente no dia em que afinal o colégio (dona da obra) pagou ao Embargante por transferência bancária e que este se preparava para pagar ao Embargado por cheque, no entanto, estranhamente não juntou aos autos cópia do cheque nem referiu qual o seu valor – tudo isto é incompreensível, então o Embargante (devedor) combina entregar um pagamento ao Embargado (credor) e este recebe o cheque e apodera-se do tal documento e não o devolve? Mas para quê? Se o Embargante tinha o cheque com o pagamento em falta que necessidade tinha o Embargado de se apoderar do tal documento com as rubricas? Não faz qualquer sentido.


Então se está em causa neste litígio saber se o Embargante pagou as quantias em dívida porque é que este não juntou cópia do cheque invocado? Será que o cheque entregue afinal não liquidava a totalidade da dívida?


E também é incompreensível que nunca tenha referido que estava acompanhado da testemunha CC e em que circunstâncias (para apurar também da credibilidade desta).


Nesta sequência, importa destacar que não é por se tratar de declarações de parte da parte interessada no litígio que só por isso desmereçam credibilidade, as declarações de parte devem merecer a mesma análise crítica de qualquer outro depoimento, podendo ser credíveis desde que ainda confirmadas por outros meios de prova, sempre à luz das regras da experiência e da lógica.


Ora, apesar de ser parte interessada na causa, poderiam as declarações de parte do Embargante ter alguma coerência ou lógica intrínseca, ficando apenas dependentes de outros meios de prova a corroborar as mesmas, mas não foi o que sucedeu no caso concreto.


Com efeito, é necessário atentar que, não sendo totalmente impossível (porque tudo pode acontecer) é no mínimo improvável, por ser rocambolesco, que o Embargante (devedor) combine com o Embargado (credor) encontrar-se com ele para proceder a um pagamento entregando-lhe para as mãos para este rubricar o único documento que poderia provar todas as anteriores entregas das quantias em dinheiro, ou seja, de cada vez que o devedor pagava ao credor entregava sempre o mesmo documento para este rubricar e não ficou o devedor com nenhuma cópia desse documento contendo tão preciosa prova, nem sequer optou por apresentar um documento para cada pagamento que alegadamente fazia, apesar de se tratar de um empresário da construção civil, ou seja, perfeitamente habituado a fazer e receber pagamentos a terceiros no seu ramo de actividade.


Finalmente, não foi junta qualquer cópia de cheque alegadamente utilizado como meio de pagamento nem qualquer elemento da sua contabilidade visto tratar-se de empresário da construção civil.


Deste modo, independentemente de ser parte na causa, pelos motivos referidos, não é possível dar credibilidade às suas declarações.


Foram também ouvidas as declarações de parte do Embargado/Exequente BB (armador de Ferro, construção civil), tanto as proferidas na sessão de 02/05/2024 como de 21/05/2024, destacando-se o seguinte:


Questionado sobre o modo de realização dos pagamentos em causa, referiu que o Embargante “dava-me o dinheiro ou o cheque, eu recebia e ia à vida”…


Esclareceu que nunca assinou nada de documentos do Embargante, mesmo depois de advertido expressamente pelo Juiz a propósito dessa afirmação de que poderia ser aberto um processo crime se faltasse à verdade.


Referiu ainda que os pagamentos eram em cheque ou em dinheiro.


Lembra-se que o último cheque que recebeu foi de €2.500,00 e que o recebeu do seguinte modo: combinou encontrar-se com o Embargante na estrada, que nesse dia recebeu o cheque mas não assinou nada.


Referiu ainda que tinha pedido dinheiro em dívida ao Embargante mais do que uma vez e que este lhe dizia que também o colégio (dona da obra) não lhe pagava, por isso, a certo momento foi ao colégio perguntar porque não pagavam ao Embargante e que lá uma senhora do colégio lhe disse: “O quê? Até já recebeu dinheiro a mais”… inculcando a ideia de que o Embargado necessitava efectivamente de dinheiro para pagar os seus compromissos com terceiros de tal modo que foi indagar junto da dona da obra se a justificação que lhe fora dada pelo Embargante estava correcta.


Entretanto, na última sessão de julgamento, já em sede de esclarecimentos adicionais, foi novamente questionado como eram feitos os pagamentos e o Embargado respondeu novamente do mesmo modo: em cheque e em dinheiro.


Esclareceu ainda que localizou caderno onde apontou os pagamentos que lhe foram feitos pelo Embargante, do seguinte modo:


“- Em junho recebi €1.500,00,


- Em Julho €2.000,00,


- Em Agosto €1.000,00 em cheque,


- Em setembro €2.500,00 em cheque,


- Em setembro €50,00 em dinheiro,


- Em setembro €100,00 em dinheiro,


- Em outubro €400,00 em dinheiro,


- Em outubro €2.500,00 em cheque.”…


Totalizando então €10.050,00.


Daqui resulta desde logo matéria confessória que deveria ter sido consignada em acta (cfr. art. 463.º, do CPC), porque afinal o Embargado admite que o Embargante pagou a quantia total de €10.050,00 (correspondente ao somatório dos pagamentos parciais por si expressamente indicados) e não de apenas €7.550,00 como alegou na sua Contestação aos embargos de executado.


Como acima já referido sobre a credibilidade das declarações de parte, neste caso, de igual modo não é por se tratar de declarações de parte do Embargado, parte interessada no litígio, que só por isso desmereçam credibilidade.


Posto isto, não encontramos qualquer factor intrínseco nas declarações do Embargado que por si só afastem a sua credibilidade, trataram-se de declarações espontâneas e coerentes, nada há a apontar que seja diverso de normais declarações de parte, antes pelo contrário, foram até mais do que credíveis porque nelas o declarante reconheceu que o Embargante (devedor) lhe pagou afinal uma quantia superior.


Deste modo, mereceram credibilidade as suas declarações.


Foi ouvido o depoimento da testemunha CC (motorista e manobrador, aos costumes disse desconhecer o Sr. BB e conhecer o Sr AA, por ser amigo há muitos anos, nunca tendo visto o Embargado a não ser no episódio que relatou), destacando-se o seguinte:


Esta testemunha, que declarou ser amigo do Embargante há 20 ou 30 anos, tem a particularidade de ter tido intervenção apenas no episódio da alegada subtracção do documento do Embargante com a lista de pagamentos e rubricas.


Referiu esta testemunha que Embargante e Embargado se encontraram para entrega de cheque e que viu a entrega do cheque, que estava à cerca de 50, 60 ou 70 metros de distância e não a 40 metros como se refere na sentença, por isso estava “presente” mas àquela distância.


Esclareceu que nesse dia “eu fui com ele (o embargante) por casualidade, no dia anterior pedi carrinha emprestada”…


Que o Embargante lhe disse “Antes de levares a carrinha vais ali comigo que eu tenho de fazer um acerto de contas”… que o Sr. AA (o embargante) levava uma folha A4 com valores, datas e assinaturas e o outro senhor (o Embargado) recebeu o cheque e o Sr. AA pôs a folha no capô, o Sr. BB (o Embargado) assinou a folha agarrou na folha e levou-a”…


E que o Embargante regressou e disse-lhe “Então já vistes? Levou-me a folha”…


Referiu que tal episódio ocorreu no dia 30 de outubro de 2012 e que se recorda dessa data porque no dia seguinte teve um problema grave pessoal que escusa referir qual foi esse problema.


Questionada, a testemunha esclareceu não se recordar da marca ou da cor do carro ou se era fechado ou de caixa aberta.


Nesta sequência, o seu depoimento deve ser valorado à luz das regras da experiência e da lógica e sempre em conjugação com as declarações de parte do Embargante e do Embargado, pois mais ninguém assistiu a tal episódio.


Em regra, quando uma determinada testemunha vem depor em audiência de julgamento a referir que assistiu apenas a um determinado episódio como o que sucedeu no caso concreto exige-se algo mais, exige-se uma qualquer confirmação objectiva e insuspeita de outro meio de prova – por exemplo, o Embargado (a parte contrária) poderia ter confirmado pelo menos que esta testemunha também estava presente no local, mas nada disse a esse respeito – por isso, não temos qualquer elemento objectivo e insuspeito de onde resulta a presença desta testemunha no local em causa.


Nem foi indicada qualquer outra testemunha sobre esse episódio.


Assim sendo, a sua valoração deve ser rodeada de maiores exigências e cautelas, com especial acuidade nos pormenores relatados tanto pela testemunha como pelo Embargante, para se poder compreender se aquela esteve mesmo no local e se os facto relatados ocorreram efectivamente, ou seja, se é credível.


No entanto, deparamo-nos com as seguintes particularidades:


- O Embargante, nas suas declarações, nunca mencionou que no episódio em análise foi acompanhado desta testemunha, nem uma palavra sobre isso – e seria importante porque assim poderia ser possível apurar se o relato do Embargante correspondia ao relato desta testemunha em termos de pormenores (o Embargante não referiu o local exacto onde estava a testemunha, que impressões trocaram entre si, que meio de transporte a testemunha utilizou para se deslocar àquele local, qual a carrinha que lhe foi emprestada, e para que efeito? E por quanto tempo? Para assim se poder surpreender a testemunha com esses pormenores e assim encontrar eventuais contradições);


- O Embargado nega que os factos ocorreram do modo alegado pelo Embargante;


- O Embargado não confirmou a presença da testemunha;


- A testemunha referiu que foi encontrar-se com o Embargante para buscar a carrinha que tinha pedido emprestado a este, mas também não referiu qual carrinha, nem por quanto tempo, nem para que efeito, entre outras omissões. Afinal consta dos factos provados que o Embargante tem apenas dois veículos, sendo um deles de trabalho e outro de lazer.


- E a única pergunta que lhe foi feita sobre pormenores sindicáveis objectivamente disse que não se lembrava, designadamente qual a marca ou a cor do veículo do Embargado, nem sequer foi capaz de dizer se era um veículo fechado ou de caixa aberta.


Então, considerando essencialmente que o Embargante nunca mencionou a presença desta testemunha e que esta testemunha não foi capaz de esclarecer os únicos pormenores que poderiam permitir sindicar a sua credibilidade e que descreveu pormenorizadamente outros difíceis de observar à distância de 50/60/70 metros, não existindo outro meio de prova objectivo a confirmar a sua presença no local, não é possível atribuir-lhe a necessária credibilidade.


Além disso, não se compreende como poderia saber se o Embargado se apoderou de uma concreta folha de papel ou se seria outro papel qualquer e, apenas num único encontro que alegadamente teve por casualidade com o Embargante este mostra-lhe o que vai fazer.


Importa salientar que tudo isto não significa que a testemunha foi “forjada” como alegou o Recorrente, mas apenas que aquelas particularidades a impedem de passar no crivo da credibilidade.


Deste modo, por todos os apontados motivos, não pode ser conferida credibilidade à testemunha em causa.


Em consequência, procede a impugnação da matéria de facto do ponto 6 passando a ser facto não provado.


*


17.3. Na sequência da valoração da prova acima mencionada e em consequência das declarações confessórias do Embargado (de que afinal o Embargante já lhe pagou a quantia global de €10.050,00 e não apenas €7.550,00 como consta dos articulados), importa ainda analisar oficiosamente a decisão de facto relativa ao ponto 5 dos factos provados10, porque, para além de ter resultado produção de prova inequívoca em sentido diverso, poderá ainda ser algo deficiente, obscura ou contraditória, para efeitos do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. d), do CPC:


Ponto 5 dos factos provados:5. O embargante pagou ao embargado uma quantia não concretamente apurada, mas não inferior a 7.550,00 EUR.”.


Ponto i. dos factos não provados:i. O Embargante pagou embargado a quantia de 17550,00 EUR do seguinte modo: no final do mês de maio, o embargante pagou ao embargado 3500,00 EUR, no final do mês de junho mais 3500,00 EUR (primeira fase); no final do mês de julho mais 3000,00 EUR e no final do mês de agosto 2550,00 EUR, (2.ª fase); no final do mês de setembro 2500,00 EUR; em 30-10-2012, pagou 2 500,00 EUR.”.


Para fundamentar a decisão de facto do ponto 5 consta da sentença o seguinte:


“O ponto 5 resulta provado por confissão do embargado no próprio requerimento executivo que, referindo que o valor total da subempreitada era de 19.000,00 EUR, referiu estar em dívida 11.450,00 EUR, por ter sido pago o primeiro contrato na íntegra, no valor de 7000,00 EUR e mais 550,00 EUR posteriormente.


O tribunal não conseguiu provar que tenha sido pago apenas o valor de 7550,00 EUR, razão pela consta deste ponto a expressão «quantia não concretamente apurada, mas não inferior a 7.550,00 EUR».


O embargado, na última sessão de julgamento, pedindo para falar novamente, trouxe um caderno com datas de pagamentos e tentou convencer o Tribunal de que foram apenas esses os pagamentos que foram feitos.


O Tribunal não ficou, no entanto, seguro de que o embargado estivesse a falar com verdade e de que as notas do caderno fossem efetivamente contemporâneas dos factos. Com efeito, o embargado não se mostrou inteiramente credível, conforme resulta do que se escreverá infra, a propósito do ponto 6 (cf. último parágrafo da fundamentação do dito ponto 6), para além de que estamõe perante um facto decisivo nesta ação de embargos (como melhor se perceberá na fundamentação de direito) que não pode ficar provado só por mera declaração da parte (ainda para mais de duvidosa credibilidade), sem que exista, por exemplo, um documento assinado por ambas as partes a corroborar o facto.”.


E para fundamentar a decisão de facto do ponto i. dos factos não provados consta da sentença a seguinte motivação:


Quanto ao ponto i, o Tribunal, não obstante a credibilidade, no essencial, do embargante, não pode considerar, como se deve compreender, provada a entrega de 17.750,00 EUR sem qualquer documento, e-mail, recibo que o ateste. Efetivamente, trata-se de aspeto decisivo numa ação de embargos que não pode ficar provado só com o que refere a parte mais interessada em demonstrar o pagamento. É possível que o facto corresponda à verdade, mas o Tribunal não tem elementos suficientemente seguros para o dar como provado. Cabia ao embargante precaver-se e fazer transferência ou fotografar imediatamente os recibos, emitir faturas, etc. Se assim não se entendesse, fácil seria, nos embargos de executado, virem os embargantes dizer que entregaram dinheiro em mão e que por isso nada devem.


Quanto ao documento n.º 2, aparente relação de pagamentos, não se percebe a sua origem, nomeadamente considerando que, como alegado e provado, o embargado ficou com a relação de pagamentos. O embargante revelou-se, também, um pouco hesitante quando se falou desse documento, referindo, sobre a questão, que tem coisas no computador (?).”.


Apreciando.


Então, no caso concreto é incontroverso para a economia da decisão de facto que o Executado/Embargante se obrigou a pagar o preço de €19.000,00 pelos trabalhos realizados pelo Exequente/Embargado no âmbito dos (3) contratos de subempreitada.


Enquanto o Embargante/Executado alegou que pagou a quantia de €17.550,00 e por isso entende assim que falta pagar apenas a quantia de €1.450,00, em contraponto, o Embargado/Exequente alegou que aquele apenas lhe pagou a quantia de €7.550,00 e por isso entende que falta pagar ainda a quantia de €11.450,00.


Ora, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, consideramos que as declarações do Embargado não só mereceram credibilidade (como acima já referido) como ainda admitiu que afinal o Embargante já lhe tinha entregue quantia global superior à que tinha referido no seu articulado, ou seja, de €10.050,00 (e não apenas €7.550,00), como acima melhor analisado.


Bem como ainda, consideramos que, de igual modo, ao contrário do que consta da decisão de facto da sentença recorrida não resultou de qualquer elemento de prova que “O embargante pagou ao embargado uma quantia não concretamente apurada, mas não inferior a …”.


Então, resultou da prova produzida (o próprio Embargado admitiu) que o devedor, ora Embargante, entregou ao credor, ora Embargado, a quantia global de €10.050,00, nem mais nem menos.


Deste modo, deve passar a constar dos factos provados do ponto 5 o seguinte:


«5. O Embargante entregou ao Embargado a quantia de €10.050,00 (dez mil e cinquenta euros)».


Questão diversa – a analisar na reapreciação jurídica da causa – é saber a quem aproveita a falta de prova do pagamento da restante quantia em falta ou, dito de outro modo, quem fica prejudicado por força das regras sobre o ónus de prova ou mesmo se ocorre inversão do ónus de prova como referido na sentença em crise.


*


17.4. Em síntese:


- Admite-se a impugnação do ponto 6 dos factos provados;


- Rejeita-se a impugnação do ponto 9 dos factos provados;


- Procede na totalidade a impugnação do ponto 6 dos factos provados, que deve passar a factos não provados.


- Altera-se oficiosamente a matéria de facto do ponto 5 dos factos provados.


Em consequência, a decisão de facto passa a ser a seguinte:


FACTOS PROVADOS:


1. O embargante é um pequeno empresário da construção e, no âmbito da sua atividade, celebrou com DD um contrato de empreitada para acrescento de estrutura no Colégio ..., na ..., conforme projeto de arquitetura e estabilidade.


2. Este trabalho foi aceite pelo proprietário da obra pelo valor de 35.000,00 EUR a que acrescia a taxa em vigor do IVA 23%.


3. No âmbito deste trabalho, celebrou três contratos de subempreitada, correspondentes a três fases da obra, com o embargado, BB: o primeiro em 01-05-2012, o segundo em 01-07-2012 e o terceiro em 01-09-2012, no valor de 7000,00 EUR, 6000,00 EUR e 6000,00 EUR, respetivamente, num total de 19.000,00 EUR.


4. As partes estabeleceram que não haveria um prazo determinado para a conclusão da subempreitada.


5. O embargante entregou ao embargado a quantia de €10.050,00 (dez mil e cinquenta euros).


6. O embargado não concluiu imediatamente a descofragem, estando a aguardar pagamento em falta, de valor não apurado, e o embargante não pagou o que faltava, por não ter sido concluída a descofragem.


7. Em fevereiro de 2013, o embargado acabou por ir ao local retirar os seus materiais de cofragem, ficando, portanto, concluída a descofragem.


8. A viatura penhorada, com a matrícula ..-..-PJ, marca IVECO, tem a função essencial de ser usada pelo executado na atividade profissional de construção.


FACTOS NÃO PROVADOS:


i. O Embargante pagou ao embargado a quantia de 17550,00 EUR do seguinte modo: no final do mês de maio, o embargante pagou ao embargado 3500,00 EUR, no final do mês de junho mais 3500,00 EUR (primeira fase); no final do mês de julho mais 3000,00 EUR e no final do mês de agosto 2550,00 EUR, (2.ª fase); no final do mês de setembro 2500,00 EUR; em 30-10-2012, pagou 2 500,00 EUR.


ii. O embargado tentou, com a colaboração da proprietária da obra, locupletar-se com 10 000,00 EUR que a proprietária da obra devia ao embargante.


iii. A proprietária da obra, apercebendo-se que o embargante estava a pressionar o embargado para que este acabasse a obra, disse em voz alta incorretamente e a despropósito, «se o embargante ainda tinha 10 000,00 EUR para receber, por que razão não pagava o resto ao subempreiteiro» (à data 1450,00 EUR).


iv. Em 04-12-2012, o Embargante /empreiteiro, enviou uma carta ao subempreiteiro/Embargado, BB, a que o mesmo já não respondeu, pelo incumprimento do contrato por parte deste.


v. O embargado nunca notificou o credor para o cumprimento da obrigação.


vi. Foram várias as vezes que o credor interpelou pessoalmente o devedor para lhe pagar as quantias que se encontravam em dívida.


vii. A viatura penhorada, com a matrícula ..-OF-.., marca Citroën, tem a função essencial de ser usada pelo executado na atividade profissional de construção.


viii. O embargado apoderou-se, contra a vontade do embargante, da relação de pagamentos onde aquele assinava, juntamente com o embargante, todas as quantias que recebia, recusando-se a devolvê-la, não obstante o empreiteiro/embargante insistisse para que lhe devolvesse a relação.


*


18. – Da reapreciação jurídica da causa:


Considerando a alteração da decisão de facto, destacando-se que a quantia devida a título de preço pela realização da subempreitada era de €19.000,00.


Então, considerando as regras de repartição do ónus da prova, competia ao Embargante/Executado/devedor, no âmbito da responsabilidade contratual, o ónus da prova de que pagou – cfr. artigos 342.º, n.º 1 e 799.º, do Código Civil.


Já vimos que, em consequência da alteração da matéria de facto ficou provado que o Embargante pagou ao Embargado a quantia de €10.050,00 (e não apenas de €7.550,00), faltando assim o pagamento da restante quantia de €8.950,00.


A propósito do montante ainda em dívida, na sentença recorrida entendeu-se o seguinte:


«Sucede que a falta de prova daquilo que foi pago, deveu-se a um comportamento do embargado, consistente em subtrair a relação de pagamentos, assinada por ambas as partes, ao embargante (ponto 6 dos factos provados). E a consequência de tal facto é que ficou impossível para o embargado provar os pagamentos que fez, uma vez que era o único documento que o mesmo tinha para esse efeito.


Ora, estabelece o artigo 344.º/2 do Código Civil que «há (…) inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações».


Assim, teria de ser o embargado a provar que não recebeu, ao invés de ser o embargante a provar que pagou.


(…).».


Ora, a decisão de inversão do ónus de prova determinada na sentença recorrida estribava-se precisamente no ponto 6 dos ali considerados factos provados, contudo, em consequência da procedência da impugnação da matéria de facto os factos do ponto 6 passaram a ser factos não provados, significando isto que assim não ocorre qualquer inversão do ónus de prova aplicada na sentença recorrida, por não se verificarem os pressupostos exigidos no art. 344.º, n.º 2, do Código Civil, aliás, consequentemente, fica prejudicada ainda a apreciação jurídica dos argumentos apresentados pelo Recorrente quanto à sua discordância da aplicabilidade da referida inversão, tanto por motivos formais (por não ter sido notificado o Embargado com a advertência dessa sanção) como por motivos substantivos (falta de requisitos).


Nesta sequência, procede parcialmente o Recurso de Apelação, impondo-se assim o prosseguimento da execução para pagamento da quantia exequenda, no montante de €8.950,00 (= €19.000,00 - €10.050,00) acrescida dos correspondentes juros de mora.


Já quanto ao veículo da marca IVECO, improcede a pretensão do Recorrente, por ter sido rejeitada a impugnação de facto do ponto 9 subjacente à decisão proferida em primeira instância.


Mantendo-se o demais decidido em primeira instância e que não foi objecto de recurso.


*


19. Responsabilidade Tributária


As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade do Recorrente e do Recorrido, na proporção de metade, sendo que o Recorrido não deve taxa de justiça porque não apresentou contra-alegações.


*


III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,

1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente/Embargado/Exequente e, em consequência revogar parcialmente a Sentença nos seguintes termos:

– Determina-se o prosseguimento da execução apenas para o pagamento da quantia de €8.950,00 (oito mil, novecentos e cinquenta euros), acrescida dos correspondentes juros de mora, à taxa comercial, desde 09-05-2017,

- Mantendo-se o demais decidido na sentença de Primeira Instância.

2. As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade do Recorrente e do Recorrido, na proporção de metade, sendo que o Recorrido não deve taxa de justiça porque não apresentou contra-alegações.

3. Registe e notifique.


*


Évora, data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto

2.º Adjunto: José António Moita

_____________________________________________

1. A ampliação do pedido configura um articulado para efeitos do disposto no art. 644.º, n.º 2, al. d), do CPC – Por todos: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/03/2023 (Maria Adelaide Domingos, proc. n.º 983/20.4T8STB-D.E1, www.dgsi.pt) - https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f01c76cacf630813802589880045ef2b?OpenDocument↩︎

2. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª ed., pág. 291.↩︎

3. Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 794.↩︎

4. António Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 2022, pág. 831.↩︎

5. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/12-2023-224203164↩︎

6. Alberto dos Reis in, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 3.ª edição, p. 245.↩︎

7. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/12/2023 (Maria João Matos, proc. n.º 1526/22.0T8VRL.G1, www.dgsi.pt).↩︎

8. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2024 (Jorge Martins Ribeiro, Proc. n.º 99/22.9T8GDM.P1, www.dgsi.pt)↩︎

9. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8.ª ed., Almedina, pág. 399-401↩︎

10. Apesar do Recorrente tecer considerações sobre os referidos factos do ponto 5 e do ponto i. não fez propriamente uma qualquer impugnação dos mesmos, mas antes deles pretendeu retirar diferentes consequências.↩︎