Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PESSOA | ||
Descritores: | TAXA DE JUSTIÇA EMBARGOS DE EXECUTADO APOIO JUDICIÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 03/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário1: I. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os embargos de executado não são equiparáveis à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, donde resulta que lhe deverá ser aplicável o regime do artigo 570º do CPC. II. O pedido de apoio judiciário, como decorre dos normativos que integram a Lei n.º 34/2004, de 29/7, é tramitado e decidido em processo próprio, de natureza administrativa, que corre autonomamente termos junto dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. e no qual a Recorrente nestes autos é ali parte como requerente. Qualquer irregularidade de notificação à Requerente do apoio judiciário de uma qualquer decisão proferida por aquela entidade administrativa no âmbito de tal processo deve por tal Requerente ser deduzida ou levantada naquele mesmo processo administrativo e junto da entidade competente para a sua tramitação e decisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 963/24.0T8SLV-A.E1
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Silves, J1 Recorrente: AA Recorrido: Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A. *** * Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, I. RELATÓRIO. Por apenso aos autos de execução de para pagamento de quantia certa que Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A. moveu contra AA e outra, para haver delas a quantia de 27.111,56 €, acrescida de juros de mora, veio a mencionada Executada deduzir oposição por embargos de executado e à penhora. Juntou cópia de requerimento de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o presente processo. Por ofício de 31.10.2024 solicitou-se aos Serviços competentes informação sobre se acerca do pedido de apoio judiciário formulado pela Embargante já havia sido proferida decisão e, na afirmativa, a remessa de cópia da mesma. Vieram então aqueles Serviços informar em 20.11.2024 que “o processo de proteção jurídica referente a AA, encontra-se indeferido em 19 de novembro de 2024, por falta de resposta ao pedido de Audiência de Interessados”. Foi então proferido o despacho de 02.12.2024, do seguinte teor: “Confirme-se se o Embargante procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida, concluindo-se seguidamente.” Em 10.12.2024 foi lavrada informação segundo a qual “a Embargante não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual” após o que, em 10.12.2024 foi proferida a seguinte decisão: “De acordo com a informação que antecede, a Executada BB não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela propositura da presente acção declarativa, no prazo de 10 dias após o indeferimento do pedido de concessão do benefício de apoio judiciário que apresentara. Ora, a petição inicial de oposição à execução é isso mesmo, uma petição inicial; que vai ser notificada para ser contestada (cfr. letra do artigo 732.º n.º 2 do Código de Processo Civil). E como petição inicial que é, segue as regras do artigo 552.º do mesmo diploma. Nomeadamente, o n.º 5 – é um caso de urgência, pois que o executado tem um prazo curto para apresentar a petição inicial e, por isso, basta-se com a apresentação do comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário. Já se sabe que a oposição à execução vida atacar, impugnar, contestar, opor-se, matar a execução, no todo ou em parte. Esse é o fim. Agora, o meio processual para o efeito é uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso a uma execução, e que se inicia inexoravelmente com uma petição inicial, a que se segue uma contestação (e não uma réplica), seguida de um saneamento e de uma sentença. Este é o meio. Assim sendo, e nos termos do artigo 552.º n.º 10 do Código de Processo Civil, determina-se o desentranhamento da petição inicial. Notifique-se e, após trânsito, desentranhe-se e devolva-se/elimine-se do “citius”. Custas pela Executada, fixando-se a taxa de justiça em 1UC – artigos 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a tabela II anexa. Dê-se baixa do apenso.” * Inconformada a Embargante interpôs o presente recurso de apelação, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões: A- O presente recurso de apelação é interposto da sentença que colocou termo ao processo, proferida pelo Tribunal “a quo”, com a referência 134635644, cuja notificação lhe foi enviada a 12/12/2024 e do qual a recorrente se considera notificada no passado dia 15/12/2024. B- Através dessa sentença, o Tribunal “a quo”, baseando-se na informação prestada pelo Instituto da Segurança Social, que não é correta, considerou que a ora recorrente não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação dos Embargos, no prazo de 10 dias, após o indeferimento do pedido de concessão do benefício de apoio judiciário que apresentara, conforme lhe impõe o artigo 552º nº 10 do CPC, pelo que ordenou o desentranhamento desses embargos. C- Inconformada com essa sentença, a recorrente veio apresentar o presente recurso, através do qual pretende ver reapreciada a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que ordenou esse desentranhamento dos embargos apresentados, pois os pressupostos que levaram a essa tomada de decisão não são verdadeiros, motivo pelo qual essa decisão de desentranhamento dos embargos deve ser revista e alterada por outra que os admita e receba. D- Em primeiro lugar, a informação prestada ao Tribunal “a quo” pelo Instituto da Segurança Social não deveria ter sido considerada válida sem que antes o Tribunal tivesse permitido que a recorrente exercesse o seu contraditório, conforme impõe o disposto no artº 3º nº3 do CPC que fizesse, violando, dessa forma, o princípio do contraditório, pois decidiu sem ouvir a interessada, que desconhecendo o que se passava, ficou surpreendida com a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”. E- Em segundo lugar, a informação prestada pelo Instituto da Segurança Social ao Tribunal “a quo” não corresponde à verdade, conforme aliás o próprio Instituto da Segurança Social já o reconheceu, embora só após a solicitação do Livro de Reclamações, é que foi possível aquele organismo público facultar a documentação e reanalisar o processo da recorrente, o que acabou por retardar a entrada do presente recurso. F- O ofício do Instituto da Segurança Social enviado à recorrente a solicitar documentos, datado de 16/10/2024, foi enviado para outra morada que não a da recorrente e por isso esta nunca o recebeu nem pôde dar andamento ao pedido formulado, mas, ainda assim, perante esta falta de resposta, o Instituto da Segurança Social entendeu que a recorrente não pretendia concluir o pedido de apoio judiciário anteriormente solicitado e informou disso o Tribunal recorrido, considerando o pedido como estando indeferido. G- Ora, a recorrente quando solicitou o apoio judiciário, no formulário que preencheu e entregou nos Serviços da Segurança Social, indicou como sua morada o “Bairro ..., Lote 20 -A, 4º Andar Dtº ...”, mas o ofício que os mesmo Serviços lhe remeteram, datado do dia 16/10/2024, tinha como morada “Bairro ..., Lote 20K 20 A ...”, pelo que a recorrente nunca o recebeu nem podia receber porque a morada estava incorreta. H- Entretanto, após diversas insistências da recorrente, o próprio Instituto da Segurança Social já reconheceu esse lapso na morada e remeteu novo ofício, datado de 14/01/2025, no qual solicita o mesmo que solicitava no anterior, datado de 16/10/2024,(ambos com o proc. nº 580303) mas que a recorrente nunca recebeu, porque o endereço estava errado, pelo que nunca podia responder ao ali solicitado. I- A ausência de entrega da documentação solicitada pelo Instituto da Segurança Social, no ofício datado de 16/10/2024, para que a recorrente pudesse beneficiar do apoio judiciário, foi entendida, parte daquele organismo, como falta de interesse no pedido de apoio judiciário por parte da recorrente e originou o consequente indeferimento desse pedido, por ausência de resposta ao solicitado, decisão que foi comunicada ao Tribunal “recorrido”, a solicitação deste, pelo Instituto da Segurança Social. J- No entanto, os documentos ora apresentados em sede de recurso e não antes porque como é óbvio não estavam na posse da recorrente nem ela deles tinha conhecimento, comprovam que o ofício datado de 16/10/2024 foi enviado com morada errada e diferente da que consta do formulário do pedido de apoio judiciário e provam também que o Instituto da Segurança Social já reconheceu o seu lapso e remeteu novo ofício à recorrente, datado de 14/01/2025, a solicitar o envio da mesma documentação que anteriormente pedia no anterior ofício, de modo a poder analisar e aprovar o pedido de apoio jurídico anteriormente solicitado pela recorrente, motivo pelo qual não se pode concluir que esta não cumpriu com o disposto no artº 552º nº 10 do CPC. K- A sentença que ordenou o desentranhamento dos embargos e pôs fim ao processo, foi baseada em factos que não são verdadeiros e em mero lapso do Instituto da Segurança Social, pelo que, por esse motivo, deve a sentença proferida ser reapreciada e alterada, para uma que admita os embargos apresentados pela recorrente, porquanto o pedido de apoio judiciário por ela formulado ainda está em apreciação e ainda não foi indeferido nem tampouco decorreu o prazo previsto no artº 552º nº 10 do CPC. L- Não foi fácil para a recorrente, que é pessoa simples, fazer entender o Instituto da Segurança Social do lapso em que incorreu e ainda mais difícil fazer com que assumisse esse lapso, o que a acrescer ao período de Natal e Ano Novo e ainda às tolerâncias de ponto e às greves, retardou esse esclarecimento, pelo que os documentos só foram facultados à recorrente já em Janeiro de 2025. M- Concluindo, a recorrente pugna para que a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” (que ordenou o desentramento dos embargos apresentados) seja reapreciada em sede de recurso, com base no lapso do Instituto da Segurança Social e ainda pelo facto de a recorrente não ter sido notificada da pretensão do Tribunal para que pudesse exercer o seu direito ao contraditório(violando assim a sentença proferida o disposto nos arº 3º nº 3 e 552º nº 10, ambos do CPC), devendo, consequentemente, os embargos ficarem a aguardar pela decisão que vier a ser tomada pelo Instituto da Segurança Social ou, caso esta seja de indeferimento, pelo posterior pagamento da taxa de justiça pela recorrente, revogando-se, porém, a sentença que ordenou o anterior desentranhamento desses embargos. Nestes temos e dos demais de Direito, que V. Exª mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação ser admitido e declarado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal Recorrido, com base nos motivos invocados, devendo ainda, nessa sequência, serem admitidos os embargos apresentados, os quais deverão ficar a aguardar pela decisão que vier a recair sobre o pedido de apoio judiciário ou pelo posterior pagamento da taxa de justiça, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” * Não foram apresentadas contra-alegações. * Por ofício de 24.01.2025 o Centro Distrital de Faro da Segurança Social informou que foi concedida proteção jurídica à Requerente. * Em 28.01.2025 foi proferido o seguinte despacho: “Nos presentes autos de execução, verifica-se que a Segurança Social proferiu decisões contraditórias acerca do pedido de apoio judiciário apresentado pela Executada. Ora, estabilizada uma decisão de indeferimento, a mesmo só pode ser convertida em decisão de sentido completamente oposto se tiver sido impugnada. Não pode, no mesmo procedimento administrativo, ser dito tudo e o seu contrário. Com cópia do expediente de 20 de Novembro de 2024, vindo do Centro Distrital de Faro da Segurança Social e do expediente de 24 de Janeiro de 2025 junto ao processo principal, oficie-se àquele Instituto a fim de esclarecer se a decisão de indeferimento de 20 de Novembro de 2024 foi impugnada nos termos da Lei de Apoio Judiciário, e, na afirmativa, remeter aos autos o requerimento e a decisão tomada. E uma vez que a apresentação de recurso depende do pagamento de taxa de justiça, o apuramento da situação acima exposta é preliminar da apreciação daquele.” * Foi então enviada informação do seguinte teor: “Em resposta à Vossa notificação ref. 135184369 de 31/12/2025, cumpre-nos informar e esclarecer o seguinte: - A requerente AA NISS ..., apresentou junto destes serviços, em 10/10/2024, requerimento de apoio judiciário para contestar a ação n.º 963/24.0... que corre termos no Juízo de Execução de Silves – J 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro; - Na sequência da análise ao referido pedido, entenderam estes serviços não estarem provados os meios de subsistência da requerente, pelo que foi aberta audiência de interessados, em sede do exercício do direito de contraditório, datada de 16/10/2024 em carta registada simples, concedendo um prazo de dez dias úteis para que esta se pronunciasse sobre a intenção de indeferimento. - A supracitada informação, foi comunicada a V. Exas via e-mail (silves.judicial@tribunais.org.pt) em 06/11/2024, como resposta ao pedido de informação ref.0134109303 de 31/10/2024. - Não tendo sucedido qualquer resposta por parte da requerente, procedeu-se ao indeferimento da respetiva pretensão, o que ocorreu em 19/11/2024. - Também aqui, foi a situação comunicada ao Douto Tribunal, via e-mail (silves.judicial@tribunais.org.pt) em 20/11/2024. - Sucede porém que a Requerente apresentou em 13/12/2024, junto do Balcão de Atendimento da Segurança Social em Portimão, justificação juridicamente atendível para a atempada falta de resposta à audiência de interessados (Atividade 2024-12/157868 – em anexo), uma vez que estes serviços confirmaram que o ofício havia sido devolvido por endereço incorreto. - Formalmente, tal não configurou per si uma impugnação. No entanto, atendendo ao teor da informação prestada pela requerente, cuja responsabilidade pela falta de resposta, foi afastada, optaram estes serviços por reabrir o processo administrativo, tendo remetido nova audiência de interessados ( datada de 14/01/2025), para que que não se negasse o legitimo direito de resposta da requerente face à proposta de decisão de indeferimento apresentada. - Em 20 de janeiro de 2025, a requerente respondeu ao pretendido (Atividade 2025-01/224946 – em anexo), apresentando elementos que determinaram a aferição da insuficiência económica, logo, possibilitando o enquadramento legal para o respetivo deferimento do apoio judiciário que ocorreu em 22/01/2025. - Dessa decisão foram oficiados, a requerente e o Douto Tribunal ( carta registada simples, ambas datadas de 22/01/2025).” (destacado nosso). * Foi então proferido despacho a admitir o recurso interposto pela Embargante, que é do seguinte teor: “Notificados, os interessados nada vieram requerer quanto à concessão do benefício de apoio judiciário à Embargante, nos moldes em que tal sucedeu. Não se tratando de matéria do conhecimento oficioso do Tribunal, nada mais resta do que ordenar o ulterior prosseguimento da acção, nos termos em que se encontram. * Recurso de 27 de Janeiro de 2025: O recurso é admissível (artigos 629.º n.º 1 e 630.º, a contrario sensu, do Código de Processo Civil – CPC – por remissão do artigo 732.º n.º 2 do mesmo diploma). O recurso está em tempo (artigo 638.º n.º 1 do CPC). A Recorrente tem legitimidade (artigo 631.º n.º 1 do CPC). Nestes termos, admito o recurso interposto pela Embargante, o qual é de apelação [artigo 644.º n.º 1 alínea a) do CPC], com subida imediata, nos próprios autos [artigo 645.º n.º 1 alínea a) do CPC], com efeito devolutivo [artigo 647.º n.º 1 do CPC]. Indefere-se a atribuição de efeito suspensivo ao recurso porquanto a Executada não prestou caução, nem se predispôs a fazê-lo; na acção executiva a mera penhora de um imóvel – comum neste tipo de acção – não se confunde com a prestação de caução (tanto mais que existe pendente já uma acção de reclamação de créditos para pagamento a terceiros por conta da eventual venda). * Importa cumprir o disposto no artigo 617.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora Compulsados os autos, consideramos que se mantêm todos os fundamentos de facto e de direito que conduziram à prolação da decisão, a qual sustentamos, reiterando os fundamentos aí consignados. Primeiro: o Tribunal considera ilegal o procedimento adoptado pela Segurança Social. Com efeito, uma vez proferida a decisão de indeferimento do pedido de concessão do benefício de apoio judiciário, a mesm só poderia ser alterada nos termos da Lei de Apoio Judiciário, ou seja, em sede de incidente de impugnação da decisão. Segundo: salvo o devido respeito, o princípio do contraditório deve ser interpretado com bom senso. Confirmando-se nos autos a falta de pagamento de taxa de justiça devida pela propositura da açcão, é descabido (e sem fundamento legal) notificar a parte para se pronunciar sobre a dita falta de pagamento. A cada despacho não corresponde uma prévia notificação das partes para se pronunciarem. * Consigna-se que a Embargada está notificada para os termos do recurso. Não se ordena a notificação para os termos da causa posto que a admissão da petição inicial de embargos depende da verificação de pressupostos ainda não apreciados. Notifique-se. Subam os autos ao Tribunal da Relação de Évora.” *** II. Questões a decidir. O objeto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões da Recorrente, conforme resulta do disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que, no caso, importa apreciar e decidir se deverá ser revogada a decisão que, nos termos do artigo 552.º n.º 10 do Código de Processo Civil, determinou o desentranhamento da petição de oposição por embargos e à penhora. * III. Fundamentação. III.1. Fundamentação de facto. Para a decisão a proferir relevam os factos relativos à tramitação dos autos constantes do relatório que antecede. * III.2. Fundamentação jurídica. O n.º 2 do artigo 18.º da Lei do Apoio Judiciário – Lei 34/2004, de 29 de julho –, estabelece que o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica. Como vimos, a ora Apelante apresentou com a sua peça processual de oposição cópia do respetivo pedido de apoio judiciário – cf. artigo 29.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho. Nos termos do disposto no artigo 552º, n.º 7 do Código de Processo Civil, o autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º Trata-se da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, objeto de várias alterações, sendo a mais recente a da Portaria n.º 266/2024, de 15/10. Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 570º do Código de Processo Civil que o disposto no n.º 7 do artigo 552.º, é aplicável à contestação, com as necessárias adaptações, podendo o réu, se estiver a aguardar decisão sobre a concessão do benefício de apoio judiciário, comprovar apenas a apresentação do respetivo requerimento. Neste caso, o réu deve comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça ou juntar ao processo o respetivo documento comprovativo no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário (n.º 2 do mesmo artigo e diploma). Tem-se entendido de forma pacífica nos tribunais superiores que, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os embargos de executado são equiparáveis à contestação da ação declarativa, e não à petição inicial, sendo-lhe, portanto aplicável o regime do citado artigo 570.º do Código de Processo Civil. Conforme pode ler-se no recente Acórdão da Relação de Lisboa de 10.10.2024, proferido no âmbito do processo n.º 6041/22.0T8LRS.L1-2: “Neste sentido, encontramos muitas decisões, exemplificando com as três seguintes: O Ac. TRG de 20-04-2017 (Pedro Alexandre Damião e Cunha), proc. 84/14.4TBBCL-C.G1, assim sumariado: «I. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os Embargos de executado não são equiparáveis à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, donde resulta que lhe deverá ser aplicável o regime do art. 570º do CPC; II- Não pode, por isso, o Tribunal ordenar o desentranhamento do requerimento de Embargos de executado sem dar ao Executado/Embargante a possibilidade de proceder ao pagamento da quantia em falta, a título de taxa de justiça, nos termos do nº 3 do art. 570º do CPC». Na nota 4 deste acórdão encontramos uma lista de jurisprudência mais antiga em idêntico sentido, tirada na vigência do anterior CPC que continha nos seus artigos 150.º-A e 486.º-A normas equivalentes às constantes dos artigos 145.º e 570.º do CPC de 2013. O Ac. TRL de 09-01-2020 (Nelson Borges Carneiro), proc. 34738/15.3T8LSB-B.L1-2, em cujo sumário se lê: «I - Configurando-se a oposição à execução como uma verdadeira ação declarativa, a petição da oposição é equiparável à petição inicial em ação declarativa; II - Sendo o requerimento de oposição à execução equiparável à petição inicial em ação declarativa, ser-lhe-ão aplicáveis as normas estatuídas no art. 552º, do CPCivil; III – Porém, para efeitos tributários, designadamente no atinente ao prazo e oportunidade do pagamento da taxa de justiça, afasta-se do regime puro e simples da petição inicial, mas antes aproxima-se do da contestação, já que ambos estão sujeitos a prazos cominatórios que devem levar a uma igualdade de tratamento dos seus respetivos destinatários; IV - Caso a executada/opoente não junte documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário, deverá a secretaria notificar a mesma para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC». E, com a mesma orientação, o Ac. TRE de 24-02-2022 (Francisco Xavier), proc. 408/20.5T8SLV-A.E1, de cujo sumário destacamos, para o que ora releva: «IV. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os embargos de executado não são equiparáveis à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, donde resulta que lhe deverá ser aplicável o regime do artigo 570º do CPC».” O indeferimento do pedido de apoio judiciário importa a obrigação do pagamento das custas devidas – cfr. artigo 29.º, n.º 4 da mesma Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais. Resulta do artigo 24.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que o prazo de 10 dias de que dispõe o autor para pagamento da taxa de justiça conta-se da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o seu pedido de apoio judiciário. Como se decidiu no Acórdão desta Secção de 23.04.2020, “ao prazo de pagamento e à sua forma de comprovação nos autos, aplica-se a lei processual civil, de acordo com cujo artigo 247.º, n.º 1, do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, ressalvados os casos do n.º 2 em que a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, situação em que, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte. Acresce que, a lei processual civil, mormente o n.º 2 do artigo 570.º indicado na decisão recorrida, não estabelece a contagem de tal prazo a partir da data da decisão, mas, obviamente diremos, a partir da data do conhecimento pelo requerente, do indeferimento da sua pretensão, daí que expressamente se refira ao prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário.” Ora, no caso dos autos, pese embora o teor da informação dos serviços da Segurança Social de 20.11.2024, no qual se comunicava que o pedido de proteção jurídica formulado pela Requerente se encontrava indeferido em 19.11.2024 por falta de resposta ao pedido de Audiência de Interessados, certo é que a notificação subjacente a tal indeferimento, como veio a descortinar-se, não pode ter-se por validamente realizada, já que, como reconhecido por aqueles serviços, foi enviada para uma morada diversa da indicada pela ora Apelante. E foi por ter reconhecido tal falha daqueles serviços, na sequência de reclamação da ora Apelante, que os mesmos repetiram tal notificação, pois consideraram que a responsabilidade pela falta de resposta atempada da mesma tinha de considerar-se afastada, notificação essa última ocorrida em 14.01.2025. Ora, tendo a ora Apelante respondido a tal notificação apresentando elementos que determinaram a aferição da sua situação económica, o pedido de apoio judiciário pela mesma formulado foi objeto de despacho de deferimento. Desta factualidade decorre, pois, que não só não houve válida decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, pois que a decisão inicial se fundou numa notificação irregular, como o prazo para o pagamento da taxa de justiça não se iniciou, pois a notificação da decisão de indeferimento não chegou a ser realizada. E em face do deferimento do apoio judiciário não tem a ora Apelante de proceder ao pagamento da taxa de justiça. A decisão recorrida não pode, pois, manter-se. Sempre se dirá que ainda que assim não se entendesse, sempre se discordaria do decidido quanto ao fundamento invocado para a rejeição da petição de embargos de executado, porquanto, ao contrário da posição seguida na decisão recorrida, entende-se, como resulta do que já se expôs, que à falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça referente à petição de embargos, não devem ser aplicadas as regras atinentes à petição inicial, mas as referentes à contestação, previstas no artigo 570º do Código de Processo Civil, e por esta via, sempre seria de revogar a decisão recorrida, pois não podia o Tribunal ordenar o desentranhamento do requerimento de Embargos de executado sem dar ao Executado/Embargante a possibilidade de proceder ao pagamento da quantia em falta, a título de taxa de justiça, nos termos do nº 3 do artigo 570º do Código de Processo Civil2. Sempre se imporia, pois, essa notificação, que por si, daria possibilidade à Requerente para se pronunciar, sem necessidade de notificação para esse efeito em conformidade com o disposto no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Note-se que o pedido de apoio judiciário, como decorre dos normativos que integram a Lei n.º 34/2004, de 29/7, é tramitado e decidido em processo próprio, de natureza administrativa, que corre autonomamente termos junto dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. e no qual a Recorrente nestes autos é ali parte como requerente. Logo, qualquer irregularidade de notificação à Requerente do apoio judiciário de uma qualquer decisão proferida por aquela entidade administrativa no âmbito de tal processo deve por tal Requerente ser deduzida ou levantada naquele mesmo processo administrativo e junto da entidade competente para a sua tramitação e decisão, como sucedeu no caso dos autos. Como se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 30 de Novembro de 2010 (Processo n.º 2990/08.6TBSTS-B.G1) tendo “a Segurança Social concedido à exequente o benefício do apoio judiciário e não tendo sido impugnada judicialmente essa decisão, o tribunal não pode, oficiosamente e atenta a sua esfera de competência (material), decidir, que tal benefício “não deve ser atendido” e “que esta está obrigada ao pagamento das custas em que foi condenada”. Conclui-se, desta forma, sem necessidade de maiores considerações, pela procedência da apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, que determinou o desentranhamento da petição de embargos, devendo a mesma ser admitida, se nada mais a tal obstar. * IV. Decisão Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que admita a petição de embargos de executado, salvo se a tanto, outra circunstância obstar. Custas pelo vencido a final. Registe e notifique. * Évora, 27.03.2025 Ana Pessoa Maria João Sousa e Faro Ricardo Peixoto
________________________________________________ 1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎ 2. Cf. neste sentido, o Acórdão desta Secção de 24.02.2022, já citado e toda a doutrina e a jurisprudência no mesmo citadas.↩︎ |